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O SIMPLES federal, os regimes de microempresa estaduais e o flagrante desrespeito ao princípio constitucional da não cumulatividade no IPI e no ICMS

O SIMPLES federal, os regimes de microempresa estaduais e o flagrante desrespeito ao princípio constitucional da não cumulatividade no IPI e no ICMS

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Tanto para o ICMS como para o IPI, não cabe à legislação ordinária estabelecer limitações ou estabelecer tratamento quanto a aproveitamento e transferência de créditos, uma vez que tal atributo é originalmente de lei complementar.

1) DIREITO AO CRÉDITO DE IPI NAS AQUISIÇÕES DE INSUMOS ISENTOS, NÃO TRIBUTADOS, TRIBUTADOS À ALÍQUOTA ZERO E DE EMPRESA OPTANTE PELO REGIME "SIMPLES FEDERAL".

I – CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES QUANTO AO IPI

Como e sabido e notório, o Governo Federal, em face de inúmeros e sérios problemas econômicos enfrentados, procura impor a sociedade um aumento da carga tributária, a qual já é elevada, comparativamente aos padrões dos países com economias mais desenvolvidas, ainda que os serviços públicos colocados à disposição dos cidadãos não sejam na mesma proporção.

Em virtude disso, ocorre também, um número extremo elevado de ofensas à Constituição Federal do Brasil. Um claro exemplo de distorção a carta magna por ser conferido ao não conhecimento do crédito presumido do IPI, referente à aquisição de insumos (matéria-prima, material intermediário e material de embalagem) desonerados do imposto, porém aplicados na produção de produtos industrializados e tributados na saída.

Sendo assim, a indústria para atender seu setor produtivo, adquire matérias-primas, materiais secundários e matérias de embalagens, com tributação, isento, não tributada, imune, e ainda reduzidas à alíquota zero, porém o atual regulamento do IPI, aprovado pelo Decreto nº 4.544, de 26 de Dezembro de 2002, através do artigo 163, veda o direito ao crédito do IPI, quando essas aquisições estivem desoneradas do Imposto sobre Produtos Industrializados, por ocasião da entrada.

Na verdade, até mesmo o legislador hoje aceita a manutenção do crédito de IPI quando as saídas estiverem alcançadas pelo benefício da isenção ou redução da alíquota a zero, visto que com a edição da Lei nº 9.779/99, a outrora obrigatoriedade de estorno dos créditos de IPI foi abolida de nosso ordenamento jurídico.

É preciso estudar essa questão do crédito do IPI com serenidade, sem paixão, sem argumentos extrajurídicos, mas, exclusivamente á luz de princípios constitucionais tributários e da jurisprudência consolidada.

Assim analisaremos o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, sob o enfoque da visão do sistema constitucional pátrio, tendo em vista que, além dos princípios norteadores da tributação, a Constituição traçou os possíveis desenhos constitucionais (arquétipos constitucionais).


II – DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO IPI

Os mestres em direito tributário, professores Geraldo Ataliba e Roque Antonio Carraza, ensinam que não existe tributo fora da Constituição Federal.

E, de acordo com Kelsen, as normas jurídicas se encontram escalonadas hierarquicamente, no que se costumou designar de pirâmide jurídica.

Desta forma, toda norma jurídica colocada na pirâmide deve respeitar a norma imediatamente superior e assim por diante, até que seja alcançado o topo onde se encontra situada a Constituição Federal.

DO IMPOSTO SOBRE CONSUMO AO IPI.

O Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, tem sua origem no antigo imposto sobre Consumo que aparece pela primeira vez, na Constituição de 1934:

Art. 6º- Compete também, privativamente, à União:

I)- decretar impostos:

b)- de consumo de quaisquer mercadorias, exceto os combustíveis de motor de explosão;

Na Constituição de 1946, foi atribuído à União instituir imposto sobre consumo de mercadorias, e sobre a produção:

Art. 15 - Compete à União decretar impostos sobre:

II – Consumo de mercadorias;

III – produção, comércio, distribuição e consumo, e bem assim importação e exportação de lubrificantes e de combustíveis líquidos ou gasosos de qualquer origem ou natureza, estendendo-se esse regime, no que for aplicável, aos minerais do país e à energia elétrica;

Porém, é com a Emenda Constitucional nº 18, de 01 de dezembro de 1.965, que aparece pela primeira vez o Imposto sobre Produtos Industrializados, sendo este de caráter não-cumulativo e seletivo em função da essencialidade dos produtos.:

Emenda Constitucional nº 18

Seção IV
          IMPOSTOS SOBRE A PRODUÇÃO, E A CIRCULAÇÃO.

Art. 11 – Compete à União o imposto sobre produtos industrializados

Parágrafo único. O imposto é seletivo em função da essencialidade dos produtos, e não-cumulativo abatendo-se, em cada operação, o montante cobrado nas anteriores.

A Constituição de 1988 atribui competência à União para instituir entre outros, o Imposto sobre Produtos Industrializados, mantendo a seletividade dos produtos e a não-cumulatividade, constituindo esta última em abater-se em cada operação, o montante cobrado nas anteriores.

Como se vê, a única alteração no âmbito constitucional deste imposto foi a mudança de sua denominação, ocorrida na vigência da Carta Magna de 1946.

Constituição Federal de 1988:

Art. 153 - Compete à União instituir impostos sobre:

IV – Produtos industrializados;

§ 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendida as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I,II,IV e V.

§ 3º - O imposto previsto no inciso IV:

I – Será seletivo, em função da essencialidade do produto;

II – Será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;


III – A LEI Nº 9.779/99 E A EVOLUÇÂO DA TESE DO CREDITAMENTO DO IPI

Conforme prescrevia o artigo 100, inciso I, letra "a" do Regulamento do IPI (Decreto nº 87.981/82), norma repetida no artigo 174 do Decreto nº 2.637/98 (alteração do Regulamento do IPI), recentemente alterado pelo Decreto nº 4544/02, os contribuintes deveriam anular, mediante estorno, o crédito do imposto relativo às entradas tributadas, quando na saída de seus tributos incidir algum benefício fiscal, senão vejamos:

"Art. 100 - Será anulado, mediante estorno na escrita fiscal, o crédito do imposto:

I - relativo a matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, que tenham sido:

a) empregados na industrialização, ainda que para acondicionamento, de produtos isentos, não-tributados ou que tenham suas alíquotas reduzidas a zero, respeitadas as ressalvas admitidas."

É de se observar, pois, com meridiana clareza, que o diploma legal referenciado, hierarquicamente inferior a Constituição Federal, impunha o estorno do crédito relacionado com as aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, onerados pelo IPI, quando as saídas subseqüentes estiverem amparadas com isenção, não incidência ou com redução da alíquota a zero.

Ocorre que a Constituição Federal, que, dentre outras normas, prescreve regras de limitação ao poder de tributar, dispõe que o Imposto sobre Produtos Industrializados será regido pelo princípio da não-cumulatividade, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores.

Desta forma em um determinado mês de apuração o contribuinte ao comprar os produtos ou matérias primas necessárias a sua industrialização credita-se do percentual do imposto incidente, podendo compensar, este crédito, com o débito que será gerado quando da saída de seus produtos industrializados.

Assim sendo quem arca com o ônus financeiro do tributo na verdade não é o industrial e sim o consumidor final da cadeia comercial, impedindo assim que o tributo incida em cascata onerando tanto os consumidores finais como a cadeia produtora e comercial.

Este é o direito que estava sendo desrespeitado pela regra constante do artigo 100, inciso I, letra "a" do antigo RIPI, pois o direito ao crédito estava sendo violado por norma hierarquicamente inferior à Constituição Federal, coisa rechaçada tanto pela doutrina como pela Jurisprudência pátria.

O princípio da não-cumulatividade impede a cobrança de tributos com o efeito conhecido como "cascata", ou seja, impede que a mesma alíquota seja aplicada subseqüentemente sobre as bases de cálculo, repassando o ônus financeiro, ao consumidor final da cadeia negocial.

Na verdade o que o princípio da não-cumulatividade faz é criar dois contribuintes distintos o jurídico ou "de iure", ou seja, aquele agente capaz de praticar o fato imponível descrito na hipótese de incidência e o contribuinte econômico ou "de factum", sendo aquele que suporta o encargo financeiro do tributo.

O que se coloca desde já, é que, aos olhos do direito pátrio, somente tem relevância o contribuinte de direito, posto ser o mesmo, o único agente capaz de desencadear a obrigação tributária e ser o mesmo o responsável pelo recolhimento do imposto bem como pelo cumprimento dos deveres instrumentais (obrigações acessórias).

Mesmo que a operação tenha por objeto a saída de produtos ou mercadorias sujeitos a normas de "não-incidência", "isenção" e "incidência à alíquota zero", permanecerá íntegro o direito do compensar, mediante o lançamento a crédito, nos livros fiscais, do imposto incidente nas operações anteriores, como também permanecerá íntegro o direito à manutenção desse crédito, para compensação em outras operações, no mesmo ou em subseqüente período.

No momento em que é realizada à operação anterior` - observa José Eduardo Soares de Mello - ´é que nasce o direito constitucional ao crédito, que não pode sofrer deformações de qualquer natureza, nem se condicionar ao tipo de operação que futuramente venha a ser realizada. (op. Cit. P. 92)

Se assim não fosse, ter-se-ia outro fantástico absurdo, que a Ciência Hermenêutica não tolera: na saída de produtos industrializados não sujeitos à tributação, isentos ou tributados à alíquota zero, o contribuinte não poderia manter o crédito no valor correspondente ao montante do imposto incidente sobre os insumos; já na saída de produtos tributados à alíquota 1%, 0,5% ou 0,1%, o contribuinte poderia lançar o crédito e utilizá-lo na compensação. Em conseqüência, o produto não-tributado, o isento e o tributado à alíquota zero "carregariam" o imposto incidente sobre os insumos; na Segunda hipótese, o contribuinte efetuaria a compensação e ainda manteria o saldo do crédito, para compensação em ulteriores operações."

E, concluindo, com maestria, José Eduardo nos ensina:

"Enfim, a manutenção do crédito, para efeito de compensação no período de apuração subseqüente, não é nenhum favor fiscal, mas procedimento inerente a um DIREITO CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADO ao contribuinte, em razão de pressupostos econômicos e sociais e não meramente fiscais.

POR TODAS AS RAZÕES ANTES EXPOSTAS, A CONSTITUIÇÃO DE 1988, AO SER PROMULGADA, TORNOU REVOGADAS, POR ABSOLUTA INCOMPATIBILIDADE COM SUAS NORMAS, AS DISPOSIÇÕES DOS §§ 1º E 4º DO ART. 25 DA LEI Nº 4.502, DE 30/11/64, E DO INCISO I DO ART. 82 E DA ALÍNEA "A" DO INCISO I DO ART. 100 DO REGULAMENTO DO IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (RIPI).

Não bastassem as inconstitucionalidades acima apontadas, foi editada em 20 de janeiro de 1.999 a Lei nº 9.779, que veio a pacificar o entendimento e, admitindo a manutenção do crédito quando a saída dos produtos for isenta ou tributada com alíquota zero, senão vejamos:

"Lei nº 9.779, de 20/01/99

          Art. 11 - O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, acumulado em cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devida na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei nº 9.430, de 1996, observadas normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal - SRF, do Ministério da Fazenda.".

Note-se que referida lei, somente previu a operação inversa, ou seja, quando a entrada for tributada e a saída isenta, mas na prática o que fez foi admitir que os contribuintes estavam certos, prestigiando a tese alardeada pela maioria da doutrina e jurisprudência pátria.

Isto é, a partir da edição de tal norma, as empresas que operarem com produtos isento, ou tributado à alíquota zero, podem manter o crédito do IPI decorrente da entrada tributada, e ainda, compensar com as saídas tributadas ou com tributos arrecadados pela Secretaria da Receita Federal nos moldes da Lei nº 9.430/96.

Recentemente a Receita Federal, em respostas a contribuintes, acabou por entender o benefício aos produtos industrializados desonerados do imposto na entrada, conforme transcrição de resposta na íntegra:

"710. Tendo em vista o art. 11 da Lei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999, o estabelecimento industrial que adquire matérias-primas (MP), produtos intermediários (PI) e material de embalagem (ME) de comerciante atacadista não-contribuinte pode utilizar a faculdade prevista no art. 148 do RIPI/1998 quando der saída a produtos tributados à alíquota zero, isentos ou imunes?".

          Sim. O art. 11 da Lei nº 9.779, de 1999, não interferiu na aplicação do referido art. 148 do RIPI/1998."


IV – DA JURISPRUDÊNCIA SOBRE A MATÉRIA

Na vigência da Constituição anterior, antes da Emenda Constitucional nº 23/83, permitia-se livremente a compensação no tocante ao ICM, na operação seguinte, do valor correspondente à isenção, tendo o Supremo Tribunal Federal decidido que:

"ICM. Matéria-prima importada, com isenção, destinada ao processo de industrialização de produtos sujeitos ao tributo, em sua saída. Direito ao credito do ICM, até a Emenda Constitucional n. 23, de 1983. (RE nº 111721-RS).

" ICM. ISENÇÃO. MATÉRIA-PRIMA IMPORTADA. CREDITAMENTO. Entendimento que prevalece até a Emenda Constitucional nº 23 assegura que a isenção do ICM na importação de matéria-prima gera creditamento na operação subseqüente. (RE nº 111502-RS).

O Supremo Tribunal Federam, em sessão Plenária, ao julgar o recurso Extraordinário nº nº 212.484-2, (Rel. Ministro Nelson Jobim, DJU 27-11-98, p. 725), decidiu da seguinte forma:

"Constitucional. Tributário. IPI. Isenção incidente sobre insumos. Direito de Crédito. Princípio da Não Cumulatividade. Ofensa Não Caracterizada.

Não ocorre ofensa à CF (art 153, § 3º, II) quando o contribuinte do IPI credita-se do valor do tributo incidente sobre insumos adquiridos sob o regime de isenção".

No mesmo sentido tem decidido a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais:

"IPI. Constitucional. Crédito e Compensação de IPI de produtos isentos, oriundos da Zona Franca de Manaus. Ao contrário do que a Constituição prevê em relação ao ICMS, quanto ao IPI, a Carta não faz restrições quanto ao direito de o contribuinte aproveitar o crédito do IPI de produtos isentos, no caso oriundo da Zona Franca de Manaus" (TRF4ª R - REO 94.04.28218-0-SC - 1ª Turma Rel. Juiz Volkmer de Castilho - RDT 20/205).

"CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. IPI. OPERAÇÃO ANTERIOR DE ENTRADA DE MATÉRIA-PRIMA. ISENÇÃO. NÃO-CUMULATIVIDADE. CREDITAMENTO DO IMPOSTO. ARTIGO 153, PARÁGRAFO TERCEIRO, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. CTN, ARTIGO 49. LEI N. 8.393/91. ARTIGO SEGUNDO. DECRETO-LEI 288/67. ARTIGO NONO.

1. O creditamento do IPI por decorrência da aquisição de matérias-primas incorporadas ao produto final ou semi-final, favorecidas com isenção do imposto, tem amparo no princípio constitucional da não-cumulatividade.

2. O fato da isenção do IPI na operação anterior, não é obstáculo ao exercício do direito ao crédito que, se não fosse efetuado, conduziria a supressão da isenção e a converteria em mero diferimento de incidência.

3. Inteligência das disposições constitucionais e legais que, no tocante ao IPI, regulam a não-cumulatividade e as isenções (artigo 153, parágrafo 3º, II, da CF/88, Artigo 49 do CTN, artigo 2º, da Lei n. 8.393/91 e artigo 9º do Decreto-Lei n. 288/67).

4. Sentença mantida. Apelação e remessa oficial improvidas). (TRF 5ªR. AMS n. 00554835-8/96-RN. Rel. Juiz Geraldo Apoliano. DJU 27-09-96. P. 73026).


V – CONSIDERAÇÕES ACERCA DO SIMPLES FEDERAL

O sistema "SIMPLES" veio a integrar nosso ordenamento legal, a partir de janeiro de 1997, com o advento da Lei 9.317, de 05.12.96, tendo como intuito simplificar e unificar a arrecadação de vários tributos (impostos e contribuições), que outrora eram recolhidos individualmente por determinadas empresas.

A referida Lei 9.317/96, tem, justamente na simplificação e unificação de empresas optantes pelo sistema, com respaldo no art. 179 do texto constitucional, sua natureza jurídica, pois confere ao optante o tratamento diferenciado, simplificado e favorecido, implicando, ato contínuo,em pagamento mensal unificado de impostos e contribuições federais através de formulário próprio, o DARF SIMPLES.

Dentre as inúmeras regras criadas a partir deste sistema, atendo-se ao tema creditamento, encontramos textual vedação de apropriação ou transferência de créditos do IPI em seu artigo 5º, § 5º, que, aliás, foi repetida pelo regulamento atual (aprovado pelo Decreto 4.544/02) em seu artigo 118 (da mesma forma que no art. 106 do Regulamento anterior aprovado pelo Decreto 2.637/98).

Isto significa dizer que, à luz da lei, é impossível pleitear-se administrativamente o crédito presumido do IPI por aquisição de insumos de empresa optante pelo SIMPLES, eis que claramente vedada tal pretensão, seja pela empresa optante, ou ainda, pelos seus adquirentes, uma vez que inexiste o respectivo destaque e conseqüente recolhimento.

Tal situação, a nosso ver, revela-se viciada por não atender a requisitos mínimos que passamos a considerar:

A opção é feita pelo vendedor e não pelo comprador, demonstrando a lei, total desprezo pelo princípio constitucional da não-cumulatividade, pois diferentemente do ICMS, para o IPI, tal situação é, antes de tudo, uma imposição claramente estabelecida pelo art. 153, § 3º da Constituição Federal, no sentido de determinar que se compense o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores.

Não se ouse dizer que o imposto não é cobrado quando da aquisição de empresas optantes pelo SIMPLES, uma vez que se adiciona 0,5% pelo simples exercício da condição de industrial ou equiparado a industrial;

Ao não considerar o princípio da não-cumulatividade, esqueceu o legislador infraconstitucional que o IPI, como a grande maioria dos tributos, repercute no preço final no momento da sua venda, significando dizer que as aquisições feitas por empresas optantes, já foi, na sua maioria onerada pelo IPI, e que, por força da opção feita, não serão aproveitadas, mas serão embutidas no preço final, que, somado aos 0,5% anteriormente citados, serão repassados ao comprador contribuinte do IPI, no que a contabilidade de custos chama de repercussão, sem o mínimo de aproveitamento por parte do comprador;

Não bastasse o ferimento ao princípio da não-cumulatividade, ressaltamos a inconstitucionalidade de tal vedação ante o disposto no art. 146, III, "b" da Constituição, pois lá está o limite do legislador infraconstitucional, uma vez que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária, especialmente sobre obrigação, lançamento e crédito, dentre outras, demonstrando-se com isto que a Lei 9.317/96, como o próprio regulamento do IPI, exacerbou em sua competência, recaindo-se no que julgamos ser autêntico vício de origem, pois tal regra deveria, caso se admitisse tal restrição, ser efetuada não por lei ordinária, mas sim por lei complementar, embora se frise que não estabeleceu o texto constitucional tal limitação, não cabendo à lei, seja de que espécie for, criá-la, até porque, como já vimos alhures, a Lei 9.779/99 veio por reconhecer esta realidade quanto a anteriores vedações também hoje inexistentes;

Ao não permitir tal creditamento, em verdadeiro descompasso com situação análoga à prevista no art. 165 do RIPI/02 (crédito de 50% nas aquisições de não contribuinte atacadista), fere-se, indiretamente, o princípio da seletividade e a própria essência do art. 179 do texto constitucional, pois as empresas inscritas em tal sistema não possuem estrutura de custos que lhes permitam competir em preço com empresas que ofereçam produtos similares, mas com crédito do imposto ao comprador, notadamente porque ao não se apropriarem de suas aquisições e o repassarem em seus preços estarão onerando seu produto de forma a se obter resultado diverso do pretendido no princípio da seletividade, no tratamento diferenciado previsto, sem esquecimento da não-cumulatividade, e, por conseqüência, ressuscitando o odioso efeito cascata, incompatível com os tributos de valor agregado como o IPI e em total descompasso com as regras constitucionais retrocitadas.

A seletividade do IPI é vinculada a sua essencialidade e a Lei 9.317/96 ousou orientar que a opção pelo sistema representa abstinência de qualquer benefício, quando tal tratamento não é passível de desistência, uma vez que, como a não-cumulatividade, não admitem restrições, mesmo que sob a vetusta alegação de tratamento diferenciado, que, na realidade, reveste-se em mera simplificação para o optante, não se admitindo transferência da sua onerosidade para os adquirentes contribuintes uma vez que o texto constitucional lhe garante o crédito.

Dentre as obrigações cabíveis à Lei complementar, e que a Lei 9317/96 usurpou, há que se observar que somente a Lei Complementar pode introduzir normas gerais sobre o lançamento dos tributos e que no caso em tela, notadamente pelo acréscimo dos 0,5% nas saídas das empresas optantes, na impossibilidade de creditamento nas suas aquisições e pela natural repercussão do tributo, que há sim o lançamento do imposto, notadamente porque há a ocorrência do fato gerador descrito no art. 34 do RIPI/02 e a empresa optante é contribuinte do imposto, seja como industrial, seja como equiparado, não cabendo à lei ordinária, sob o pretexto de cumprimento do art. 179 da CF, desrespeitar os demais princípios constitucionais de forma a desrespeitar direitos de terceiros como claramente estabelecido nos princípios dos direitos e garantias constitucionais, como se estivesse aqui desconsiderando a personalidade jurídica dos adquirentes em detrimento dos seus direitos creditícios, notadamente porque o art. 146 do CTN consubstanciou o princípio da imodificabilidade do lançamento, de forma a permití-lo apenas e tão-somente em relação ao sujeito passivo optante pelo sistema.

Desta forma, entendemos ser inadmissível tal vedação, pois o fato de haver tratamento diferenciado para empresas enquadradas no SIMPLES é uma opção exercida por estas e que não cabe reparo, mas ao ampliar seus efeitos aos adquirentes, de forma a impedir o seu creditamento transcende os objetivos do tratamento diferenciado uma vez que transfere limitações aos adquirentes, em flagrante desrespeito não só à pretensão do art. 179, porque extrapola sua motivação, seja por desrespeito ao art. 146, III, "c" da Constituição, como aos princípios da não-cumulatividade e seletividade (verdadeiros bastiões do contribuinte deste imposto), ou ainda, porque fere princípios elementares como a segurança jurídica e a isonomia tributária, pois assim como em situações análogas anteriormente citadas a opção pelo SIMPLES para empresas industriais e equiparadas não representa ausência de tributação, mas sim de tributação diferenciada, não se admitindo, dentro do espírito de justiça fiscal, que inexista creditamento por parte dos adquirentes de insumos.

Ressalte-se, a bem do esclarecimento, que o tema, embora seja resultado de nossa convicção, não possui posicionamento oficial e tampouco respaldo específico no judiciário, mas nos valemos das considerações feitas anteriormente e também na analogia preconizada pelo artigo 108 do Código Tributário Nacional.


2. DIREITO AO CRÉDITO DE ICMS NAS AQUISIÇÕES DE INSUMOS DE
EMPRESAS OPTANTES PELO REGIME "SIMPLES ESTADUAL"

No ano de 1996, com a promulgação da Lei n.º 9.317, foi instituído o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - SIMPLES, possibilitando uma tributação mais branda e simplificada dos impostos e contribuições federais aos contribuintes que atendessem a certos requisitos. Essa mesma lei facultou, aos contribuintes sediados em unidade federada que tenha firmado convênio com a União a opção do recolhimento do ICMS com base no mesmo sistema, aplicando-se um percentual mais baixo. No entanto, ao passo que permitiu o recolhimento do ICMS pelo referido sistema de tributação, vedou por intermédio de seu artigo 5º, § 5º, o aproveitamento dos créditos decorrentes das operações anteriores.

O Estado do Paraná, como muitos outros entes federados, não firmou convênio com a União Federal permitindo o recolhimento do ICMS de acordo com o SIMPLES, vindo a estabelecer regra própria por intermédio do Decreto 2953/97, mas com os mesmos atributos do SIMPLES Federal, inclusive quanto a muitos de seus vícios, em que pese haver inegáveis avanços em relação àquele, mas antes de tudo, dele derivado quanto a sua concepção. O Decreto Estadual n.º 5.141/01, ao regulamentar a matéria, por meio de seu artigo 412, na mesma esteira do anterior Decreto 2953/97, seguiu o disposto na Lei n.º 9.317/96, impedindo o aproveitamento dos créditos do ICMS pelas empresas optantes pelo SIMPLES.

Não bastasse isso, em seu artigo 415, I, proibiu o destaque do valor do ICMS nas notas fiscais emitidas pelos optantes do SIMPLES, o que impedia as pessoas jurídicas que vierem a adquirir mercadorias dessas empresas de aproveitar os créditos de ICMS relativos àquela operação, haja vista que sem o destaque do ICMS não poder-se-á apurar o valor do crédito correspondente.

Depreende-se, pois, que na sistemática imposta pelo Decreto n.º 5.141/01 [1], nem a pessoa jurídica optante pelo SIMPLES, nem as pessoas jurídicas que com ela mantém relações comerciais podem se creditar dos valores pagos a título de ICMS nas operações anteriores

Dessa forma, apresentam-se duas situações distintas, a) uma determinação constitucional (artigo 155, §2º da CF/88) autorizando o contribuinte a compensar os valores devidos a título de ICMS com os valores pagos sob essa rubrica nas operações anteriores e b) a instituição de uma legislação que, estabelecida para diminuir a tributação e facilitar o recolhimento fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte, veda a utilização do sistema não cumulativo concedido pela Constituição Federal. Portanto, uma posição legalmente estabelecida contrária aos mais elementares entendimentos jurídico-tributário-constitucionais.


O PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE DO ICMS

O princípio da não cumulatividade, está disposto no artigo 155, § 2º, II, da Carta Constitucional de 1988, donde percebe-se que o legislador constituinte o elegeu como regra geral para o tratamento das operações tributadas pelo ICMS, descrevendo taxativamente e no mesmo momento as exceções a sua observação.

Em busca do significado da expressão que denomina o princípio em estudo, José Eduardo Soares de Mello, citando Cleber Giardino, afirma ser inútil tecer qualquer consideração de índole econômica e política para compreender seu sentido, pois, a Constituição não tomou tal expressão da economia a fim de elucidar o sistema de compensações do ICMS, tendo, ao invés, tornado o referido imposto não cumulativo graças a um sistema de abatimentos constitucionalmente eleito.

Com efeito, o Texto Constitucional impõe aos Estados e ao Distrito Federal a obrigatoriedade de conceder ao contribuinte o direito de compensar o devido em cada etapa da circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual ou intermunicipal e de comunicação, com os valores cobrados a título de ICMS nas etapas anteriores.

Tal mecanismo foi inserido na Carta Constitucional com a finalidade de evitar que o consumo fosse taxado de maneira demasiada, o que certamente levaria a redução dos investimentos no país. Ora, caso não houvesse a compensação dos valores pagos nas etapas anteriores da produção e/ou da comercialização dos produtos e serviços, certamente ocorreria um aumento artificial do preço da mercadoria ou do serviço, pois, sobre a mesma base de cálculo estaria havendo mais de uma incidência, podendo gerar um fenômeno confiscatório.

Dessa forma, o princípio da não cumulatividade destina-se a coadunar o ICMS à disciplina constitucional tributária (respeito aos princípios do não confisco e da isonomia) e ao desenvolvimento sócio-econômico do país, configurando-se em diretriz normativa que impede o Poder Legislativo infraconstitucional de tratar a matéria de maneira diversa e o Poder Executivo de recusar a aceitação da compensação dos créditos provenientes das operações anteriores.

Nesse sentido já se manifestou Roque Antônio Carrazza, para quem:

"... tal princípio está todo voltado contra os Estados e o Distrito Federal, porquanto a incidência do ICMS em cada operação determina o surgimento de uma relação de crédito em favor dos contribuintes. Realmente, a dicção constitucional "compensando-se o que for devido (...). confere de modo direto, ao sujeito do ICMS o direito do abatimento oponível, "ipso facto", ao Poder Público no caso de este agir de modo inconstitucional, seja na instituição (providência legislativa), seja na cobrança (atividade administrativa) do tributo."

Também, CARVALHO(7), citado por MELLO (2000, p. 197) ressalta que:

"O primado da não cumulatividade é uma determinação constitucional que deve ser cumprida, assim por aqueles que dela se beneficiam, como pelos próprios agentes da Administração Pública. E tanto é verdade, que a prática reiterada pela aplicação cotidiana do plexo de normas relativas ao ICM e ao IPI consagra a obrigatoriedade do funcionário, encarregado de apurar a quantia devida pelo contribuinte, de considerar-lhe os créditos, ainda que contra sua vontade".

Assim sendo, percebe-se que o disposto no artigo no artigo 155, § 2º configura-se numa "ordem" aos Estados e ao Distrito Federal, não podendo ser suprimido pela legislação infraconstitucional ou por ato do Poder Executivo, devendo ser observado ainda que contra a vontade do contribuinte.

Ressalte-se, ainda, que o princípio da não cumulatividade independe de qualquer outro mecanismo para ser aplicado, não sendo admissível sua inobservância, em nenhuma hipótese fora das expressamente previstas na própria Constituição, pois, utilizando-se a classificação de José Afonso da Silva, constata-se sua eficácia plena e aplicabilidade imediata.

"Mutatis Mutandis", os mesmos argumentos utilizados para não-cumulatividade do IPI, ressalvadas as restrições constitucionais da isenção e não-incidência para o ICMS (art. 155, § 2º, II da CF), com respaldo nos artigos 145 e 155, § 2º, XII da Constituição Federal, não conferem à lei complementar, como muito menos o fariam à legislação estadual, a pretexto de atender o mandamento constitucional do art. 179, o direito de criar limitações de crédito em evidente ferimento ao princípio da não-cumulatividade.


A COMPENSAÇÃO DOS VALORES DEVIDOS EM TODAS AS OPERAÇÕES ANTERIORES COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DA NÃO CUMULATIVIDADE

A Carta Constitucional, como já exposto, delimita os aspectos jurídicos do ICMS, estabelecendo sua base de cálculo, sua natureza não cumulativa e a até mesmo a maneira pela qual esta se materializará, não havendo outros limites para o aproveitamento de seus créditos senão os enumerados no, § 2º, II, do Art. 155 da CF/88.

Conforme entendimento anteriormente firmado, a norma constitucional em análise não informa, não recomenda, mas sim impõe uma conduta ao Poder Público, não podendo esse, sob qualquer pretexto, estabelecer empecilhos ao aproveitamento dos créditos de ICMS.

Dessa forma, qualquer Lei, Estadual ou Federal, Ordinária ou Complementar, que dispuser em sentido contrário ao estabelecido no artigo 155, § 2º da CF estará eivada de inconstitucionalidade.

Isto posto, se faz necessário definir a quais operações tem o contribuinte direito de se utilizar, ou seja, dos créditos provenientes de qual ou quais operações/prestações pode ele se creditar.

Nesse passo, faz-se necessário separar duas situações fáticas: a) quando ocorre isenção ou não incidência do imposto sobre o consumo e b) quando há tributação em todas as etapas da cadeia circulatória. A primeira hipótese encontra-se disciplinada no artigo 155, § 2º, II da Carta Constitucional, havendo expressa vedação ao aproveitamento dos créditos. Em que pese o disposto no referido artigo da Constituição, percebe-se que, se a isenção ou não incidência não ocorrer na primeira ou na última etapa da cadeia circulatória ter-se-á aumento da carga tributária ao invés de redução. Essa questão, entretanto, não será abordada no presente estudo haja vista não fazer parte de seu objetivo específico.

No entanto, no que tange às operações tributadas em todas as fases da cadeia circulatória, como é o caso das empresas optantes pelo SIMPLES, configura-se plenamente viável a utilização dos créditos oriundos de todas as operações anteriores, desde que não aproveitados por outro contribuinte.

Essa afirmação pode ser constatada pela simples leitura da Constituição Federal de 1988, donde se verifica que a redação de seu artigo 155, § 2º, está no plural, determinando a compensação do "que for devido em cada operação relativa a circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo...".

Ora, estando expressa no artigo a autorização à compensação dos valores cobrados nas operações anteriores, não pode o Poder Público pretender limitar o aproveitamento dos créditos oriundos apenas da operação imediatamente anterior.

Nesse sentido, Rubens Gomes de Souza, citado por ARZUA (1998, p.13), afirma que:

"... a Emenda Constitucional n.º 18, nos arts. 11, parágrafo único e 12 § 2º, e a Constituição de 1967, arts. 22, § 4º, e 24, § 5º, enunciam a norma de não cumulatividade quanto ao IPI e ao ICM, dizendo que em cada operação abater-se-á o imposto cobrado nas anteriores. Falando no plural, aqueles dispositivos referem-se a todas as parcelas do imposto total, acumuladas até (inclusive) a operação imediatamente anterior à considerada, e não somente à parcela do imposto total, relativa àquela operação imediatamente anterior à considerada".

Heron Arzua também partilha do posicionamento ora exposto, afirmando que:

"A redação do art. 155, §2 º, item I, da Constituição vigente, na seqüência firme de todas as normas constitucionais anteriores (Emenda Constitucional n.º 18, de 1965, Constituição de 1967, Emenda n.º 1 de 1969, à CF de 1967, Emenda Constitucional n.º 23, de 1983, à CF de 1969) confirma o intuito do aproveitamento do imposto sobre "as operações anteriores" e não somente aquele carregado na última operação imediatamente anterior à operação considerada".

O autor bem nos lembra que o termo "operações" é escrito no plural desde a Emenda Constitucional de 1965, demonstrando a intenção dos constituintes pátrios em manter a total compensação dos valores pagos a título de ICMS a fim de evitar o aumento artificial dos preços.

Cabe ressaltar novamente que, se um contribuinte não puder utilizar os créditos de ICMS pagos nas etapas anteriores, o valor pago a esse título passará a compor o custo do produto, trazendo como conseqüência imediata prejuízo ao consumidor final e à cadeia produtiva.

Dessa forma, conclui-se que a compensação dos créditos de ICMS, para cumprir integralmente o princípio da não cumulatividade disposto na Constituição Federal, sob a ótica jurídica, frise-se, deve ser plena, compensando-se todo e qualquer valor pago sob a rubrica de ICMS nas operações anteriores.

Neste sentido aliás temos exemplos que denotam esta tendência mesmo no ordenamento jurídico estadual, no art. 24, § 5º do Regulamento vigente atualmente, ao permitir o aproveitamento, em etapas posteriores, de créditos anteriormente não apropriados no afã de se evitar a cumulatividade anteriormente existente sob o epíteto de efeito cascata, repetindo mandamento descrito no § 6º do art. 20 da Lei Complementar 87/96.

À Lei Complementar 87/96, em que pese o questionamento constitucional retromencionado às limitações sofridas com a alteração da Lei Complementar 102/00, apresenta ainda outras evidentes demonstrações da verdadeira intenção do crédito no contexto do ICMS nos seus artigos 19, 20, 23 e 25, dentre outros, naquilo que o Professor Hugo de Brito Machado veio a chamar de interpretação finalística dos princípios constitucionais; ou seja, a finalidade do princípio da não-cumulatividade é, justamente, evitar que o legislador infraconstitucional acumule carga tributária por meio de subterfúgios lingüísticos que o texto constitucional simplesmente não autoriza, exceção à isenção e à não-incidência de que trata o art. 155, § 2º, II (que ainda assim admite exceções legais permissivas), sob pena de se ferir outros princípios constitucionais como o da segurança jurídica e os demais princípios e garantias constitucionais de uma República Federativa como o nosso País.

Em síntese, o princípio da não-cumulatividade não permite interpretações elásticas no sentido de limitar, seja por meio de lei complementar ou por meio de lei ordinária, mesmo que a pretexto de atendimento de outro mandamento constitucional [2], pois o princípio da não-cumulatividade não é princípio que admita exceções e tampouco pode ser tratado como um sub-princípio, uma vez que a sua finalidade é justamente evitar erros do passado como o odioso efeito cascata, que ainda subsiste nas contribuições sociais hoje existentes e que aos poucos começa a ser objeto também de questionamento.


A IRRELEVÂNCIA DO EFETIVO PAGAMENTO DO IMPOSTO NAS ETAPAS ANTERIORES PARA A OBTENÇÃO DO CRÉDITO

No que se refere ao direito de compensação dos créditos de ICMS faz-se necessária a interpretação do termo "montante cobrado nas operações anteriores". Tal expressão não pode, porém, ser interpretada em seu sentido literal sob pena de se esvaziar o conteúdo do princípio da não cumulatividade. Ora, o contribuinte não tem meios e nem competência (poder de polícia) para proceder a averiguação do pagamento ou da efetiva cobrança do tributo por parte do ente competente.

No entendimento de José Eduardo Soares de Mello:

"A compreensão da norma pauta-se no sentido da existência de uma anterior operação, ou prestação, sendo de todo irrelevante exigir-se ato de cobrança, ou prova da extinção da obrigação, mesmo porque o prazo legal para a realização de tais atos pode ser maior do que o período para a fruição normal do crédito fiscal". "Discordo, todavia, da condição de referência exclusiva à nota fiscal para permitir o direito ao crédito, visto que o documento representa mero dever acessório que não pode jamais sobrepor-se a princípio constitucional da mais alta envergadura".

COSTA, citado por MELLO (2000, p. 200), já se manifestou no sentido de que "o vocábulo ´´cobrado´´ não pode ser entendido no sentido de ser concretamente exigido..." e que "o sentido de cobrar só pode ser o de incidir".

O direito à compensação dos créditos de ICMS independe, assim, do pagamento ou da efetiva cobrança do imposto, bastando tão-somente a comprovação documental da realização da venda, não sendo necessária nem mesmo a emissão de nota fiscal.

Nesse sentido Roque Antônio Carrazza afirma que:

"A interpretação cuidadosa do Texto Constitucional revela-nos que o direito de crédito em tela independe, para surgir, da efetiva cobrança do ICMS nas anteriores operações ou prestações. Deveras, a Magna Carta nada exige neste sentido, não podendo nenhuma norma infraconstitucional criar restrições a respeito. Isso significa que o direito à compensação permanece íntegro ainda que um dos contribuintes deixe de recolher o tributo a Fazenda de lançá-lo (salvo, é claro, por motivo de isenção ou não incidência). Basta que as leis do ICMS tenham incidido sobre as operações ou prestações anteriores para que o abatimento seja devido".

O direito ao crédito do ICMS nasce juntamente com a ocorrência do fato gerador, pois, ainda que não declarada a ocorrência ou não pago o tributo, tendo o fato descrito na norma jurídica tributária sido concretizado, estará ele sujeito aos efeitos previstos na legislação tributária.

Do exposto percebe-se que negar a compensação dos créditos do ICMS sob o fundamento de que estes não se encontram pagos configura nova afronta à CF/88, haja vista que esta nada exige nesse sentido.

Ressalte-se por derradeiro, em conjunto com o que já se disse quanto ao IPI, aplicável ao ICMS, que este último, a exemplo do tributo federal (daí a validade de muitos argumentos serem comuns), também é um imposto de repercussão, justificando o fato inconteste da necessidade e peremptoriedade do princípio da não-cumulatividade; mais que isto, da sua inalienabilidade e da sua supremacia sobre outras pretensões estatais, mesmo que constitucionais, pois a pretexto do atendimento de uma regra se alega que as situações são incompossíveis entre si, quando não são, citando-se como exemplo a legislação de outras Unidades da Federação, a exemplo de Santa Catarina, que admitem o aproveitamento do crédito, ou ainda, o sistema anterior a 1997 no Paraná, que permitia, mediante uma opção, que se creditasse da parcela de até 20% de saídas tributadas, todas elaboradas sob os auspícios da mesma constituição vigente, a de 1988.

Desta forma, cientes de que não se está sustentando a posição legal vigente, há um evidente ferimento ao princípio apenas porque se criou um sistema e não se ousou prever que os grandes interessados em comprar produtos de microempresas e empresas de pequeno porte (falando-se no conceito atual desde o Decreto 246/03), tem interesse no crédito do ICMS para se compensar porque, mesmo à época do SIMPLES ESTADUAL, tais valores, não aproveitados pelas empresas optantes, assim como no IPI, tornaram-se custo e agregaram-se ao preço final, ao qual se somou o percentual respectivo da faixa a que pertence a empresa optante, resultando em monstruoso acréscimo uma vez que as empresas objeto deste tratamento diferenciado não possuem estrutura de custos que lhe permitam assimilar a impossibilidade de crédito e oferecer preço competitivo para quem, ao comprar, está abrindo mão de crédito ante a impossibilidade (extremamente questionável) da) da legislação infraconstitucional, que extrapolou sua função apenas por não ter criado mecanismos hábeis de controle como já o fizera no passado, restando um argumento final e, porque não, fatal, sob a ótica da finalidade conceitual do art. 179 da Constituição Federal: Estaria esta limitação de créditos atendendo ao desiderato constitucional de incentivar as microempresas, ou apenas se preconizou uma simplificação de procedimentos em detrimento de princípios que nos são tão caros como o da não-cumulatividade?


CONCLUSÃO

Após tecermos estas breves considerações, temos que:

IPI

1) o princípio da não cumulatividade do IPI não contém restrições aos olhos da Constituição Federal de 1988;

2) não cabe à lei ordinária (Lei 9.317/96) estabelecer limitações ou estabelecer tratamento quanto a aproveitamento e transferência de créditos uma vez que tal atributo é originalmente de Lei Complementar (art. 146, III, "c" da C.F.), constituindo-se em verdadeiro vício de origem;

3) Se a operação de entrada isenta, com a saída tributada dá direito ao crédito, a recíproca deve ser verdadeira, a fim do tributo repercutir na cadeia de contribuintes;

4) Ao editar a Lei n 9.779/99, o legislador pretendeu equacionar a problemática verificada com a aquisição de mercadorias e/ou insumos beneficiados pela isenção ou aplicação de alíquota zero, utilizados no processo industrial que conseqüentemente dessem saídas a produtos tributados;

5) Ocorre porém que silenciou o legislador acerca da operação inversa daquela prevista na lei;

6)As entradas de insumos, adquiridas de empresas tributadas pelo regime SIMPLES FEDERAL, também, sob a mais sensata orientação jurídica, conferem crédito do IPI, pois não há a desoneração do imposto, em que pese a sua ausência no documento fiscal;

7)A impossibilidade de creditamento, em função da natural repercussão do tributo ante ao não aproveitamento nas entradas por parte de empresas optantes do sistema e o seu acréscimo de 0,5% representam evidente desrespeito aos princípios da não cumulatividade e da seletividade, que representam a essência deste tributo.

8) Ao silenciar sobre tal aproveitamento de crédito por parte dos adquirentes, mesmo que o fizesse de forma presumida, a Lei 9.317/96 extrapolou sua competência constitucional representando mero instrumento de arrecadação e deixando de promover o mais óbvio dos objetivos constitucionais da República, qual seja, a de se construir uma sociedade justa, pois transfere o ônus do benefício de uns (optantes) para outros (adquirentes que sofrem o encargo dos tributos não aproveitados em etapas anteriores).

Assim, toda e qualquer operação de entrada de insumos e/ou mercadorias, mais especificamente, a aquisição de empresa tributada pelo regime fiscal SIMPLES FEDERAL, desonerada pelo imposto na entrada, seja por isenção, alíquota zero, imunidade, etc. utilizado em processo industrial, deverá necessariamente receber direito ao crédito presumido, na operação subseqüente, ou seja, aquela que der saída a produto acabado tributado, observando-se a bem da verdade, conforme já se disse anteriormente, que tal situação não representa a posição oficial vigente.

 ICMS

É possível afirmar que o princípio da não-cumulatividade do ICMS, por estar disposto na Constituição Federal de 1988, deve ser plenamente observado pelo Poder Público, não podendo ser limitado por nenhuma legislação infraconstitucional, quer seja ela Estadual ou Federal, Ordinária ou Complementar, salvo nas hipóteses descritas no art. 150, § 2º, II (isenção e não-incidência), o que não contempla a hipótese de empresas enquadradas no sistema SIMPLES ou microempresa e EPP no Estado.

Resta claro, por tudo o que se disse quanto ao ICMS e naquilo que se aproveita do IPI, o entendimento de que este não se resume a operação imediatamente anterior, podendo o contribuinte se creditar de todos os valores pagos e não creditados nas etapas anteriores, ressalvando-se sempre o ineditismo do procedimento e os cuidados que tal atitude sugere, não por imoral, mas porque não albergada ainda pela legislação.

Assim como para o IPI, não cabe à legislação ordinária estabelecer limitações ou estabelecer tratamento quanto a aproveitamento e transferência de créditos uma vez que tal atributo é originalmente de Lei Complementar (art. 146, III, "c" da C.F.), e a Lei Complementar 87/96 sobre tal assunto se não estabelece regras além das já citadas, tampouco estabeleceu limitações desta natureza até porque está adstrita às limitações constitucionais, argumentando-se ainda, que tal sustentação tanto é cabível para o conceito de crédito físico hoje sustentado pelos Estados (uma vez que a aquisição de insumos de empresas optantes impacta no preço final do produto pela inexistência do crédito), ou ainda, pelo conceito de muitos doutrinadores quanto ao conceito de crédito financeiro, não cabendo à lei estabelecer limitações que a Constituição não estabeleceu.

Assim como para o IPI, no ICMS, a impossibilidade de creditamento, em função da natural repercussão do tributo ante ao não aproveitamento nas entradas por parte de empresas optantes do sistema e o seu acréscimo representado por percentual sobre o faturamento (dita receita bruta) representa evidente desrespeito ao princípio da não-cumulatividade, que representa a essência também deste tributo.

Dessa forma, malsinado o posicionamento estatal contrário, tem-se por inconstitucionais as vedações ao aproveitamento de créditos de ICMS impostas pela Lei n.º 9.317/96 e pelo Decreto Estadual n.º 5.141/01 (como também na origem pelo Decreto 2953/97 e pelo atual 246/03), podendo efetuar a compensação dos valores pagos a título de ICMS, as empresas tributadas normalmente pelo imposto estadual, quando da aquisição de insumos de empresas optantes pelo SIMPLES ESTADUAL, não só pelas razões aqui apresentadas, mas por representar o verdadeiro espírito descrito na regra do art. 179 da Constituição Federal sem ferimento aos demais princípios constitucionais aplicáveis tanto ao ICMS, como, em grande parte ao IPI, e vice-versa.

Concluindo, antes pensar ser esta uma posição que privilegia o bom senso e o verdadeiro espírito publicista da nossa carta constitucional ao atual espírito arrecadatório dos entes federados, como fica evidente no desenrolar de nossa "reforma tributária", lembrando, com a licença poética de Quincas Borba, "ao vencedor, as batatas"!


NOTAS

1 Ressalte-se que a sistemática do SIMPLES paranaense, editada pelo Decreto 2953/97 ao tempo do Decreto 2736/96 e repetida pelo Decreto 5.141/03, foi implementada a partir de 1º de abril de 1997 e durou até 31 de janeiro de 2003, pois a partir de 1º de fevereiro, adotou-se, por intermédio do Decreto 246/03, o regime de microempresas e empresas de pequeno porte

2 Nos referimos ao artigo 179 que determina tratamento diferenciado à microempresas e empresas de pequeno porte e que não pode, sob pretexto de proteger determinada casta criar prejuízos ou limitações a outro determinado grupo de empresas.


Autor

  • José Julberto Meira Junior

    Advogado; Mestre em Direito Empresarial pelo Programa de Pós-Graduação do Centro Universitário Curitiba (2018) e especialista em Direito Tributário (1999) pelo IBEJ/FESP; Professor Universitário nos cursos de especialização da UNICENP, FAE BUSINESS, FESP, ABDCONST (Curitiba), FAG (Cascavel e Toledo), CTESOP (Assis Chateaubriand); UniOPET EAD (Curitiba); Instituto Navigare / Faculdade Stª Fé (São Luis – Maranhão), UFPR/Ciências Contábeis (Curitiba), PUC (Curitiba); com estágio docente realizado na Universidade de Santiago de Compostela (USC/Espanha); Membro do Comitê Tributário da OAB/PR; membro honorário do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT); membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná (IDT); membro do Comitê de Estudos Tributários, Fiscais e Contábeis do CRC/PR e do Conselho Temático Tributário da Federação das Indústrias do Paraná (FIEP). Lattes: http://lattes.cnpq.br/2581196308704093 E-mail: [email protected]

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEIRA JUNIOR, José Julberto. O SIMPLES federal, os regimes de microempresa estaduais e o flagrante desrespeito ao princípio constitucional da não cumulatividade no IPI e no ICMS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 612, 12 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6434. Acesso em: 26 abr. 2024.