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Ideologias à parte

Ideologias à parte

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Ou ideologias à la carte

Vivemos uma fase no país em que dizer “ideologias à parte”, remete-nos diretamente ao eixo da pior ideologia. Não é o mesmo que dizer “ideologia...quero uma pra viver” (Cazuza), mas supor que possa haver uma análise límpida e comprometida unicamente com os fatos. Como se a análise social e política pudesse desprovir de valores, ideais – e de ideologias.
 São infindáveis exemplos, mas tomemos a afirmação – geralmente sem conhecimento – de que os opositores ao governo Temer e sua Intervenção carioca são saudosistas do comunismo, esquerdistas, socialistas, anarquistas. Portanto, caóticos. Em primeiro lugar, cada expressão tem um significado diferente.
Do início: não há saudosismo comunista porque, para haver saudade, alguma coisa teve de ser real. Pois bem, nunca vimos comunismo como defendia Karl Marx: pensador alemão. O que vimos, historicamente, foram (ou são) formas elementares de “comunismo primitivo”: os primeiros grupos cristãos, algumas formas sociais indígenas, a famosa Comuna de Paris no século XIX. Esta teve curta duração, sob a ação militar dos exércitos europeus.
O que vimos na URSS, na China de Mao tse Tung, na Cuba de Fidel Castro, foi uma tipologia especial do Estado: a forma do Capitalismo de Estado que, bem ou mal – a contar da Guerra Fria – tinha por base a distribuição da riqueza social e alguma maneira de socialização dos meios de produção. Para haver comunismo, o Estado deveria ser abolido – daí a referência às formações sociais indígenas que não tem uma organização política como é o Estado Moderno.
 Este capitalismo de Estado gerou atribuições socialistas – de socialização – como os Soviets e os colcoz: fazendas coletivas. Então, diante das limitações ontológicas e epistemológicas, verificou-se no máximo um tipo de “socialismo realmente existente”, ou seja, prático, com experiência histórica. Este SOREX impulsionou concepções socialistas, mas não comunistas. Além de outros socialismos derivados da socialdemocracia europeia. Os socialistas não prescindem do Estado; tanto é assim que a Constituição de 1988 tem marcos socialistas: Justiça Social.
 Os anarquistas têm entendimento e modus operandi diversos, via de regra, não participam do cenário político para conquistar o Estado. Não tem a premissa de que o Estado pode, a contra-pelo, cumprir um desígnio que não seja o domínio, a manipulação popular. Logo, o Estado tem de ser destruído rapidamente. Os Black Blocs são ilustrativos. Todos esses são esquerdistas, assim como todos que não aceitam o neocolonialismo e o fim dos direitos fundamentais.
 Caóticos são todos aqueles que vivem em caos, isto é, os brasileiros depois do Golpe de 2016. Viver no caos não implica, portanto, que se deseje o “quanto pior, melhor”. Pois, pior já está. Caótico é aquele que sobrevive no caos e também pode ter duas reações: i) acomodar-se e lucrar com ele – o sistema financeiro, os grupos de poder que tomaram o Estado nacional em 2016; ii) insurgir-se, denunciar, lutar por uma ordem social que não se limite à “ordem e progresso do capital especulativo”.
 Então, o que toda ideologia tem em comum é não saber a verdade. Na falta de conhecimento mais avançado, quando ouvir ideologia à parte, tenha em mente que, na realidade, temos “ideologias à la carte”, do tipo pegue e pague, faça o uso que aprouver. Engula ou regurgite. É como dizer que o melhor político é aquele sujeito a-político. Este outsider, como alguém saído do vazio de si-mesmo, professa a ideologia do fascismo.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – DEd/UFSCar
Marcos Del Roio
Professor Titular de Ciências Políticas da UNESP/Marília


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