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Os paraísos fiscais e sua implicação mundial

Os paraísos fiscais e sua implicação mundial

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Apresenta-se um esboço das principais características de um paraíso fiscal e razões para sua consolidação.

Paraísos fiscais estão atraindo cada vez mais foco atualmente, por simplesmente proporcionar uma dimensão gigantesca quanto a crimes financeiros. Embora dados confiáveis a repeito destes sejam difíceis de encontrar, o Banco de Compensações Internacionais (Bank of International Settlement – BIS) demonstra trimestralmente, desde meados de 1980, algo em torno de metade de todos ativos bancários internacionais. Vale ressaltar que cerca de um terço das corporações multinacionais dirigem-se para paraísos fiscais. Estima-se que a evasão fiscal corporativa ocorrida nos paraísos fiscais é difícil de determinar, pois que não há uma fonte confiável a tal respeito, o que já seria presumível. Sobre a evasão fiscal, estipula-se de forma conservadora que tal quantia esteja em algum lugar entre US $ 800 bilhões a um trilhão por ano. Os paraísos fiscais também são utilizados como a principal via através da qual a lavagem de dinheiro escapa de países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil.

A maioria dos paraísos fiscais existentes, atualmente, tem desenvolvido em torno de dois polos geopolíticos. Um pólo evoluiu com ligações próximas com a cidade de Londres. Isso inclui dependências da Coroa britânica, como as Ilhas do Canal, Jersey, Guernsey e a Ilha de Man, territórios ultramarinos britânicos, entre os quais os paraísos fiscais mais significativos são as Ilhas Cayman, Bermudas, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Turcas e Caicos e Gibraltar, e, recentemente, colônias imperiais britânicas independentes, tais como Hong Kong, Singapura, Bahamas, Bahrain e Dubai. Menos significativa em termos de impacto, mas mais numerosos, são os recém-independentes territórios do Pacífico britânico. O outro pólo desenvolvido na Europa é composto pelos países do Benelux - Bélgica, Holanda e Luxemburgo -, a Irlanda, o Liechtenstein e, claro, a Suíça. Os únicos outros paraísos fiscais significativos hoje que não fazem parte desses dois pólos são o Panamá e, em menor medida, o Uruguai.

A história dos paraísos fiscais está repleta de mitos e lendas. Os paraísos fiscais são associados à evasão fiscal, que, tanto quanto nós podemos dizer, é tão antiga quanto à própria tributação. Os paraísos fiscais são, por conseguinte, vistos por alguns como a mais recente encarnação de uma prática milenar. Paraísos fiscais modernos, no entanto, são Estados soberanos (ou entidades suseranas como as Ilhas do Canal, com considerável autonomia) que usam seu direito soberano de escrever leis, a fim de atrair certo tipo de clientela internacional. Os paraísos fiscais devem ser vistos, portanto, como uma estratégia de Estado desenvolvimentista distinta, que poderia ter evoluído apenas no contexto de um sistema internacional robusto da condição de Estado, que respeite o direito soberano dos Estados de escrever suas próprias leis. Além disso, a estratégia de paraíso fiscal se destina exclusivamente a uma clientela internacional e, portanto, podem ser alcançados com sucesso somente dentro de um mercado mundial integrado. Os paraísos fiscais, em suma, com os apectos estruturais de funcionamento são parte de um fenômeno distintamente moderno, cujas origens se encontram na melhor das hipóteses, no final do século XIX, ascensão do processo de globalização.

A breve visão geral da história dos paraísos fiscais aqui apresentada está organizada em cinco seções. Em primeiro lugar, a definição dos paraísos fiscais posta em foco. A segunda seção analisa o surgimento histórico do final do século XIX até os anos 1930 sobre os três instrumentos distintos de caracterização de paraísos fiscais: baixa ou nula tributação para não residentes, métodos fáceis de incorporação e sigilo protegido por lei. A terceira seção segue a fase inicial de crescimento histórico em paraísos fiscais a partir da Primeira Guerra Mundial até o início dos anos 1970. Durante essas décadas, um pequeno número de Estados, liderados pela Suíça, começou a desenvolver regimes de paraísos fiscais como uma meta estratégica de desenvolvimento. A quarta seção examina o período subsequente a partir do início dos anos 1970 até a década de 1990, quando o número de paraísos fiscais aumentou drasticamente, conforme o escopo de análise desse momento em grande volume de ativos financeiros que passam por eles. Este foi o verdadeiro apogeu do paraíso fiscal. A quinta seção olha para a atual fase da história paraíso fiscal, que começou em 1998 com a publicação de um relatório da OCDE sobre a concorrência fiscal prejudicial. No mesmo ano também testemunhou uma intensificação dos esforços da União Europeia para combater os paraísos fiscais. A crise desde 2007 intensificou ainda mais a pressão sobre os paraísos fiscais. As implicações da atual fase de reação à enorme expansão da atividade em paraísos fiscais estão ainda a serem vistas.      

O termo "paraíso fiscal" tem sido amplamente utilizado desde a década de 1950. No entanto, não há consenso quanto ao que isso significa. O problema é que, por um lado muitos governos usam o seu direito soberano de promulgar a lei, a fim de ajudar os setores de sucesso dentro de suas economias para competir na economia mundial ou, em alternativa, para estimular o desenvolvimento de novos setores competitivos. Eles, muitas vezes, empregam uma combinação de subsídios e atenuantes fiscais, incluindo reduções de tributação à remoção da "burocracia" (ou seja, regulação) para atrair ou reter o capital móvel.

As porções fiscais de tais pacotes de políticas são chamadas de regimes fiscais preferenciais (PTRs – Preferential Tax Regimes) e incluem uma grande variedade de iniciativas e regulamentos concebidos para atrair capital estrangeiro. No fundo, os paraísos fiscais são apenas uma especificidade dentre tantos recursos econômicos a que possui um estado - ainda que uma especialidade que se destina a ser permanente e é por sua natureza geral (ou seja, não focada em um setor específico ou objetivo de desenvolvimento).

Um paraíso fiscal é criado e sustentado com a ajuda, particularmente, agressiva de PTRs. Uma especialidade favorecida pelas jurisdições menores independentes em todo o mundo, e, como resultado, é numericamente o tipo mais popular de estratégia competitiva. Dharmapala e Hines, autores do paper “Which Countries Become Tax Havens?”, calculam que para um país com uma população abaixo de um milhão de habitantes, a probabilidade de se tornar um paraíso fiscal sobe de 24 para 63 por cento. A margem é provavelmente maior se jurisdições dependentes, como as Ilhas Cayman e Jersey são adicionadas à lista.

Enquanto alguns paraísos fiscais são facilmente reconhecíveis, um ambiente financeiro altamente móvel combina com a proliferação de PTRs para criar uma situação em que qualquer país pode servir como um refúgio potencial da tributação de pelo menos alguns outros países. Em meados da década de 1980, Vincent Belotsky, um oficial de alta patente da Internal Revenue Service (IRS), observou que muitos países, incluindo os Estados Unidos, se encaixam na definição convencional de paraíso fiscal. Nos Estados Unidos, escreveu ele, "se aplica uma taxa zero de imposto sobre certas categorias de rendimento, incluídos os juros recebidos por um indivíduo estrangeiro não residente ou uma corporação estrangeira de bancos e instituições de poupança". A linha que separa os paraísos fiscais de outros PTRs é, praticamente, arbitrária. 

Em 1998, a OCDE estabeleceu uma série de fatores para a identificação de paraísos fiscais. Os quatro fatores-chave foram: 

1) Taxa nominal ou não sobre o rendimento relevante; 

2) Falta de intercâmbio de informações eficazes;

 3) Falta de transparência; 

4) Não há atividades substanciais. O aspecto de taxa nominal ou não-nominal não é suficiente em si mesmo para classificar um país como um paraíso fiscal.

O quarto fator acima "não há atividades substanciais" não foi suficientemente considerável para determinar se uma jurisdição era cooperativa. Assim, a fim de evitar ser listado como um paraíso fiscal não cooperante, jurisdições que preencheram os critérios foram convidados apenas para fazer compromissos para implementar os princípios da transparência e troca de informações para efeitos fiscais.

Mais de 40 jurisdições foram identificadas como satisfazendo os critérios de paraísos fiscais em junho de 2000. Em 2007, a grande maioria deles se comprometeram a implementar a transparência e o intercâmbio de informações eficazes e portanto não são considerados pelo Comitê de jurisdições não cooperantes da OCDE sobre Assuntos Fiscais . Até 2002, três jurisdições permaneceram na lista de paraísos fiscais não cooperantes publicados pela OCDE: Andorra, Mônaco e Liechtenstein. Em maio de 2009, o Comitê da OCDE sobre Assuntos Fiscais removeu estas jurisdições da lista em função de suas declarações, em março 2009, que tinham a intenção de aplicar, o mais rápido possível, as normas requisitadas e respeitar o calendário fixado para essa execução. Considera-se agora que essas jurisdições se comprometeram com a norma fiscal internacional, mas ainda não a implementaram substancialmente.

A estratégia do paraíso fiscal, no entanto, não é, certamente, o ponto central de qualquer estratégia de desenvolvimento dos Estados Unidos ou (se mais controversa), do Reino Unido. Como resultado, muitos preferem incluir o conceito de intencionalidade na definição para paraísos fiscais. Tal definição dos paraísos fiscais seria: jurisdições que deliberadamente criam legislação para facilitar as transacções efetuadas por pessoas que não sejam residentes em seu domínio. Essas transações internacionais estão sujeitas a pouca ou nenhuma regulamentação e os paraísos geralmente oferecem considerável sigilo, legalmente protegido para garantir que essas operações não sejam relacionadas a quem está a realizá-la. Tais operações são "offshore" - isto é, eles ocorrem em espaços legais que dissociam a localização real das transações econômicas a partir da localização jurídica e, portanto, removem a obrigação fiscal das transações a partir do lugar onde elas realmente ocorreram.


AS ORIGENS DOS INSTRUMENTOS DE PARAÍSOS FISCAIS

Um dos aspectos fascinantes do desenvolvimento da estratégia de paraíso fiscal é que ela se desenvolveu peça por peça e em diferentes locais, muitas vezes por razões que pouco se tinha a ver com o uso final. Somente durante a segunda fase do seu desenvolvimento, a partir do final da Primeira Guerra Mundial em diante, existiram sinais de que alguns países, liderados pela Suíça e Liechtenstein, estavam começando a desenvolver uma política global de tornar-se um paraíso fiscal.

Provavelmente, um dos primeiros exemplos de um paraíso fiscal a ter se desenvolvido foram os estados norte-americanos de Nova Jersey e Delaware no final do século 19 - e, ironicamente, todos os indícios sugerem que eles são susceptíveis de serem os últimos a ser desmantelados. Ambos não eram, e ainda não são, estritamente falando, os paraísos fiscais propriamente ditos, mas podem ser creditados como os criadores da técnica de "incorporação fácil", que é usado por todos os paraísos fiscais modernos. Regras de fácil incorporação, a tal ponto que hoje se pode comprar uma empresa "off the shelf" e começar a operar em menos de 24 horas é um dos aspectos-chave da estratégia de paraíso fiscal. O conceito começou a se desenvolver durante a década de 1880. New Jersey estava com extrema necessidade de fundos.

Um advogado corporativo de Nova York, supostamente chamado de Sr. Dill, convenceu o governador de Nova Jersey, Leon Abbet, a apoiar seu plano de aumentar as receitas através da imposição de um imposto de franquia em todas as corporações com sede em Nova Jersey. Leis de incorporações foram na época ainda altamente restritivas nos países anglo-saxões (um efeito a longo prazo do Mar do Sul da bolha 1720). A sede da empresa foi atraída para New Jersey, principalmente devido às suas leis liberais de incorporação e, em certa medida, por sua relativamente baixa taxa de imposto sobre as sociedades. Quando o legislador de Delaware debatia a elaboração de uma nova Lei Geral de Constituição, em 1898, procurou imitar o sucesso de New Jersey. Aqui, mais uma vez, um grupo de advogados de Nova Yorque desempenhou um papel proeminente na elaboração do ato proposto. Era óbvio que, no momento, Delaware estava promulgando leis "liberais" para atrair negócios corporativos.

Enquanto os Estados americanos de Nova Jersey e Delaware podem ter inventado a técnica de atrair sociedades não residentes, oferecendo ambientes regulatórios passíveis, desde 1920, alguns cantões suíços - liderados inicialmente pelo cantão de Zug empobrecido, localizado não muito longe de Zurique - têm copiado essa prática e trouxe-a para a Europa.


TRIBUNAIS BRITÂNICOS CRIAM AS “EMPRESAS NÃO RESIDENTES”

Enquanto os estados americanos vieram com a técnica de licitação para as empresas através da liberalização na incorporação das leis, devemos dar crédito aos tribunais britânicos com a técnica de residências 'virtuais', permitindo que as empresas se incorporassem à Grã-Bretanha sem pagar impostos - tal desenvolvimento que pelo menos um teórico acredita como fundamentação de todo o fenômeno do paraíso fiscal.

Muitas foram as origens da prática de uma série de decisões nos tribunais britânicos. A mais significativa entre aquelas foi o caso de 1929 Egyptian Delta Land and Investment Co. Ltd. V. Todd. Demonstrou-se que, embora a empresa fosse registrada em Londres e não tivesse quaisquer atividades no Reino Unido não estaria sujeita à tributação britânica. Este caso criou, como argumenta Picciotto, "uma brecha que, em certo sentido, a Grã-Bretanha fez um paraíso fiscal". As empresas poderiam agora incorporar-se na Grã-Bretanha, mas evitar o pagamento de imposto britânico. A decisão dos tribunais britânicos mostrou-se significativa, pois estabeleceu a regra não só para o Reino Unido, mas também para todo o Império Britânico. Um aspecto mais tarde explorado por jurisdições, como Bermudas e Bahamas e aperfeiçoado em 1970 pelas Ilhas Cayman.


DIREITO BANCÁRIO SUÍÇO DE 1934

Ameaçado pela depressão de 1929 e, nomeadamente, pela série de falências na Áustria e na Alemanha, no início da década de 1930, a assembleia legislativa suíça começou a debater uma alteração à Lei do Banco de proteger o sistema bancário suíço. Contrariamente à intenção original, a Lei Bancária de 1934, no artigo 47, reforçou o princípio do sigilo bancário, colocando-o sob a proteção do direito penal. A nova lei suíça exigiu "silêncio absoluto em relação a um segredo profissional", isto é, o silêncio absoluto em relação a quaisquer contas mantidas em bancos suíços - "absoluto", aqui, significa proteção contra qualquer governo, incluindo o suíço. A lei faz com que o inquérito ou investigação sobre os "segredos comerciais" dos bancos e outras organizações uma ofensa criminal. Não surpreendentemente, muito poucos acadêmicos e jornalistas foram preparados para arriscar a prisão por suas pesquisas. A lei garantiu que uma vez que se passem as fronteiras, o capital entrava em um santuário inviolável jurídicamente, garantido pelo código penal e apoiado pelo poder do estado suíço.

Juntamente com as leis estaduais norte-americanas e residências virtuais britânicas, o sigilo bancário suíço constitui o terceiro pilar do mundo offshore, a ser copiado por outras jurisdições. Vale a pena o nosso atentar breve para a análise dos teóricos que estudaram a história dessas leis.


O DESENVOLVIMENTO INICIAL DOS PARAÍSOS FISCAIS

Durante os anos 1920 e 1930, alguns pequenos países liderados pela Suíça estavam começando a fazer um nome para si como paraísos fiscais. Liechtenstein, um pequeno principado situado entre a Suíça e a Áustria, adotou o franco suíço como moeda em 1924, e ao mesmo tempo promulgou o seu próprio Código Civil. Liechtenstein sintetizou e codificou práticas suíças e austríacas, criando uma nova forma corporativa com base no conceito de fundamentação austríaco. A nova Lei de Sociedade não impôs exigências ou restrições relativas à nacionalidade dos acionistas das sociedades em Liechtenstein.

Kuenzler sugere que um triângulo Zurich-Zug-Liechtenstein surgiu como o primeiro verdadeiro eixo dos paraísos fiscais durante os anos 1920. Algumas holding companies (segundo Nusdeo, é uma sociedade cuja totalidade ou parte de seu capital é aplicada em ações de outra sociedade gerando controle sobre a administração das mesmas) vinculadas a offshore e trusts existiam na Suíça antes da guerra, mas o número de participações aumentou implacavelmente depois de 1920. O cantão de Zurique não estava interessado em oferecer privilégios fiscais a estas holding companies, mas a elite financeira da cidade usou o mais favorável dos cantões rurais mais pobres de Glarus e Zug, os quais reformularam suas leis sob o conselho de advogados e banqueiros de Bahnhofstrasse de Zurique. Esses mesmos advogados e banqueiros aconselharam Liechtenstein. Através destas facilidades, Zurique se tornou o centro para as sociedades anônimas suiças e empresas de correspondêcia.

Luxemburgo também foi um dos primeiros países a introduzir o conceito de holding company. Nos termos da lei de 31 de Julho de 1929, essas empresas tornaram-se isentas de imposto de renda. Há evidências também de que Bermuda, Bahamas e Jersey, bem como o Panamá foram todos utilizados de forma limitada como paraísos fiscais nos anos entre guerras.


O AUGE DOS PARAÍSOS FISCAIS, 1960 - 1990

O desenvolvimento de paraísos fiscais modernos é normalmente associado com o aumento da tributação na década de 1960. Isto é um pouco enganador por duas razões. Em primeiro lugar, como vimos, os paraísos fiscais desenvolveram-se muito antes da década de 1960. Em segundo lugar, os anos 1960 foram particularmente importantes não tanto por causa do aumento da tributação nos países industriais avançados, o que de fato ocorreu, mas provavelmente, por causa de uma decisão do Banco da Inglaterra em 1957 e o surgimento do Euromarket, ou o mercado financeiro offshore no final de 1950. Em setembro de 1957, o Banco parece ter aceitado a proposição de que as transacções efetuadas pelos bancos do Reino Unido em nome de um credor ou devedor que se localizava no Reino Unido não estavam oficialmente consideradas como tendo ocorrido no Reino Unido para fins de regulamentação, embora a transação só fora registrada como tendo lugar em Londres.

O Euromarket é um mercado financeiro de 'atacado', que, devido a este entendimento implícito entre o Banco da Inglaterra e os bancos comerciais, não é regulado pelo Banco. Mas uma vez que as transações ocorrem em Londres, nenhuma outra autoridade regula o mercado e, portanto, tornou-se efetivamente regulamentada ou offshore. O desenvolvimento do Euromarket na cidade de Londres provou ser a principal força por trás de uma economia offshore integrada, centrada em Londres e incluindo remanescentes do Império Britânico.


EUROMARKET E OS PARAÍSOS FISCAIS BRITÂNICOS

Os bancos britânicos começaram a expandir suas atividades como Euromarekt em Jersey, Guernsey e Ilha de Man no início de 1960. Em 1964, eles se juntaram aos três grandes bancos norte-americanos - Citibank, Chase Manhattan e o Bank of America. Os anos 1960 viram a emergência das Ilhas Cayman e Cingapura como um paraíso fiscal. Com a I Guerra da Indo-China, sendo um antecedente para a Guerra do Vietnã, em meados da década de 1960 não foram aumentados os gastos em moeda estrangeira na região, mas um aperto do crédito ocorreu em 1967 e 1968, contribuindo para o aumento das taxas de juros no mercado do eurodólar. Como resultado, os saldos de dólar na região da Ásia-Pacífico se tornaram atraentes para muitos bancos. Cingapura respondeu através da criação de incentivos para as filiais de bancos internacionais a mudar-se para lá. Uma filial do Bank of America foi o primeiro a estabelecer um departamento especial internacional para lidar com transações para não residentes no que foi chamado de Unidade de Moeda Asiática (ACU).

Tal como acontece com todas as outras operações do euromercado, o ACU criou um conjunto separado de contas, as quais eram gravadas todas as operações com não residentes. Embora a ACU não estar sujeita ao controle de câmbio, os bancos são obrigados a apresentar relatórios mensais detalhados de suas transações com a autoridade de controle de câmbio em Cingapura.

Cingapura, atualmente, é o setor bancário privado com o crescimento mais rápido no mundo. Na verdade, o principal problema que Cingapura enfrenta atualmente em sua busca para se tornar o maior centro bancário privado do mundo, é descrito por eles mesmos como uma "escassez de talentos" - uma tênue carência de especialistas empregados que geram grandes rendimentos -, mesmo que o tal centro financeiro empregue cerca de 130.000 pessoas. O crescimento dos ativos em Cingapura tem sido fenomenal, subindo de U $ 150 bilhões em 1998 para 1,173 trilão dólares até o final de 2007.


OS PARAÍSOS FISCAIS E A EXPANSÃO GLOBAL

O relativo sucesso de paraísos fiscais europeus e do Caribe trouxeram novos operadores para o jogo. O primeiro paraíso fiscal do Pacífico foi fundado em 1966, na Ilha Norfolk, um território externo autogovernado da Austrália. O governo federal australiano buscou consistentemente bloquear o desenvolvimento do porto de Norfolk, em grande parte com sucesso para fins internacionais, mas não para os cidadãos australianos. Como Jason Sharman notou, porém, uma vez que “a Ilha Norfolk estabeleceu o precedente em 1966, em Vanuatu (1970-1971), Nauru (1972), as Ilhas Cook (1981), Tonga (1984), Samoa (1988), as Ilhas Marshall (1990) e Nauru (1994) têm-se realizado cada vez mais o método padrão das cópias de legislação dos atuais líderes no campo e, em seguida, engajam-se em concorrência feroz para os negócios que muitas vezes geradas apenas a mais fina das margens”. Todos estes paraísos introduziram uma legislação familiarizada e modelada em paraísos fiscais de sucesso, incluindo provisão para zero ou perto de zero em tributação para as empresas isentas e as sociedades não residenciais, o estilo suiço de lei de sigilo bancário, companias de lei de trust, leis de seguros offshore, bandeiras de conveniência para o transporte de frotas marítimas e locação de aeronaves, e, mais recentemente, estabelecendo leis vantajosas destinadas a facilitar o comércio electrônico e jogos de azar on-line.

Outro centro importante a ser desenvolvido mais tarde foi o Centro de Serviços Financeiros da Irlanda, em Dublin. Após o sucesso de sua zona de processamento de exportação Shannon, criada em 1959, a Irlanda estabeleceu o Centro de Serviços Financeiros da Irlanda em Dublin em 1987, com o seu regime fiscal favorável para determinadas atividades financeiras e baixa taxa de imposto sobre as sociedades (12,5% em 2008).

Em outubro de 1975, Bahrein iniciou uma política de licenciamento de unidades bancárias offshore (OBU), seguido logo por Dubai. Os anos 1980 e 1990 testemunharam uma grande proliferação de paraísos fiscais em outras regiões do mundo, tais como o Oceano Índico, África e agora repúblicas pós-soviéticas.

Até o início dos anos 1990, havia entre sessenta e cem paraísos fiscais do mundo, dependendo da definição aplica-se a um fenômeno. Mais preocupante, as estatísticas do BIS mostrou que cerca de metade dos empréstimos internacionais foram encaminhados através destes paraísos, que pelo menos um terço de todos os investimentos internacionais diretos ao estrangeiro foram encaminhados através deles, se tornaram um importante instrumento de evasão fiscal em todo o mundo e constituíram a maior drenagem em desenvolvimento de economias dos países. Com esta atividade em tamanha escala, entendeu-se que algo devia ser feito a respeito para a ocorrência de controles.

53 Países indentificados pela Receita Federal do Brasil:

A Receita considera "paraísos fiscais" países ou dependências que tributam a renda com alíquota inferior a 20%. O país, cuja legislação protege o sigilo relativo à composição societária das empresas, também é classificado pelo Brasil como "paraíso fiscal".

Veja a relação:

I - Andorra;

II - Anguilla;

III - Antígua e Barbuda;

IV - Antilhas Holandesas;

V - Aruba;

VI - Comunidade das Bahamas;

VII - Bahrein;

VIII - Barbados;

IX - Belize;

X - Ilhas Bermudas;

XI - Campione D’Italia;

XII - Ilhas do Canal (Alderney, Guernsey, Jersey e Sark);

XIII - Ilhas Cayman;

XIV - Chipre;

XV - Cingapura;

XVI - Ilhas Cook;

XVII - República da Costa Rica;

XVIII - Djibouti;

XIX - Dominica;

XX - Emirados Árabes Unidos;

XXI - Gibraltar

XXII - Granada;

XXIII - Hong Kong;

XXIV - Lebuan;

XXV - Líbano;

XXVI - Libéria;

XXVII - Liechtenstein;

XXVIII - Luxemburgo (no que respeita às sociedades holding regidas, na legisl ação luxemburguesa, pela Lei de 31 de julho de 1929) ;

XXIX - Macau;

XXX - Ilha da Madeira;

XXXI - Maldivas;

XXXII - Malta;

XXXIII - Ilha de Man;

XXXIV - Ilhas Marshall;

XXXV - Ilhas Maurício;

XXXVI - Mônaco;

XXXVII - Ilhas Montserrat;

XXXVIII - Nauru;

XXXIX - Ilha Niue;

XL - Sultanato de Omã;

XLI - Panamá;

XLII - Federação de São Cristóvão e Nevis;

XLIII - Samoa Americana;

XLIV - Samoa Ocidental;

XLV - San Marino;

XLVI - São Vicente e Granadinas;

XLVII - Santa Lúcia;

XLVIII - Seychelles;

XLIX - Tonga;

L - Ilhas Turks e Caicos;

LI - Vanuatu;

LII - Ilhas Virgens Americanas;

LIII - Ilhas Virgens Britânicas.


OS PARAÍSOS FISCAIS SOB ATAQUE

As estatísticas surpreendentes associadas aos paraísos fiscais nos dizem que eles têm desempenhado um papel central no decorrer da evolução econômica mundial. Como poderiam os principais países industriais permitir que essas pequenas jurisdições crescessem e florescessem, aparentemente, à sua custa fiscal direta? De fato, países como os EUA, Reino Unido, França e Alemanha têm procurado ao longo do tempo fechar certas brechas, pressionar este ou aquele paraíso fiscal para alterar algumas das suas regras e políticas. Havia também algumas tentativas fracas, que datam do período entre guerras para tentar desenvolver uma resposta internacional coordenada para paraísos fiscais. Mas, francamente, muito não foi realizado. Na verdade, como as seções anteriores indicaram paradoxalmente os mesmos países, com a possível exceção da França e da Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, foram os principais jogadores do desenvolvimento do fenômeno paraísos fiscais.

No entanto, o sentimento nos países desenvolvidos começou a mudar no final da década de 1990. Desde então, uma série de iniciativas, lideradas inicialmente por campanhas, como “concorrência fiscal prejudicial” da OCDE, começaram a ganhar força. Jason Sharman expôs esses esforços, em grande parte, argumentando que os paraísos fiscais foram capazes de explorar as contradições da campanha da OCDE, por exemplo, o tratamento preferencial que deu seus próprios membros como a Suíça e Luxemburgo. No entanto, apenas três anos depois, pode-se dizer que os paraísos fiscais estão agora sob maior ameaça do que nunca. Enquanto a preocupação com os paraísos fiscais remonta um longo tempo, seu impacto total sobre a economia mundial teve um longo tempo para amadurecer e parece agora ser apreciado com mais intensidade pelos líderes da União Europeia. Embora a campanha da OCDE ter sido em grande parte na crise, a UE tem emergido como uma líder mais eficaz para tratar da questão dos paraísos fiscais e as suas consequências econômicas. Se, no entanto, o importante apoio dos EUA proporcionaria o passo seguinte, sob a administração de Obama continua a ser avaliada. Tanto as administrações de Clinton e as de George W Bush estiveram alertas para o problema.

A administração de Clinton foi um dos condutores dos esforços multilaterais contra os paraísos fiscais. Mas um dos primeiros atos da administração Bush estava a retirar o apoio aos esforços multilaterais para combater a concorrência fiscal prejudicial. O presidente Obama, no entanto, sinalizou suas preocupações sobre os paraísos fiscais enquanto ele ainda era um senador. Neste ponto, a pressão sobre os paraísos fiscais está se intensificando. O G-20 de Londres Communiqué dedica uma seção inteira de propostas para uma nova regulação dos paraísos fiscais. Alguns prevêem que o sigilo bancário seja improvável para sobreviver na sua forma atual, ainda mais no tardar do século XXI. No entanto, apesar da crescente pressão sobre os paraísos fiscais, as mais recentes estatísticas do BIS não mostram declínio no volume total de dinheiro que passa por eles.

Como exemplo, uma das reuniões com esse assunto em pauta obteve a agenda composta por projetos da OCDE/OMA/BRICS, especialmente, o combate à erosão da base tributária, questão da transferência de lucros, formação de opiniões convergentes em fóruns multilaterais e troca automática de informações tributárias e aduaneiras. Pascal Saint-Amans, diretor de Política Tributária da OCDE, destacou que os esforços dos países que compõem o grupo estão voltados especialmente para a neutralização de estratégias que permitem a dupla não tributação de recursos, erodindo a base tributária de vários países. Amans citou estimativas de que apenas as companhias norte-americanas têm cerca de dois trilhões de dólares de lucros mantidos em paraísos fiscais, ou seja, que não foram tributados em nenhum lugar.Os paraísos fiscais podem atingir proporções não desejáveis à economia mundial, visto que pode ser alvo do crime financeiro, o qual é uma das maiores ameaças ao bem-estar econômico das pessoas de todos os países.

Atividades financeiras ilícitas como evasão fiscal, corrupção, financiamento do terrorismo, lavagem de dinheiro e dentre outros, são problemas globais que demandam atenção mundial. Por isso é necessário uma grande cooperação mundial orientada por grupos como G-20, OCDE, GAFI/FATF e muitos outros. Assim como atenta o art. 4º da nossa Constituição Federal, em seu inciso IX, o qual traz como um dos princípios de relação internacional a “cooperação entre os povos para o progresso da humanidade”, visto que esse é um tema crucial para o mundo como um todo.


CONCLUSÃO

Os paraísos fiscais agora abrangem todo o mundo, atendendo a todos os principais centros financeiros e comerciais. Os paraísos fiscais modernos ainda são em grande parte organizada em três grupos. Em primeiro lugar e ainda, de longe, o maior é composto dos paraísos fiscais baseados no Reino Unido ou baseados no Império Britânico, centrado na cidade de Londres e alimentado pelo Euromarket, que consiste nas Dependências da Coroa, Territórios Ultramarinos, atóis do Pacífico, Singapura e Hong Kong. O segundo consiste em paraísos europeus, mais especializados como centros de sede, filiais financeiras e bancos privados. O terceiro consiste de um grupo díspar como o Panamá, Uruguai, ou Dubai, ou novos paraísos das economias de transição e África.

Ao agrupar os paraísos fiscais, dessa forma, começa-se a apreciar as dificuldades, bem como as oportunidades para o desenvolvimento de uma campanha coordenada internacional para combatê-los. A OCDE está claramente mal equipada para lidar com os paraísos fiscais, não menos importante, como muitos de seus membros, incluindo o Reino Unido, Suíça, Irlanda e os países do Benelux são considerados eles próprios paraísos fiscais. Além disso, a crise financeira enfraqueceu os Estados Unidos e Europa Ocidental, e dada uma maior margem de manobra aos países credores, como os Estados do Golfo, alguns dos quais estão emergindo como paraísos fiscais significativos como Cingapura e Hong Kong; este último protegido pela China. No entanto, a pressão sobre as finanças públicas é intensa, e enquanto os governos podem dar ao luxo de aumentar a tributação, temendo queda ainda maior do consumo interno, a recuperação dos impostos perdidos através de paraísos fiscais será uma proposta atraente. A pressão sobre os paraísos fiscais, portanto, é provável que continue.

O Reino Unido é, claramente, fundamental para quaisquer futuros esforços internacionais de luta contra os paraísos fiscais, não menos importante, o fato de que em torno de meia-dúzia dos paraísos fiscais mais importantes estar nas suas dependências. A UE já está a reprimir os centros de coordenação belgas e outras disposições especiais deste tipo. E se a UE, os EUA e a China chegarem a um acordo sobre os paraísos fiscais, é mais do que provável que Honk Kong e Cingapura sucumbirem também. Os Estados do Golfo, por sua vez, com o seu compromisso com o sistema bancário islâmico, visam claramente a uma especificação, um mercado regional, em vez de a maioria não muçulmana de usuários dos paraísos fiscais.Mas no que exatamente deve consistir a luta contra os paraísos fiscais? Tradicionalmente, os paraísos fiscais diferenciavam entre residentes e não residentes, por sua vez, eles às vezes tenderam a impostos, até mesmo fortemente, para os seus próprios cidadãos e empresas locais, oferecendo baixa tributação para não residentes.

A diretiva das empresas da UE colocou isso em questão para que, com o resultado de todos os países da UE, bem como dependências dos países da UE deve-se tratar os residentes e não residentes da mesma forma para efeitos fiscais. Uma vez que esta batalha está ganha, a próxima grande questão é a da opacidade. Os paraísos fiscais têm criado sistemas e regulamentos que ajudam a esconder o verdadeiro dono dos ativos depositados em seus domínios. Contanto que o sigilo seja mantido, evitam potenciais evasores fiscais, bem como os lavadores de dinheiro que estão propensos a tentar tirar proveito desses países para ocultar os seus bens. A questão-chave, portanto, é agora o sigilo e a opacidade. Precisamos de um código de conduta deste tipo, que garanta transparência da propriedade e rastreabilidade dos ativos quanto aos seus proprietários finais. 


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESTRELA, Pedro. Os paraísos fiscais e sua implicação mundial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5433, 17 maio 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64618. Acesso em: 5 maio 2024.