Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/64721
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Mandado de injunção: aplicação à luz de um pretenso ativismo judicial

Mandado de injunção: aplicação à luz de um pretenso ativismo judicial

Publicado em . Elaborado em .

É exigência do Estado Democrático de Direito um sistema de proteção jurídica que controle quaisquer atos dos poderes públicos que não estejam em consonância com a Constituição, abrangendo, também, as omissões.

INTRODUÇÃO

Em todos os lugares, muito tem se questionado sobre a eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais. Influenciados por esta preocupação e somada à crise constitucional vivida pelo Brasil anteriormente à promulgação da vigente Carta Magna, os membros da Assembleia Nacional Constituinte apresentaram propostas a fim de que os direitos e garantias constitucionais não passassem de mero aconselhamento aos governantes, sem apresentar qualquer tipo de sanção para aqueles que descumprissem os seus preceitos.

Essas propostas tinham em mente a resolução de um diagnóstico que, levando-se em consideração as Constituições anteriores, revelavam o descrédito da Constituição em efetivar as conquistas empreendidas pelo texto legal, cujos programas já se encontravam direcionados no texto de suas normas. Afinal de contas, as conquistas, numa ordem constitucional democrática, não se medem pelo volume ou abrangência delas, mas pela maior efetividade que faça alcançar as suas normas.

Tendo em vista essa necessidade e em simetria com o sistema de controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos, foi inserida no texto da Constituição de 1988 uma forma de controle das omissões inconstitucionais: o mandado de injunção.

Contudo, a aplicação do mandado de injunção foi durante muito tempo hostilizada sob o argumento básico de que, dando-se ao Judiciário a prerrogativa de poder aplicar o direito previsto constitucionalmente quando verificada a sua não regulamentação pelas vias executivas ou administrativas, estaria ocorrendo a interferência de um Poder sobre o outro, não desejada pela Constituição, o que afetaria a harmonia dos Poderes prevista no artigo 2º da Carta Magna.

Tais implicações serão feitas no primeiro capítulo deste trabalho, de forma sucinta e sem quaisquer pretensões de esgotar o assunto acerca do mandado de injunção

O próximo passo a ser dado será, no capítulo seguinte, a identificação dos posicionamentos doutrinários existentes acerca do mandado de injunção, especificando os seus principais elementos e limitações.

No terceiro capítulo, apresentar-se-á um resumo dos principais julgados em sede de mandado de injunção realizados perante o Supremo Tribunal Federal, apresentando os entendimentos jurisprudenciais defendidos por aquele tribunal.

Por ora, o que pode ser colocado, e como uma das razões para feitura de um capítulo exclusivo para a análise destes julgados, é que, por muito tempo, o STF emprestou ao mandado de injunção os mesmos efeitos perseguidos pela inconstitucionalidade por omissão. Precedente aberto com o julgamento de questão de ordem suscitada no Mandado de Injunção 107, o que demonstra a apatia inicial do Supremo para com a nova garantia.

Diante de toda essa problemática, enfrentar-se-á essas questões, definindo a natureza jurídica da decisão proferida em sede de mandado de injunção e o problema das normas programáticas, especialmente quanto à possibilidade de sua efetivação ao caso concreto mediante mandado de injunção.

Além disso, será feita uma analisa na postura atual do Supremo Tribunal Federal – ativismo judicial - e a garantia do princípio da Separação de Poderes, dentro da perspectiva do Estado Democrático de Direito.

Portanto, serão essas as discussões travadas em torno do tema, ou seja, é a justificativa encontrada para a defesa incondicional do mandado de injunção de forma a abarcar todas as normas previstas na Constituição, por entendermos ser essa garantia um dos instrumentos que asseguram o efetivo exercício da cidadania, entendida aqui como pressuposto da democracia participativa.

No presente trabalho fora realizada uma ampla consulta às diversas doutrinas, sítios, artigos e periódicos no que tange ao tema Mandado de Injunção, além da consulta dos julgados mais polêmicos na Suprema Corte, procurando obter um posicionamento crítico a fim de atingir o pretendido no presente trabalho.


1. GARANTIA CONTRA A OMISSÃO INCONSTITUCIONAL: MANDADO DE INJUNÇÃO

Com o objetivo de atender ao reclamo geral que objetivava a busca por maior efetividade da Constituição, pois, em regimes passados, as normas constitucionais pereciam por inércia do legislador em regulamentar os direitos delas decorrentes, foi criado pela Constituição de 1988 o mandado de injunção.

Diante disso, pode-se perceber que o mandado de injunção foi concebido como um remédio para tentar resolver uma dramática patologia nacional: o descrédito da Constituição causado pela inércia do legislador em regulamentar direito nela previsto, como forma de garantir a realização concreta do referido direito.

A Constituição de 1988 prevê o mandado de injunção no inciso LXXI do artigo 5º, in verbis:

conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;

O Poder Judiciário, por força do remédio constitucional representado pelo mandado de injunção, irá fazer a integração do direito previsto constitucionalmente, inviabilizado que está por falta de norma infraconstitucional que o regulamente.

Aqui reside justamente a grande celeuma que envolve a garantia: a possibilidade prática de concretização imediata do pedido efetuado por intermédio do mandado de injunção.

A título de exemplo, entendem alguns[1] que poderá o órgão incumbido de regulamentar a diretriz, requerer ao Poder Judiciário um prazo mínimo para regular a norma, caso em que poderia haver tempo suficiente para adequar a norma constitucional aos aspectos fáticos que se apresentarem.

No entanto, pode-se afirmar que a vontade do legislador constituinte foi no sentido de fazer com que as decisões emanadas do Judiciário operassem efeitos apenas inter partes, constituindo o direito daquele que vai a juízo em busca de garantir uma pretensão que ele tenha como certa.

Enfim, mesmo que haja alegações sobre a possibilidade de ingerência do Poder Judiciário em atribuições tidas como legislativas, é certo que nada está disposto na Constituição quanto aos limites de ingerência entre os Três Poderes.

Mais certo ainda, como medida de freios e contra-pesos existentes entre os Poderes da República, a Constituição prevê o mandado de injunção, cabendo ao Judiciário providenciar meios adequados para que o problema seja sanado, não havendo, com isso, ingerência arbitrária de um Poder sobre outro.

Portanto, a inclinação até aqui feita é no sentido de demonstrar o caráter constitutivo da decisão proferida em matéria de mandado de injunção. Não merecendo aplausos o entendimento daqueles que defendem a tese da subsidiariedade do mandado de injunção aos efeitos da inconstitucionalidade por omissão por se mostrar completamente inócua e destituída de sentido lógico, pois, ninguém melhor do que o órgão omisso sabe que vem se omitindo, e a simples ciência da omissão não configuraria obrigatoriedade.


2. POSICIONAMENTOS DOUTRINÁRIOS ACERCA DO MANDADO DE INJUNÇÃO

Quando do surgimento do mandado de injunção no constitucionalismo brasileiro, logo apareceram diversas opiniões divergentes acerca dessa inovação, podendo ser identificados, segundo Francisco Antônio de Oliveira, levando-se em conta as peculiaridades individuais de cada doutrinador, três posicionamentos doutrinários:

a) a que vê como seu objeto o de atribuir, para o caso específico do impetrante, o direito cujo exercício esteja obstado em virtude de falta de regulamentação; b) a que entende que o mandado tem por finalidade provocar a edição de norma geral para o seu exercício, pelo próprio Tribunal, para todos os casos na situação do impetrante; e c) a que entende que ele encerra pela declaração da mora constitucional a determinação para que o Poder Legislativo a faça, sem efeito executivo. (OLIVEIRA, Francisco Antônio de. 1993).

Tal celeuma doutrinária, que dividiu o mandado de injunção em três posicionamentos, conforme visto acima, se prendeu primeiramente ao fato de que o inciso LXXI do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB/88 é impreciso e, por último, porque não há lei especifica sobre a matéria.

Isso fez com que a doutrina e a jurisprudência ficassem vacilantes ao edificarem os princípios norteadores para a sua compreensão, não conseguindo encontrar solução pertinente com a vontade legislativa em virtude da novidade que o mandado de injunção representou, naquele momento, na ordem jurídica brasileira.

Quanto à necessidade de lei específica sobre a matéria, com o objetivo de tornar o mandado de injunção norma autoaplicável e de eficácia plena, está assente na doutrina a sua desnecessidade, como pode ser percebido na opinião de Sérgio Reginaldo Bacha, transcrita abaixo:

(...) não é de todo absurdo afirmar que seria retrocesso sujeitar-se no instituto do mandado de injunção à condição de norma de eficácia contida e aplicabilidade imediata, na classificação fornecida por José Afonso da Silva, ou na cita de Bastos e Ayres Brito como norma regulamentável.

Se assim fosse, estar-se-ia condenando a uma situação de procrastinação algo que veio justamente para espancar do ordenamento jurídico as incontáveis normas que, na realidade, se constituem em verdadeiros nati morto, pois nunca galgaram patamar algum, pelo contrário, ficaram no papel, foram letras mortas, não passaram do status de normas eternamente programáticas, maculando a Constituição como carta de faz de conta. Então, de forma prudente, poder-se-ia afirmar que o não reconhecimento do instituto em pauta, como sendo de eficácia plena e aplicabilidade imediata, ou da classe das normas irregulamentáveis, seria o mesmo que tachá-lo de ‘promessas de promessas’. (BACHA, Sergio Reginaldo. 1998)

Dessa forma, pode-se perceber que a ausência de norma específica regulamentadora não deve obstaculizar a sua imediata aplicabilidade, haja vista a peremptória disposição do § 1º do artigo 5º, dispondo que as “normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata”.

Ademais, como que uma pá de cal sobre aqueles que assim não entendem, Carlos Mário da Silva Veloso nos apresenta um argumento que, de longe, abate todo e qualquer posicionamento contrário, afirmando que, in verbis:

(...) não há duvida de que a norma instituidora do mandado de injunção é de eficácia plena, assim de aplicabilidade imediata, porque não depende de legislação posterior para a sua operatividade. O procedimento a ser adotado é o do Código de Processo Civil, vale dizer, o ordinário, possibilitando-se ao interessado a produção de prova. Mas, se os fatos puderem ser comprovados de plano, nada impede a adoção do rito do mandado de segurança. (VELOSO, Carlos Mário da Silva)

Superada a questão da aplicabilidade imediata da norma constitucional do mandado de injunção, e voltando aos posicionamentos doutrinários inicialmente identificados, subvertendo a ordem apresentada, far-se-á a análise dessas três posições doutrinárias, no intuito de apresentar o panorama dos diversos posicionamentos acerca do provimento que se deve perseguir em sede de mandado de injunção.

2.1 – Mandado de injunção como subsidiário aos efeitos da Inconstitucionalidade por omissão

O primeiro entendimento considera o mandado de injunção subsidiário da inconstitucionalidade por omissão, ou seja, o Judiciário declararia a mora regulamentar do Poder omisso, ordenando-o, mas não obrigando a legislar quando se tratar do Poder Legislativo.

Alguns autores afirmam que as sanções pelo descumprimento da ordem seriam várias a depender do órgão emissor da norma, conforme o entendimento abaixo:

Se se tratar de autoridade administrativa, é perfeitamente lícita a comunicação de prazo para que haja, sob pena de ver-se incursa na figura delituosa do descumprimento de ordem judicial. Se a omissão for legislativa, a procedência do Mandado de Injunção formalizará claramente a possibilidade daquele poder que, se não desonerar-se do dever que lhe incumbe, sujeitar-se-á a sanções que pode ser desde uma ação de indenização contra o Estado com vistas à reparação dos danos sofridos pelo impetrante, com possível ação de regresso contra os agentes causadores do dano, até sanções de cunho extra-jurídico, mas para as quais a decisão judicial muito embora, consiste na não-recondução daqueles legisladores faltosos. (Oliveira, Francisco Antônio de. Ob. Cit.)

Pelas sanções possíveis em sede da tese da subsidiariedade, a procedência do mandado de injunção impetrado restaria inócua, pois, seria necessária, depois de muitos atos processuais, inclusive tendo que se valer da esfera penal, a busca por via judicial outra que não a do referido remédio, não atingindo o objetivo precípuo de tornar eficazes direitos constitucionais obstados pela omissão de Poder em mora regulamentar.

2.2 – Mandado de injunção como meio para provocar a edição de norma geral e abstrata

A segunda tese alicerça-se no entendimento de que o mandado de injunção tem por finalidade provocar a edição de norma geral para o seu exercício, pelo próprio Tribunal, para todos os casos na situação do impetrante.

Nessa situação, o Poder Judiciário, substituindo o legislador ou administrador remisso, se comportaria como legislador editando normas de eficácia erga omnes, cujo fundamento seria a barreira que impede o exercício do direito. Abaixo segue opinião de Francisco Antônio de Oliveira que corrobora o dito acima, in verbis:

De fato, se é este o óbice fundamental ao exercício do direito, na ausência de uma norma, que o órgão competente para baixá-la se omite em fazê-lo, não é destituído de sentido, à primeira vista ao menos, o pretender-se deslocar essa tarefa para o Poder Judiciário, que de forma substitutiva, de forma vicária, se comportaria como um legislador editando uma norma que a principio deveria ser baixada pelo próprio legislador ou administrador remisso. O efeito dessa decisão seria obviamente erga omnes. (OLIVEIRA, Francisco Antônio. Ob. cit.)

Passando agora a análise desse segundo posicionamento, pode-se afirmar que se afigura errônea a tese defendida pelos seus seguidores, diante da seguinte assertiva: uma vez dando a sentença do mandado de injunção eficácia geral, contra todos, restaria exorbitada as atribuições de outro Poder.

Isso fica mais evidente quanto às atribuições do Poder Legislativo, cuja principal função, a de legislar, seria usurpada em face do provimento erga omnes em sede de mandado de injunção.

O processo injuncional não visa diretamente à obtenção da regulamentação geral de norma que preencheu os requisitos do processo legislativo definido pela Constituição, e sim, objetiva apenas tornar viável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais ou das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania[2].

2.3 – Mandado de injunção como constitutivo do direito do impetrante

A terceira posição, majoritária na doutrina, sustenta que cabe ao magistrado resolver o caso concreto entre as partes e concretizar o direito dos impetrantes, satisfazendo-o plenamente, independentemente de regulamentação.

Dessa forma, caberia ao órgão judicial competente expedir os comandos e diretrizes necessárias para conferirem a satisfação do direito, liberdade ou prerrogativa ao requerente do mandado, sem qualquer possibilidade de que o decidido no litígio beneficie terceiros não integrantes do feito[3].

Nota-se que, pelo entendimento esposado pela tese constitutiva, o órgão judicante teria que exercer função legislativa, posto que constituiria o direito obstado através de provimento judicial suficiente para regulamentar, tendo como parâmetro o caso em concreto, com eficácia inter partes.

A virtude desse posicionamento está em que, como bem fundamentou Sergio Reginaldo Bacha, o mandado de injunção seria destinado a viabilizar o exercício de direitos ou liberdades ou prerrogativas, emperrados que estão pela falta de norma regulamentadora, pois,

faltando a referida norma, os direitos ficaram postergados à solução de continuidade. E não podem. O pleno exercício deles exige atividade, e nela consiste o indivíduo pedir e ser atendido em algo. Significa, pois, o movimento dentro da extensão que o Direito faculta ao indivíduo, investindo-o na garantia destinada a proscrever as omissões do Estado, que, como ações ilegais ou abusivas, produzem lesões. (BACHA, Sergio Reginaldo. Ob. cit.)

Segundo esse entendimento, os impetrantes agem na busca de realização concreta e direta da prerrogativa de seu direito, independentemente de regulamentação. A causa de pedir é a lesão pela lacuna legislativa, pela impossibilidade efetiva do exercício de um direito supralegal. A sentença há de ser, pois, satisfativa do pedido. Compete ao Juiz determinar as condições para essa satisfação e determiná-la imperativamente, no caso concreto, sem extensão alguma.

Sendo assim, o objeto da decisão

não é uma ordem ou uma recomendação para a edição de uma norma. Ao contrário, o órgão jurisdicional substitui o órgão legislativo ou administrativo competentes para criar a regra, criando ele próprio, para os fins estreitos e específicos do litígio que lhe cabe julgar, a norma necessária. A função do mandado de injunção é fazer com que a disposição constitucional seja aplicada em favor do impetrante, ‘independentemente de regulamentação, e exatamente porque não foi regulamentação’. (BARROSO, Luis Roberto. Ob. cit.)

Assim delineado o objeto da decisão, não será cabível a injunção quando a norma constitucional for autoaplicável, ou seja, bastante em si mesma. Também, não deve ser admitida a injunção antes de decorrido o prazo previsto na Constituição para a elaboração da norma regulamentadora. Do mesmo modo para os casos de inconformidade ou insatisfação de norma regulamentadora plenamente válida no ordenamento jurídico, não ensejando o ajuizamento do pedido de injunção.

E nem se pode cogitar do argumento de que o Poder Judiciário substitui o Poder Legislativo, haja vista que, entre as funções secundárias dos Três poderes, há os chamados “desvios” de competência[4].

Assim, há situações em que o Legislativo julga e executa (art. 49, IX e XII); o Executivo legisla e julga (art. 84, IV e XXVI); e o Judiciário legisla e executa (art. 93, caput e art. 96, I, b), sempre observando os freios e contrapesos da tripartição dos Poderes.

De toda essa argumentação, chega-se a conclusão de que, longe de usurpar funções primárias atribuídas a outros Poderes, caberá ao Judiciário integrar a ordem jurídica, quando isto seja indispensável ao exercício do direito. A semelhança do que ocorre, quando se aplica o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que assim dispõe: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Destaca-se que o Judiciário atuará nos estritos termos de sua função tradicional, consubstanciada na solução da lide levada a sua apreciação, proferindo sentença subsidiada nos princípios e garantias constitucionais e atendendo ao disposto no artigo 5º da referida lei, que assim dispõe: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.


3. EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL DO MANDADO DE INJUNÇÃO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Partindo-se do desenvolvimento do quanto se pretende realizar neste capítulo, será feita uma abordagem dos julgados em matéria de mandado de injunção perpetrados perante o Supremo Tribunal Federal importantes para demonstrar a evolução do posicionamento acerca do instituto dentro daquela Suprema Corte.

E para tanto, analisar-se-á o intervalo existente entre o primeiro precedente acerca do mandado de injunção, o MI 107, que fixou o entendimento da subsidiariedade do mandado de injunção aos efeitos da inconstitucionalidade por omissão, até o MI 708.

3.1 – Mandado de injunção 107

Passando ao deslinde do pretendido pelo presente capítulo, o primeiro precedente do STF sobre o mandado de injunção não conseguiu acolher a exegese definida pelo legislador constituinte originário e o que vinha sendo apregoado pela doutrina. O destacado precedente acabou por esvaziar completamente o instituto, dando ao mandado de injunção o mesmo efeito que seria perseguido pela ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

Tal entendimento foi defendido pelo Ministro Moreira Alves, relator do MI 107, cuja tese sagrou-se vitoriosa, nos termos abaixo, in verbis:

Portanto, em face dos textos da Constituição Federal relativos ao mandado de injunção, é ele ação outorgada ao titular do direito, garantia ou prerrogativa a que alude o art. 5º, LXXI, dos quais o exercício esta inviabilizado pela falta de norma regulamentadora, e ação que visa obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do Poder, órgão, entidade ou autoridade de que ela dependa, com a finalidade de que se lhe dê a ciência dessa declaração, para que adote as providências necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (artigo 103, § 2º, da Carta Magna), com a determinação, se for o caso, da suspensão de processos judiciais ou administrativos referida no item anterior desse voto.

Assim fixada a natureza jurídica desse mandado, é ele, no âmbito de competência desta Corte - que está devidamente definida pelo artigo 102, I, g – auto-executável, uma vez que, para ser utilizado, não depende de norma jurídica que o regulamente, inclusive quanto ao procedimento, aplicável que lhe é analogicamente o procedimento do mandado de segurança, no que couber. (STF, DJU 21.990, p. 9782, MI (QO) 107-DF, Rel. Min. Moreira Alves.)

Veja que, nos termos do voto proferido acima, quando se tratar de direito oponível contra o Estado, será determinada, também, a suspensão de todos os processos judiciais ou administrativos de que possa advir ao impetrante algum dano que não teria ocorrência se não houvesse a omissão inconstitucional.

A suspensão dos processos judiciais ou administrativos foi assim caracterizada, in verbis:

Se esta Corte, ao julgar o mandado de injunção impetrado por alguém declarar a omissão argüida como inconstitucional, não se limitará ela a cientificar o Poder omisso para que tome as providências necessárias ao suprimento, mas poderá determinar, se se tratar de direito constitucional oponível contra o Estado mas cujo exercício está inviabilizado por omissão deste, que, enquanto esta não for suprida, suspendam os processos judiciais ou administrativos – o que alcança, evidentemente, até a ameaça de sua instauração – de que possa advir ao impetrante dano que não ocorreria se aquele direito fosse exercitável. É a conseqüência decorrente de não poder o Estado, por seus diversos Poderes e Órgãos, valer-se do principio de que não está obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei, certo que é que esta não existe por inconstitucional omissão sua. (STF, DJU 21.990, p. 9782, MI (QO) 107-DF, Rel. Min. Moreira Alves.)

Tal decisão teve como escudo o princípio constitucional da divisão funcional entre os Poderes, em que um Poder não poderia usurpar funções político-jurídicas atribuídas a outro. Assim, o Judiciário não poderia concretizar o direito do impetrante por meio de decisão que regulamentaria o direito obstado com eficácia inter partes, até que fosse editada norma com eficácia erga omnes pelo órgão competente.

A possibilidade da violação ao princípio constitucional da separação dos Poderes foi colocada no voto do Ministro Celso de Melo, in verbis:

É preciso assinalar, no entanto, que o mandado de injunção não se destina a constituir direito novo, nem a ensejar ao Poder Judiciário o anômalo desempenho de funções normativas que lhe são institucionalmente estranhas.

O mandado de injunção não é sucedâneo constitucional das funções político-jurídicas atribuídas aos órgãos estatais inadimplentes. Não legitima, por isso mesmo, a veiculação de provimentos normativos que se destinem a substituir a faltante norma regulamentadora sujeita a competência, não exercida, dos órgãos públicos. O Supremo Tribunal Federal não se substitui ao legislador ou ao administrador que se hajam abstidos de exercer a sua competência normatizadora. A própria excepcionalidade desse novo instrumento jurídico impõe ao Judiciário o dever de estrita observância ao princípio constitucional da divisão funcional do Poder. (STF, DJU 21.990, p. 9782, MI (QO) 107-DF, Rel. Min. Moreira Alves.)

Outra preocupação que foi abordada no julgamento do MI 107 foi a questão da viabilidade prática da utilização do mandado de injunção se prevalente a natureza constitutiva de sua sentença.

A viabilização prática da sentença constitutiva do mandado de injunção foi posta em xeque pelo Ministro Sepúlveda Pertence em seu voto, nos seguintes termos:

Ora, Sr. Presidente, o primeiro requisito da interpretação do instituto destinado a dar efetividade à Constituição é a viabilidade prática de sua utilização. E estou convencido de que a solução constitucional afinal imposta na Constituição para o sistema de competência jurisdicional do mandado de injunção inviabilizaria a sua prática, se entendido o instituto como via processual de suprimento inter partes da omissão normativa, que é a corrente, que é a tese, por exemplo, sustentada pela mesma autoridade de Galeno Lacerda e também do ilustre Juiz Ivo Dantas, em preciosos estudos doutrinários, pioneiros, logo após a promulgação da Constituição.

Veja-se, por exemplo, todo o capítulo dos direitos trabalhistas, onde talvez esteja o maior número de direitos constitucionais dependentes de solução regulamentadora em relação aos quais se teria, na fórmula do eminente Professor Galeno Lacerda, para reivindicação pelo empregado contra seu patrão, a solução de uma ação ordinária, da competência originária do Supremo Tribunal Federal, para cada trabalhador. Ora, essa solução, de absoluta e patente inviabilidade, não pode estar no intuito da Constituição. (STF, DJU 21.990, p. 9782, MI (QO) 107-DF, Rel. Min. Moreira Alves.)

Discordando totalmente do entendimento esposado pelos seus colegas, o Ministro Carlos Veloso sustenta a tese no sentido de se estabelecer o caráter

substancial do mandado de injunção, pelo que faz o mesmo as vezes da norma infraconstitucional ausente e integra o direito ineficaz, ineficaz em razão da ausência da norma regulamentadora, à ordem jurídica. Quer dizer, mediante o mandado de injunção, o juiz cria, para o caso concreto, a norma viabilizadora do exercício do direito, ou, como ensina Celso Barbi, adota “uma medida capaz de proteger o direito reclamado”, solução que se põe de “acordo com a função tradicional da sentença, que é resolver o caso concreto levado ao Poder judiciário, mas limitando a eficácia apenas a esse caso, sem pretender usurpar funções próprias de outros poderes.” (Conf. Meu artigo “As Novas Garantias Constitucionais”, RDA, 177/14, 24).

Divirjo, portanto, data vênia, do entendimento segundo o qual com o mandado de injunção, simplesmente dá-se ciência ao órgão incumbido de elaborar a norma regulamentadora de que está ele omisso. Esse entendimento, data vênia, esvazia a nova garantia constitucional do mandado de injunção, que tem por escopo, segundo está na Constituição, art. 5º, LXXI, viabilizar o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e a cidadania. (STF, DJU 21.990, p. 9782, MI (QO) 107-DF, Rel. Min. Moreira Alves.

3.2 – Mandado de injunção 232

Da posição inicialmente adotada pelo STF, uma pequena evolução se apresenta no julgamento do MI 232, pois, além de declarar a mora do Poder competente, fixou prazo de seis meses para que o mesmo adotasse as providências legislativas necessárias, com vistas a regulamentar norma carente de disciplina constitucional.

Ultrapassado o lapso temporal fixado, o impetrante do mandado de injunção e titular de direitos e liberdades constitucionais, e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, imediatamente passaria a exercer aquilo que até então o estava obstando.

Esse entendimento foi, mais uma vez, sustentado pelo Ministro Moreira Alves, relator do presente processo, que afirma não haver dúvidas da edição da lei aludida no § 7º do artigo 195 da Constituição, e que, por isso,

e tendo em vista o disposto no artigo 5º do Ato das Disposições Constituição Transitórias, está caracterizada a mora inconstitucional do Congresso.

Assim, conheço, em parte, do pedido, e, nessa parte, o defiro para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providências legislativas que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do artigo 195, § 7º, da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar a requerente a gozar da imunidade requerida. (STF, DJ de 27-3-92, MI 232, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 2-8-91.)

Concluindo pela fixação do prazo e vencido o mesmo com o cumprimento da obrigação determinada, vindo a tona o diploma legal provocado, adverte o Ministro Marco Aurélio que haverá uma alcance ilimitado quanto as partes envolvidas no mandado de injunção, contrariando a mens legis da norma constitucional, que outro não é senão tornar eficaz um direito previsto na Carta, beneficiando apenas o impetrante.

3.3 – Mandado de injunção 283

Com o MI 283, o prazo para que o legislador ultimasse o processo legislativo da lei regulamentadora diminuiu, passando a ser de quarenta e cinco dias, mais quinze dias para sanção presidencial. Caso não fossem tomadas as providências cabíveis nos prazos assinados, ficaria reconhecida ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida pelas perdas e danos que se arbitrassem.

Quem definiu os contornos desse entendimento foi o Ministro Sepúlveda Pertence, relator do processo, assim julgando:

Verificando iniludivelmente a superação do prazo constitucional assinado para a edição da lei, concede-se o mandado de injunção com seus efeitos específicos de declarar a mora legislatoris inconstitucional e comunicar a decisão ao Congresso Nacional para que supra a omissão.

Como, entretanto, a persistência da omissão legislativa pode acarretar frustração irreparável à expectativa de gozo pelo impetrante da reparação reparatória devida pela União, cabe acautelá-los dos riscos da demora, na medida do possível.

Para isso, acolho solução arbitrada, nos seguintes termos:

a) assino prazo de 45 dias, mais 15 dias para sanção presidencial, afim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada pelo art. 8º, § 3º, ADCT;

b) ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconheço ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrarem;

c) declaro que, prolatada a condenação, a superveniência de lei não prejudicará a coisa julgada, que, entretanto, não impedirá o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhe for mais favorável. (TF, DJ de 14-11-91, MI 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 20-03-1991.)

3.4 – Mandado de injunção 284

Com o MI 284, cuja causa de pedir é semelhante à causa de pedir do MI 283, cessado o prazo de 45 dias, mais os 15 dias para sanção presidencial, sem que fosse adimplida a obrigação de legislar do Congresso Nacional, não seria necessária nova comunicação, assegurando ao impetrante a possibilidade de ajuizar, imediatamente, ação de rito ordinário para se buscar a reparação.

Esse entendimento foi assim esposado:

Reconhecido o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional — único destinatário do comando para satisfazer, no caso, a prestação legislativa reclamada — e considerando que, embora previamente cientificado no Mandado de Injunção n. 283, rel. Min. Sepúlveda Pertence, absteve-se de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta, torna-se prescindível nova comunicação à instituição parlamentar, assegurando-se aos impetrantes, desde logo, a possibilidade de ajuizarem, imediatamente, nos termos do direito comum ou ordinário, a ação de reparação de natureza econômica instituída em seu favor pelo preceito transitório. (STF, DJ de 26-6-92, MI 284, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-91)

3.5 – Mandado de injunção 361

Ao ver que o descumprimento tanto do Legislativo quanto do Executivo comprometeria a seriedade de suas decisões, culminando com a sua vulgarização, a não fixação de prazo para o suprimento da omissão legislativa seria a tônica nas ações de mandado de injunção na Suprema Corte, ainda que, tal postura se revestisse de uma coercitividade mitigada.

Esse precedente foi aberto pelo MI 361, após dissidência do Ministro Sepúlveda Pertence, in verbis:

Mora legislativa: exigência e caracterização: critério de razoabilidade. A mora — que é pressuposto da declaração de inconstitucionalidade da omissão legislativa — é de ser reconhecida, em cada caso, quando, dado o tempo corrido da promulgação da norma constitucional invocada e o relevo da matéria, se deva considerar superado o prazo razoável para a edição do ato legislativo necessário à efetividade da Lei Fundamental; vencido o tempo razoável, nem a inexistência de prazo constitucional para o adimplemento do dever de legislar, nem a pendência de projetos de lei tendentes a cumpri-lo podem descaracterizar a evidência da inconstitucionalidade da persistente omissão de legislar. (...) Mandado de injunção: natureza mandamental (MI 107-QO, M. Alves, RTJ 133/11): descabimento de fixação de prazo para o suprimento da omissão constitucional, quando, por não ser o Estado o sujeito passivo do direito constitucional de exercício obstado pela ausência da norma regulamentadora (v.g., MI 283, Pertence, RTJ 135/882) —, não seja possível cominar conseqüências à sua continuidade após o termo final da dilação assinada. (STF, DJ de 17-6-94, MI 361, Rel. p/ o ac. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 8-4-94.)

3.6 – Mandado de Injunção 708

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o mandado de injunção 708, determinou a aplicação de norma supletiva até que a omissão fosse regulamentada. O julgado trata da Lei nº 7.783/89 para assegurar o direito de greve dos servidores públicos.

O STF vem se posicionando de modo mais intenso no tocante a aplicabilidade do remédio constitucional, passando, então, a adotar uma nova postura, em que o decisum não mais declarava apenas a omissão do Legislativo quanto a edição de norma que regule determinado direito previsto na Carta Magna. Além disso, declarada a omissão, determina prazo para que seja sanado o vício, ou seja, a omissão e, decorrido tal prazo, seja aplicado lei que se aplica ao caso concreto de forma subsidiária, como o MI – 708.

O que o Supremo Tribunal Federal vem aplicando é uma quebra da estrutura política do Estado Brasileiro, mas tendo como guarida a solução de um direito, em detrimento da morosidade do Poder Legislativo. Importante trazer à baila a ementa do julgado:

MANDADO DE INJUNÇÃO. GARANTIA FUNDAMENTAL (CF, ART. 5º, INCISO LXXI). DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS (CF, ART. 37, INCISO VII). EVOLUÇÃO DO TEMA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL ATÉ A EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, NOS TERMOS DO ART. 37, VII, DA CF. EM OBSERVÂNCIA AOS DITAMES DA SEGURANÇA JURÍDICA E À EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL NA INTERPRETAÇÃO DA OMISSÃO LEGISLATIVA SOBRE O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS, FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE SOBRE A MATÉRIA. MANDADO DE INJUNÇÃO DEFERIDO PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS NOS 7.701/1988 E 7.783/1989. (STF, DJ DE 25/10/07, MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 31/10/08)

Denota-se, a partir deste precedente, que o STF adotou uma postura mais ativa, com relação a aplicação de um direito previsto constitucionalmente, mas que não havia previsão legal em razão da inatividade do Legislativo.

De todo o exposto, na decisão do MI 708, é de grande valia tecer alguns aspectos com relação as sentenças manipulativas de efeitos aditivos. Essas sentenças que guardam efeitos aditivos se caracterizam por conferir a uma norma que falta parte de texto normativo, sem a qual é declarada inconstitucional, o Judiciário atua no sentido de suprir a omissão legislativa, criando regras e, assim, garantindo a adequação da norma à Constituição e a aplicação da norma em questão ao caso concreto.

A decisão da Corte de aplicar aos servidores públicos civis as mesmas regras dos servidores privados, previstas nas Leis 7.701/1988 e 7.783/1989, e, também, a decisão de fixar prazo de 60 dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria caracterizam a sentença como aditiva.


4. POSICIONAMENTO ATUAL DO STF À LUZ DE UM PRETENSO ATIVISMO

Do novo posicionamento do STF acerca as decisões no mandado de injunção, é salutar analisar a estrutura do Estado Democrático de Direito e o princípio da Separação dos Poderes. O principal objetivo do princípio da Separação dos Poderes foi assegurar a liberdade dos indivíduos em detrimento do Poder do Estado.

O sistema brasileiro adota o mecanismo de freios e contrapesos a fim buscar a harmonia entre os três Poderes, possibilitando o controle recíproco e a colaboração entre os mesmos. Entretanto, no Estado Democrático de Direito, não se pode chancelar o chamado ativismo judicial ao se sobrepor ao Legislativo. Contudo, deve-se observar que esse mesmo Legislativo, na realização sua tarefa precípua – a de legislar – se omita na regulamentação de normas que regulamenta situações previstas na Carta Magna, trazendo prejuízos para o exercício do direito àqueles que necessitam.

A omissão do Legislativo é que faz àquele que busca a segurança jurídica e aplicação do direito constitucional previsto no art. 5º, LXXI da CF a interpor Mandado de Injunção.

Assim, em que pese a Constituição reconhecer e assegurar a separação dos Poderes, tal princípio poderá ser atenuado sempre que a sua interpretação inflexível acarrete a violação de direitos e garantias contidos naquele mesmo diploma legal, levando o STF a adotar um posicionamento que garanta a imediata aplicação do remédio constitucional em análise.

Assim, em que pese a independência e harmonia dos Poderes, art. 2º da Constituição Federal, não é admissível o Legislativo se mantenha inerte – fazendo da Constituição uma norma sem eficácia - devendo primar pela viabilidade e fruição dos direitos previstos sem violar o citado princípio, tão caro ao Estado Democrático de Direito.

No Estado Democrático de Direito, não se pode limitar a atuação do Judiciário, devendo este ter papel inovador da ordem jurídica e social, atuando de forma ampla e com intensidade, com fim puramente democrático e a garantia da efetividade da Constituição.

O STF adota uma conduta que busca efetivar as garantias previstas na Constituição, a partir da análise do remédio constitucional injuncional. Portanto, visa atender as demandas da sociedade, permitindo o exercício dos direitos assegurados, ainda que omisso por parte do legislador.

De todo o exposto, conclui-se, portanto, pela aplicabilidade do direito a fim de garantir a efetivação de direitos previstos na Carta Magna em detrimento da omissão legislativa.


CONCLUSÃO

Terminada as suscitações e debates empreendidos acima, vê-se que este artigo preocupou-se com o tema relativo ao mandado de injunção como forma de contribuir para a construção de uma teoria que teve como objetivo a individualização do mencionado instituto de toda e qualquer construção teórica que visasse a sua equiparação a qualquer outro remédio constitucional que guardasse características afins, mas que, nem por isso, dentro de uma hipótese científica, fosse impedimento para fazer subsumir as suas características individuais e os seus princípios próprios.

Preocupou-se, ainda, este artigo, em defender o mandado de injunção como uma garantia para tornar efetivas normas constitucionais que estivessem sem aplicabilidade, devido uma providência legislativa ulterior, sem que houvesse qualquer sanção para o Poder omisso, tendo em vista o não cumprimento de suas obrigações funcionais para o resguardo do direito obstado pela falta de norma regulamentadora.

Foi demonstrado que a construção doutrinária pela máxima efetividade das normas constitucionais está sendo incorporada pelo Supremo Tribunal Federal de forma ainda tímida, mesmo depois de passados quase vinte anos desde a implantação do mandado de injunção no constitucionalismo brasileiro.

Essa construção, como evidenciado, teve como principal empecilho a preocupação com a intervenção do Judiciário no “atuar” dos outros Poderes, sem que se estivesse em mente que o papel do aplicador do Direito é o de figurar como instrumento de sociabilidade do mundo moderno, procurando no Direito todos os meios que contribuam para o alcance da efetividade dos direitos sociais obstaculizados por qualquer entrave burocrático.

Enfim, é o reconhecimento e consolidação da ideia de dar efetividade aos direitos constitucionais, aceitando a nova realidade social surgida com a criação dos direitos sociais que dão ensejo, consequentemente, a direitos subjetivos.

Deu-se especial atenção para as normas programáticas, pois são elas as que mais necessitam de proteção dentro do ordenamento jurídico, por estarem quase sempre à margem da aplicabilidade e efetividade que se fazem necessária para dar executoriedade às normas constitucionais.

Por isso, em face dessa legislação social, que se limita a definir a finalidade e os princípios gerais, e diante de direitos sociais essencialmente dirigidos à gradual transformação do presente e do futuro, os aplicadores do Direito devem assumir a posição de negar o caráter limitado de tais direitos ou normas programáticas. Atuando de forma a interpretar as normas constitucionais para conseguir tirar-lhes o máximo de proveito para a parte lesada com a omissão.

A aceitação dessa realidade visa a transformação da concepção do Direito e da nova função do Estado, mesmo reconhecendo o impulso em sentido contrário proporcionado pelo neoliberalismo, mas que, ante a abismal realidade social, mudanças devem ser assumidas para desconstituir este momento de crise institucional, política e econômica.

Diante disso, é chegada a hora de darmos a nossa contribuição na tentativa de tornar efetivos tais programas, contribuindo, assim, para fornecer conteúdo concreto àquelas finalidades e princípios. O que podemos fazer controlando e exigindo o cumprimento do dever do Estado de intervir ativamente na esfera social, um dever que, por ser prescrito legislativamente, cabe exatamente aos aplicadores fazer respeitar.

De qualquer maneira, essa intervenção dos aplicadores do Direito não tira a necessidade de se prosseguir com as lutas sociais para se objetivar a conquista do bem-estar almejado e consignado pela Constituição.

Dentro desse contexto, o não cumprimento dos fins e objetivos da Constituição é inconstitucional, e a sua concretização depende de instrumentos para tornar viáveis os direitos, liberdades e prerrogativas que estejam obstados pela desobediência aos programas nela determinado.

É exigência, em um Estado Democrático de Direito, a necessidade de um sistema de proteção jurídica que controle quaisquer atos dos Poderes Públicos que não estejam em consonância com a Constituição, abrangendo, também, as omissões.

Para isso é que foi criado o mandado de injunção, como garantia deferida àquele que teve seu direito, liberdade ou prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, lesado pela norma regulamentadora faltante.

Estes problemas foram colocados no presente trabalho, e optou-se por dar a sentença do mandado de injunção caráter constitutivo do direito do impetrante, como forma de garantir todas as possibilidades de suprimento das omissões inconstitucionais que lhes são apresentadas, quando o prejudicado com esse estado de coisas procura o Judiciário com o objetivo definido de ter assegurado seu direito obstaculizado por uma inércia a que não deu causa.

Por fim, essas foram as questões debatidas em torno do tema e o que se tentou construir para a consecução da máxima efetividade da Constituição, abarcando, também, as normas programáticas por entendermos que as suas disposições precisam ser legitimadas pela via do mandado de injunção, e por não considerarmos que a sua adoção pela Constituição possa configurar crise do Direito Constitucional na atualidade.


REFERÊNCIAS

BACHA, Sergio Reginaldo. Mandado de injunção. Belo Horizonte: Del Rey. 1998.

BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas - limites e possibilidades da constituição brasileira. 7º ed. Rio de Janeiro: Renovar. 2003.

BONAVIDES, Paulo. Do estado social ao estado liberal. 6º ed. São Paulo: Malheiros. 1996.

DIDIER Jr, Fredie. Ações Constitucionais. 5ª ed. Salvador: Juspodivm. 2011.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis. Trad. Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes. 1993.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Ações Constitucionais. Rio de Janeiro: Fonseca. São Paulo: Método, 2011.

OLIVEIRA, Francisco Antônio. Mandado de injunção (da inconstitucionalidade por omissão) – enfoques trabalhistas – jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993.

QUARESMA, Regina. O mandado de injunção e a inconstitucionalidade por omissão: teoria e prática. 3º ed. Rio de Janeiro: Forense. 1999.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6º ed. 2º tiragem. São Paulo: Malheiros. 2003.

___________________. Curso de direito constitucional positivo. 24º ed. São Paulo: Malheiros. 2005.

SILVA, Volney Zamenhof de Oliveira. Lineamentos do mandado de injunção. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1993.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DJU 21.990, p. 9782, MI (QO) 107-DF, Rel. Min. Moreira Alves.

____________________________. DJ de 27-3-92, MI 232, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 2-8-91.

____________________________. DJ de 14-11-91, MI 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 20-03-1991.

____________________________. DJ de 26-6-92, MI 284, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-91.

____________________________. DJ de 17-6-94, MI 361, Rel. p/ o ac. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 8-4-94.

____________________________. DJ de 25-10-07, MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 31-10-08.


Notas

[1] SILVA, Volney Zamenhof de Oliveira. Lineamentos do mandado de injunção. São Paulo. 2003. Revista dos Tribunais.

[2] QUARESMA, Regina. O mandado de injunção e a inconstitucionalidade por omissão: teoria e prática. 3º ed. Rio de Janeiro.1999. Forense.

[3] SILVA, Volney Zamenhof de Oliveira. Ob. cit.

[4] BACHA, Sergio Reginaldo. Mandado de injunção. Belo Horizonte.1999. Del Rey.


Autor

  • Leonardo Moreira Castro Chaves

    Advogado. Procurador Jurídico da Prefeitura Municipal de Itaju do Colônia (BA) e das Câmaras Municipais de Jussiape (BA) e Rio de Contas (BA). Pós-graduado com especialização em Direito Processual Civil pela Universidade Católica do Salvador. Pós-graduado com especialização em Direito Eleitoral pela Faculdades Integradas Ipitanga.

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAVES, Leonardo Moreira Castro. Mandado de injunção: aplicação à luz de um pretenso ativismo judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5432, 16 maio 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64721. Acesso em: 19 abr. 2024.