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Evolução legislativa dos crimes tributários

Evolução legislativa dos crimes tributários

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A legislação sobre a extinção da punibilidade dos crimes tributários evoluiu no tempo de acordo com a finalidade do direito penal tributário, que não tem o mesmo objetivo do direito penal.

1 Conceito  de crimes tributários

São infrações  de  natureza tributária sancionadas pelo Direito Penal. São objetos de estudos pelo Direito Penal Tributário. As infrações tributárias que ensejam sanções de natureza administrativa são objetos de estudo pelo Direito Tributário Penal.


2 Evolução legislativa

No começo os chamados crimes tributários eram apenas aqueles previstos no Código Penal como, por exemplo, a falsificação de papéis públicos (art. 293), o contrabando ou descaminho (art. 334), o excesso de exação (art. 316, § 1o) etc. Ao depois, algumas condutas tipificadas no Código Penal foram transpostas para o campo do Direito Tributário.

2.1 Lei nº 4.729, de 14-7-1965

O primeiro diploma legal específico surgiu com o advento da Lei nº 4.729/65 que ficou conhecida como lei de sonegação fiscal que assim dispunha:

“Art. 1o Constitui crime de sonegação fiscal:

I – prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito público interno, com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos, taxas e quaisquer adicionais devidos por lei;

II – inserir elementos inexatos ou omitir rendimentos ou operações de qualquer natureza em documentos ou livros exigidos pelas leis fiscais, com a intenção de exonerar-se do pagamento de tributos devidos à Fazenda Pública; ETC.

Pena: Detenção, de seis meses a dois anos, e multa de duas a cinco vezes o valor do tributo.

§ 1o Quando se tratar de criminoso primário, a pena será reduzida à multa de 10 (dez) vezes o valor do tributo.

Os crimes eram de natureza formal ou de mera conduta sendo dispensável  o resultado material. Bastava a ação dolosa do agente visando, mediante as condutas especificadas na lei  eximir-se total ou parcialmente do tributo devido.

A obrigatoriedade da conversão da pena de detenção para a pena de multa em se tratando de criminoso primário fez com que durante a sua vigência não resultasse na prisão do sonegador fiscal.

O segundo estatuto penal específico veio com o advento da Lei nº 8.137, de 27-12-1990 que instituiu os chamados crimes tributários.

Pelo art. 1º dessa Lei “ Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena – reclusão de dois a cinco anos, e multa.

 As condutas mencionadas nos cinco incisos do art. 1º da Lei nº 8.137/90 configuram crimes de resultado. Não basta a intenção de suprimir ou reduzir tributos; omitir informações; prestar declarações falsas; utilizar documentos falsos ou inexatos; deixar de fornecer nota fiscal ou documento equivalente quando obrigatório. Se dessas condutas não resultar supressão total ou parcial do tributo devido, o crime deixa de existir. O núcleo do crime é suprimir tributos mediante condutas aí tipificadas, ao contrário da Lei 4.729/64 em que o núcleo do crime consistia em praticar condutas aí tipificadas com o fito de reduzir em todo ou em parte do tributo devido.


3 Extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo

As condições para extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo tem variado bastante ao longo do tempo, como veremos a seguir.

3.1 Lei 4.729/65

Na vigência da Lei nº 4.729, de 14-7-1965 a extinção da punibilidade acontecia quando o agente promover o recolhimento do tributo devido, antes de ter início, na esfera administrativa, a ação fiscal própria”.        

3.2 Lei nº 8.137

Com o advento da Lei nº Lei nº 8.137, de 27-12-1990, o seu art. 14 prescrevia a extinção a punibilidade dos crimes tributários quando o agente promover o pagamento de tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia”.

Porém, esse art. 14 foi revogado pela Lei nº 8.383, de 30-12-1991 e posteriormente reinstituído pelo art. 34 da Lei nº 9.249 de 26-12-1995.

3.3 O art. 15 da Lei nº 9.964 de 10-4-2000

O art. 15 da Lei nº 9.964, de 10-4-200 que instituiu o Programa de parcelamento de débitos tributários, conhecida como Refis,dispôs sobre a suspensão da pretensão punitiva do Estado referente aos crimes tributários durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis,desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.

Ao final do pagamento da última parcela do acordo celebrado, antes do recebimento da denúncia, extinguia-se a pretensão punitiva do Estado.

3.4 O art 9º e § 2º da Lei nº 10.684, de 30-5-2003

Por derradeiro, no bojo da nova lei de parcelamento instituído pelo art. 9º da Lei nº 10.684, de 30-5-2003 veio a suspensão da pretensão punitiva do Estado referentes aos crimes de naturezatributária enquanto a pessoa jurídica estiver incluída no regime de parcelamento.

O seu § 1º suspendeu igualmente a fluência do prazo prescricional no

O § 2º, por sua vez, prescreveu a extinção da punibilidade dos crimes referidos de natureza tributária com o pagamento integral dos débitos tributários, inclusive acessórios, independentemente a existência ou não do parcelamento.

Essa extinção de punibilidade não está limitada ao pagamento de débitos parcelados como no regime anterior. O legislador partiu para a completa despenalização na hipótese de pagamento integral do crédito tributário porque, nessa hipótese, o interesse público tutelado pela norma penal teria sido inteiramente satisfeito. Consoante escrevemos o caput e o seu § 1º têm natureza temporária, aplicáveis em relação aos créditos tributários sob o regime de parcelamento, mas “em relação ao § 2º não se pode sustentar sua natureza temporária, porque a extinção da punibilidade aí proclamada não está vinculada ao pagamento integral dos débitos tributários incluídos no Refis II. O texto refere-se, com lapidar clareza, ao pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições, inclusive acessórios” [1].

Realmente, não atina com o princípio da razoabilidade extinguir a punibilidade de quem paga a última prestação do parcelamento e deixar de extinguir a punibilidade de quem promove o pagamento à vista do tributo inadimplido.

Se a extinção da punibilidade está fundamentada no pagamento integral do tributo exigido, não há como deixar de considerar a incidência do princípio da retroatividade da lei penal benigna para reconhecer a extinção da punibilidade em todas as hipóteses em que houver pagamento integral do crédito tributário, independentemente do momento e das condições desse pagamento. Nesse sentido evoluiu a jurisprudência do STF. [2]

Certamente esse posicionamento não encontra unanimidade na doutrina. Há quem sustente que o sonegador representa um perigo para a sociedade à medida que subtrai os recursos financeiros necessários ao Estado para implementação de suas política públicas voltadas para o atendimentos da população em geral, de conformidade com os comandos constitucionais que asseguram os direitos individuais e coletivos nas áreas da saúde, da segurança pública, da educação etc. Não há dúvida de que o pagamento do tributo sonegado sob ameaça de sanção penal serve para repor aos cofres públicos o dinheiro sonegado, mas, não rapara aqueles que ficaram sem atendimento no momento oportuno, dentro da teoria da Reserva do Possível, pois o governante não pode inventar recursos financeiros se as fontes estiverem esgotadas. Pode-se sustentar, também, que essa interpretação afasta-se da visão kantiana para apegar-se à corrente do utilitarismo, fato que conspira contra o princípio da moralidade à medida que pode ensejar o encorajamento dos sonegadores contumazes. Mas, isso é uma exceção para os que conhecem a fundo a realidade tributária de nosso país em que legislações ordinárias desprovidas de sentido ético-moral, voltadas apenas para a eficiência da arrecadação a qualquer custo e por qualquer meio (protesto da CDA, inscrição no Cadin, indisponibilidade universal de bens do devedor, proibição de emitir notas fiscais, proibição de obter certidões negativas indispensáveis para a prática de diversos atos relacionadas com o exercício da atividade econômica do contribuinte etc.)têm levado à insolvência quantidade considerável de unidades produtoras de riquezas com graves reflexos nos campos econômico e social.

De qualquer forma, em termos de direito positivo não há como negar que o pagamento, a qualquer tempo, do tributo impago (sonegado ou em mora) acarreta a extinção da punibilidade.        


4 Conclusões

A legislação sobre a extinção da punibilidade dos crimes tributários evoluiu no tempo de acordo com a finalidade do Direito Penal Tributário, que não tem o mesmo objetivo do Direito Penal. Na seara do Direito Penal os preceitosestão voltados para assegurar o exato cumprimento das normas de vivência comum, a fim de prevenir distorções sociais graves que não seriam elididas pelo simples ressarcimento do dano causado. No Direito Penal Tributário o bem jurídico tutelado é o Erário. Por isso, pago o tributo devido não há razão para a continuidade da prisão do inadimplente. As normas de Direito Penal Tributário, ao contrário das normas de Direito Penal, não tem por objetivo retirar de circulação alguém que represente um perigo para a sociedade, por quebra das regras de vivência comum.


Notas

[1] Crimes contra ordem tributária, 2ª ed. Kiyoshi Harada, Leonardo Musumecci Filho e Gustavo Moreno Polido. São Paulo: Atlas, 2015, p. 178.

 [2] HC nº 81.929/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 27-2-2004; HC nº 83.414/RS, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 23-4-2004.


Autor

  • Kiyoshi Harada

    Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Evolução legislativa dos crimes tributários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5522, 14 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64840. Acesso em: 28 mar. 2024.