Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/65068
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O direito na sociedade da informação

O direito na sociedade da informação

Publicado em . Elaborado em .

A sociedade da informação não é apenas restrita ao ambiente virtual. As relações continuam a ser interpessoais, assim como eram na sociedade industrial. Mas, com o intenso e facilitado acesso à tecnologia da informação, o que mudou?

RESUMO:Para o escopo do presente estudo, que se baseia na inserção e adaptação do direito na sociedade da informação, objetivou-se verificar como essa ciência passou a se desenvolver nesse novo modelo de sociedade, visando às novas conquistas relacionadas ao bem estar social e à pavimentação do ambiente jurídico sob ponto de vista igualitário e satisfatório. Para tanto, além de revisão bibliográfica sobre o assunto foram analisadas algumas adaptações, atualizações, melhorias e novas perspectivas nas aplicações jurídicas, com relação às tecnologias e amplitude de acessibilidade. Entre outros aspectos, os resultados evidenciam que a sociedade da informação veio introduzir maior produtividade nos processos cotidianos via manipulação de dados por meio eletrônico, guardado o devido cuidado jurídico específico e atualizado. Concluiu-se, também, que, sob o entendimento de que as teorias de desenvolvimento da sociedade e seus meios, fins e valores dependem do correto e facilitado acesso jurídico em suas análises, a existência de um direito inserido nesta marca da contemporaneidade é de extrema valia e necessidade.

Palavras-chave: informação, tecnologia, sociedade.


INTRODUÇÃO

A princípio, o termo “sociedade da informação” nos remete a pensar em algo unicamente ligado ao relacionamento das pessoas com um novo mundo repleto de tecnologia e somente a ele relacionado. Talvez os termos “sociedade da informação” sejam uma expressão colocada de forma infeliz, ou insuficiente, para exprimir a real complexidade das novas nuances de relacionamento entre os indivíduos com as novas maneiras de se comunicar e interagir em sociedade. Na verdade, possivelmente a palavra “sociedades” já traria complexidade e pensamento genérico do que realmente encontramos no mundo real, pois as disparidades são latentes entre as diversas sociedades existentes no globo.

Para o escopo do presente estudo, que é o Direito na sociedade da informação, tentaremos verificar como esta ciência passou a se desenvolver neste novo modelo de sociedade, com a aceleração das formas de contratação e surgimento das novas ameaças à manutenção das conquistas relacionadas ao bem estar social e à pavimentação do ambiente jurídico para que o desenvolvimento social alcance a todos de maneira satisfatória. Também serão analisadas algumas adaptações, atualizações, melhorias e novas perspectivas nas aplicações jurídicas, a partir de uma mutabilidade que tem real impacto sobre uma sociedade que necessita de mudanças que visem a atender seus ensejos e que “obrigam” o direito a se inovar e acompanhar essa evolução natural.

No que muitos chamam de “Revolução Cibernética”, a velocidade e versatilidade de meios na obtenção de informações faz com que o direito se amplie, surgindo assim a necessidade de produção de novos princípios e normas relacionadas às matérias de controle e circulação de informações, abrangendo aspectos técnicos, sociais e morais.


1. A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Diversas são as definições para sociedade da informação. Nas palavras de Jorge Werthein,

a expressão “sociedade da informação” passou a ser utilizada, nos últimos anos desse século, como substituto para o conceito complexo de “sociedade pós-industrial” e como forma de transmitir o conteúdo específico do “novo paradigma técnico-econômico” (2000).

Essa sociedade pós-industrial ou “informacional”, como prefere Castells (2000 apud WERTHEIN, 2000), está ligada à expansão e reestruturação do capitalismo desde a década de 80 do século passado. Segundo o mesmo autor, são características fundamentais deste novo paradigma: a informação é sua própria matéria prima, já que as tecnologias desenvolvidas abrem aos indivíduos possibilidades efetivas de atuar sobre a informação primária, ao contrário do passado, quando o principal foco era utilizar a informação para agir sobre as tecnologias, criando novos implementos ou mesmo adaptando os antigos para novas utilidades; extrema utilização da lógica de redes, esta sendo complexa e que cabe ao uso de qualquer processo; efeitos das novas tecnologias com grande penetrabilidade, já que a informação integra as atividades dos indivíduos de forma individual ou coletiva e, desta forma, tendem a serem afetadas diretamente pelas novas tendência tecnológicas; tecnologia que favorece processos reversíveis, oferecendo flexibilidade e possibilitando que assim exista grande capacidade de reconfiguração e reorganização de todo e qualquer componente, e; agregação de novas tecnologias em várias áreas do conhecimento, como biológica, tecnológica, eletrônica, rede de computadores e de telecomunicações.

Diversas áreas do saber são interligadas e, na visão de Sérgio Iglesias, o termo “sociedade da informação” consolidou-se na Europa, em Conferência Internacional celebrada em 1980, onde a Comunidade Econômica Europeia reuniu estudos para analisar o futuro de uma nova sociedade, assim denominada por convenção, pelo interesse em regulamentação da liberdade de circulação de serviços e de medidas para implementação de mecanismos de comunicação que permitiriam aos Estados-membros da União Europeia estarem informados e terem acesso aos bens e serviços, sob a sigla TIC (Tecnologias de Informação e de Comunicação).

Acrescenta, ainda, que o termo “sociedade da informação” é uma expressão que traduz um novo conceito de proteção dos direitos fundamentais, uma nova orientação internacional em busca do direito ao desenvolvimento através da interação da comunicação e da telemática, em uma nova era de informações em tempo real, com transmissão global e assimilação simultânea. Aqui temos uma visão que se aproxima mais do papel que a ciência do Direito deve exercer nesta nova sociedade.

Assim, se visualizarmos o fenômeno do desenvolvimento da humanidade do ponto de vista sociológico (abordagem mais encontrada), observamos que existe um núcleo de significado: sociedade da informação é um termo cunhado para expressar um momento histórico da humanidade que é o novo formato assumido pelas relações de produção e interação social decorrentes do desenvolvimento da telemática surgida na sociedade pós-moderna, principalmente a partir de 1960.


2. O DIREITO INSERIDO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Podemos entender o atual estado de organização da sociedade atual como fruto de uma revolução recente, baseada no desenvolvimento da telemática e mais visualizada por nós pela presença de computadores. Não é para menos, pois o computador é o veículo final pelo qual nós nos beneficiamos do desenvolvimento das telecomunicações e dos avanços da tecnologia empregada na construção de dispositivos eletrônicos (Ex.: nanotecnologia). Desta forma, ficamos tentados a simplificar o nosso entendimento do meio em que vivemos e trazemos, quase como sinônimos, “sociedade da informação” e a presença de computadores em nossas vidas.

Entretanto, como ressaltou Krishan Kumar, o conceito de sociedade da informação sob esta ótica é questionável e se ajusta bem à tradição liberal, progressista, do pensamento ocidental, porque mantém a fé do Iluminismo na racionalidade e no progresso. A melhor designação seria a teoria da sociedade pós-moderna, pois é a mais abrangente dentre as teorias recentes por acolher todas as formas de mudanças (culturais, políticas e econômicas).

Tais mudanças e seus efeitos são o novo espectro de atuação do Direito. No entendimento de Senise Lisboa, “sociedade da informação‟, também denominada de “sociedade do conhecimento‟, é a expressão utilizada para identificar o período histórico a partir da preponderância da informação sobre os meios de produção e a distribuição dos bens na sociedade que se estabeleceu a partir da vulgarização das programações de dados utilizadas nos meios de comunicação existentes e dos dados obtidos sobre uma pessoa e/ou objeto, para a realização de atos e negócios jurídicos”. Ainda, a “era da informação” não é apenas um slogan, mas um fato; a economia baseada no conhecimento é, realmente, uma nova economia, com novas regras, exigindo novas maneiras de fazer negócios.

Sobre esta economia, vale dizer que a mesma ancora-se em três pilares: a) o conhecimento impregna tudo o que compramos, vendemos e produzimos; b) os ativos do conhecimento, isto é, o capital intelectual, passou a ser mais importante para as empresas que os ativos financeiros e físicos e; c) prosperar na nova economia: explorar esses novos ativos significa a maior utilização de novas técnicas de gestão, novas tecnologias e novas estratégias”.

As transformações na sociedade foram extremamente profundas devido a massificação da informação e seus efeitos ainda são relativamente desconhecidos. E as mudanças não aconteceram somente para aqueles que tem acesso a um computador. A revolução se fez em todas as direções e atinge o modo de vida direta ou indiretamente de qualquer pessoa na era atual. O que fica explícito nesta colocação é a disparidade gerada entre os indivíduos que tem e os que não tem acesso a esse fluxo de informações, acarretando em diferentes produtividades e consequentemente em disparidades de renda.

A introdução do computador gerou uma revolução nas relações jurídicas. Entretanto, não se deve restringir esta noção apenas ao campo dos “direitos intelectuais que envolvem a questão da titularidade do hardware, com propriedade industrial, nem acerca da titularidade do software, como direito autoral”, diz Lisboa. Assim como ocorreu na revolução industrial, a alteração das relações jurídicas deve ser bem analisada. A sociedade da informação não é apenas restrita ao ambiente virtual. As relações continuam a ser interpessoais, assim como eram na sociedade industrial. A sociedade da informação veio introduzir uma maior produtividade dos processos via manipulação de dados por meio eletrônico nas mais diversas áreas (transportes, comércio, biotecnologia, meio ambiente, etc.). Deste modo, todos os ramos do Direito foram afetados e devem ser revisitados (Direito Civil, Direito Tributário, Direito Empresarial, Direito do trabalho, etc.). Importante também não confundir o Direito na sociedade da informação com o Direito da Informática, sendo este último apenas para estudar as relações jurídicas celebradas pelo meio virtual.


3. APLICAÇÃO CONCRETA DO DIREITO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Como já discutido, o estudo do direito acompanha a evolução da sociedade e encontra, principalmente no campo cibernético, formas de atuação ou inserção de seus mecanismos de funcionamento. Através da internet, por muitos considerada o principal veículo de informação da sociedade contemporânea, o direito encontra a possibilidade de oferecer segurança às diversas relações jurídicas e procura, pode-se dizer que a passos largos, transitar cada vez mais entre o mundo real e o mundo digital. Sobretudo, a informação digital aparenta conferir estabilidade nestas relações, considerando, é claro, o fácil acesso ao mundo digital por grande parte da população que usa o sistema judiciário.

Essa inserção do direito na era digital, todavia, surgiu até mais por necessidade do que por iniciativa de inovação. Avanços e discussões sobre a regulamentação dos sistemas informáticos, atuação negocial e econômica por meios eletrônicos, crescimento do comércio via internet, acesso à publicações acadêmicas e literárias – facilmente disponíveis e em grande circulação na internet – o que desponta debates sobre direitos autorais, entre outros, são exemplos de como o direito, como mecanismo de controle social, teve (e cada vez mais terá) que se adaptar e ampliar seus estudos para as relações virtuais.

Devemos considerar, em contrapartida com todos os benefícios que a era da informática e tecnologia nos traz, a evidente problemática que acompanha a disseminação de informação via internet: a vida privada dos indivíduos se tornou mais vulnerável. Pode-se dizer, ainda, que essa vulnerabilidade muito em parte se dá por ações das próprias pessoas que, visando a atender as novas modalidades tecnológicas, chegam a comercializar dados pessoais e até a compartilhar informações profissionais, fortemente influenciadas pela cultura contemporânea que sinaliza que quanto mais “cibernético”, melhor; o indivíduo atualizado e conhecedor das novas tecnologias é, sobretudo, uma pessoa culta e atualizada.

Neste sentido, o direito na sociedade da informação deve compor legislações atualizadas no âmbito privado, atentando para os avanços tecnológicos e sociais. Aparentemente identificado em campos distintos – Civil (negócios jurídicos, contratos virtuais e relações econômicas de consumo) e Intelectual (direitos autorais e circulação de cultura) – tem que agir de forma a proteger a liberdade de expressão, a garantia da informação e a própria intimidade de seus usuários, estes, inclusive, preceitos fundamentais de nossa atual Constituição Federal “cidadã” de 1988. Já no âmbito público, o Estado vê sua atuação de forma diferenciada, tendo que atentar para aqueles que não têm acesso à informação e que têm dificuldades em se incluir na era digital, até do ponto de vista social, como analisaremos em capítulo próximo.

Seus esforços devem, portanto, alcançar todos de forma indiscriminada. Pode-se dizer que o direito no âmbito público segue uma relação no sentido Estado-Sociedade. Isto significa dizer que é por excelência, a partir do Estado, que as relações jurídicas devem ser moldadas às diversas formas de comunicação, com a prestação de serviços sendo realizada de forma segura e célere aos os cidadãos e melhorando a dinâmica do sistema, diga-se de passagem, já que o sistema judiciário encontra-se “atolado”.

Um grande avanço no aspecto do funcionalismo do Poder Judiciário é o “Processo Judicial Eletrônico”. Este instrumento eletrônico revela, de forma promissora, como que o Estado pode tornar menos burocrática a consulta e andamento de processos judiciais; é, sobretudo, uma grande amostra de como a justiça pode adequar-se à tecnologia, e vice-versa. Outros ramos do direito público também englobam questões da sociedade da informação, e não somente o processual, onde se pauta a inovação descrita acima. Talvez o mais discutido seja o Direito Penal, nos tão falados “crimes cibernéticos”, também conhecidos como crimes eletrônicos ou informáticos.

Em uma definição sucinta, o crime eletrônico é aquele que decorre da utilização de computador (internet) como ferramenta para invasão, ataque ou coleta de dados de forma ilegal. Contudo, vale apresentar algumas definições mais técnicas e que ampliam a interpretação do uso mal intencionado da tecnologia à serviço da informação: qualquer conduta criminal em que o computador está envolvido como material, objeto ou mero símbolo; são elas: “criminalidade informática” -todas as formas de comportamento ilegal que venham a, de qualquer forma, provocar danos sociais por intermédio de um computador; “crime informático” - toda ação dolosa que provoca prejuízos a pessoas ou entidades, utilizando dispositivos habitualmente empregados nas atividades de informática para sua consumação. Em outras palavras, é a conduta que atenta contra o estado natural dos dados e recursos oferecidos por um sistema de processamento de dados, seja pela compilação, pelo armazenamento ou pela transmissão de dados (Rodrigues da Costa).

Além disso, são crimes de difícil controle, pois a rede mundial de computadores permite que usuários em todo o mundo se comuniquem e troquem informações. Violação de dados, mensagens falsas, movimentação bancárias, transações nacionais e internacionais e subtração de arquivos são alguns exemplos corriqueiros de crimes eletrônicos. Em algumas situações, a subtração de arquivos e dados pessoais não objetiva, por exemplo, vantagem econômica, mas representa um ataque moral, nos casos que o criminoso visa denigrir a imagem da vítima, podendo até se passar por esta, assumindo falsamente sua personalidade. No aspecto econômico-empresarial, muito comum, os alvos são empresas e demais organizações que sofrem com vazamento de informações, sabotagens, pirataria e espionagens de sistema e informações (através dos vírus, spywares, etc.).

O Direito Administrativo é outro ramo que merece destaque por sua relação com a sociedade da informação. O maior exemplo é a Portaria Interministerial nº 140, de 16 de março de 2006, que disciplina a divulgação de dados e informações pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, por meio da rede mundial de computadores, além de determinar que todo órgão público tenha sua própria página de transparência. Há de se concordar que, desta forma, a eficiência da Administração é destacada, a prestação de serviço fica mais clara perante a sociedade e, ainda, fortalece o espírito democrático em nosso país.


4. COMISSÃO DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E INFRAESTRUTURA

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), criado em 2004, é um órgão do Poder Judiciário que visa ao aperfeiçoamento do serviço público na prestação da justiça, compreendendo, entre outras atividades, a modernização tecnológica do Poder Judiciário. A Comissão de Tecnologia da Informação e Infraestrutura analisa o funcionamento do judiciário e propõe medidas tendentes a buscar infraestrutura adequada ao funcionamento desejado ao Poder Judiciário; visa a criar um planejamento em Tecnologia da Informação para garantir a tecnologia apropriada dos tribunais e interação dos sistemas. Dentre suas aplicações, foi a responsável por implantar o processo eletrônico, que gerou muitos progressos. A lei 11.419/06 trata da informatização do processo judicial em seus artigos 1º a 7º, criando regras de comunicação dos atos judiciais, e nos artigos 8º a 13º, tratando do processo eletrônico propriamente dito.

A instrumentalização e a realização de atos processuais por meio eletrônico representam avanço para melhorar a prestação jurisdicional. Representa economia de tempo, dinheiro e eficiência na prestação dos serviços judiciais. É importante ressaltar que para a prática de atos processuais por meio eletrônico será necessária à identificação de quem os pratica, no caso o advogado que representa a parte. Para tanto, a lei exige credenciamento prévio e assinatura eletrônica. A assinatura eletrônica é um sistema de identificação pelo qual uma empresa ou órgão reconhece o usuário, identificando-o como se ele tivesse lançado a própria assinatura. Essa lei estabelece a possibilidade de utilização de meios eletrônicos para a pratica de atos processuais em todos os tipos de processo, ou seja, civil, penal, trabalhista e juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição. Todos os atos podem ser processados por meio eletrônico, desde a petição até a sentença, devendo o Poder Judiciário disponibilizar equipamentos para a digitalização e acesso à internet.

No processo totalmente eletrônico, os documentos que as partes pretendem juntar aos autos deverão ser digitalizados e juntados aos autos eletrônicos, que deverão ser acessíveis somente às partes, seus advogados (se o processo tramitar em segredo de justiça) e a qualquer pessoa nos demais casos, de maneira a observar o princípio da publicidade do processo, o que impede a existência de processos secretos que dariam margem a abusos e uso indevido de poder. Além disso, a publicidade serve como meio de controle e fiscalização dos trabalhos dos juízes e servidores do Poder Judiciário, uma vez que as partes e qualquer pessoa podem obter o processo e tomar conhecimento dos atos realizados.

É importante lembrar que o CPC, reconhecendo a prioridade do direito à intimidade e à privacidade, impõe segredo de justiça às causas que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores. Entretanto, a defesa desses direitos só oferece efetiva garantia com relação aos processos instrumentados em documentos cartáceos, pois essa forma fornece publicidade, garantindo que o processo seja acessível a todos que queiram consultá-lo e tomar conhecimento de seu conteúdo, mas, em realidade, essa consulta raramente é feita por quem não tem interesse jurídico no processo, de forma que o processo é consultado somente pelas partes, seus procuradores, por advogados, pelos funcionários dos órgãos judiciais e estudantes, pois, salvo nos casos de grande repercussão, não é comum pessoas sem interesse especial consultar autos de processos, até porque teriam que se dirigir a uma unidade judiciária e ali realizar sua pesquisa, sujeitando-se a filas e vicissitudes de serviço prestado pelo Estado.

O processo eletrônico, ao contrário, possibilita uma pesquisa ampla, permitindo a qualquer pessoa acessar remotamente o processo, copiá-lo integralmente e até mesmo disseminar informações, transmitindo-as a terceiros. A publicidade é benéfica na medida em que aumenta a fiscalização sobre os atos processuais, pois todos os envolvidos direta ou indiretamente no processo atuarão com mais cuidado, sabendo da existência da fiscalização contínua. Contudo, como já citado, deve-se obervar a contramão do benefício e se precaver das possíveis atuações que envolvam a má-fé. Consideremos, assim, que o procedimento eletrônico facilita o acesso de documentos pessoais possibilitando que estes sejam utilizados indevidamente para a prática de fraudes, uma vez que o banco de dados se torna possível a cópia de documentos.


5. O EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR E O DIREITO À PRIVACIDADE E INTIMIDADE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Segundo Maria Helena Diniz, o poder familiar é o conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho. O poder familiar deve ser encarado como um conjunto de deveres e direitos que tem como finalidade principal o desenvolvimento e bem-estar de pessoas menores. Esse poder proporciona a formação da personalidade da criança e do adolescente, sendo que, na medida em que o menor desenvolve sua capacidade de escolha, o poder familiar reduz-se proporcionalmente, assim, cabe aos pais dar a oportunidade para que seus filhos possam tomar suas próprias decisões quando atingirem a maioridade.

É importante lembrar que a educação de uma criança e adolescente envolve tanto a educação formal como a familiar, que acontece mediante a atuação direta dos pais na vida do filho, no contato diário. Essa educação é essencial para a formação do caráter da criança. É preciso ressaltar também a importância da ética para resgatar valores e respeito ao próximo. Os pais devem tomar cuidados necessários sob pena de sofrerem as consequências pelos atos praticados por menores que estão sob sua responsabilidade.

Surge, então, a questão se existe limite ao exercício do poder familiar quanto à privacidade dos filhos. É clara a dificuldade de aplicação prática do direito à intimidade quando existe o dever de educar dos pais, mas por conta de sua maturidade, esses direitos podem ser transferidos temporariamente ao seu representante legal. Como regra, a responsabilidade civil no direito de família é subjetiva, exigindo-se a configuração da culpa para que haja indenização. Quando se tratar de responsabilidade dos pais por atos praticados pelos filhos estamos diante da responsabilidade objetiva (artigo 932, I CC). A responsabilidade não é em decorrência da guarda e sim de quem é o titular do poder familiar e, em caso de pais separados, a responsabilidade é daquele que estava em sua companhia no momento do ato praticado.

Na sociedade da informação, se o pai ou a mãe impedem de forma absoluta o acesso do filho à internet, eles violam os direitos personalíssimos, pois o exclui do aprendizado digital. Por outro lado, se permitir que ele tenha acesso livre sem cuidado ou limitação, os pais estarão descumprindo o dever de cuidar e permitindo que ele seja alvo de violência. Se os pais não fiscalizarem o que o filho anda fazendo na rede poderão ser responsabilizados pelo ato praticado pelo mesmo, em caso de violação a direitos de terceiros. Sem esquecer, ainda, que o menor que age de forma contrária à lei (ato infracional) poderá ser responsabilizado pessoalmente com medidas de proteção (criança) ou medida socioeducativas (adolescente).

São muitas as violações provenientes do uso indevido da internet contra menores como: pedofilia, uso indevido de imagens, acesso a conteúdos impróprios para a idade, pornografia, informações falsas, cyberbullying[1], etc. Alguns estados brasileiros possuem leis que disciplinam o uso dos computadores nas lan houses por pessoas menores de idade. O estado de São Paulo, com a Lei 12.228/06, determina que as casas de jogos ou acesso à Internet devem manter cadastro de seus clientes, independentemente da idade. Além disso, menores de 12 anos não podem usar os computadores sem acompanhamento dos seus responsáveis e os menores entre 12 e 16 anos devem ter autorização por escrito de um deles, sendo que o menor não pode ficar no local por mais de três horas. Há um avanço gradativo na área jurídica para coibir os ilícitos advindos da má utilização da tecnologia da informação por meio da internet.

O anteprojeto do novo Código Penal está em discussão no Senado Federal e seu conteúdo tenta modernizar a legislação criminal do país e inclui um capítulo dedicado aos crimes cibernéticos. Além da introdução no código de conceitos básicos da informática, duas figuras penais novas serão criadas: acesso indevido e sabotagem informática. A primeira punirá, com penas variáveis, a invasão a sistemas digitais e o vazamento não autorizado de dados, com ou sem fim comercial; a segunda visa a reprimir as ações voltadas a interromper, derrubar ou prejudicar, sem autorização, o funcionamento de sistema informático.


CONCLUSÃO

A gênese deste trabalho se deu a partir da busca do entendimento do que realmente vem a significar “sociedade da informação”. Isto significa dizer que se fez necessária uma revisão bibliográfica – além de análise legislativa, para que, fora do campo do senso comum que comumente relaciona o tema apenas à tecnologia e adaptação do ser humano a ela, fosse possível compreender como esta é uma questão ainda em desenvolvimento e que abrange diversas outras questões, inclusive éticas e morais. Diante disso, no primeiro momento foi discutido o termo “sociedade da informação”, abordando diferentes conceituações e perspectivas sobre o assunto. Contudo, nota-se que não existe certo consenso quanto ao seu significado, em linhas gerais, utilizado para expressar um momento histórico da humanidade, onde um novo formato é assumido pelas relações de produção e interação social decorrentes do desenvolvimento da telemática surgida na sociedade pós-moderna.

Posteriormente foi analisa a inserção das ciências jurídicas nessa sociedade da informação e como o Direito em si norteia as relações entre os indivíduos, que se multiplica pela facilidade de troca de dados e de informações. A sociedade da informação veio introduzir uma maior produtividade dos processos via manipulação de dados por meio eletrônico nas mais diversas áreas (transportes, comércio, biotecnologia, meio ambiente, etc.). Esse dinamismo, todavia, requer um cuidado jurídico específico e atualizado.

No capítulo seguinte a problemática da inserção cultural foi argumentada, sob o entendimento de que as teorias de desenvolvimento nesse campo devem permitir a compreensão e a transformação da sociedade, não somente no que diz respeito aos meios, mas também aos fins e valores objetivados, principalmente no que diz respeito à área educacional, desafio este que se estende para campos distintos de análise como ético-cultural, político e jurídico.

Em última análise, foram apresentados aspectos da inserção prática e atual da informação nos diversos ramos do direito, seja ele público ou privado, terminando com uma argumentação sobre como, no âmbito familiar, as informações são administradas pelos pais, compreendendo que o controle por eles de informações relacionadas às crianças se insere no campo obrigacional de atuação familiar, já que atinge direitos personalíssimos e preceitos fundamentais da família e das próprias crianças.


REFERÊNCIAS

ANDRADE, Ronaldo Alves de. O direito à privacidade e à intimidade no processo eletrônico. In: PAESANI, L. M. (Coord.). O Direito na Sociedade da informação II. São Paulo: Atlas, 2012.

BERNAL-MESA, Raul; MASERA, Gustavo A. América Latina e a sociedade da informação. Política Externa, vol.15, n.4, mar./abr./mai. 2007.

CASTELS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. In: A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2000. v.1.

LAPA, Ana Elizabeth; CAVALCANTI, Wanderley. O exercício do poder familiar e o direito à privacidade e intimidade da criança e do adolescente. In: PAESANI, L. M. (Coord.). O Direito na Sociedade da informação II. São Paulo: Atlas. p. 51-65.

LISBOA, Senise R. Direito na sociedade da informação. Disponível em: <http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/direitonasociedadedainformacao-4.pdf>. Acesso em: 13 fevereiro de 2015.

_______. Tecnologia, confiança e sociedade - Por um novo solidarismo. In: PAESANI, L. M. (Coord.). O Direito na Sociedade da informação II. São Paulo, Atlas. p. 51-65, 2011.

PAESANI, Liliana Minardi. O Direito na sociedade da informação II. São Paulo: Atlas, 2011.

RUIZ, O. Apostila de Crimes Cibernéticos. Complexo Jurídico Damásio de Jesus, curso de pós-graduação latu sensu em perícias criminais, São Paulo: 2011.

SOUZA, Sérgio Iglesias N. de. Lesão nos contratos eletrônicos na sociedade da informação: teoria e prática da juscibernética ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2009.

WERTHEIN, Jorge. A sociedade da informação e seus desafios. Ci. Inf., Brasília, v. 29, n.2, p.71-77, maio/ago. 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/%0D/ci/v29n2/a09v29n2.pdf, acesso em: 15 de fev. de 2015.


Nota

[1] Versão “tecnológica” do bullyng: E-mails ameaçadores, mensagens negativas em sites de relacionamento e torpedos com fotos e textos constrangedores para a vítima.


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.