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Depoimento sem dano: uma forma de amenizar a revitimização de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual

Depoimento sem dano: uma forma de amenizar a revitimização de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual

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Chamamos de revitimização quando a criança ou o adolescente, vítimas de abuso sexual, são obrigados a reviver a violência, em função do próprio sistema judiciário e da persecução penal. O projeto Depoimento Sem Dano, já implantado em alguns Tribunais de Justiça brasileiros, veio para consertar isso, sobretudo quando se trata de violência no seio familiar.

Resumo: Buscou-se desenvolver um estudo acerca do Projeto Depoimento Sem Dano, metodologia utilizada na inquirição de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de abuso sexual, demonstrando como ocorre o abuso sexual no seio familiar e na sociedade. A pesquisa foi desenvolvida por meio de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial. Abordou-se de forma exploratória a revitimização sofrida pelos infantes quando inquiridos pelo método tradicional das salas de audiências. Nesta perspectiva, foram analisadas as dificuldades do judiciário e aplicadores do Direito ao lidarem com situações constrangedoras envolvendo crianças e adolescentes abusadas sexualmente. A pesquisa realizada trouxe em seu escopo uma abordagem dos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, a fim de demonstrar a eficácia da metodologia proposta. Tratou-se também de analisar o método Depoimento Sem Dano em Comarcas de diversos Tribunais de Justiça que já utilizam dessa forma de depoimento infanto-juvenil, no Brasil e no direito comparado. A fundamental importância da interdisciplinaridade envolvendo os profissionais da Psicologia e Serviço Social. A Recomendação 33/2010, do Conselho Nacional de Justiça orientando a instalação de salas para inquirição de crianças e adolescentes convalida a abordagem principal desse trabalho, ou seja, a eficácia da aplicabilidade do método Depoimento Sem Dano.

Palavras-chave: Abuso Sexual. Adolescentes. Criança. Depoimento sem Dano. Interdisciplinaridade.


1. Introdução

A pesquisa versa sobre a eficácia da aplicabilidade do método Depoimento sem Dano, metodologia destinada a amenizar a revitimização de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual quando inquiridas pelo poder judiciário.

Em contexto histórico, verifica-se que, mesmo o tema sendo relativamente recente, desde sua primeira experiência em 2003, vários esforços foram despendidos pelos órgãos envolvidos para que o projeto fluísse.

O abuso sexual é tido como uma das mais perversas formas de desrespeito aos direitos dos infantes, principalmente no seio familiar quando devem ter proteção integral.

No avanço do presente estudo será demonstrado como ocorre, de que forma o abuso é tratado na família e na sociedade, como os profissionais do direito, da psicologia e assistência social, devem conduzir o tratamento dos menores e das famílias que se encontram nesta situação.

Nessa perspectiva, o Projeto Depoimento sem Dano vislumbra uma metodologia diferenciada, para que as crianças e adolescentes sejam preservados de traumas, e da revitimização pelo aparato estatal ao serem inquiridas em juízo.

O objetivo principal desse método é reduzir os danos às vítimas que precisam depor em juízo, e para que isso seja possível, salas especiais são essenciais para concretizar este objetivo.

O método envolve desde a projeção de uma sala lúdica com sistema de vídeo conferência, interligada à sala tradicional de audiência onde estará juiz, promotor, defesa e réu, a profissionais qualificados e treinados dentro de uma técnica de entrevista cognitiva.

A preservação do contraditório e da ampla defesa das partes é primordialmente respeitada no Depoimento Sem Dano, assim, não há que se falar em cerceamento de defesa quando de sua aplicabilidade.

Em que pese a existência de polêmica em torno do tema, já que os Conselhos Federais de Psicologia e Assistência Social são contrários ao método Depoimento Sem Dano por entenderem que não é função dessas categorias, pois vai de encontro ao código de ética desses profissionais, é imprescindível a participação desses técnicos, todavia, sem isso, não haverá êxito no referido projeto.

Com base em todo exposto, o Conselho Nacional de Justiça orienta através da Recomendação 33/2010, a instalação de salas especiais para o depoimento de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual nas comarcas de todos os Tribunais do Brasil.

Assim, dentro do que se propõem sobre o tema, pontos importantes e discussões serão desenvolvidos ao longo do presente trabalho.


2. Contexto Histórico

A primeira experiência de inquirição de crianças e adolescentes utilizando-se do Depoimento sem Dano no Brasil ocorreu em 2003, no Rio Grande do Sul.

Não obstante, embora o Brasil tivesse iniciado essa metodologia muito tempo depois, a aplicação do Depoimento Sem Dano já era utilizada em vários outros países. Em 1980, verificou-se uma das mais antigas datas de utilização do depoimento especial em Israel, Canadá e Estados Unidos. Até o ano de 2000, era lento o crescimento, e, a partir daí, houve uma aceleração quatro vezes mais na primeira década do século XXI.

De acordo com a Childhood Brasil, instituição não governamental, apesar de a Argentina ter regulamentado a lei do Depoimento Especial em 2004, um ano após a implantação da primeira sala no Brasil, está se tornando referência dos países sul-americanos. (SANTOS; GONÇALVES, 2008).

A partir da implantação no Brasil, iniciaram-se várias discussões sobre o assunto por meio de audiências públicas com membros do judiciário, Ministério Público e representante dos Conselhos Federais de Psicologia e Assistentes Sociais. A finalidade era apontar consensos e dissensos sobre a viabilidade do projeto.

Em 01/07/2008, a audiência pública no Senado Federal[1], tratou do projeto de Lei 35/2007, sobre o Depoimento Sem Dano, com a participação do Dr. José Antônio Daltoé Cezar, juiz titular da 2ª Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre – RS, e idealizador do referido projeto. Desde então, foram várias as audiências públicas em vários estados brasileiros.

Em que pese o tema ser relativamente novo, tal metodologia tem avançado no cenário jurídico com implantação de salas de Depoimento Sem Dano, e a realização de várias explanações, cartilhas e formações de técnicos judiciários.

Precipuamente, acompanhando a linha do tempo do projeto Depoimento Sem Dano[2], tem-se noção do avanço dessa metodologia.

Em 2008, no III Congresso Mundial de Enfrentamento à Violência Sexual de Crianças e Adolescentes, ocorrido no Rio de Janeiro/RJ, que contou com a presença de delegações de 150 países, foi lançado pela S.M Rainha Silvia da Suécia, a primeira versão da pesquisa “Depoimento sem Medo (?): Uma Cartografia de Tomada de Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes”.

A realização do I Curso de Formação para Técnicos do Judiciário ocorreu em 2009, com o tema: “Desafios da Oitiva de Crianças e Adolescentes no Âmbito Forense: Técnicas de entrevista investigativas para tomada de depoimento especial de crianças e adolescentes” e do I Simpósio Internacional sobre “Culturas e Práticas não Revitimizantes para Tomada do Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes”.

A Realização do Colóquio Nacional “O Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes e o Sistema de Justiça Brasileiro”, aconteceu em 2010, incidindo na edição da Recomendação 33/2010, pelo Conselho Nacional de Justiça-CNJ, orientando os Tribunais de Justiça a criarem serviços especializados de escuta de crianças vítimas ou testemunhas em processos judiciais.

Diante do expressivo trabalho desenvolvido pela Childhood Brasil, em 2012, houve a assinatura do Primeiro Termo de Parceria entre essa organização e o Conselho Nacional de Justiça para a realização de cursos de formação para servidores do judiciário de 20 Tribunais de Justiça brasileiros. Além do Seminário abordando os “Pressupostos metodológicos e as distinções e complementaridades entre o papel da autoridade judiciária e as equipes interdisciplinares”.

O ano de 2013, foi marcado pela assinatura de vários Termos de Cooperação Técnica, como em São Paulo/SP, com o Tribunal de Justiça para a instalação de 24 salas de Depoimento Especial no estado. Destaque também para o lançamento da Plataforma de Capacitação à Distância de Servidores da Justiça, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça, com assinatura do Termo de Cooperação com a Organização National Children’s Advocacy Center-EUA. Parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) para implementar o projeto Depoimento Especial, e o lançamento da pesquisa “Cartografia Nacional das Experiências de Tomada de Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes em Processos Judiciais: O Estado da Arte”.

Com o avanço do método, em 2014 e 2015, houve a criação do Grupo de Trabalho “Proteção das Crianças e dos Adolescentes Vítimas de Violência Sexual” e, ainda, o estabelecimento de um “Pacto Nacional para Escuta Protegida de Crianças”.

A testagem do protocolo Brasileiro de Entrevista com crianças em três Tribunais de Justiça no Brasil ocorreu em 2015, juntamente com a elaboração do PL3792/15, normatizando a escuta de crianças vítimas ou testemunhas de violência, assim como, a assinatura do Termo de Parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (GONÇALVES, 2016).

Isto posto, verifica-se um amplo avanço no judiciário brasileiro desta metodologia, que se iniciou como Depoimento Sem Dano, e foram tendo diversas denominações pelo Brasil, sendo adotado pelo Conselho Nacional de Justiça a expressão Depoimento Especial.


3. Princípios Norteadores do Estatuto da Criança e do Adolescente

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), desde a sua entrada em vigor através da Lei 8.069/90, trouxe uma série de normas e direitos visando à proteção integral e garantias às crianças e adolescentes. O artigo 2º da Lei 8.069/90, define criança como: “aquela pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes, aquela entre doze e dezoito anos de idade”. A Constituição Federal de 1988, lei suprema e fundamental no Ordenamento Jurídico Brasileiro, base principal para a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelece em seu artigo 227, caput, o dever de toda família, Estado e sociedade, dar proteção à criança e ao adolescente, senão vejamos:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Relevante destacar que o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, demonstra, de forma clara, os princípios precípuos que regem o Estatuto da Criança e do adolescente.

Insta salientar que o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe, em seu artigo 5º, o princípio da dignidade humana como previsão legal a ser aplicada na proteção dos menores. Observe o que diz o citado Estatuto[3]: “A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direito civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis”.

O artigo 100 do Estatuto da Criança e do Adolescente abrange os princípios inerentes à proteção da criança e do adolescente.

No inciso I, parágrafo único do referido artigo, resta demonstrado a necessidade de que qualquer decisão tomada em relação à proteção infanto-juvenil, seja reconhecida a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, portanto, devem ser ouvidos e levado em consideração a sua opinião, havendo assim, a plena efetividade de seus direitos (DIGIÁCOMO, 2013).

O Princípio da Proteção Integral e Prioritária deverá ser assegurada, por meio da responsabilidade do poder público no que concerne a efetivação dos direitos garantidos no ECA[4], e na Constituição Federal.

Nesse contexto, Dias (2009, p. 67), explana sobre a consagração deste princípio.

A maior vulnerabilidade e fragilidade dos cidadãos até os 18 anos, como pessoas em desenvolvimento, os faz destinatários de um tratamento especial. Daí a consagração do princípio da prioridade absoluta, de repercussão imediata sobre o comportamento da administração pública, na entrega, em condições de uso, às crianças e adolescentes dos direitos fundamentais específicos, que lhes são consagrados constitucionalmente.

Como um dos principais princípios que norteia o Estatuto, o Superior Interesse da Criança e do Adolescente, também chamado pela jurisprudência de Melhor Interesse, vem de forma prioritária atender às necessidades dos menores, sem afetar a outros interesses legítimos da pluralidade. Determina a concretização de normas, com aplicação de forma razoável e objetivando a garantia do interesse infanto-juvenil (VILAS BÔAS, 2011) [5].

Consagrado pela norma internacional, tal princípio vem sendo aplicado na proteção de menores.

Digiácomo (2013, p. 141) esclarece que:

É também importante não perder de vista que a intervenção estatal não visa apenas solucionar os interesses “de momento” de uma determinada criança ou adolescente (embora as medidas aplicadas devam corresponder às necessidades atuais), mas sim tem por objetivo encontrar soluções concretas e definitivas, cujos benefícios irão acompanhar o destinatário da medida para toda sua vida.

Vários outros princípios considerados derivados, vêm fortalecer a gama de direitos abrigados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Vejamos de uma forma sucinta alguns deles, como o Princípio da Privacidade que visa proteger a intimidade e imagem das crianças e adolescentes. O artigo 17 do ECA, afirma que é inviolável a integridade física, psíquica e moral, devendo haver a preservação da imagem e identidade das crianças e adolescentes. No mesmo sentido, o artigo 143 do mesmo Estatuto, veda “a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito às crianças e adolescentes”.

O Princípio da Intervenção Precoce resguarda a integridade e direitos ante a uma situação de perigo. Deve o poder público oferecer atendimento prioritário de forma rápida e integral. Digiácomo (2013, p.141) alerta que: “A demora no atendimento, por si só, já importa em violação dos direitos infanto-juvenis, sendo passível de enquadramento nas disposições do art. 208 e 216, do ECA”.

A Intervenção Mínima se enquadra como Princípio exclusivo no exercício das autoridades e instituições, devendo ser capaz da efetiva proteção da criança e do adolescente e também de seus familiares.

Digiácomo (2013, p. 142), comenta sobre a intervenção mínima pelo aparato estatal.

(...) é importante que os diversos órgãos e autoridades corresponsáveis pela plena efetivação dos direitos infanto-juvenis estabeleçam “fluxos” e “protocolos de atendimento” para as diversas modalidades de violação de direitos usualmente verificados, de modo a evitar a superposição de ações e intervenções desnecessárias (assim como a omissão daqueles que deveriam atuar), que poderiam trazer sérios prejuízos às crianças e adolescentes atendidos.

Proporcionalidade e Atualidade, Princípio que visa garantir que a intervenção estatal, deve ser proporcional, ou seja, necessária e adequada à situação de perigo vivenciada pela criança ou adolescente. Tal princípio remete aos artigos 99 e 100 caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente, demonstrando que as medidas socioeducativas devem atender às necessidades pedagógicas e em constante reavaliação, a fim de serem substituídas, caso não surtam mais os efeitos esperados (DIGIÁCOMO, 2013).

Nas medidas específicas de proteção, é mister discorrer sobre o Princípio da Responsabilidade Parental, que impõe aos pais deveres para com as crianças e adolescentes, concedendo a prevalência da família como medida que mantém ou reintegra a criança ou adolescente em sua família natural, essa insubstituível, devendo o Estado assegurar aos pais o apoio necessário para que assumam suas responsabilidades, e não havendo a possibilidade, que se promova a integração em família substituta, desde que atenda às modalidades previstas no artigo 28 do ECA, ou seja, mediante guarda , tutela ou adoção.

Fundamental abordar o Princípio da Obrigatoriedade da Informação, que descreve o respeito ao estágio de desenvolvimento e a capacidade de compreensão infanto-juvenil, além do dever de informar aos seus pais ou responsáveis, dos seus direitos, e o que motivou tal intervenção. Digiácomo (2013, p.143), colaborando com exposto acima, esclarece que: “não basta a “aplicação de medidas” e/ou o “encaminhamento para programas de atendimento” de maneira meramente “formal”, mas sim, é necessário zelar para que o atendimento efetuado tenha êxito e surta os efeitos desejados”.

Por fim, ainda sobre os princípios norteadores, destaca-se a oitiva obrigatória e a participação da criança e do adolescente em separado, ou na companhia dos pais, o que será abordada de forma mais aprofundada pelo método Depoimento Sem Dano, que utilizará de técnicas visando amenizar os danos causados às crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual.

Assim, os princípios que regem o Estatuto da Criança e do Adolescente consagram uma gama de direitos visando à maior efetividade na proteção dos interesses dos menores.

3.1 Princípios da Proteção Integral e do Melhor Interesse

Com advento da Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e do adolescente, dois princípios se destacam como basilares à proteção das crianças e adolescentes; primeiramente o Princípio da Proteção Integral, que abrange os direitos consagrados no artigo 227, caput, da Constituição Federal de 1988, pois, abarca direitos humanos direcionados especificamente à criança e ao adolescente.

Cury; Paula; Marçura (2002, p. 21) discorre:

A proteção integral tem como fundamento a concepção de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, frente à família, à sociedade e ao Estado. Rompe com a ideia de que sejam simples objetos de intervenção no mundo adulto, colocando-os como titulares de direitos comuns a toda e qualquer pessoa, bem como de direitos especiais decorrentes da condição peculiar de pessoas em processo de desenvolvimento.

A doutrina da proteção integral foi recepcionada pela Constituição Federal, e também pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança de 1989, e Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959, substanciados na teoria da proteção integral, onde as normas aplicáveis às crianças e adolescentes devem considerá-los como cidadãos em sua plenitude, portanto, devem ser considerados sujeitos de direitos com garantia à proteção prioritária, pois, encontram-se em desenvolvimento físico, psicológico e moral, necessitando de ampla proteção do Estado, família e sociedade em sua formação.

Colaborando com a ideia, Digiácomo (2013, p. 140) aduz que:

Este princípio, que também deve incidir quando da aplicação de medidas socioeducativas a adolescentes em conflito com a lei (por força do disposto no art. 113, do ECA), na verdade reafirma o que já se encontra expresso no art. 1º, do ECA, evidenciando assim a necessidade de que toda e qualquer norma estatutária seja interpretada e aplicada da forma mais favorável às crianças e adolescentes, de modo a proporcionar-lhes a proteção integral que lhes é prometida pela Lei nº 8.069/1990 da forma mais eficaz e célere possível.

No Princípio do Melhor Interesse, todas as decisões a serem tomadas devem-se pautar no que for melhor para o menor, preservando aquele que se encontra em situação de fragilidade, pelo fato de não ter sua personalidade totalmente desenvolvida e precisar de amparo em situações de risco.

São várias as jurisprudências, quando em decisões de abuso sexual, decidindo o magistrado pelo melhor para a criança ou adolescente, e não pelo que seus genitores desejam.

Os Tribunais têm-se posicionado acerca do assunto, observe:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ECA. AÇÃO DE REGULAMENTAÇÃO DO DIREITO DE VISITAS EM RAZÃO DE DENÚNCIA DE ABUSO SEXUAL PRATICADO PELO PAI À MENOR COM TRÊS ANOS DE IDADE. INVESTIGAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 3.º E 4.º DA LEI N. 8.069/90 CUMULADO COM O ART. 227, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NECESSIDADE DE AVALIAÇÕES PSICOLÓGICAS E SOCIAS - DIREITO DE VISITA ASSEGURADO DE FORMA ASSISTIDA A FIM DE RESGUARDAR A SEGURANÇA DA MENOR - DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO. "O juiz deverá procurar a solução prevalente que melhor se adapte ao menor, sem olvidar-se dos sentimentos e direitos dos pais" (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Direito de família. Atlas, 2003, 3ª ed., v. VI, p. 228).

(TJ-SC - AG: 135135 SC 2009.013513-5, Relator: Denise Volpato; Data de Julgamento: 20/08/2009, Primeira Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Agravo de Instrumento n. , de Jaraguá do Sul).

Portanto, o Princípio da Proteção Integral e do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente precisa ser aplicado de formas interdisciplinares, para que haja eficácia no resultado pretendido, qual seja, o melhor para a criança e o adolescente.


4. Abuso Sexual na Criança e no Adolescente

A violência sexual, fundamento do abuso sexual, conceitua-se “como a exploração de uma criança para a gratificação ou benefício de um adulto”, segundo a Associação Médica Americana (SILVA, 2009, p 172, apud MURRAY, 2000. Citado por ABDO Fleury e ABDO, 2004).

Trata-se de um tema delicado cuja abordagem é necessária, pois, normalmente, o abuso ocorre sem a permissão da vítima, ou mesmo sem o entendimento adequado para sua permissão.

Azambuja (2011, p. 91) define abuso sexual conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS):

Para a organização Mundial da Saúde(OMS), o abuso sexual infantil, “definido como qualquer atividade sexual (incluindo intercurso vagina/anal, contato gênito-oral, contato gênito-genital, carícias em partes íntimas, masturbação, exposição e pornografias ou a adultos mantendo relações sexuais), envolvendo uma criança incapaz de dar seu consentimento” (Salvagni, Wagner, 2006, p. 2), é considerado um dos maiores problemas de saúde pública no mundo (Johnson, 2004, p.121-132), podendo ocorrer em qualquer faixa etária, inclusive com os bebês (Ferreira, 199), o que justifica o envolvimento cada vez maior de toda a sociedade e do poder público na busca de diagnóstico precoce e de políticas públicas capazes de estancar seus elevados índices.

O perfil familiar, quando do abuso sexual de crianças e adolescentes, está presente em todas as classes sociais, o que, na maior parte das vezes, ocorre dentro do seio familiar, por pais, padrastos, parentes e amigos da família (DIAS, 2007).

Dias (2007, p. 26) discorre:

(...) Existe a falsa ideia de que a violência sexual acontece nas classes mais baixas, o que nada mais é do que mero preconceito. O abuso independe da situação econômica ou sociocultural da família. Não é exclusivo de nenhuma profissão, idade, grupo religioso, situação econômica ou raça. Ainda que o número de denúncias se apresente em maioria entre famílias de baixo nível socioeconômico, não quer isso dizer o abuso sexual em família de classe média ou alta seja mais escasso.

O abuso sexual em crianças e adolescentes é de difícil constatação, uma vez que, conforme citado pela Maria Berenice Dias, na maioria dos casos, ocorre dentro da própria família, e forma-se um pacto de silêncio entre as pessoas envolvidas. Verifica-se um rompimento da proteção integral, conforme disposto no artigo 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente no tocante aos deveres da família para com o menor, pois, fere sua dignidade dentro do seio intrafamiliar.

A criança e o adolescente se sujeitam ao abuso sexual pelo fato de estarem em condições de inferioridade, já que o abusador tem poderes econômicos, morais e disciplinadores em relação à criança abusada. Muitos se utilizam da fuga como forma de evitar a agressão ou ameaça de abuso.

Santos (2011, p. 14), no Guia Escolar da Rede de Proteção, orienta que: “A escuta é o primeiro passo para ajudar aqueles que manifestam a necessidade de apoio. O educador pode e deve ser um grande aliado dessas crianças e adolescentes; por isso, faz-se importante que conheça as dimensões do fenômeno e saiba como enfrentá-lo”.

O bem jurídico tutelado no caso dos crimes sexuais é a liberdade da vítima. Segundo Bitencourt (2009, p.71), “a liberdade sexual da pessoa é violada através do processo de formação da vontade, a faculdade ao exercício da sexualidade, do próprio corpo, o direito da livre escolha de parceiros”.

De forma conclusiva, há também uma violação dos direitos da dignidade humana, integridade física e psicológica da criança e do adolescente, pelo fato de não ter um desenvolvimento completo, não havendo assim, autonomia para decidir sobre a própria sexualidade, então, verifica-se uma invasão em sua privacidade.

4.1 Do Abuso Sexual Intrafamiliar e Extrafamiliar

O abuso sexual intrafamiliar, “também chamada de violência sexual doméstica” é praticado por meio de uma relação de consanguinidade, afinidade, ou mesmo de responsabilidade (DIAS, 2007, p. 75). No abuso sexual extrafamiliar não existe vínculo de parentesco entre a vítima e o abusador, ou mesmo socioafetividade (AZAMBUJA, 2011).

A violência sexual doméstica ocorre no ambiente onde a criança deveria receber acolhimento e proteção, ou seja, no seio familiar, mas ao contrário, acabam por ter violada sua intimidade e dignidade por confiar naqueles que deveriam protegê-la.

Trata-se de um fenômeno Intergeracional, pois “envolve gerações diferentes”, uma vez que o abuso intrafamiliar é praticado por “pais/mães biológicos e filhos (as), avós/avôs e netos (as), tios/tias e sobrinhos (as)”, padrastos, primos, irmãos mais velhos, parentes próximos ou guardiões (DIAS, 2007, p. 76).

No abuso extrafamiliar, o abusador é pessoa estranha ou aquela que conquista a confiança dos pais para ter acesso à criança ou adolescente com intuito de cometer o delito.

De acordo com pesquisa do Ministério da Saúde, realizada em 2011, através do Sistema de Vigilância de Violência e Acidentes (VIVA), publicada no Portal Brasil, o abuso sexual é o segundo tipo de violência mais comum contra crianças e adolescentes com 35% das notificações, e o maior índice atinge 77% de crianças na faixa etária de 1 a 9 anos de idade. Crianças do sexo masculino tem o maior percentual com 17%, contra 11% do sexo feminino. A residência da criança foi o lugar onde ocorreu a maior incidência das agressões com 64,5% das notificações. O autor da violência, na maior parte provável, foi do sexo masculino, atingindo 45,6% dos casos. A grande maioria dos agressores são pais, e outros familiares, pessoas da confiança e convívio da criança.

Bitencourt (2009, p. 20) aduz que:

De todas as formas de abuso intrafamiliar, consideramos o abuso sexual contra crianças e adolescentes o mais difícil de reconhecer, aceitar e lidar. É uma das formas mais graves de violência vitimizando pessoas em desenvolvimento, na forma da violação dos seus direitos fundamentais de crescerem saudáveis e harmoniosamente. São seres extremamente vulneráveis, tendo em vista a idade em que se inicia o abuso, duração, continuidade e grau de violência, onde há um estreito relacionamento de confiança entre abusador e vítima, que envolve um grande segredo familiar, sem esquecer o facilitador-coabitação. Trata-se, portanto, de um delito que deixa uma marca muito profunda.

Pesquisa apontada por Azambuja (2011, p.116) constatou que em 88 processos acompanhados no Estado do Rio Grande do Sul de crianças e adolescentes abusadas sexualmente, 93,18% a violência foi intrafamiliar, e 6,82% ocorreu extrafamiliar. Diante de dados tão chocantes, vários estudiosos do tema utilizaram-se de todas as formas de pesquisas, sejam filosóficas, antropológicas e mesmo mitológicas o que levaram a um fenômeno complexo, podendo levar a aspectos de desigualdades sociais, por meio de como utilizar o acesso e a má qualidade dos serviços públicos, mas verificou-se a existência em todos os tipos de sociedade.

Ressalta-se que o abuso intrafamiliar advém de um desequilíbrio familiar e atinge todas as classes sociais. A família, não aceitando a exposição, acaba por guardar um segredo que favorece o abusador em detrimento dos direitos da criança e do adolescente em ter uma infância e juventude de forma acolhedora, respeitando o seu desenvolvimento favorável, o que fará dele um adulto sem traumas e preparado para a vida.

4.2 Síndromes do Segredo na Criança e da Adição no Abusador

O contexto em que se insere o abuso sexual encontra-se envolvido em uma trama emocional, uma relação de contradição entre o amor e o ódio, seduções e ameaças. Desenvolvem-se em bases de silêncio e chantagens, dominações de um poder sobre uma fragilidade (BITENCOURT, 2009).

A síndrome do segredo na criança se baseia em medos, angustias e muitas vezes em culpa, pois a vítima lança mão do silêncio para não denunciar o abusador, já que este a faz pensar que é a principal culpada pelo abuso, e que se o denunciar irá causar um dano maior à família. Havendo uma maior proximidade entre a criança e o abusador, maior será o sentimento de traição, o que levará a uma quebra de confiança. A criança sente-se na obrigação de preservar a imagem da família e das pessoas que dela fazem parte, pois, é induzida a acreditar que precisa manter o status social familiar. O abusador faz a vítima se sentir responsável por qualquer problema que venha ocorrer na família, caso revele o abuso sofrido. A relação muito próxima como no caso de ser o pai, mãe, avô, avó, ou mesmo irmão mais velho, faz com que a criança se cale e aceite sem denunciar (BITENCOURT, 2009).

Para Furniss (1993, p. 31) “O segredo e o desamparo e a possível impredizibilidade e ameaça à vida são constantemente reforçados em renovadas invasões à autonomia e à integridade física e mental da criança”.

Furniss (1993, p. 39), explica sobre o inconsciente e o segredo, e como são confundidos pelos profissionais que não percebem a continuidade do segredo:

O abuso sexual da criança como uma síndrome de segredo pode ser muitas vezes mantida, sem querer, pelos profissionais que confundem comunicação inconsciente e segredo. As crianças em idade escolar descrevem em redações, as crianças em idade pré-escolar em desenhos e as crianças em terapia através de alusões verbais ou não verbais, direta ou indiretamente, sua experiência de abuso sexual. Uma criança que escreve, na escola, a respeito de "um pesadelo" e descreve questões sexuais explícitas, pode ser punida por exibir uma fantasia suja. Na terapia individual, essas comunicações podem ser interpretadas como parte de fantasias inconscientes. O que parece ser material inconsciente ou "fantasias sujas" pode na verdade ser uma secreta tentativa da criança de comunicar sobre a realidade do abuso sexual.

Destarte, a relação intrafamiliar ou extrafamiliar fica envolta em vários segredos ou silêncios pactuados entre a vítima e o abusador por meio de uma permissão forçada.

Segundo, Dias (2007, p. 57):

O “silêncio sedutor” é aquele que se impõe através de um falso conceder, uma falsa permissão. A criança finge aceitar e finge “brincar”, como uma estratégia de sobrevivência frente ao ataque e a força das palavras, das ameaças de abandono e de morte, palavras e atos devastadores que geram intenso sofrimento. È um tipo de silêncio misterioso, que paralisa a criança diante da angústia e das ameaças de morte – a angustia e a dor de perceber que sua vida pode estar em risco.

A criança e o adolescente abusados sexualmente carecem de mais credibilidade para que possam expor o abuso, na maioria das vezes são tidos como mentirosos, e, por isso, preferem o silêncio por medo de serem castigados pelo fato de sua denúncia ser interpretada como uma mentira. Além disso, existe o medo de que as ameaças se concretizem, o que os fazem calar-se.

Por outro lado, a síndrome da adição no abusador nada mais é que uma necessidade que o abusador tem de aliviar suas tensões como se fosse dependente, e encontra na síndrome do segredo a oportunidade de continuar sua prática delituosa, pois, sabe que não será descoberto.

Maria Regina Fay de Azambuja aponta características do abusador na síndrome da adição, pois, este depende desta associação para a continuidade da adição. Sabe que o abuso é errado e que constitui crime, sabe que o abuso é prejudicial à criança, apesar disso o abuso acontece, serve para alívio da tensão, constitui elemento aditivo central, é conduzido pela compulsão à repetição, tendência a negar a dependência para ela e para o mundo externo, e a tentativa de parar o abuso poderá leva-lo a sintomas de abstinência, como ansiedade, agitação, irritabilidade, além de outros sintomas (AZAMBUJA, 2011, apud FURNISS, 1993, p.37-38).

Logo, a síndrome do segredo está intrinsecamente ligada à síndrome da adição, pois, se interligam como forma de evitar a realidade no abusador, causando na criança e no adolescente sérios danos ao seu desenvolvimento saudável. Faz-se necessário o enfrentamento desse problema através de um trabalho conjunto dos profissionais da saúde, assistência social, educação e judiciário, com a finalidade de neutralizar a violência de crianças e adolescentes e evitar que tantas situações continuem na clandestinidade.

4.3 A Revitimização e as Consequências na Criança e no Adolescente

As crianças e adolescentes abusadas sexualmente experimentam um sofrimento não só físico, mas também danos psíquicos, denominados traumas psicológicos. Tais danos não causam sofrimento apenas de forma imediata, mas as crianças e adolescentes carregam por toda à vida, influenciando de forma negativa em suas relações sociais, profissionais e sexuais.

Azambuja (2011, p. 160) cita Gesse e Aquotti, caracterizando as consequências psíquicas denominadas de traumas psicológicos em vítimas abusadas sexualmente:

(...)aquelas que não podemos ver, ou seja, não é no corpo da vítima, mas sim no seu psicológico, na sua forma de agir e se comportar, como por exemplo, os transtornos sexuais, depressão, transtorno de estresse pós-traumático, entre muitos outros, e esses traumas podem influir na vida profissional, sexual, afetiva e social da vítima (2008, p. 42).

A Revitimização, também denominada vitimização secundária, é aquela em que a criança ou adolescente são submetidos à nova violência, ou violação dos seus direitos causados pelo próprio sistema judiciário.

A criança ou adolescente experimenta nova violação do seu direito pela falta de preparo dos operadores do direito em lidar com uma situação particularmente delicada como a violência sexual.

A forma de abordagem dessas crianças não é adequada, quando feitas por profissionais de áreas jurídicas como juízes, promotores, advogados, dentre outros, por não terem técnicas especializadas e não revitimizadoras para lidar com a situação.

A abordagem equivocada parte do pressuposto de que a verdade real deverá ser extraída para comprovar o fato criminoso, o que poderá ser mais grave do que o abuso sofrido (BITENCOURT, 2011).

A revitimização de crianças e adolescentes, quando do aparato estatal, aparece com destaque na obra de Potter (2010, p. 17), que discorre:

A preocupação com a violência contra crianças e adolescentes insere-se no contexto dos Estados Democráticos de Direito direcionados a enfrentar a violência que atinge o seio familiar, especialmente quando, para combatê-la, necessita utilizar o sistema repressivo. Essa preocupação aumenta quando se constata que crianças e adolescentes são vulneráveis e duplamente atingidos: pelo crime (vitimização primária) e pela violência do aparato repressivo estatal (vitimização secundária), quando do uso, invariavelmente inadequado, dos meios de controle social.

Desta feita, infere-se a necessidade do desenvolvimento de estratégias processuais penais para a redução de danos de forma a garantir que os direitos constitucionais dos acusados sejam respeitados, e as vítimas não sejam revitimizadas quando de seus depoimentos em juízo.

Bitencourt (2009, p. 99) expõe que:

(...) a falta de conhecimentos específicos dos operadores do direito, sobre a dinâmica do abuso sexual, em especial o intrafamiliar, com as suas especificidades (pois ocorre numa relação de poder e submissão à autoridade do adulto e intimidade familiar), leva a uma nova violação, dessa vez pelo sistema judiciário. São violados seus mais amplos direitos fundamentais como a dignidade humana, a privacidade e a intimidade, através do tratamento desumano, degradante, vexatório e constrangedor durante a investigação do delito.

Traduz uma violência institucional, revitimizando através do sistema processual-penal. Não se trata de um mal estar pelo fato de estar nas dependências do judiciário, mas “efeitos nocivos da ordem da saúde e do sistema de representações sociais que regulam a conduta cotidiana da criança ou do adolescente” (BITENCOURT, 2009, p. 100).

Situações de violências infantis ao serem lembradas, se não acompanhadas por profissionais especializados, acabam por desencadear a revitimização quando a criança novamente vivência o abuso sofrido. Nesse momento, verifica-se a atribuição à criança ou adolescente do dever de produzir a prova, passando a vítima à condição de testemunha chave na acusação do abusador (AZAMBUJA, 2011).

A revitimização, em suas várias formas de se manifestar, também afeta a família que, ao ver o sofrimento da criança, sente-se desamparada pelo próprio Estado que não tem um suporte para tratar dos abalos psíquicos das crianças, jovens adolescentes e da família. Assim, resta evidente que tal procedimento intimida a criança ou adolescente quando da sua inquirição frente ao seu abusador, e pessoas ligadas à oitiva, além do ambiente de audiência que não satisfaz, ou não favorece uma abordagem sem revitimizar a criança de forma mais gravosa.


5. Projeto Depoimento Sem Dano

O Projeto Depoimento Sem Dano foi idealizado pelo juiz titular da 2ª Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre, Dr. José Antônio Daltoé Cezar, por meio de uma iniciativa do Judiciário do Rio Grande do Sul, trabalho realizado em conjunto com Dr. Breno Beutler Junior, juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude (PAULO, 2012).

Consiste em uma nova forma de inquirir crianças e adolescentes de forma a evitar a revitimização por meio da retirada dessas crianças das salas tradicionais de audiência, não havendo as formalidades de um depoimento solene como ocorre na inquirição de adultos.

O método atende a dois importantes objetivos: a redução de danos ao produzir provas em processos judiciais, e a garantia dos direitos das vítimas e testemunhas com a valorização da sua palavra em juízo com observância da sua condição de pessoa em desenvolvimento (CEZAR, 2008).

Uma sala especial é montada de forma lúdica e acolhedora, caracterizada a um ambiente propício ao seu estágio de desenvolvimento. Tal sala é equipada com áudio e vídeo de onde transmitirá ao local que se encontram juiz, promotor, servidores da justiça, advogado e réu, o depoimento da vítima que será feito por um profissional técnico, psicólogo ou assistente social. As perguntas são feitas pelo juiz ou partes ao técnico que as fará utilizando-se de técnicas não revitimizadoras. Assim, todos poderão interagir durante o depoimento (CEZAR, in POTTER; BITENCOURT, 2010).

Potter (2010, p. 48) relata a mudança da cultura inquisitorial relacionado ao processo penal quando da implantação do projeto no 2º Juizado da infância e Juventude, “Projeto Depoimento sem Dano, que se revelou mais hábil na proteção dos direitos das crianças e adolescentes, vítimas de abuso sexual, resguardando sua dignidade, respeito e intimidade”.

Bitencourt (2009, p. 150) argumenta que:

O objetivo principal do DSD é a busca de redução de danos às vitimas que necessitam ser inquiridas em juízo, procurando adequar os princípios do processo penal, em especial o contraditório e ampla defesa, com os princípios constitucionais da dignidade humana e prioridade absoluta ao atendimento dos direitos de crianças e adolescentes.

A redução do número de vezes em que a vítima ou testemunha de abuso sexual é submetida, também é objetivo do Depoimento Sem Dano por melhorar na qualidade da prova, pois, a inquirição fica gravada em DVD e anexada aos autos do processo (BITENCOURT, 2009).

O projeto-piloto Depoimento Sem Dano foi implantado em 06 de abril de 2003, em Porto alegre, na 2ª Vara da Infância e da Juventude. Desde então, assumiu caráter institucional no judiciário do Rio Grande do Sul (BITENCOURT, 2009).

Mesmo sem ter se tornado lei, a aplicação do Projeto Depoimento Sem Dano tem-se ampliado por todo o Brasil. Tramita na Câmara dos Deputados desde 2006, o Projeto de Lei 7524/2006, de autoria da deputada Federal Maria do Rosário - PT/RS, do qual, o objetivo é a inclusão do Capítulo IV-A – “Do Processo e Julgamento dos Crimes Contra a Liberdade Sexual com Vítima ou Testemunha Criança ou Adolescente, no Código de Processo Penal”.

A produção antecipada de prova se encontra inserida no capítulo IV-A, precisamente no inciso II do artigo 530-A e artigos 530-D, 530-E e 530-F, do citado Projeto de Lei 7524/2006, que diz:

Artigo 530-A. Far-se-á a inquirição judicial de crianças e adolescentes, como vítimas ou testemunhas, na forma prevista neste capítulo:

II – Por motivo de idade do depoente, para que a perda da memória dos fatos não advenha em detrimento da apuração da verdade real.

Artigo 530-D. O procedimento da produção antecipada de prova poderá ser preparatório de ações cíveis ou criminais.

Artigo 530-E. O pedido de produção antecipada de prova poderá ser determinado de ofício pelo Juiz ou proposto por pelo Ministério Público, através de manifestação fundamentada, com referência aos fatos sobre os quais a prova haverá de recair.

Artigo 530-F. A produção antecipada de prova poderá consistir em inquirição de testemunha ou vítima e exame pericial.

Nesse entendimento, advém que a demora poderá causar ao infante a perda de fatos imprescindíveis à responsabilização do abusador, além da desqualificação da prova produzida pela interveniência sucessiva nos processos de investigação e proteção, o que acabam por tornar o relato duvidoso (DIAS 2007).

Dias (2007, p. 181) discorre sobre a produção antecipada de prova consoante com o Projeto de Lei 7.524/2006.

Dispõe o referido projeto que a inquirição da criança vítima deve, preferencialmente, ser realizada na modalidade do depoimento sem dano, que o Ministério público pode postular, tão logo surja a notícia do abuso, mesmo antes do oferecimento da denúncia, o depoimento judicial, com a observância do contraditório e da ampla defesa, e que, em ocorrendo a produção antecipada de prova, sirva ela para instruir procedimentos policiais, administrativos ou judiciais, sendo vedadas, daí por diante, novas inquirições, exceto se forem elas autorizadas judicialmente.

Referendando o acima exposto, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, no Habeas Corpus HC 226179 RS 2011/0282360-5, julgou favorável a produção antecipada de prova pelo método Depoimento Sem Dano.

ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ARTIGO 217-A DO CÓDIGO PENAL). PRODUÇÃO ANTECIPADA DA PROVA. ARTIGO 156, INCISO I, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. MEDIDA PLEITEADA ANTES DE DEFLAGRADA A AÇÃO PENAL. INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS QUE JUSTIFICAM A MEDIDA. DEMONSTRAÇÃO DA EFETIVA URGÊNCIA DA OITIVA ANTECIPADA DAS VÍTIMAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. De acordo com o artigo 156, inciso I, do Código de Processo Penal, a prova poderá ser produzida antecipadamente, até mesmo antes de deflagrada a ação penal, desde que seja urgente e relevante, exigindo-se, ainda, que a medida seja necessária, adequada e proporcional. 2. A relevância da oitiva das menores é incontestável, e sua condição de crianças suspeitas de haverem sido abusadas sexualmente é suficiente para que se antecipe a produção da prova testemunhal, estando demonstrada a urgência da medida, vale dizer, que os seus depoimentos irão se perder ou não serão fidedignos caso sejam colhidos no futuro. 3. Conquanto a oitiva das vítimas antes mesmo de deflagrada a persecução penal caracterize situação excepcional, o certo é que a suspeita da prática de crime sexual contra criança e adolescente justifica a sua inquirição na modalidade do "depoimento sem dano", respeitando-se a sua condição especial de pessoa em desenvolvimento, em ambiente diferenciado e por profissional especializado. 4. A colheita antecipada das declarações de menores suspeitos de serem vítimas de abuso sexual, nos moldes como propostos na hipótese, evita que revivam os traumas da violência supostamente sofrida cada vez que tiverem que ser inquiridos durante a persecução criminal. 5. Habeas corpus não conhecido.

(STJ - HC: 226179 RS 2011/0282360-5, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 08/10/2013,T5 - QUINTA TURMA Data de Publicação: DJe 16/10/2013).

Julgamentos dessa magnitude, sem dúvida, qualificam positivamente as vantagens da inquirição mediante o Depoimento Sem Dano, e colocam os infantes em situação de sujeitos de direitos, e aptos a exercerem seus direitos assegurados na Constituição Federal.

Em 17/05/2007, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Câmara dos Deputados aprovou um substitutivo ao Projeto de Lei nº 4.126 de 2004, do qual, acrescenta-se ao capítulo III do Título VI da parte Especial da Lei 8.069/1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, o texto que dispõe sobre a forma de inquirição de testemunhas e produção antecipada de provas quando a vítima ou testemunha referir-se à criança ou adolescente, relativo a delitos tipificados no título VI capítulo I do Código Penal, e acrescentou o artigo 469-A ao Código de Processo Penal. O referido Projeto de Lei encontra-se no Senado Federal (BITENCOURT, 2009).

Potter (2010, p. 49) demonstra sobre a finalidade do Projeto Depoimento Sem Dano.

A finalidade do projeto é adequar valores e princípios fundamentais do processo penal constitucional, como contraditório e ampla defesa, do acusado, com valores e princípios tão importantes como a dignidade humana e o princípio da prioridade absoluta no atendimento às crianças e adolescentes, efetivando a tutela da Proteção Integral, reduzindo a vitimização secundária a que são expostas as crianças e adolescentes.

Ainda em seus relatos, demonstra a “mudança de paradigma na rotina forense, desde a implantação desse projeto, adaptando às técnicas jurídicas às necessidades sociais e de tutela aos infanto-juvenis (...)” (POTTER, In: POTTER; BITENCOURT, 2010, p. 49).

O acusado não perde suas garantias constitucionais, e as crianças e adolescentes têm respeitado sua dignidade nos termos do artigo 227 da Constituição Federal, e Estatuto da Criança e do Adolescente.

A Childhood Brasil, extensão do World Childhood Foundation no Brasil é uma “organização sem fins lucrativos, criada em 1999, pela Rainha Silvia da Suécia, com o objetivo de promover e defender os direitos de crianças e adolescentes em situação de risco em todo o mundo” (SANTOS; GONÇALVES, 2008, p. 9).

O foco da Childhood Brasil são crianças vítimas de violências e abusos sexuais com missão de promover e defender os direitos dessas crianças. Em sua cartografia[12] aponta várias pesquisas sobre a implantação do Projeto Depoimento Sem Dano, que no Brasil tem o nome de “Depoimento Especial” ou “Inquirição Especial” nos depoimentos judiciais.

Em pesquisa, mapeou vários continentes sobre a prática de inquirição baseada no depoimento especial e verificou-se maior índice de utilização desse método na América do Sul e Europa com 28%, seguido da Ásia com 16%.

SANTOS e GONÇALVES (2008, p. 41) apuraram o número de vezes que a criança ou adolescente depõe em diversos países, vejamos:

(...) há uma diferença básica dividindo a maioria dos países investigados: em 42% deles o depoimento videogravado, tomado em ambiente separado e por profissional especializado, tende a ocorrer apenas uma vez, na fase inicial da investigação, em presença do juiz/promotor, do imputado e de seu defensor. Assim, se garante o contraditório e o direito de defesa técnica por parte do imputado, sendo esta a razão pela qual este depoimento é normalmente aceito como prova válida nos processos, podendo haver exceções dada a especificidade do caso. Entretanto, em 50% dos países pesquisados, a criança/adolescente testemunha/depõe na fase de investigação policial para coleta de evidências, o que poderá ter ou não valor probatório para o julgamento da acusação dependendo da livre valoração do juiz. Como não há a judicialização de provas durante a investigação, para que o depoimento obtenha valor de prova judicial quando o caso vai a julgamento, a criança/adolescente poderá testemunhar em juízo pelo menos mais uma vez na primeira instância, podendo chegar até a segunda, caso a entrevista coletada na fase de instrução do processo judicial não seja admitida como prova válida.

Destarte, também demonstrou como Brasil e Estados Unidos diferem dos demais países:

Apenas dois países, compondo um percentual de 8%, se diferenciam desses dois modelos. No Brasil, a criança/adolescente ainda é ouvida inúmeras vezes desde a notificação/denúncia do fato delituoso por instituições como o conselho tutelar, a delegacia especializada e Instituto Médico Legal. Quando se chega à fase judicial, instância na qual o depoimento ganha valor de prova, a criança/adolescente presta depoimento novamente. Contudo, é oportuno ressaltar que algumas comarcas vêm fazendo crescente uso de novas metodologias não-revitimizantes de tomada de depoimento especial. Nestas localidades, após a denúncia oferecida pelo Ministério Público, a criança/adolescente será novamente ouvida em sala especial por meio de CCTV. Já nos Estados Unidos, normalmente há apenas uma entrevista videogravada que é realizada pelo CPC. Porém, antes disso a criança/adolescente pode ser ouvida pela polícia ou assistente social. Se o Ministério Público decidir prosseguir com a denúncia, pode haver várias entrevistas e até mesmo o depoimento na sala da Corte de Justiça. Considerando o propósito geral de reduzir o número de depoimentos, ambos os países necessitam ser desafiados a aprimorar suas metodologias e legislações.

O Depoimento Sem Dano já se encontra consolidado no direito comparado e atualmente incorporado em várias legislações, como no modelo francês, argentino e sul-africano.

Cezar, In: Potter (2010, p. 82) infere que, no Brasil, como ainda não há previsão legal para que essas crianças sejam inquiridas por um técnico de forma obrigatória, relata a prática para que seja validado o depoimento: “(...) as comarcas onde já se encontram o Projeto Depoimento Sem Dano instalado necessitam de anuência de todas as partes envolvidas no processo para que possa ele ser validado como prova judicial”.

O respeito ao contraditório e a ampla defesa são condições presentes na utilização do método Depoimento Sem Dano. Gomes (POTTER, In POTTER; BITENCOURT, 2010, p. 140) defende que: “sob a vertente jurídica, a ideia básica do contraditório passa pela necessidade de ciências a todas as partes envolvidas em determinado processo quanto aos acontecimentos processuais, possibilitando-se/facultando-se a reação a tais acontecimentos”.

Mudar a forma de inquirir não anula o ato processual, como aduz (Gomes In Potter, Bitencourt, 2010, p. 147).

(...) ao prescrever uma mudança de método de inquirição, não anula a forma de realização do ato processual, que será válido desde que, dentre outras exigências, garanta a perfeita audição, visão e comunicação com a vítima na sala especial, e entre todos os demais sujeitos que participam daquele ato, preservando-se a ampla defesa e o contraditório.

Salienta-se que esse método de inquirição já se encontra em aplicabilidade em nossos tribunais, e não implica nulidade por cerceamento de defesa quando da aquiescência por parte da defesa, como se comprova em julgado recente do Superior Tribunal de Justiça no Recurso ordinário nº RHC 45589 MT 2014/0041101-2 em Habeas Corpus[13]:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. OITIVA DA VÍTIMA MEDIANTE "DEPOIMENTO SEM DANO". CONCORDÂNCIA DA DEFESA. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. 1. Esta Corte tem entendido justificada, nos crimes sexuais contra criança e adolescente, a inquirição da vítima na modalidade do "depoimento sem dano", em respeito à sua condição especial de pessoa em desenvolvimento, procedimento admitido, inclusive, antes da deflagração da persecução penal, mediante prova antecipada (HC 226.179/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 08/10/2013, DJe 16/10/2013). 2. A oitiva da vítima do crime de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A), em audiência de instrução, sem a presença do réu e de seu defensor não inquina de nulidade o ato, por cerceamento ao direito de defesa, se o advogado do acusado aquiesceu àquela forma de inquirição, dela não se insurgindo, nem naquela oportunidade, nem ao oferecer alegações finais. 3. Além da inércia da defesa, que acarreta preclusão de eventual vício processual, não restou demonstrado prejuízo concreto ao réu, incidindo, na espécie, o disposto no art. 563 do Código de Processo Penal, que acolheu o princípio pas de nullitésansgrief. Precedentes. 4. A palavra da vítima nos crimes contra a liberdade sexual, que geralmente são praticados na clandestinidade, assume relevantíssimo valor probatório, mormente se corroborada por outros elementos (AgRg no AREsp 608.342/PI, Rel. Ministro WALTER DE ALMEIDA GUILHERME (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), QUINTA TURMA, julgado em 03/02/2015, DJe 09/02/2015). 5. No caso, além do depoimento da vítima, o magistrado sentenciante, no decreto condenatório, considerou o teor dos testemunhos colhidos em juízo e o relatório de avaliação da menor realizado pelo Conselho Municipal para formar seu convencimento. 6. Recurso ordinário desprovido.

(STJ - RHC: 45589 MT 2014/0041101-2, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 24/02/2015, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/03/2015)

Ao citar a lição de FURNISS (2), Cezar, In: Potter (2010, p. 74), disserta que: “não se protege a criança deixando de escutá-la”, e aduz:

Ao fazermos isso nós negamos a própria experiência da criança, e ao negar e rejeitar a experiência de abuso sexual sofrido pela criança, nós rejeitamos a própria criança. O que a criança sente é que o adulto não quer ouvir sobre sua experiência, da mesma maneira como as pessoas não queriam acreditar no abuso ou saber dele antes.

Conclui-se que o projeto Depoimento Sem Dano traz ao judiciário uma ferramenta de inquirição de crianças e adolescentes de forma a evitar a revitimização, garantindo ao acusado os direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

5.1 Sala de Depoimento Sem Dano

O método exige uma sala que ofereça segurança, tranquilidade e acolhimento à vítima infanto-juvenil. O ambiente deve ser aconchegante para que a criança sinta-se amparada e com sentimento de bem estar, em local que não seja frio e triste, mas, alegre e divertido (CEZAR, in POTTER; BITENCOURT, 2010).

O projeto básico sugeria a montagem de uma sala com almofadas coloridas, mas em tons suaves para que a criança sinta-se acolhida, cadeiras com braços confortáveis, pois, crianças maiores e adolescentes preferem cadeiras a almofadas, tapetes que normalmente criam um ambiente aconchegante e de proteção, assim, a criança poderá sentar-se ou mesmo deitar-se, material didático e pedagógico, folhas de papel para as crianças desenharem, canetas, lápis de cor, canetas hidrocores, brinquedos que não devem ser em excesso, sugere dois a três fantoches, jogos de memória, de preferência com motivos de animais domésticos ou frutas, casinha que seja feito por artesões ou marceneiros com divisões de quarto, sala, cozinha e banheiro. Além de uma decoração lúdica e atrativa aos olhos da criança e do adolescente, tal sala deverá ser equipada com sistema de áudio, com fones de ouvido e câmera de vídeo para a reprodução de todo o depoimento. Importante frisar, que a sala de audiências também deverá ser equipada com sistema de áudio e monitores para que juiz, promotor, defesa e réu, possam interagir com a sala especial (CEZAR, in POTTER; BITENCOURT, 2010).

O Conselho Nacional de Justiça em conjunto com a Childhood Brasil (SANTOS et al.2013, p. 23) lançou a “Cartografia Nacional das Experiências Alternativas de Tomada de Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes em processos Judiciais no Brasil: O Estado da Arte, um trabalho de amostragem das salas já implantadas no Brasil, mas também, corrobora que o depoimento especial de crianças e adolescentes não se resume apenas a um espaço físico, mas a uma filosofia jurídica, colocando a criança e o adolescente a uma condição de sujeitos de direitos, senão vejamos:

O depoimento especial não se resume a um espaço físico amigável a crianças e adolescentes e a procedimentos de tomada de depoimento, embora estes dois componentes sejam elementos essenciais desta metodologia. Podemos afirmar que o depoimento especial é uma nova filosofia jurídica que eleva crianças e adolescentes à condição de sujeitos contratantes pelo direito à palavra. Dessa forma, expressa uma nova postura da autoridade judiciária, que busca a complementaridade de sua atuação na interdisciplinaridade, particularmente por meio de participação da equipe multiprofissional especificamente formada para realizar a entrevista forense com crianças e adolescentes.

O minucioso trabalho feito pela Childhood Brasil, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça demonstra na referida Cartografia, as diversas denominações dadas às salas em várias regiões do Brasil, e indica o percentual de 43% que adotaram o nome de Sala de Depoimento Sem Dano, conforme a experiência inicial do Estado Rio Grande do Sul, pioneiro no novo método de inquirição de crianças e adolescentes.

Outras denominações foram criadas em diversas regiões em percentuais menores, como 27% ainda não possuíam um nome específico, 8% deu-se nome de Sala de Depoimento Especial, em consonância com a Recomendação nº 33 do Conselho Nacional de Justiça, 5% Sala de Acolhimento, e 12% criaram diversas denominações como: Sala de Oitiva Especial, Depoimento Sem Trauma, Projeto Audiência Interprofissional Protetiva à Vítima (PROAIP) e Depoimento Acolhedor de Crianças e Adolescentes Vítimas e/ou Testemunhas de Violência, além de 5% que não informaram (SANTOS et al, 2013, p. 43).

Foram apontados também os percentuais em cada região onde já estão implantadas as salas especiais, em primeiro lugar com 55%, ou seja, a maioria na Região Sul do país, seguido pela Região Sudeste com 17%, Região Nordeste com 15%, Região Centro-Oeste com 8% e Região Norte com 5% (SANTOS et al,, 2013, p. 46).

O índice de condenação também foi objeto de pesquisa, 60% resultaram em condenação do abusador por meio do Depoimento Sem Dano, seis vezes mais, em relação ao método tradicional (SANTOS et al., 2013, p. 105).

Em nova atualização ainda em andamento, a Childhood Brasil já apurou um total de 107 salas de depoimento especial em 12 estados brasileiros, aduz que no judiciário brasileiro foi onde houve maior avanço.

Em Minas Gerais, de acordo com o Tribunal de Justiça do Estado, tem uma sala em Belo Horizonte que ainda está em fase de implantação, mas na Justiça Federal da 1ª Região, em Belo Horizonte, já tem instalada e em funcionamento a 1ª sala de inquirição pelo método depoimento especial.

5.2 A Dificuldade do Judiciário na Inquirição de Crianças e Adolescentes

O método tradicional de inquirição de crianças e adolescentes tem sido utilizado de forma rotineira, requisitando essas vítimas-testemunhas a realizarem depoimentos em delegacias de polícia, Ministério Público e Tribunais de diversas comarcas brasileiras, o que na maioria das vezes assume caráter inquisitorial (WOLFF, In: POTTER, BITENCOURT 2010).

A inquirição de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual não é uma tarefa fácil para os operadores do direito no ambiente forense. Nesse sentido, Décio Alonso Gomes, aduz que: “o cotidiano forense é repleto de situações que refogem à normal preparação e ao regular treinamento dos chamados operadores do direito (juízes, promotores de Justiça, Defensores Públicos e Advogados) (GOMES, in: POTTER, BITENCOURT, 2010, p. 133)”.

O judiciário não dispõe de profissionais preparados para inquirir sem revitimizar, e o ambiente formal gera o chamado dano institucional.

Contempla Gomes, In: Potter (2010, p. 134) que:

O despreparo profissional, a concepção cênica das salas de audiências e as exigências jurídico-processuais acabam por revitimizar as crianças abusadas (o que traz no seu lastro o problema da geração de um dano psíquico secundário, o qual, em alguns casos, pode ser maior que o dano primário causado pelo abusador).

O Judiciário precisa redefinir sua forma de atuação quando o assunto tratar-se de crianças e adolescentes vítimas de abusos sexuais. A reforma no judiciário em relação à investigação desses crimes precisa estar amparada a mecanismos constitucionais que proteja tanto as vítimas quanto aos acusados (POTTER, In: POTTER; BITENCOURT, 2010).

Devido o método tradicional de inquirição de crianças e adolescente ser tão sofrido, a justiça depara com sérias dificuldades, pois, é torturante para essas vítimas, uma vez que é percorrido longo itinerário até a vítima chegar ao sistema judiciário, onde, mais uma vez, precisa esclarecer todo o abuso sofrido (BITENCOURT, 2009).

Bitencourt (2009, p. 20) disserta sobre as dificuldades encontras pelo judiciário:

Desafortunadamente, o Estado não está equipado com sua integridade moral, psicológica e socioafetiva. Trata-se de um sistema dirigido a adultos, sem pessoal especializado a intervir com crianças e adolescentes frágeis e vulneráveis, sem estrutura adequada a possibilitar que essas vítimas sejam preservadas de novos abusos e corretamente informadas dos procedimentos adotados.

Dentro de uma perspectiva crítica e com intuito de reflexão, Bitencourt (2009, p. 91) aduz que “Apesar de a violência institucional encontrar-se arraigada no sistema de justiça criminal, pouco se debate sobre o assunto”.

Corroborando todo exposto, conclui-se que a justiça se encontra refém da falta de condições de oferecer melhor acolhida às vítimas-testemunhas dos crimes de abuso sexual infanto- juvenil.

5.3 Metodologia Aplicada ao Depoimento Sem Dano

A metodologia exige interação entre o técnico Psicólogo ou Assistente Social, pessoa qualificada para reformular as perguntas de forma ao entendimento da vítima-testemunha, obedecendo a seu estágio de pessoa em desenvolvimento com a sala de audiência.

O juiz formulará as perguntas ao técnico que estará com um ponto de escuta, as partes também poderão interagir fazendo perguntas ao magistrado para que este retransmita ao psicólogo ou assistente social que deverá reformulá-la de forma ao melhor entendimento da vítima, mas sem fugir do sentido da pergunta e também sem induzir a uma resposta. Assim, as perguntas não serão impertinentes, mas, feitas de acordo com entendimento da vítima (CEZAR, in POTTER; BITENCOURT, 2010).

Cezar, In: Potter, Bitencourt (2010, p. 78), esclarece os procedimentos após o depoimento da criança ou adolescente:

Após o depoimento, que é gravado na memória de um computador, sua integra, além de ser degravada e juntada aos autos, é copiada em um disco e juntada na contracapa do processo, assim viabilizando que não só as partes e magistrado possam revê-lo a qualquer tempo, afastando eventuais dúvidas que possuam, bem como que os julgadores de eventuais recursos possam ter acesso às emoções presentes nas declarações, as quais nunca são passíveis de serem transferidas para o papel.

Os técnicos entrevistadores têm que estar em contínua capacitação, apresentarem-se dispostos a ouvir, e manterem-se propensos ao acolhimento da vítima. Tal capacitação envolve a exposição de aspectos legais para o trabalho interdisciplinar, interação com o ato judicial, ênfase nos conteúdos teóricos sobre abusos e exploração sexual, além da demonstração do papel do técnico no depoimento e análise de casos (BRASIL, 2006).

A Childhood Brasil (SANTOS; GONÇALVES, 2008, p. 146) em sua cartografia, descreve as experiências sobre a tomada de depoimento especial no Brasil e relata a técnica de entrevista adotada:

Entrevista Cognitiva - (EC) técnica desenvolvida com o objetivo de aumentar a quantidade e a precisão das informações prestadas pelas testemunhas. Inclui quatro categorias principais: 1) instrução cognitiva de reconstrução do contexto; 2) “contar tudo” que se lembra do episódio; 3) instrução da memória em ordem diferenciada, o que aconteceu a partir de diferentes pontos de partida; 4) instrução de mudança de perspectiva se pede que o entrevistado vá mentalmente para outro local da cena.

A Entrevista Cognitiva tem caráter investigativo, se baseia em conhecimentos científicos, e de comunicação social, com a finalidade de coletar as informações do testemunho infantil e adulto. Adequando a técnica que não existia no modelo tradicional, fez-se necessário a adaptação da tarefa para o técnico facilitador, responsável pela colheita do depoimento, havendo uma divisão em três etapas, acolhimento inicial, depoimento e acolhimento final. (TABAJASKI; PAIVA; VISNIEVSKI In: POTTER; BITENCOURT, 2010).

Tabajaski; Paiva; Visnievski, In: Potter, Bitencourt (2010, p. 65) discorre sobre as fases do Depoimento Sem Dano que será explicado a seguir:

(...) a fase de acolhimento inicial abrange as etapas de rapport etransferência de controle. O depoimento abrange as etapas de recriação de contexto, narrativa livre e questionamentos. Os procedimentos ocorrem de forma interativa com os agentes jurídicos. O acolhimento final corresponde à etapa de fechamento da EC.

Ademais, conclui-se que a metodologia aplicada à medida que avançar o projeto estará em constante aperfeiçoamento, a fim de que possa adequar à realidade das comarcas que implantar as salas de Depoimento Sem Dano.

5.3.1 Acolhimento Inicial

O acolhimento inicial é muito importante para o desenvolvimento do trabalho do técnico, pois é onde a criança ou adolescente inicia sua base de confiança. A recepção é feita logo ao chegar ao foro quando a vítima ou testemunha é levada diretamente à sala especial, assim, a criança é preservada do contato com o réu. Na intimação, o responsável é informado que a criança ou adolescente deverá chegar com trinta minutos de antecedência, exatamente para que não cruze nos corredores com o abusador. Inicialmente, o psicólogo ou assistente social conversará sobre assuntos diversos para que haja uma empatia entre entrevistador e vítima ou testemunha.

Desta forma, será possível uma maior troca de confiança entre eles, havendo a possibilidade do técnico de colher informações sobre o grupo familiar e situação da criança. Tabajaski; Paiva; Visnievski, In Potter, Bitencourt (2010, p. 66) pontua que: “Caso seja identificado alguma contraindicação para sua oitiva é o momento de fazer esta referência”.

Em seguida o responsável e a criança ou adolescente serão informados de todo o procedimento para a colheita do depoimento, bem como, qual o papel de cada um na inquirição, ou seja, como será a participação do juiz, promotor, defesa e réu, e como se dará a gravação do depoimento. A fim de que não haja nulidades e que se respeite o contraditório e ampla defesa, a gravação só terá inicio quando iniciar a audiência. Nesta etapa inicial, verifica-se, ainda, se a vítima faz objeção sobre a permanência do réu na sala de audiência durante o depoimento (TABAJASKI; PAIVA; VISNIEVSKI In: POTTER; BITENCOURT, 2010).

Assim, o acolhimento inicial deve ser feito de forma acolhedora e compreensiva, demonstrando para a criança ou adolescente que as pessoas envolvidas compartilham de seu sofrimento, deixando-a a vontade para relatar o que achar que deve sem nenhuma pressão.

5.3.2 Depoimento da Criança e do Adolescente

A fase da inquirição é a chamada fase de transferência do controle, é nela que a criança assume o controle da entrevista, pois, é a detentora das informações. Neste momento o responsável é convidado a retirar-se da sala, somente a criança e o facilitador ficarão para dar início ao depoimento.

É dada a palavra à criança para que descreva os fatos. Neste momento, é importante que não haja interrupção. Deve haver uma capacidade de tolerância, tanto do técnico, pois, o seu papel é o de facilitador, quanto das pessoas que assistem o depoimento, já que, pode haver momentos de grandes pausas em decorrência de recordações que a criança deverá trazer à tona, principalmente, se já tiver passado muito tempo do ocorrido (TABAJASKI; PAIVA; VISNIEVSKI In: POTTER; BITENCOURT, 2010).

Após, inicia a fase de recriação do contexto, que é uma técnica utilizada para auxiliar a criança na lembrança dos fatos.

Tabajaski; Paiva; Visnievski, In: Potter, Bitencourt (2010, p. 67) descreve como é utilizada a técnica para ajudar a criança nas recordações:

A técnica envolve uma reconstituição mental do(s) evento(s) abusivo(s), incluindo recordar o ambiente físico, a situação pessoal naquele momento, as emoções experimentadas. Nesta etapa, a criança ou o adolescente volta à cena em que os fatos se passaram. É o momento em que são oferecidas pistas para maximizar a recuperação da memória, a criança ou adolescente necessita de um tempo para recordar.

O momento seguinte é classificado como narrativa livre, quando o entrevistado descreve com suas palavras o que ocorreu. É de suma importância que não haja interrupção durante o relato, caso o técnico precise esclarecer algum ponto, deverá anotar e fazê-lo no momento oportuno, após o relato livre.

A próxima fase do depoimento diz respeito ao questionamento. A partir desse momento o juiz assume como presidente da inquirição fazendo ou retransmitindo as perguntas da acusação e da defesa ao técnico facilitador, esse tem o papel de intermediador, devendo reformulá-las dentro do entendimento infanto-juvenil, levando em consideração a condição de pessoa em desenvolvimento.

Por último, a fase do fechamento ocorre quando é desligado o sistema de gravação de áudio e vídeo. A vítima trás consigo alguns sentimentos como vergonha, raiva e culpa, conforme conceitos trazidos por FURNISS (1993) que explana sobre a importância de “explicar a responsabilidade do ato abusivo, de quem é a responsabilidade, como forma de tranquilizá-la a respeito de sua participação na interação do abuso sexual (...)” TABAJASKI; PAIVA; VISNIEVSKI In: POTTER; BITENCOURT, 2010, p. 68).

5.3.3 Acolhimento Final

O acolhimento final é extremamente importante, pois, o responsável é incluído na entrevista final com a finalidade de identificar como “a família está gerenciando os conflitos decorrentes da situação referida no processo.” (TABAJASKI; PAIVA; VISNIEVSKI In: POTTER; BITENCOURT, 2010, p. 68). A intervenção técnica tem o intuito de trazer à vítima e seus responsáveis um estado emocional de cunho positivo quando saírem da audiência judicial, assuntos neutros são retomados, e sendo identificada a necessidade será feito o encaminhamento à rede de proteção, assistencial, educacional ou de saúde.

Em suma, o método de inquirição apresentado no Depoimento Sem Dano exige uma organização e aparato judicial, com o envolvimento de pessoas dispostas a colaborar com formas de políticas de redução da revitimização se comparado ao método tradicional, além de acompanhar as vítimas e testemunhas juntamente com sua família, a serviços especializados através da rede de atendimento.


6. A Importância do Psicólogo e do Assistente Social na Inquirição

Os psicólogos e assistentes sociais são extremamente importantes na inquirição de crianças e adolescentes quando abusadas sexualmente. Têm dever profissional de possibilitar o acolhimento da vítima com ampliação de seu olhar para intervir juridicamente, a fim de criar espaço que favoreça as partes de buscarem outros tipos de acompanhamentos com profissionais de funções diversas. (PAULO, 2012).

Paulo (2012, p. 326), discorre sobre o artigo 8º, § 2º, do Código de Ética Profissional do Psicólogo: “O psicólogo responsabilizar-se-á pelos encaminhamentos que se fizerem necessários para garantir a proteção integral do atendido”.

Assim, verificam-se prerrogativas de cunho obrigacional de acompanhamentos na função do psicólogo.

É certo que a inquirição conduz a criança e o adolescente a reviver seus traumas, medos e dores, mas, não ouvi-los, não os preservam de sofrimentos, no entanto, poderão vir à tona sentimentos de descréditos e isolamentos.

Paulo (2012, p. 326) aduz sobre a interpretação equivocada da ciência psicológica na inquirição judicial:

Com ainquirição especial não se pretende, nem defende, arrancar da criança a todo custo a sua fala. Muitos interpretam equivocadamente que a entrada da ciência psicológica na inquirição judicial seria uma forma para induzi-la a falar. No entanto, considera-se que o processo especial é apenas para beneficiar a sua própria escolha, dando-lhe condições para que ela possa, de fato, assumir e expressar aquilo que sente. O técnico, nesta dimensão, corrobora, dando um novo olhar na compreensão dos juristas para essa necessidade.

Corroborando com o exposto em citação, verifica-se que o papel do psicólogo no âmbito jurídico “(...) não se limita a este fim, mas indiretamente contribui, é que se defende a escuta jurídica da criança e do adolescente vítima como uma necessidade processual, mas também como um espaço de proteção, de acolhimento e de respeito (PAULO, 2012, p. 323)”.

Em que pese ser imprescindível a participação do psicólogo ou assistente social na inquirição de crianças através do Depoimento Sem Dano, os Conselhos Federais de Psicologia e Assistentes Sociais têm posição contrária ao método Depoimento Sem Dano por entender que o tema exige mais discussão em audiência pública, a fim de aperfeiçoar e alinhar alguns pontos em divergência com o entendimento do profissional da psicologia e assistência social (AZUMBUJA, FERREIRA & COLS., 2011).

Azambuja, Ferreira & Cols (2011, p. 83) expõe sobre a discordância em relação à participação desses profissionais na inquirição de crianças e adolescentes:

Quanto ao exercício profissional, o que nos intriga nessa prática da qual o psicólogo é chamado a participar é que nada a identifica, a princípio, como sendo uma prática psicológica. Todos os termos são próprios da prática judiciária: a vítima presta depoimentos, sendo a inquirição feita pelo magistrado por intermédio do psicólogo ou assistente social; simultaneamente é realizada a gravação da audiência em CD, sendo este anexado aos autos do processo judicial.

Para o Conselho Federal de Psicologia (CFP), o psicólogo participa neste cenário apenas como mero instrumento. No entanto, audiência diferencia-se de atendimento ou entrevista psicológica, já que o psicólogo se orienta pelos desejos da criança resguardando o sigilo profissional, e não pelas necessidades de um processo judicial.

Diante da discordância dos Conselhos Federais de Psicologia e Serviço Social, e por entender como não sendo atribuição ou competência profissional das citadas categorias, baixaram as Resoluções CFP Nº 010/2010 e CFESS Nº 554/2009, vedando os profissionais de participar do Depoimento Sem Dano.

No entanto, os atos normativos vêm sendo questionados judicialmente e encontram-se suspensos diante Ação Civil Pública nº 2012.51.01.008692-4[20], em tramitação na 28ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, que deferiu a antecipação de tutela para suspensão imediata da Resolução CFP 010/2010, conforme deferimento:

Ante o exposto, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, para o fim de determinar a suspensão, imediata, da aplicação e dos efeitos da Resolução CFP nº.10/2010, em todo o território nacional, bem como que os réus se abstenham de aplicar quaisquer penalidades aos Psicólogos que atuem no exercício profissional, em colaboração com Ministério Público ou como auxiliar do Poder Judiciário, intermediando a inquirição de crianças e adolescentes, até ulterior decisão deste Juízo.

Ainda, sobre a mesma Resolução, foi concedida liminar através do Mandado de Segurança Nº 5017910-94.2010.404.7100, do Estado do Rio Grande do Sul, com fundamentação favorável ao Depoimento Sem Dano:

Com tal raciocínio, o Conselho Federal de Psicologia desconsidera que as crianças e adolescentes, como sujeitos, têm direito de serem ouvidos nos processos judiciais em que são interessados (art.111, V, do Estatuto da Criança e do adolescente). Deve-se providenciar, sim, para que o exercício desse direito seja viabilizado com o mínimo possível de efeitos negativos, daí a importância de programas como o do Depoimento sem Dano.

Nestes termos, ratificou a liminar concedida conforme dispositivo observe:

Ante o exposto, concedo a segurança pleiteada para o fim de, reconhecendo a nulidade da Resolução nº 10/2010, editada pelo Conselho Federal de Psicologia, com efeitos no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul, determinar aos demandados que se abstenham de aplicar qualquer sanção aos Psicólogos Judiciários deste Estado e ao impetrante em decorrência da citada norma.

No mesmo sentido, houve decisão em relação à Resolução do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) Nº 554/2009, conforme acórdão APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5044769-16.2011.404.7100/RS proferido:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO E REMESSAOFICIAL. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELO ESTADO DORIO GRANDE DO SUL AO RECONHECIMENTO DA NULIDADE DARESOLUÇÃO CFESS N. 554/2009. DEPOIMENTO SEM DANO - METODOLOGIA COMPLEXA PASSÍVEL DE REALIZAÇÃO PORPROFISSIONAL DA ÁREA DO SERVIÇO SOCIAL - PRESENÇA DAHIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DOS ARTIGOS 4.º, INCISOS I, III, V, VII EVIII, E 5.º, INCISOS I E III, DA LEI N. 8.662/93. LEGITIMATIO AD CAUSAM.COMPETÊNCIA TERRITORIAL. PRELIMINARES REJEITADOS ESEGURANÇA CONCEDIDA - HIGIDEZ DOS FUNDAMENTOS DECISÓRIOS.

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5044769-16.2011.404.7100/RS RELATOR: CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ APELANTE: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL: CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL 10ª REGIÃO - CRESS/RS APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Por conseguinte, os julgados demonstram que o Depoimento Sem Dano tornou-se medida necessária, haja vista que a criança sente-se mais confortável quando a oitiva é realizada por um psicólogo ou assistente social. Assim, o processo atinge seus objetivos de amenizar o sofrimento da criança e a busca da verdade real para que se evitem injustiças, além da efetividade na persecução penal. Ademais, verifica-se indispensável a participação do profissional da psicologia e do serviço social, com o constante aprimoramento para maior proteção da criança e do adolescente.

Destarte, insta salientar, que a intervenção do profissional não se insere apenas no momento da audiência, mas, principalmente no acolhimento e fechamento da inquirição. Neste sentido, Wolff In: Potter; Bitencourt (2010, p. 128) discorre sobre a importância do envolvimento de todos os profissionais de forma a garantir os direitos das crianças e adolescentes:

Importa salientar que, apesar da centralidade do juiz no processo jurídico, a interdisciplinaridade não deve ser pensada apenas para a “equipe técnica”, já que a unidade na diversidade, seu princípio básico, deve dizer respeito a todos os profissionais envolvidos. Essa nova forma de inquirição constitui-se numa abordagem em que a perspectiva interdisciplinar se afirma como necessária e complementar à qualificação de todo o processo de trabalho, tendo como horizonte ético a salvaguarda dos direitos da criança e do adolescente.

Destaca-se ainda, “a importância do fortalecimento da consolidação do sistema de direitos da rede de proteção, o que vincula ainda mais a contribuição do Serviço Social nesse processo” (WOLFF, In: POTTER; BITENCOURT, 2010, p. 130).

Por fim, resta evidenciado que para o sucesso do método Depoimento Sem Dano, a presença dos profissionais da psicologia e serviço social é de suma importância, pela competência qualificada no entendimento de expressão, e de como lidar com situações que envolvem crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, mormente, pelo desenvolvimento de técnicas não revitimizadoras.


7. Recomendação nº 33/2010 – Conselho Nacional de Justiça

Considerando a necessidade de criação de serviços de escuta de crianças e adolescentes de forma menos gravosa, o Conselho Nacional de Justiça através da Recomendação 33 de 23 de novembro de 2010, recomenda aos tribunais de justiça a criação de serviços especializados em inquirir crianças e adolescentes, levando em conta sua condição de pessoa em desenvolvimento por meio do Depoimento Especial.

Em publicação, o Conselho Nacional de Justiça divulgou em 19 de outubro de 2015, o quantitativo de tribunais de justiça onde já se encontram instaladas salas de depoimento especial, totalizando ao menos 15 tribunais de justiça do país que já adotam uma metodologia diferenciada para a inquirição de crianças e adolescentes (BRASIL, 2015).

Determina a instalação de forma estratégica, de sala adequada com sistema de vídeo gravação em ambiente separado, que ofereça segurança, privacidade, conforto e acolhimento.

Ainda, discorre acerca da interdisciplinaridade que envolve o depoimento especial, a necessidade de qualificação dos técnicos de forma a minimizar a revitimização, vejamos:

O depoimento especial não se resume, porém, a um espaço físico amigável, mas representa nova postura da autoridade judiciária, que complementa a sua função com a participação de uma equipe de psicólogos, assistentes sociais e profissionais de outras áreas capacitados em técnicas de entrevista forense. Isso porque o depoimento tradicional costuma gerar grande desconforto e estresse em crianças que precisam repetir inúmeras vezes os fatos ocorridos, nas várias fases da investigação. Outro fator relevante é que o depoimento especial aumenta a fidedignidade dos relatos dos depoentes. Pesquisas demonstram que se questionada de forma inadequada, crianças e adolescentes – assim como adultos – podem relatar situações que não ocorreram ao se sentirem constrangidas ou mesmo ter falsas memórias implantadas. Por esta razão, é fundamental que os entrevistadores sejam altamente qualificados na técnica.

O esclarecimento à vítima, testemunha e à família sobre a participação no depoimento especial é de suma importância, e sugere o Conselho Nacional de Justiça que seja feito com uso de cartilha, conforme disposto no item III da Recomendação 33 de 23/11/2010, com destaque à sua condição de sujeito em desenvolvimento, assim como, promover o apoio necessário durante e após o procedimento judicial com encaminhamento a assistência a vitima ou testemunha e também seus familiares.

A tramitação processual deve ser célere, assim dispõe o item V da Recomendação, “V– devem ser tomadas medidas de controle de tramitação processual que promovam a garantia do princípio da atualidade, garantindo a diminuição do tempo entre o conhecimento do fato investigado e a audiência de depoimento especial” (BRASIL, 2010).

Em análise, o Conselho Nacional de Justiça destaca a eficácia demonstrada pela ciência que o Depoimento Especial deve observar para proteger o depoente garantindo a fidedignidade do depoimento, uma vez que a vítima deverá ser incentivada a relembrar os fatos sem ser interrompida. As perguntas do juiz, promotor e advogado devem ser direcionadas ao entrevistador, e este, por sua vez, deve adequar “aos padrões de perguntas que pesquisas indicam como produtoras de respostas fidedignas e que preservam a criança ou adolescente de violência emocional” (BRASIL, 2015).

Ao final da publicação, o Conselho Nacional de Justiça explica como são feitas as inquirições na grande maioria dos tribunais. Observe:

Grande maioria dos tribunais utiliza-se da videoconferência para os depoimentos especiais, onde câmeras de filmagem transmitem em tempo real a imagem da criança ou adolescente para a sala de audiências. Há alguns tribunais que empregam uma divisória de vidro entre a sala de audiência e a sala de depoimento com uma película que impossibilita a criança ou adolescente visualizar os profissionais do Direito e o réu presentes do lado oposto. Em ambos os casos, o magistrado, por meio de telefone ou de microfone, pode fazer perguntas ao profissional que está com a criança, no momento em que o protocolo utilizado permitir.

Desta forma, verifica-se respeitado o Devido Processo Legal na aplicação do Depoimento Sem Dano, já que os princípios da ampla defesa, contraditório e do Juiz natural encontram-se presentes com a participação das partes que se dá de forma ativa. Mostra-se como principal alternativa para inquirir crianças e adolescentes, amenizando os efeitos da revitimização, haja vista, que o juiz não pode se furtar da oitiva dessas vítimas e deve fazê-la esgotando todas as alternativas lícitas em busca da verdade real.


8. Discussão

O tema abordado refere-se à eficácia da aplicabilidade do método Depoimento Sem Dano na inquirição de crianças e adolescentes.

A finalidade é demonstrar que o método é eficaz, e como é possível amenizar as dores e traumas de crianças vítimas de abuso sexual. Tal abuso pode-se caracterizar de forma intrafamiliar e extrafamiliar, havendo maior incidência de forma intrafamiliar.

O método tem-se mostrado eficaz desde sua implantação no Rio Grande do Sul, quando de forma experimental ocorreu a primeira inquirição na 2ª Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre.

Cezar, In: Potter; Bitencourt (2010, p. 83) expõe os motivos que levaram à eficácia do Depoimento Sem Dano como método que tem como ponto central reduzir a revitimização:

A verdade é que a prática processual atualmente utilizada é, além de ineficiente, desatualizada e ultrapassada, impondo-se que novos modelos, mais humanos, sejam procurados e desenvolvidos, para que os direitos universalmente reconhecidos às crianças sejam realmente colocados em prática.

Verificou-se um despreparo dos operadores do direito para inquirir crianças e adolescentes que foram vítimas de abuso sexual.

As salas tradicionais de audiências não oferecem a essas crianças e adolescentes oportunidades de expor o abuso sofrido sem que sofram nova revitimização por parte do Estado.

O fato de a vítima ou testemunha ficar frente a frente com o abusador, a faz sentir-se constrangida em falar, e assim, prejudica a apuração da verdade real, medida capaz de fazer o abusador pagar pelo crime cometido.

Potter, In: Potter; Bitencourt (2010, p. 18-19) faz duras críticas a respeito da violência institucional que crianças e adolescentes são expostas após o abuso sofrido, e aduz que:

A criança que já sofreu uma violação do seu direito experimenta novamente outra violação, nesse momento, dos operadores do direito, que deveriam lidar com a criança de forma mais profissional e consciente quando da apuração do evento delituoso: essa violação advém de uma equivocada abordagem realizada para comprovar o fato criminoso, e que poderá ser tão ou mais grave que o próprio abuso sofrido.

Várias pesquisas demonstraram que com método de inquirição Depoimento Sem Dano cresceu o número de condenações dos culpados que se fossem feitas pelo modelo tradicional não seria possível, já que as vítimas não relatam os abusos sofridos com medo de represarias.

As salas montadas para os depoimentos dessas crianças são estrategicamente elaboradas de forma que seja garantido o Devido Processo Legal, com os direitos assegurados da ampla defesa e do contraditório de ambas as partes. Ainda se oportuniza a antecipação de provas para assegurar que o decurso do tempo não traga esquecimentos aos infantes, garantindo assim, um depoimento fidedigno.

Mas o tema enfrenta muitos dissensos sobre o assunto, já que os Conselhos Federais de Psicologia e Serviço Social discordam da utilização do método Depoimento Sem Dano. Entendem que não é função da categoria profissional tal inquirição, já que esse papel é atribuição do Judiciário.

Destaca ainda, que o assunto depende de mais discussões através de audiências públicas, a fim de esclarecer pontos divergentes com o entendimento dos conselhos de classe, como no caso da ética profissional, haja vista que o Código de Ética dessas categorias exige sigilo no atendimento de seus pacientes.

Fávero In: Potter; Bitencourt (2010, p. 200-201) discorda sobre a participação dos assistentes sociais, e pontua que a questão necessita ser pensada sobre a relação de subordinação do assistente social ao juiz:

Considerando que o poder legal-institucional de condução da audiência é do juiz, sendo este o único responsável pela apresentação das questões a serem dirigidas à vítima, qual garantia terá o profissional a ele subordinado de fazer valer as prerrogativas profissionais ao se negar a realizar perguntas que do ponto de vista técnico, considere inadequadas ao momento vivido pela criança? Enfim, qual o risco de uma possível ausência de liberdade para direcionar a ação profissional?

Diante dessas divergências, foram baixadas as Resoluções CFESS Nº 554/2009 e CFP Nº 010/2010, proibindo os profissionais dessas áreas a participarem da inquirição de crianças pelo novo método.

Por outro lado, o judiciário aduz que quem preside a audiência é o juiz natural e o psicólogo e assistente social faz apenas a função de facilitador, uma vez que tem toda técnica necessária para retransmitir à criança e ao adolescente as perguntas formuladas pelas partes, levando em consideração, a condição peculiar dos infantes de pessoa em desenvolvimento.

Como a proibição da atuação desses profissionais comprometeria o trabalho do judiciário, várias ações foram propostas com a finalidade de suspender a eficácia dessas medidas, sendo acolhidas pelos tribunais, tornando suspensas por determinações judiciais.

A utilização da nova metodologia de inquirição foi tão eficaz que o Conselho Nacional de Justiça expediu a Recomendação de nº 33/2010, orientando a todos os Tribunais de Justiça do Brasil a implantação das salas de depoimento especial para inquirir crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual.

Finalmente, o estudo da temática proposta demonstrou que é possível inquirir crianças utilizando de uma metodologia menos revitimizantes, através do Depoimento Sem Dano, e, ao mesmo tempo, garantir a ampla defesa e o contraditório às partes, princípios basilares do Devido Processo legal.


9. Considerações Finais

O estudo objetivou uma discussão acerca da eficácia na aplicabilidade do método Depoimento Sem Dano, sem, contudo, esgotar o assunto, haja vista a existência de polêmica em torno do tema.

Inicialmente, destaca-se que a Doutrina da Proteção Integral recepcionada pela Constituição Federal e Estatuto da Criança e Adolescente, trouxe, em seu bojo, que crianças e adolescentes devem ser consideradas sujeitos de direitos, portanto, devem ter ampla proteção do Estado.

Nesse sentido, verificando a necessidade de preservar as crianças e adolescentes dos constrangimentos e da revitimização por parte do aparato estatal, é que surgiu, no Rio Grande do Sul, a primeira experiência com a inquirição por meio do Depoimento Sem Dano.

Do projeto piloto, implantado em 06 de julho de 2003, na 2ª vara da infância e Juventude de Porto Alegre, resultou no Projeto de lei 7524/2006 de autoria da Deputada Maria do Rosário PT/RS, que tem por finalidade, regulamentar a inquirição de crianças vítimas ou testemunhas pelo método Depoimento Sem Dano, e a produção antecipada de provas, já que a demora poderá causar aos infantes a perda de memória, prejudicando a apuração da verdade real.

Mesmo sem uma Lei vigente sobre o assunto, os Tribunais têm ditado jurisprudências para que a inquirição seja feita utilizando-se do referido método, assim, crianças e adolescentes são inquiridas de forma menos gravosa.

As salas utilizadas trazem segurança, conforto e tranquilidade, diferentemente do método tradicional que em sua própria forma já trás constrangimento e receio às crianças ao adentra-la.

Desde o surgimento dessa metodologia, vários órgãos, como a Childhood Brasil, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça e UNICEF, dentre outros que se empenham na proteção de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, vêm desenvolvendo em todo o mundo várias pesquisas já arroladas no presente trabalho, com a finalidade de demonstrar a eficácia e aplicação da inquirição pelo Depoimento Sem Dano. No judiciário brasileiro, de acordo com dados já expostos, foi onde houve maior avanço.

A metodologia busca responsabilizar o abusador, principalmente nos casos em que não existem testemunhas, já que o cometimento do abuso na maioria dos casos fica em segredo, mas também, tem-se o cuidado de não revitimizar as vítimas.

Imperioso ressaltar que tal forma de obter o depoimento dessas vítimas e testemunhas preserva o contraditório e a ampla defesa de ambas as partes, já que todo o depoimento tem o acompanhamento e participação de todos os envolvidos, ainda assim, a gravação em áudio e vídeo poderá ser apreciada em momentos oportunos, como no caso de recursos que por ventura venham a existir, já que fica anexada ao processo.

Importante mencionar a participação dos psicólogos e assistentes sociais para que o método funcione de forma eficaz. Sem a colaboração interdisciplinar é difícil obter o êxito que se busca com a metodologia a ser aplicada.

Diante de todo o benefício advindo com o Depoimento Sem Dano que vem amenizando os traumas sofridos pelas crianças vítimas de abuso sexual, e após várias discussões e audiências em torno do assunto, que o Conselho Nacional de Justiça implantou a Recomendação 33/2010, orientando todos os Tribunais do Brasil a instalar salas projetadas para o depoimento dos menores. Assim, a adoção do método deve ser de forma imediata para que seja respeitada a condição peculiar infanto-juvenil e melhorar na produção de provas para garantir um depoimento fidedigno e um julgamento justo.

Com isso, restou comprovado que a aplicabilidade do Projeto Depoimento Sem Dano tem eficácia comprovada e corroborada pelo judiciário, seja pelo Conselho Nacional de Justiça, ou pelas diversas jurisprudências acerca do tema. Mas é preciso avançar na instalação de mais salas para que seja efetiva a consagração desses direitos a todas as crianças e adolescentes.


Referências

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BITENCOURT, Luciane Potter. Vitimização Secundária Infanto-juvenil e Violência Sexual Intrafamiliar: Por uma Política Pública de Redução de Danos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Ana Lúcia Costa. Depoimento sem dano: uma forma de amenizar a revitimização de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5444, 28 maio 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65073. Acesso em: 28 mar. 2024.