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Um estudo bibliográfico do livro Elementos para uma crítica do Estado

Um estudo bibliográfico do livro Elementos para uma crítica do Estado

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Será que o Estado não é um organismo executor dos interesses de grupos ou de elites dirigentes mais poderosas? É nesse contexto que se pode levantar a discussão e tentar responder o que vem a ser o Estado, sua essência e natureza. Como funciona e para que existe?

Antônio Carlos Wolkmer, 1990.[2]

Resumo:Trata-se de resenha do livro Elementos para uma crítica do Estado, de Antônio Carlos Wolkmer, que se propõe a questionar, criticamente, as formulações teóricas tradicionais do Estado, da sociedade política, levando em consideração a estrutura, funções, contradições de classe, massificação das sociedades modernas, relações de força, crescentes conflitos sociais, desmistificação dos modelos de fundamentação e a reinterpretação do imaginário político. Nesse sentido, são questões que aparecem como reflexos do cotidiano, do espaço público estatal, subordinado e controlado pelo poder da sociedade civil, organizada pela participação democrática e pela autêntica luta do exercício da cidadania popular.

Palavras- Chave: Contradições; Sociedade; Poder; Estado

Abstract: It is a review of the book: Elements for a critique of the State, by Antônio Carlos Wolkmer, who proposes to critically question the traditional theoretical formulations of the State, political society, taking into account the structure, functions, class contradictions, massification of modern societies, relations of force, growing social conflicts, demystification of the models of foundation and the reinterpretation of the state political imaginary. Such questions are reflections of everyday life, as well as of the state public space, which is subordinated and controlled by the power of civil society, organized by democratic participation and the authentic struggle to exercise popular citizenship.

Key Words: Contradictions; Society; Power; State

Sumário:Introdução. 1. Perspectivas Históricas. 2. O Fenômeno: Estado. 3. Estrutura Estatal. 4. Realidade Social. 5. Contradições Sociais e Jurídicas. 6. Considerações Finais. 7. Bibliografia.


Introdução

A presente resenha investiga a atualidade do pensamento de Antônio Carlos Wolkmer, retratada na presente obra, onde o autor traz reflexões e questionamentos de forma crítica no tocante à ingerência do Estado, suas contradições, crescentes conflitos sociais, luta de classe, bem como a luta travada pelo cidadão, para o exercício da democracia e pela plena e significativa participação na vida social.

Wolkmer é formado em Ciências Sociais e Jurídicas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos; Especialista em Metodologia do Ensino Superior e Mestre em Ciência Política pela UFSC; Doutor em Filosofia do Direito e da Política pela UFSC. Atua nas áreas de Ciências Sociais aplicadas: Direito e Teoria do Direito. Além deste livro, possui diversas obras jurídicas, dentre as quais: Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico; Fundamentos de História do Direito; Pluralismo Jurídico; Humanismo e Cultura Jurídica no Brasil; Síntese de uma História das Ideias Jurídicas; Ideologia, Estado e Direito. 

Desse modo, pretende-se refletir as atribuições do Estado, que vêm se fortalecendo e se ampliando, a tal ponto que hoje o poder estatal não só gerencia, mas se imiscui cada vez mais em vários aspectos, por exemplo, na aplicação dos direitos sociais que estão previstos e garantidos pela Constituição Federal de 1988.

Em outras palavras, a interferência e ineficiência do Estado, enquanto legitimado na aplicação desses direitos, afetam sobremaneira a vida dos cidadãos, os quais têm de lutar para ter acesso aos ditos direitos. Sem contar que a interferência na aplicação e desvio de recursos financeiros, que são alvos de corrupção, contribui na desigualdade social e na pobreza e, ainda, ofende aos princípios e às normas fundamentais do texto constitucional.

Ademais, a estruturada resenha está dividida da seguinte forma: inicialmente, tratar-se-á da perspectiva histórica do tema; após, do fenômeno Estado; prosseguindo com sua estrutura e descrevendo sua realidade social, bem como as contradições na formação social.


1.Perspectivas Históricas

Foi somente na Renascença que aparece o emprego moderno da expressão Estado, para configurar sociedades políticas existentes na Itália e, ao longo dos séculos XVI e XVII, na França, Inglaterra e Espanha. 

A especificidade desta organização política foi marcada pela unidade e pela presença de alguns elementos materiais que passam a ter uma nova significação, como a consolidação do domínio territorial, a constituição de uma comunidade nacional organizada e a afirmação de uma autoridade governante revestida de poder político soberano.

O Estado surgiu como realidade típica da era da produção capitalista e das necessidades materiais de uma classe emergente enriquecida economicamente. Enquanto fenômeno histórico de cominação apresenta originalidade, desenvolvimento e características próprias para cada momento histórico e para cada modo de produção. 

O moderno Estado centralizado é produto das condições estruturais inerentes ao capitalismo burguês europeu.

A propósito, tem-se que a formação, que são agrupados, leva em consideração a formação antiga de Estado, as concepções da doutrina teológica, contratualista, familiar ou patriarcal, da força e da violência, econômica. 

A formação moderna dos Estados ocorre pelo fracionamento ou desmembramento de um Estado já existente e pode processar-se por formas não-usuais ou especiais. 

O autor aborda os momentos evolutivos da complexidade social e política, conflitivamente dinâmica, que se encontram em permanente mutação e em constante avanço no tempo e no espaço. 

Costuma-se fixar determinados conjuntos de traços inerentes à organização estatal no tempo. Duas maneiras de visualizar: perspectiva liberal-burguesa, de cunho político-jurídico, e perspectiva marxista, de cunho social e econômico.

A experiência histórica da formação do Estado nas sociedades periférico-capitalista da América Latina assume determinadas particularidades heterogêneas. O Estado não é produto de uma sociedade nacional e politicamente organizada, tampouco criação exclusiva de uma classe economicamente dominante.

Funda-se num contexto em que a aspiração de soberania está condicionada pela existência de uma estrutura objetiva de relações econômicas internacionais.

Passa pelo resgate da autenticidade e originalidade de sua identidade cultural. A presença do Estado na América Latina não é necessária como até inevitável, não mais como criador e tutor autoritário da sociedade civil, mas como articulador e reordenado dos espaços democráticos de acesso popular, como autêntico mandatário da sociedade civil, plenamente organizada pelo exercício e pela participação da cidadania popular.

Com efeito, edificou por meio de um longo e acidentado processo histórico que começou entre os séculos XII, XIV e estendeu-se até fins o século XVIII, graças à especificidade e à combinação de fatores internos e externos das formações sociais ocidentais, bem como ao impacto de profundas transformações estruturais, de natureza social, econômico, político, jurídico, ético e cultural que se articularam nas dimensões daquela temporalidade. 

No Estado contemporâneo, legitima o modelo político e econômico, bem como capitalista e social que apresentam características comuns e específicas.

Quando se questiona e se redefine as formulações teóricas tradicionais do Estado, há que se estabelecer uma nova tipologia das sociedades políticas, considerando a estrutura, suas funções, contradições de classe, massificação, relações de força, os crescentes conflitos, desmistificação dos modelos de fundamentação e o desenvolvimento histórico do próprio Estado.

Outrossim, duas tendências têm predominado, a primeira diz respeito ao teor político e à outra trata-se de uma preocupação sociológica. De modo que o Estado brasileiro incorporou e adaptou a estrutura patrimonialista, estamental e burocrática do modelo de organização administrativa portuguesa.

Em outro sentido, o Estado surge no Brasil por meio de profundas mudanças sociais e econômicas, na passagem de uma estrutura agrária semifeudal para o modo de produção capitalista.

O Estado brasileiro aparece como resultado das relações de produção capitalistas e das consequências inerentes desse processo, só se pode falar de Estado enquanto Estado burguês.

Não se pode negar que essas duas concepções, a política e a sociológica, são extremamente importantes.

De um lado, a herança colonial de uma estrutura patrimonialista, burocrática e autoritária, de outro, uma estrutura que serviu e sempre foi utilizada não em função da sociedade ou da maioria da população, mas no interesse exclusivo dos “donos do poder”, dos grandes proprietários e das nossas elites dirigente notoriamente egoísta e corrupta.


2.O Fenômeno: Estado

Trata-se de fenômeno complexo, contraditório e dinâmico, apresenta interesse ideológico dominante, material ou formal, pode ser enquadrada em duas orientações essenciais: noção sociopolítico, e noção jurídica.

Nesse contexto, o fenômeno estatal não se esgota em reduções de fato, bem como valorativos e normativos. Por certo, para se chegar à construção de sua real modernidade, há que repensá-lo criticamente, buscando superar as atuais interpretações tradicionais. Já que estes processos de revisão abrangem formulações positivas e negativas. 

Dessa maneira as funções do Estado são largamente determinadas pela estrutura da sociedade, são realizadas por um conjunto de instituições e órgãos específicos inerentes à organização política, como os órgãos da administração do poder, órgãos de defesa da vida pública, de comunicação social vinculado ao Estado, onde cada órgão de poder tem suas funções e objetivos. 

No espaço público subsiste uma espécie de poder visível e invisível capaz de interferir, influenciar, condicionar e modificar a realidade da convivência humana. Poder que se estende em todas as esferas da vida, se estrutura sob a forma de uma organização política, e a mais complexa e a melhor estruturada politicamente é a organização do Estado. 

O Estado não é um ser abstrato, neutro e distante dos conflitos sociais, e não está inteiramente separado, não está acima e tampouco é superior à sociedade, trata-se de uma realidade criada e moldada pela vontade da sociedade para servir, representar e tomar decisões que atendam os interesses de seus integrantes. 

A questão que se coloca é, saber se realmente faz isso? Será que o Estado não é um organismo executor dos interesses de grupos ou de elites dirigentes mais poderosas? É nesse contexto que se pode levantar a discussão e tentar responder o que vem a ser o Estado, sua essência e natureza. Como funciona e para que existe? Metas e objetivos específicos.

O Estado pode ser compreendido como um organismo que executa ou que deveria a vontade da maioria dos indivíduos que compõe a sociedade. Entretanto, o Estado é muito mais um instrumento utilizado para satisfazer intentos de minorias, e, que poderia ser uma instância ao serviço das maiorias.

O Estado é uma espécie de organização política, munida de coerção e poder que pela legitimidade da maioria, administra os amplos interesses e objetivos do todo social. 

Esta entidade política é caracterizada por múltiplos interesses, se projeta como representante do todo social, frequentemente acaba adquirindo certa autonomia, escapando do controle da sociedade e extrapolando seus limites, chegando à imposição daquele que a gerou. 

Entretanto, o Estado, pode ser visto também como um fenômeno contraditório uma criatura de duas faces como Janus, antiga divindade grega que conseguia olhar, ao mesmo tempo, para duas direções opostas. Dependendo da posição social, do interesse político ou da convivência momentânea do indivíduo na sociedade, a avaliação do Estado pode ser boa ou ruim. 

Parece claro que, independentemente dos preconceitos e da ótica oportunista vivenciada por quem avalia, o Estado é uma realidade contraditória, sua aparência nem sempre combina com sua essência, conteúdo e suas intenções.

Coberta pela máscara da ordem e da tranquilidade, sintetizadora da aspiração geral, a fachada enganosa do Estado esconde sua verdadeira natureza, uma realidade que funciona para atender apenas os intentos de pessoas que estão no governo ou de pequenas parcelas elitistas que dominam a sociedade. 

Ainda que tal condição omita e negue, é atravessada por relações e conflitos de classes, revelando o complicado sistema de representação, ora setores parciais dominantes, ora do conjunto social como totalidade.

O Estado não é um instrumento total de classe, nem potência com condições de controlar amplas frações. Trata-se muito mais de um espaço político-estratégico de poder e dominação, gerado por múltiplos interesses e por correlações de forças antagônicas, articulando as diferenças em função de manter o equilíbrio do sistema. 

Concebe o Estado, ora como agente distinto, superior, tutor e independente da sociedade, ora como guardião das regras do jogo ou árbitro acima dos conflitos, responsável pela manutenção da ordem, segurança, bem-estar, da justiça social e do consenso geral.

O Estado é projetado como gerente de seu exercício, tornando-se, obrigatoriamente, autônomo e distanciado da sociedade. 

Tendo seu poder sob a égide constitucional assentada no direito de propriedade privada, na liberdade contratual e na igualdade formal, o Estado se legitima por meio do Estado de Direito.

Além disso, o Estado é uma unidade humana de ordenação e organização social destinada à decisão e ação. As condições essenciais de toda a realidade estatal repousam no homem, na sociedade e na cultura. 

O poder estatal existe, unicamente, em função da imputação coercitiva do universo jurídico, que, alcança a plena positivação por meio do aparato estatal. 

As democracias estatais burguesas, mantidas desde longo tempo por elites civis são, gradativamente, substituídas por tecnodemocracias estatais, governadas por administradores profissionais e técnicos burocratas altamente especializados. 

Por trás do Estado tecnocrático está toda uma ideologia conservadora de dominação que faz apelo à segurança, à competência, à manutenção do status quo e ao autoritarismo hierárquico. O Estado corporativista tem um caráter, marcadamente, absorvente, centralizador e autoritário. 

Tratando-se da visão negativa do Estado, além de ser um poder político repressivo e autoritário, inserido numa sociedade dividida entre relações sociais conflitivas, impõem-se como instrumento que reflete determinado modo de produção econômica, materializando-se as pretensões particulares de uma classe dominante exploradora.

Por ser um fenômeno determinado, pelas forças produtivas e pelas relações de produção, o Estado deixa de ter autonomia e independência própria. 

Assume a função de impor e de garantir a estabilidade da estrutura de dominação. A classe dominante da sociedade capitalista é aquela que possui e controla os meios de produção e que é capaz, devido ao poder econômico de usar o Estado como seu instrumento para dominação da sociedade.

A crise fiscal reflete o crescente desnível entre saídas necessárias e as entradas insuficientes de recursos no âmbito do Estado.

Como também a operacionalização é compreendida em função do exercício instrumental do poder pelas pessoas estabelecidas em posições estratégicas ou por meio do manejo das políticas ou pressão sobre o Estado. 

Ainda que as frações hegemônicas controlem e atuem por meio do aparato estatal, jamais o podem possuir integralmente. O Estado nem é um instrumento total de uma classe, nem é uma potência capaz de controlar diferentes frações equidistantes de todas elas. Para tanto, o Estado goza de autonomia relativa diante das frações dominantes de uma sociedade dividida em classes.


3.Estrutura Estatal

Primeiramente, deve-se considerar a obrigatoriedade da presença de alguns elementos materiais constitutivos para a efetiva formalização do Estado, tais como o espaço físico delimitado, a existência de uma comunidade de pessoas, organizadas como povo e como nação, e, uma autoridade governante com plenos poderes políticos. 

O poder do Estado que se estende a todos os seus membros e por toda sociedade, é exercido por meio de mecanismos estruturados e distribuídos em diferentes órgãos e instituições especiais.

A unidade do poder estatal define-se pela estrutura político-administrativa, composta por um sistema de órgãos interligados e independentes: o poder executivo, legislativo e judiciário. Cada um possui competência e autonomia própria, ainda que, na maioria das vezes, atuem dentro dos horizontes estabelecidos e controlados pelo poder central. 

A experiência histórica tem demonstrado que, na prática, em países como o Brasil, a independência e harmonia dos poderes do Estado não passa de uma grande retórica, pois constata-se a cada dia o crescente fortalecimento do judiciário que não só legisla, mas também impõe leis, decretos, pacotes e medidas provisórias. 

Em razão do poder máximo que dispõe, o Estado torna-se soberano para administrar a coisa pública, determinar o cumprimento das leis por parte dos cidadãos, fazer acordos e tratados com outros Estados, e dividir, geograficamente, a estrutura do organismo interno.

As formas de Estado compõem a organização estatal com suas divisões administrativas, podendo situar-se em Estados Federais e Confederações. As formas de governo compreendem os mecanismos de poder, sendo a Monarquia e a República. 

Assim sendo, o Estado é a mais complexa de todas as espécies de instituições políticas, sendo produto de uma sociedade que acaba, muitas vezes, perdendo o controle sobre o fenômeno gerado.

Ademais, o amplo sistema político é composto por outras formas de micro organizações não estatais que, dependendo do regime político podem ser autônomas ou subordinadas ao espaço de poder coberto pelo Estado. 

Acrescentam-se, as múltiplas organizações ou movimentos sociais de massas que estão adquirindo, cada vez mais importância nas sociedades políticas periféricas que lutam para impor suas demandas e democratizar o aparelho de Estado, tradicionalmente burocrático e autoritário. 

As mais importantes organizações políticas não-estatais que podem ou não está a serviço ou sob a interferência do Estado são: os partidos políticos, sindicatos, elites ou grupos de pressão, as cooperativas e as inúmeras organizações ou movimentos sociais de massas. 

Dentre algumas das organizações sociais intermináveis: grupos de ecologistas, negros e mulheres, associações de bairros e moradores, comunidades eclesiais de base e conselhos municipais, órgãos colegiados e instituições culturais. 

Além da configuração genérica do Estado, sua relação com a sociedade civil, se alude à presença das organizações políticas supra- estatais, devem buscar não somente o intercâmbio econômico, social, político e cultural mais justo, mas, sobretudo, possibilitar reais condições para superação das profundas desigualdades de riqueza e incremento e a melhoria da qualidade de vida diferentes da sociedade.

Por conseguinte, não se poderá descartar o caráter do Estado de coerção, e sua natureza contraditória entre essência e aparência. Favorecendo os setores dominantes à custa da grande parcela dominada da sociedade.

O que não deixa de ser uma instituição de classe, afasta-se das maiorias sociais que o legitimam, servindo de eficaz instrumento para as elites ou classes governantes que controlam a máquina administrativa.

Para além da visão negativa, admitir a crise de um determinado tipo de Estado, ou considerá-lo como um mal necessário, uma vez que no fundo não é nem bom e nem ruim, sua atuação depende muito do tipo de pessoas que o usa e o controla. 

Antes de transformar e democratizar o Estado é essencial educar e mudar as pessoas para o exercício de uma convivência responsável e participativa.


4.Realidade Social

Precipuamente, o Estado tomou a dianteira em suas relações com a sociedade, quer pela imaturidade e ineficiência desta, quer porque o próprio Estado, por meio de suas elites dirigentes e de suas classes dominantes, nunca possibilitou espaço de mobilização e sempre operou para manter um tipo de sociedade marcadamente dividida, dependente e tutelada.

As elites mantenedoras da estrutura de poder, almejando resguardar seus privilégios, sua dominação e conseguindo esvaziar todo o questionamento sobre a legitimidade do poder, não só se utilizam de um Estado comprometido com seus interesses de classes, como impuseram a versão oficial de que o Estado deveria ser visto ora como uma entidade abstrata e neutra acima da sociedade, ora como elemento implementador para propiciar e fomentar a justiça social.

Assim sendo, projeta-se uma imagem enganosa de uma instituição que procura esconder sua verdadeira natureza, emerge como produto histórico da vontade das maiorias, servindo somente às finalidades dos grupos sociais no poder.

Favorece a perpetuação de relações sociais assentada no clientelismo, no apadrinhamento, nepotismo, coronelismo, na ética da malandragem e da esperteza, e, na gama incontável de irregularidades e desvios no padrão cultural de comportamentos do brasileiro.

Destarte, deve-se apreciar criticamente a elite que se constitui no Brasil, conforme processo histórico. Porquanto, a dinâmica da formação moderna do Estado se efetivou de forma natural e espontânea, bem como da ascensão de uma elite burguesa treinada na prática parlamentar representativa.

No caso brasileiro, implantou-se um Estado independente e soberano, criado distintamente da sociedade, o próprio Estado incentivou a preparação de elites burocráticas para as tarefas da administração e do governo, treinadas nas tradições do mercantilismo, do patrimonialismo e do absolutismo português.

Deste modo, desde suas origens e prosseguindo em toda história brasileira, as nossas elites oligárquicas e latifundiárias controlam o Estado e exerceram a dominação política, alheias os intentos da população sempre servis ao capital internacional.

O Estado brasileiro, incorporou a montagem burocrática e centralizadora do sistema de administração lusitana, completamente desvinculado dos objetivos de sociedade, alheia à manifestação e à vontade do povo, implantado uma estrutura de poder monárquico que serve de burocracia, originada dos senhores de escravos e proprietários de terras.

A aliança entre o poder aristocrático da coroa com as elites agrárias permite construir um modelo de Estado que defenderá sempre os intentos da classe dona da propriedade e do capital. Mesmo com as mudanças políticas e econômicas do país e com os deslocamentos sociais das elites, o Estado age como uma potência histórica e contraditória, cercada e perplexa sociedade.

Diante da inércia das classes hegemônicas dissidentes e de uma sociedade fragmentada pelos poderes regionais, o Estado acaba se projetando para ocupar o vazio existente como o único sujeito político capaz de unificar a sociedade burguesa e de fomentar o moderno arranque do desenvolvimento industrial.

No caso do Brasil, o Estado se transforma num dos principais agentes do processo econômico. Pode-se tipificar o protótipo do nosso modelo de Estado como um permanente agente real revestido pelo paternalismo provedor e pelo intervencionismo dirigista.

Em razão de toda uma formação cultural de dependência, alienação programada e não-participação popular democrática, a sociedade brasileira é caótica, desorganizada, movimenta-se timidamente, esperando sempre pela iniciativa e atuação paternalista do Estado.

Não seria tão problemática se, pelo menos, houvesse um Estado mantido por administradores honestos, competentes e profundamente identificados com os fins da maioria da população.

Isso nunca aconteceu e tampouco está acontecendo, nossa tradição vem demonstrando que não só a sociedade brasileira encontra-se entorpecida e não consegue ter autonomia sobre os grupos governantes que o manipulam, tornando-se instrumento arbitrário e repressor na defesa das elites dominantes.

Isso nos deixa algumas indagações: como aumentar a consciência crítica da população? Construindo uma sociedade madura e participativa? Como romper e eliminar radicalmente com a hegemonia das atuais elites dirigentes brasileiras, tradicionalmente corruptas, imorais e intransigentes a qualquer mudança social?


5.Contradições sociais e jurídicas

Não obstante, o Estado apresentar ser uma entidade complicada, difícil e ambígua, na realidade, pode-se perceber seu poder, para isso basta ler um jornal ou assistir um noticiário, bem como na construção de estradas, aumento de preços de alimentos, gasolina, decretos e pacotes sobre política salarial, para se verificar a presença do Estado.

Trata-se de um ente que recebe enormes parcelas do poder para administrar os conflitos e tomar decisões que interessam a todos. O que pode acontecer, este administrador pode se desvirtuar tornando-se mandatário infiel dos fins gerais e cúmplice autoritário de grupos privilegiados.

Não necessariamente concentrado, mas um poder que se fragmenta e se estende por toda a sociedade. O Estado não é bom ou ruim em si mesmo, mas projeção e reflexo da estrutura social que serve.

A responsabilidade por sua natureza mascarada e contraditória nem sempre identifica com conteúdo condizente com as atitudes, reside nas facções e nos blocos de poder que controlam egoisticamente, e que utilizam arbitrariamente em momentos distintos da história. Existe para assegurar e perpetuar a opressão de poucos sobre muitos.

Esses mesmos grupos dominantes são os criadores de determinados mitos que envolvem e legitimam a figura moderna do Estado.

Torna-se essencial desenvolver todo um processo educativo que desperte uma mentalidade que seja capaz de desmontar a noção mítica do Estado, criada em grande parte pelos juristas, dogmáticos e pelo próprio Direito burguês.

Consagra-se, o primeiro grande mito do liberalismo jurídico burguês, o Estado surge como sujeito independente, e, equidistante dos conflitos de classe da sociedade, representa o interesse do bem comum, alicerçando sua realidade e sua atuação nacionalizadora em um permanente Estado de Direito.

O Estado socialista contemporâneo também não é idôneo. Todo Estado é Estado burguês, instrumento de repressão e dominação da classe dominante. O Estado e o Direito e toda produção cultural são tratados como meros resultados do jogo mecânico de uma infraestrutura econômica.

É pacífico que subsistem profundas deformações estruturais no Estado contemporâneo, independentemente de seu regime pode-se caracterizá-lo por um intervencionismo crescente e por representar a dominação cada vez mais sofisticada de segmentos minoritários de suas populações.

Por viver-se num sistema de organização estatal capitalista, periférico e dependente, é claro que devemos nos preocupar, profundamente, com as desmistificações das ficções e das invenções irreais que adornam o tipo de Estado que vivenciamos e que interagimos.

Impõem-se uma conscientização emancipadora e crítica, vinculada às posturas ajustadas com uma ruptura radical a toda visão costumeira e dogmática do diálogo e debate conservador, implantado através do exercício de participação da sociedade um pensamento e uma prática verdadeiramente crítica, substituindo a visão tradicional por uma perspectiva pluralista e socializante.

Somente mediante uma nova mentalização crítica e uma reordenação de posturas, poderá suplantar a costumaz incapacidade dos juristas de pensar o Estado e o próprio fenômeno político como sempre o fizeram, pelo ângulo limitado do normativismo técnico e pelas análises insuficientes e puramente jurídicas.

Trata-se de não só resgatar a matriz política do jurídico, mas, sobretudo, optar por uma racionalidade e um agir fundado na ética da responsabilidade e da solidariedade.


6.Considerações Finais

Diante deste quadro, a questão central não é propriamente a destruição e supressão do Estado, mas o que se impõe é edificar um Estado democrático, subordinado e controlado pelo poder do Estado, que seja construído pela luta e participação da sociedade civil.

Nesse sentido, a organização dos cidadãos não deve ser feita num espaço proporcionado e manipulado exclusivamente pelo próprio Estado.

Mas, que seja fruto, sobretudo, de autonomia conquistada pela luta e pela participação democrática pelo exercício da cidadania popular.

Compreender, criticamente o Estado, pressupõem a capacidade para desenvolver uma análise desmistificadora de nossa situação presente, entender os problemas que nos cercam, e se libertar da ideologia que o concebe falsamente como um ente abstrato e neutro dos conflitos e provedor do bem-comum.

Visto que, na realidade os problemas sociais são evidenciados amplamente, e o que existe é justamente um intenso conflito e lutas de classes sociais. Verifica-se também, atualmente a ideia de centralidade de poder que se fortalece e ganha uma gama de responsabilidades que surgem dos demais poderes.

No Brasil, é o caso da politização do judiciário[3]é notória na atualidade, ganhando destaque na questão da política[4], como exemplo o julgamento de um habeas corpus preventivo, do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.

Não obstante, a omissão e ineficiência do Estado, que é divulgado amplamente pela imprensa, cite-se o registro de 14, 2 milhões de desemprego[5] ano passado 2017, sinal que o direito ao trabalho não está sendo garantido conforme prevê a Constituição.

Traduz um sinal de desconfiança para o cidadão, onde os direitos amplamente assegurados são ineficientes. Ademais, a insuficiência de eficácia político-administrativa do Estado, caracterizado tanto pela crise de legitimidade quanto pela natureza ainda desumanizadora do capitalismo avançado, só cresce cada vez mais a separação de classes e a intensificação de conflitos sociais.

Não basta eliminar - se as elites dominantes e o tipo tradicional de Estado se não ocorrer uma alteração na mentalidade e no comportamento das pessoas. Medidas estratégicas como educação libertadora, formação de uma identidade nacional comunitária, luta pela conquista da cidadania, desenvolvimento consciente dos canais de participação democrática e o efetivo controle descentralizado e popular dos aparelhos burocráticos do Estado.

Portanto, o papel do Estado enquanto legitimado para assegurar a justiça social, necessita de profundas transformações no todo, questões educacionais, sociais, culturais que possam ser capazes de atingir os diversos níveis, e prevalecer diante da manipulação, de modo que a luta popular e a vontade de mudança de paradigma, sejam cada vez mais frequentes no cotidiano, no espaço público, como meta de atingir e conquistar direitos para uma sociedade mais justa e participativa.


7.Bibliografia

WOLKMER, Antônio Carlos. Elementos para uma crítica do Estado. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1990.

JUSTIFICANDO. Edição: 29/10/2015. CONCEIÇÃO, Pedro da. “Politização do Judiciário”: sintomas de uma crise permanente. Disponível em:< http://justificando.cartacapital.com.br/2015/10/29/politizacao-do-judiciario-sintoma-de-uma-crise-permanente/>. Acesso em 02 de abril de 2018, às 22:35.

ÂMBITO JURÍDICO. Com.br. JÚNIOR, Faustino da Rosa. O problema da judicialização da política e da politização do judiciário no sistema brasileiro.  Disponível em:< http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3164>. Acesso em 02 de abril de 2018, às 22:49.

G1. GLOBO. Economia – Edição 28/04/2017. SILVEIRA, Daniel; CAVALLINI, Marta. Desemprego fica em13,7% no 1º trimestre de 2017 e atinge 14,2 milhões.  Disponível em <http://g1.globo.com/economia/noticia/desemprego-fica-em-137-no-1-trimestre-de-2017.ghtml>. Acesso em 02/04/2018, às 21:44.


Notas

[2] WOLKMER, Antônio Carlos. Elementos para uma Crítica do Estado. I. ed. Porto Alegre: Sergio A. Fabris Editor, 1990, p.11.

[3] JUSTIFICANDO. Edição: 29/10/2015. CONCEIÇÃO, Pedro da. “Politização do Judiciário”: sintomas de uma crise permanente. Disponível em:< http://justificando.cartacapital.com.br/2015/10/29/politizacao-do-judiciario-sintoma-de-uma-crise-permanente/>. Acesso em 02 de abril de 2018, às 22:35.

[4] ÂMBITO JURÍDICO. Com.br. JÚNIOR, Faustino da Rosa. O problema da judicialização da política e da politização do judiciário no sistema brasileiro.  Disponível em:< http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3164>. Acesso em 02 de abril de 2018, às 22:49.

[5] G1. GLOBO. Economia – Edição 28/04/2017. SILVEIRA, Daniel; CAVALLINI, Marta. Desemprego fica em13,7% no 1º trimestre de 2017 e atinge 14,2 milhões.  Disponível em <http://g1.globo.com/economia/noticia/desemprego-fica-em-137-no-1-trimestre-de-2017.ghtml>. Acesso em 02/04/2018, às 21:44.


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