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Inconstitucionalidade das restrições ao reconhecimento do direito ao crédito do ICMS/RJ nas operações anteriores às de exportação

Inconstitucionalidade das restrições ao reconhecimento do direito ao crédito do ICMS/RJ nas operações anteriores às de exportação

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A Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decretou e o Governador em exercício, Luiz Paulo Fernandez Conde sancionou, em 28 de dezembro de 2004, a Lei n.º 4.482, publicada no D.O.E.R.J no dia 29 de dezembro de 2004. que dispõe sobre o reconhecimento do direito à manutenção do crédito do ICMS relativo a operações anteriores à exportação de mercadorias, de que trata o § 2º do artigo 21 da Lei Complementar Federal n.º 87, de 13 de setembro de 1996.

Após a publicação da norma em comento, surgiram inúmeras manifestações contrárias às restrições a compensação do crédito do ICMS pago pelas empresas exportadoras na compra de insumos para a fabricação de produtos destinados à venda ao exterior.

Os dispositivos da Lei estadual n.º 4.482/2004 que restringem o direito de crédito do ICMS pago nas operações anteriores à exportação são os seguintes:

"(...) Art. 1º – Ficam os contribuintes do Imposto sobre as Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS obrigados a requerer à Secretaria de Estado da Receita o reconhecimento do direito à manutenção do crédito do imposto relativo a operações anteriores às de exportação, de que trata o § 2º do art. 21 da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996.

Art. 2º - Os créditos do ICMS porventura aproveitados em razão da aquisição de insumos utilizados para fabricação de mercadorias que vieram a ser exportadas e, bem assim, os relativos à aquisição de mercadorias cuja exportação era imprevisível na data de sua aquisição deverão ser estornados, até ulterior reconhecimento, pela autoridade fazendária competente, quanto ao direito à manutenção dos mesmos.

(...)

Art. 4º - O reconhecimento do direito ao crédito a que se refere esta Lei somente se fará após o exame da legitimidade dos valores a serem aproveitados pelo contribuinte e, bem assim, após o recebimento, pelo Estado, dos recursos que lhe são devidos pela União, na forma do art. 31 da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996. (...)"

A cizânia concentra-se, portanto, nos artigos 1º, 2º e 4º da Lei estadual n.º 4.482/2004, pois, em verdade, estes dispositivos criam restrições não previstas na Constituição Federal e, muito menos, na Lei Kandir, a saber: a) obrigam o contribuinte a requerer à Secretaria de Estado da Receita o reconhecimento do direito à manutenção do crédito do imposto relativo a operações anteriores às de exportação; b) obrigam o contribuinte a estornar os créditos porventura aproveitados, até o reconhecimento dos mesmos pela autoridade fazendária; c) condicionam o reconhecimento do direito de crédito do ICMS ao recebimento, pelo Estado, dos recursos que lhe são devidos pela União.

Ocorre, contudo, que o artigo 155, § 2º, X, a da Carta Magna, com redação alterada pela Emenda Constitucional n.º 42, de 19.12.2003, regula a matéria de forma cristalina, conforme verifica-se abaixo:

"Art. 155. (...)

(...)

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

(...)

X – não incidirá:

a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores; (...)"

Pelo disposto na alínea "a", não devem restar dúvidas de que o legislador constituinte não estabeleceu qualquer restrição e/ou condição para manutenção e aproveitamento dos créditos decorrentes do ICMS pago nas operações anteriores as operações que destinem mercadorias para o exterior. Não pode, portanto, por óbvio, a Lei Estadual criar restrições não previstas na Constituição Federal.

Vale frisar, ainda, que o artigo 155, § 2º, XII, "c", "e" e "f" da Constituição Federal estabelece que cabe à lei complementar:

"c) disciplinar o regime de compensação do imposto;

(...)

e) excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros produtos além dos mencionados no inciso X, a;

f) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias; (...)"

A Constituição Federal, portanto, atribui à Lei Complementar a competência para regular as matérias supracitadas. Neste diapasão, não pode o Estado do Rio de Janeiro, imiscuir-se na seara de competência exclusiva de Lei Complementar Federal.

Vale lembrar que foi sancionada a Lei Complementar n.º 87, de 13 de setembro de 1996 (Lei Kandir) com o desiderato de dispor sobre o ICMS. Neste sentido, os artigos 3º II; 20, § 3º, I; 21, § 2º e 31, I e II, da Lei Kandir, não prescrevem restrições ou condições ao aproveitamento do crédito de ICMS decorrente de operações que destinem produtos ou serviços ao exterior, pelo contrário, estabelecem o direito do contribuinte ao aproveitamento dos créditos, conforme se depreende da transcrição dos dispositivos abaixo:

"Art. 3º O imposto não incide sobre:

(...)

II - operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços;

(...)

Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado à entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação.

(...)

§ 3º É vedado o crédito relativo à mercadoria entrada no estabelecimento ou a prestação de serviços a ele feita:

I - para integração ou consumo em processo de industrialização ou produção rural, quando a saída do produto resultante não for tributada ou estiver isenta do imposto, exceto se tratar-se de saída para o exterior;

(...)

Art. 21. O sujeito passivo deverá efetuar o estorno do imposto de que se tiver creditado sempre que o serviço tomado ou a mercadoria entrada no estabelecimento:

(...)

§ 2º Não se estornam créditos referentes a mercadorias e serviços que venham a ser objeto de operações ou prestações destinadas ao exterior.

(...)

Art. 32. A partir da data de publicação desta Lei Complementar:

I - o imposto não incidirá sobre operações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, bem como sobre prestações de serviços para o exterior;

II - darão direito de crédito, que não será objeto de estorno, as mercadorias entradas no estabelecimento para integração ou consumo em processo de produção de mercadorias industrializadas, inclusive semi-elaboradas, destinadas ao exterior; (...)"

É fácil perceber que os dispositivos da Lei Kandir não permitem qualquer possibilidade de restrição de compensação dos créditos decorrentes das operações anteriores à exportação de mercadorias. Destarte, as condições impostas pela Lei estadual em lume também não encontram fundamento na Lei Kandir.

Em síntese conclusiva, percebe-se que a malfadada Lei Estadual é inconstitucional por três razões, a saber: a) seus dispositivos prescrevem restrições à compensação de créditos de ICMS não previstas no texto constitucional, b) a Lei Estadual visa disciplinar matéria de competência exclusiva de Lei Complementar, conforme estabelecido pela Constituição Federal e c) a Lei Estadual cria restrições ao direito de crédito de ICMS não previstas nos dispositivos da Lei Kandir.

Por todo o exposto, os contribuintes possuem argumentos suficientes para o ajuizamento de medidas judiciais com o desiderato de garantir a utilização de seus créditos decorrentes do ICMS/RJ pago nas operações anteriores à exportação.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PESSOA, Leonardo Ribeiro. Inconstitucionalidade das restrições ao reconhecimento do direito ao crédito do ICMS/RJ nas operações anteriores às de exportação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 631, 31 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6569. Acesso em: 28 mar. 2024.