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União homoafetiva como modelo de família no Brasil

União homoafetiva como modelo de família no Brasil

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Este artigo tem como objetivo o estudo dos modelos de família admitidos pela Constituição de 1988 e os advindos da socioafetividade nas famílias atuais. Além disso, aborda o tratamento (des)igual dado ao modelo familiar entre pessoas do mesmo sexo.

1. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa teve por motivação algumas reflexões sobre o tratamento desigual dado pelo legislador aos modelos de família de pessoas do mesmo sexo em contraposição aos modelos concebidos pela Constituição Federal de 1988. Entende-se que há uma contradição entre a prática social e o campo legislativo. Em outras palavras, existem as famílias homoafetivas, mas não há leis que regulem a prestação jurisdicional que lhes são cabíveis. Entretanto, pelo fato de não haver uma lei, o juiz não pode negar direitos a essas famílias.

É importante ressaltar que as normas do Direito de Família são protegidas constitucionalmente na medida em que se afirma que a família é a base de uma sociedade pluralista, conforme preconiza o artigo 226 da Constituição Federal de 1988. Dessa forma, princípios como o da afetividade, da solidariedade familiar, da proteção de crianças, adolescentes e idosos, da liberdade, da igualdade e da dignidade da pessoa humana são direcionados para abarcar as relações existentes entre os membros de uma família, sejam eles de sexo oposto (heterossexuais), do mesmo sexo (homossexuais) ou de ambos os sexos simultaneamente (bissexuais).

Essas observações, às quais se inscrevem o presente trabalho, conduzem à proposição das seguintes questões: (i) A não existência de uma lei significa que não haja o direito? (ii) levando-se em conta os diversos Princípios (Igualdade, Liberdade, dentre outros), é legítima a discriminação do legislador?

Para se responder a essas questões, o referencial teórico utilizado no artigo consiste nos estudos de Maria Berenice Dias. A autora se destaca por transformar o entendimento tradicional do termo família, levando-se em conta os laços afetivos das relações familiares. A fim de apontar a importância dos princípios, recorreu-se a autores como: Nunes (2013), Ferreira (2013), Pereira (2012) e Diniz (2009). Também são de grande valia para o estudo os apontamentos de Costa (1992), Rodrigues (2004) e Mott (2003) quanto à construção histórica das uniões homoafetivas ao longo do tempo. Com o intuito de verificar as divergências doutrinárias quanto ao reconhecimento ou não da união homoafetiva, foram feitos apontamentos contrastivos, tomando-se por base, de um lado, os seguintes autores: Farias e Rosenvald (2008), Diniz (2009) e Gonçalves (2010) e de outro lado, Dias (2015).

Neste trabalho será dado enfoque crítico ao tema proposto, baseando-se em análise interpretativa de jurisprudência. Será utilizada pesquisa bibliográfica a respeito do tema, tendo como enfoque a legislação vigente, a doutrina e a jurisprudência. A partir desse levantamento, analisar-se-á se as prestações jurisdicionais estão sendo atendidas pelos juízes.


2.       A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A FAMÍLIA

De acordo com a Constituição de 1988, em seu artigo 226, a família é a base da sociedade tendo, portanto, especial proteção do Estado. É importante destacar que a CR/88 admite expressamente três modelos de família: o matrimonial, decorrente do casamento como ato formal (art 226,&1º e 2º da CF/88, arts 1511 ss do CC) ; a união estável, decorrente de relação entre pessoas não impedidas de casar (art.226,&3º da CR/88, Lei 9278/96, arts 1723 a 1727 do CC) e o modelo monoparental, formado por qualquer um dos pais e sua prole (art.226&4º).

Segundo Dias (2006:25):

A entidade familiar está disposta em uma estruturação psíquica em que cada um ocupa um lugar e possui uma função (pai, mãe e filho) sem, no entanto, estarem ligados por laços consanguíneos. Assim, há uma diversidade de modelos de família como nos exemplos em que dois irmãos vivem juntos, avós que cuidam de netos como pais e relações homoafetivas estáveis.

É importante ressaltar que a concepção de família limitada apenas pela união de um homem e de uma mulher mudou.  O Direito de Família é objeto dessa mutação, pois há constantes transformações sociais. Assim, não se concebe em nosso ordenamento jurídico apenas este modelo tradicional, mas há o entendimento de que o conceito de família foi alargado, baseando-se, principalmente, em laço de afeto entre as pessoas.

Com as diretrizes da CR/88, a família passa a ser concebida como família plural, levando-se em conta o aspecto socioafetivo como marco principal. Uma entidade familiar pode ser formada por um dos pais e seus descendentes, ou seja, famílias monoparentais, assim como a união estável, marcada pela convivência pública, contínua e duradoura e a união homoafetiva, que possui uma relação baseada no afeto entre pessoas do mesmo sexo.

Em outras palavras, além da família matrimonial, a CR/88 reconheceu a existência de outros tipos familiares. Vale lembrar que é um rol exemplificativo de modelos de família. A doutrina e a jurisprudência aumentam tal rol, destacando-se a família anaparental, a família eudemonista e a família homoafetiva. Tais modelos familiares serão objeto de análise nos próximos tópicos.

Nessa perspectiva, o artigo 226 da CR/88, o artigo 1º da Lei 9278/96 (Lei da união estável) e os artigos 1511, 1513 e 1723 do Código Civil reconhecem como família a decorrente do matrimônio e como entidade familiar a união estável e monoparental. Para Diniz, 2009:13:

Deve-se, portanto, vislumbrar na família uma possibilidade de convivência, marcada pelo afeto e pelo amor, fundada não apenas no casamento, mas também no companheirismo, na adoção e na monoparentalidade. É ela o núcleo ideal do plano do desenvolvimento da pessoa. É o instrumento para a realização integral do ser humano.

Dessa forma, o constituinte rompe com a primazia patrimonial do Direito de Família e reconhece a união estável e a família monoparental como entidades familiares e, implicitamente, há o reconhecimento de outros vínculos familiares.

Este artigo irá se ater ao modelo de família constituído pela união homoafetiva. No próximo tópico, serão tratadas as características das famílias na atualidade.


3.          DIVERSIDADE DE FAMÍLIAS NA ATUALIDADE

A família atual brasileira caracteriza-se por ser socioafetiva, eudemonista e anaparental.

Em relação à socioafetividade significa dizer que o conceito de família é moldado por laço de afeto e não pela lei.

Eudemonismo vem do grego eudaimonia e significa felicidade – que é o objetivo da vida humana. Segundo Ferreira (1988:281) eudemonismo “é a doutrina que admite ser a felicidade individual ou coletiva o fundamento da conduta humana moral”.

Quanto ao caráter eudemonista entende-se a busca de uma vida baseada na ética e no afeto recíproco, ou seja, a realização plena dos entes familiares. A família eudemonista ou afetiva é aquela que busca a realização plena de seus membros caracterizando-se pelo afeto recíproco e o respeito mútuo entre eles independentemente do vínculo consanguíneo. Portanto, podemos dizer que a existência de uma família está diretamente relacionada à afetividade.

A família anaparental é formada sem a presença dos pais, podendo ser formada, inclusive, por pessoas sem vínculo de consanguidade. Em outras palavras, o núcleo familiar não comporta apenas pai, mãe e filhos, mas agrega também pessoas que não têm vínculo parental estrito ou consanguíneo. Assim, desde que os integrantes de uma família constituam um núcleo familiar baseado no afeto, são considerados como família. É importante destacar que não se trata de relacionamentos sexuais entre os membros desse modelo familiar, mas a convivência mútua e o desejo de constituição de família.

Sabendo-se que a base para construção de um Estado Democrático de Direito está na convivência harmoniosa entre os seres humanos e na dignidade da pessoa humana, não pode haver preconceitos morais para uma sociedade que busca a felicidade já que uma família formada por pessoas de sexo oposto não é diferente de uma formada por pessoas do mesmo sexo, uma vez que o sentimento que as une é o amor e o afeto. Dessa forma, todos os tipos de vínculos familiares carecem de proteção do Estado, pois são formados por relações de afeto.


4. DOS PRINCÍPIOS

Dentre as formulações deônticas do sistema jurídico, os princípios são “a válvula mestra” que permitirá resolver um conflito. (NUNES: 2013:377). Nesse sentido, os princípios irão nortear as demais normas jurídicas existentes.

Segundo Nunes (2013), para que uma interpretação seja bem feita devem-se levar em conta os princípios uma vez que, de forma genérica e abstrata, os princípios situam-se no ponto mais alto de qualquer sistema jurídico. Entretanto, afirmar a abstração do princípio não significa que ele não incida na realidade. O autor conclui (2013:378) que “como as normas jurídicas incidem no real e como elas devem respeitar os princípios, acabam por levá-los à concretude”. Assim sendo, pode-se deduzir que os princípios têm eficácia plena.

O Direito de Família é protegido constitucionalmente na medida em que se afirma que a família é a base de uma sociedade pluralista, conforme preconiza o artigo 226 da CR/88. Nessa perspectiva, princípios como: igualdade, liberdade, dignidade da pessoa humana, dentre outros são direcionados para abarcar as relações existentes entre os membros de uma família.

Com o decorrer do tempo, as famílias sofrem mudanças sociais. Havia a família tradicional voltada para a procriação; todavia, hoje, não é o único modelo existente. Há também núcleo familiar decorrente da união estável, da família monoparental, anaparental e da união homoafetiva.

Nesse sentido, os princípios são aplicáveis de forma a garantir os direitos já assegurados. A união homoafetiva como modelo familiar é um exemplo de mudança social que precisa ser respeitado na medida em que engloba uma relação familiar baseada no aspecto socioafetivo.

É importante destacar que no preâmbulo da CR/88, o legislador sustenta o compromisso do Estado com o cidadão baseado no Princípio da Igualdade e da Liberdade. Ao conceder proteção a todos, veda-se a discriminação e preconceitos e “assegura o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos (...)”

No artigo 1º da CR/88, inciso III, o constituinte consagra como essencial o princípio da dignidade da pessoa humana. Acrescenta-se também o artigo 11 do Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, que enfatiza o respeito à dignidade da pessoa humana. Em relação a esse princípio, a busca da justiça deve ter como base o ser humano. O Estado tem o dever de promover a dignidade da pessoa humana por meio de condutas ativas para garantir o mínimo existencial para cada indivíduo. Dessa maneira, tal princípio significa igual dignidade para todas as entidades familiares.

O cerne do princípio da igualdade é a vedação de tratamento discriminatório, isto é, tentativas de prejudicar ou restringir o exercício de direitos e liberdades fundamentais em razão de quaisquer discriminações, tais como (sexo, cor, raça, idade, etnia, religião).

Além disso, elenca no artigo 5º da CR/88 os direitos e garantias fundamentais ao proclamar que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Garante o mesmo dispositivo, de modo expresso, o direito à liberdade e à igualdade.

O princípio da liberdade refere-se à livre escolha do ser humano, seja em relação ao modelo de família, ao regime de bem, ao planejamento familiar, à adoção ou não, dentre outras escolhas, como a união heterossexual ou homoafetiva. Nesse sentido, Dias (2015:46) afirma que nas relações familiares “todos têm a liberdade de escolher o seu par, seja do sexo que for (...)” (DIAS, 2015:46).

Na mesma linha de pensamento, Ferreira (2013:29) coaduna com Dias (2010) ao afirmar que:

A liberdade é, ao lado da igualdade, um dos princípios básicos das declarações de direitos humanos e do constitucionalismo clássico, cuja afirmação implica o reconhecimento da dignidade de cada ser humano de orientar-se, de modo livre e merecedor de igual respeito, inclusive na esfera de sua sexualidade.

Vale lembrar que, como o objeto desse estudo é averiguar o tratamento (des)igual dado pelo legislador às uniões homoafetivas em relação às uniões entre pessoas de sexo oposto, busca-se, pois, perquirir a discriminação posta pelo legislador às famílias homoafetivas.

É importante ainda ressaltar que as normas constitucionais e os princípios, sejam eles gerais ou específicos, orientam precedentes judiciais, ao buscarem a solução de conflitos no caso concreto, mais especificamente em nosso estudo, os direitos decorrentes das uniões homoafetivas.

4.1      PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS APLICÁVEIS AO DIREITO DE FAMÍLIA

É importante notar que há inúmeros princípios implícitos, que são reconhecidos pela doutrina e jurisprudência. É praticamente impossível quantificá-los. No entanto, há princípios especiais que são próprios das relações familiares. Assim, no próximo tópico serão verificados alguns princípios específicos aplicáveis ao Direito de Família.

​4.1.1. Princípio do afeto

A palavra afeto, atualmente, é de suma importância nas relações familiares, por ser entendida como um valor jurídico no Direito. Esse princípio está diretamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana na medida em que o ser humano é o ponto central nas relações socioafetivas. Com base nesse princípio, é possível ao Estado reconhecer, por exemplo, os direitos das pessoas que optaram por uniões homoafetivas.

O afeto é um valor conducente ao reconhecimento da família matrimonial e da entidade familiar, constituindo não só um direito fundamental (individual e social) da pessoa de afeiçoar-se a alguém, como também um direito à integridade da natureza humana, aliado ao dever de ser leal e solidário. E, além disso, vedada está a qualquer pessoa jurídica, seja ela de direito público ou de direito privado, a interferência na comunhão de vida instituída pela família (DINIZ, 2009:19).

Uma pessoa é livre para demonstrar seu afeto a outra. Isto constitui um direito individual e social. Além disso, cabe ao Estado assegurar a cada indivíduo tal liberdade de escolha.

4.1.2.   Princípio da solidariedade familiar

A solidariedade familiar integra um princípio constitucional no sentido de se buscar uma sociedade livre, justa e solidária, conforme disposto no artigo 3º, I da CR/88. Esse princípio também aparece implicitamente ao se proteger a criança, o adolescente e o idoso, conforme artigos 226, 227 e 230 da CR/88. Logo, tal princípio representa uma preocupação com o outro.

Pereira (2012:232) assim define o princípio da solidariedade:

Um princípio jurídico norteador do Direito de Família advém da ideia que traduz uma relação de corresponsabilidade entre pessoas unidas, inclusive por um sentimento moral e social de apoio ao outro. Mais que moral, a solidariedade transforma-se em dever ético de relações humanizadoras.

Tal princípio influencia as relações familiares uma vez que entre os membros de uma família preza-se por uma mútua assistência, além de compreender a fraternidade e a reciprocidade. De acordo com esse princípio não importa o sexo das pessoas, mas a solidariedade e, consequentemente, o afeto entre elas.

4.1.3.    Princípio da proteção de crianças, adolescentes, jovens e idosos

A CR/88 em seu artigo 227 assegura a crianças, adolescentes e jovens direito à vida, à dignidade, à liberdade, ao respeito e à convivência familiar, assim como dispõe sobre as formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. A CR/88 não permite a discriminação de filhos, sendo eles concebidos no casamento ou fora dele. Por meio deste princípio objetiva-se assegurar a proteção de pessoas que necessitam de um cuidado mais atento. Hoje é comum a adoção de crianças por casais homoafetivos ou ainda a fecundação artificial com o objetivo de constituírem uma família formada por pais e filhos. 

É importante ressaltar que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90) em seus artigos 3º e 4º estabelece normas de proteção às crianças e aos adolescentes:

Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Verifica-se nesses dispositivos a prioridade e a garantia aos direitos das crianças e dos adolescentes. Além do mais, impõe à família e à sociedade o dever de assegurar todos os direitos fundamentais para atender ao melhor interesse da criança e do adolescente. Tal princípio tem como consequência orientar as decisões judiciais a serem tomadas em cada caso concreto.

Quanto ao idoso, a CR/88 em seu artigo 230 veda a discriminação em relação a ele e impõe que lhe seja assegurado a preservação da saúde, condições de bem estar e dignidade humana, participação na comunidade e prioridade na efetivação de seus direitos.


5.         A UNIÃO HOMOAFETIVA

5.1.       BREVE HISTÓRICO DA HOMOAFETIVIDADE

Neste tópico, serão apresentadas algumas questões históricas sobre a união homoafetiva as quais merecem ser pontuadas a fim de se compreender uma trajetória que culmina nos dias de hoje.

Etimologicamente, a palavra homossexualidade é um termo híbrido, pois é formada pela união dos radicais: grego e latino, sendo respectivamente homos (igual) + sexus (sexo) cujo significado é atração sexual por pessoa do mesmo sexo.

Segundo Costa (1992:11) a palavra homossexualidade adquiriu sentido pejorativo ao longo do tempo, pois se relacionava à doença ou desvio. Ao ser concebida como doença, a homossexualidade foi inserida no rol de doenças médicas e, posteriormente, foi excluída da lista pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Atualmente, a homossexualidade não é vista como doença ou distúrbio[1], pois se trata de uma forma natural de expressão da sexualidade.

Costa (1992) sugere o termo homoerotismo por descrever os desejos dos homoeróticos em sua pluralidade. Na mesma linha de pensamento, Dias (2007:1) afirma que o exercício da sexualidade não distingue vínculos afetivos. Para ela “a identidade ou diversidade do sexo do par gera espécies diversas de relacionamento”. Nessa perspectiva a autora destaca as relações homoafetivas ou heteroafetivas e não relações homossexuais ou heterossexuais.

Em relação às origens históricas da união homoafetiva, é importante ressaltar que as crenças de uma sociedade variam conforme a época. A respeito disso, Nunan (2003:24) citada por Pedro (2006:15) afirma: “[Não é correto] acreditar que os gregos antigos ou povos de outras sociedades (...) partilham de nossas convicções morais, científicas, religiosas e estéticas sobre o que é sexo (...) São realidades sócio-históricas completamente diferentes da nossa”.

Rodrigues (2004) lembra que a prática homossexual já existia entre os primatas do mesmo gênero, assim como nas civilizações antigas, casos verificados na Grécia por meio da mitologia em particular e na cultura grega da época. Os gregos acreditavam que os jovens, após doze anos, só absorveriam as virtudes de um bom cidadão se mantivessem relações sexuais com os mais velhos. Dessa forma, as relações entre pessoas do mesmo sexo tinham caráter pedagógico.

Segundo Rodrigues (2004) havia, no Império Romano, inúmeros casos de homossexualidade, envolvendo tanto imperadores quanto cidadãos comuns. Dentre os imperadores, podemos mencionar: Júlio César, Tibério, Calígula, Nero, Adriano, dentre outros.

Percebe-se, assim, que a união entre pessoas do mesmo sexo era tratada com naturalidade. Todavia, após um período cristão, passou-se a reprimir tais uniões.

Ainda segundo Rodrigues (2004), na Idade Média, período de soberania da fé cristã, foi instituída pelo Papa Gregório IX a Inquisição, que reprimia os homossexuais por meio de castigos e até mesmo pela morte. 

Com o surgimento do Renascimento, novos ideais emergem e assim a repressão aos homossexuais decai. Entretanto, mesmo sendo contrário a vários preceitos do Catolicismo Romano, o Protestantismo, no século XVI, manteve a doutrina de que o adultério e as relações homossexuais eram atividades pecaminosas.

Muitos fiéis da Igreja Católica nessa época emigram para o Protestantismo. Assim, para não perder os fiéis, a Igreja Católica envia missionários a terras distantes com o objetivo de catequizar novos povos. A catequese implicava difundir os “ensinamentos” da inquisição como, por exemplo, a proibição de práticas homoeróticas.

Avançando um pouco mais no percurso histórico, é importante lembrar o confronto entre homossexuais e policiais ocorrido em 1969 em Nova Iorque. Esse conflito representou um marco do movimento gay.

Mott (2003) verifica a importância do jornal O Lampião, o primeiro jornal gay do país, ao influenciar o movimento homossexual no Brasil. A partir desse movimento surgem grupos de defesa dos direitos dos homossexuais, tais como o Grupo Somos em São Paulo na década de 70, o Grupo Gay da Bahia em 1980, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis em 1995.

Em setembro de 2003, o Congresso Nacional aprova o Dia Nacional do Orgulho Gay e da Consciência Homossexual. Tal fato levou às ruas mais de um milhão de pessoas em São Paulo.

Assim, muitos adeptos assumem a condição homossexual observadas nas Paradas Gays. Outro fato importante foi o lançamento pelo Governo Brasileiro do programa de promoção da cidadania homossexual a fim de “proporcionar o desenvolvimento de políticas públicas para gays, lésbicas e transgêneros, no campo de combate à violência e à discriminação” (PEDRO, 2006:11).

A partir do percurso histórico, percebe-se que houve uma naturalização das uniões homoafetivas e também estigmas criados pela sociedade. Diante desse cenário, as uniões homoafetivas merecem proteção do Estado, pois representam um modo de amar e de afetividade.

No próximo tópico será abordada a contradição existente entre a ausência de lei e sua aplicação em casos concretos pelo judiciário referentes às uniões homoafetivas.


6.          DO “ARMÁRIO[2]” PARA O CAMPO JURÍDICO

Apesar da aparente mudança de mentalidade percebida em nossa sociedade, não há ainda regulamentação específica no ordenamento jurídico em relação às uniões homoafetivas. Todavia, Dias (2015:271) defende que não há impedimento para o casamento entre dois homens ou duas mulheres uma vez que há ausências de referência no ordenamento jurídico à diversidade de sexo do par. Segundo a autora (2015):

Quase intuitivamente se reconhece como família exclusivamente a relação interpessoal entre um homem e uma mulher constituída pelos sagrados laços do matrimônio. É tão arraigada essa ideia que o legislador, quando trata do casamento não se refere se seguem a diversidade de sexo do par. Assim, na ausência de vedação constitucional ou legal, não há impedimento ao casamento homossexual.

Não existir a lei não significa que não haja direito. A omissão do legislador não quer dizer que são relações que não merecem a tutela jurídica. Neste sentido, cabe ao Judiciário proferir decisões que conferem ou não direitos às relações homoafetivas.

Em suma, apesar do englobamento do conceito de família trazido pela CR/88, em seu artigo 226, ainda não há no Brasil uma legislação específica para tratar das uniões homoafetivas, como também não há leis que as proíbam, o que demonstra um Estado conservador em suas práticas. Diante da inércia do legislativo em criar leis voltadas para as uniões homoafetivas, cabe ao Poder Judiciário preencher os vazios existentes na legislação e decidir a partir de casos concretos apresentados pela jurisprudência.

Assim dispõe o artigo 4º da LINDB: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” Da mesma forma aponta o artigo 140 do NCPC: “O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”.

Com efeito, ao juiz é vedado desobrigar-se da prestação jurisdicional sob o argumento de ausência de lei.

6.1.   O RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA NO DIREITO BRASILEIRO

Atualmente, há muitas questões em torno da união homoafetiva passíveis de suscitar o interesse pelo debate entre o meio jurídico, relacionando o tema a uma prática social que carece de regulamentações no domínio jurídico. Segundo Dias (2015:28), “a ausência de leis não significa ausência de direito. O juiz tem que julgar. Precisa encontrar uma resposta dentro do sistema jurídico obedecendo os parâmetros constitucionais que veda qualquer discriminação”.

Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) expediu a resolução 175/2013[3] proibindo que qualquer autoridade recuse acesso ao casamento e à conversão da união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Ainda que o legislador tenha sido omisso quanto ao tratamento dado às uniões homoafetivas, não há possibilidade de deixá-las fora do atual conceito de família. Se duas pessoas têm vínculo afetivo, relação duradoura, pública e contínua, como se casados fossem, “formam um núcleo familiar à semelhança do casamento, independentemente do sexo a que pertencem”. (Dias, 2015:273)

A autora lembra que a única diferença entre a união estável entre homem e mulher e a união homoafetiva é a possibilidade de gerar filhos. Entretanto, tal diferença não serve de fundamento para surtir efeitos.

Em sentido diverso, Farias e Rosenvald (2008:394-395) apontam que:

Uniões homoafetivas, embora não reconhecidas como união estável, devem ser tuteladas como entidades familiares autônomas, protegidas no direito de família. O que não se pode tolerar é o seu tratamento como meras sociedades de fato, repercutindo apenas, no âmbito das relações obrigacionais (...)

Diniz (2009:376-377) assevera que a união estável não se aplica à relação entre pessoas do mesmo sexo, pois para a autora as relações homoafetivas configuram sociedade de fato.

Na mesma linha de raciocínio, Gonçalves (2010:592) aduz que  a união entre pessoas do mesmo sexo não configura uma entidade familiar.

Embora haja divergência na doutrina quanto ao afastamento ou aproximação da união homoafetiva à união estável, o Direito reconhece em âmbito administrativo alguns direitos concebidos, como os elencados por Dias (2015): pensão por morte, auxílio reclusão, pagamento de seguro DPVAT, expedição de visto de permanência para parceiro estrangeiro, inclusão do parceiro como dependente do IRRF e soma do rendimento do casal para concessão de financiamento imobiliário.

Neste ínterim, segundo preceito estabelecido por Dias (2001), famílias homoafetivas encontram respaldo no fato de que “o afeto é o elemento norteador de toda e qualquer relação familiar, especialmente as formadas por pessoas do mesmo sexo”.

Ao se levar uma demanda aos Tribunais no Brasil cuja questão envolva a união homoafetiva é estar em um circulo perverso[4]: não há uma lei, logo o juiz não pode se eximir de julgar sob a alegação de não haver lei. Dessa forma, Tal denegação afronta os direitos fundamentais. O juiz deve, portanto, buscar fundamentação jurídica que visa proteger a família homoafetiva para assegurar o direito à liberdade e à igualdade, assim como a dignidade da pessoa humana e a vedação ao preconceito.

Sabendo-se que a sociedade não é homogênea, pelo contrário, está em constante transformação, o direito não pode ficar a mercê de convicções e preconceitos de seus legisladores para que aprovem ou revoguem leis, mas, sobretudo, o direito deve acompanhar o momento social, como ativismos sociais e judiciais.

6.2. PROGRESSOS LEGAIS E JURISPRUDENCIAIS

Dias (2015:275) aponta diversos avanços jurisprudenciais em relação às uniões homoafetivas. Em 1999, a competência dos juizados especializados[5], em casos de união homoafetiva, saiu das Varas Cíveis e foi para as Varas de Família.

Em 2001, ocorre o reconhecimento da união de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar na Justiça do Rio Grande do Sul, tendo sido deferido o direito de herança ao parceiro[6].

Em 2006, por decisão unânime, o TJRS[7] deferiu “a parceira homossexual a adoção dos filhos que haviam sido adotados pela companheira” (2015:275).

Dessa maneira, a jurisprudência estabelece condutas de caráter geral. O Juiz, ao julgar um caso concreto, funciona como agente transformador da sociedade.

Maluf (2016:425-430) faz um apanhado das Propostas de Emendas à Constituição (PEC’s) e Projetos de Lei (PL) encaminhados de 1995 a 2013 com intuito de garantir os direitos das pessoas do mesmo sexo.

Em 1995, a Deputada Marta Suplicy (PT/SP) encaminha a PEC/139[8] com o objetivo de regulamentar as relações entre pessoas do mesmo sexo por meio da alteração dos artigos 3º e 7º da CR/88, regulamentando a união civil de pessoas do mesmo sexo.

O Projeto de Lei 1151/95 da Deputada Marta Suplicy visava disciplinar “a união civil entre pessoas do mesmo sexo”. Objetivava-se principalmente, a garantia dos direitos fundamentais e patrimoniais às pessoas do mesmo sexo, não tendo, entretanto, o intuito de equiparar a união homoafetiva ao casamento. Em 1997, esse Projeto foi substituído pelo PL 1151A de autoria de Roberto Jefferson, que pretendia algumas mudanças no projeto original, como alteração da união civil para parceria civil. Ressalte-se que esses projetos, após anos de tramitação, ainda não foram apreciados (MALUF, 2016).

Em 2001, O Projeto de Lei 5222, também de autoria de Roberto Jefferson, pretende destituir expressamente a orientação sexual como elemento de cunho discriminatório, podendo o estabelecimento de um pacto entre pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente. Segundo Maluf (2016) o Projeto de Lei ainda não foi incluído na pauta de votação, pois a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se opôs ao Projeto.

O Projeto de Lei 2285/2007[9] do Deputado Sergio Barradas Carneiro (PT/BA) denominado Estatuto das Famílias, contempla a proteção de diversas entidades familiares na contemporaneidade. Interessante notar que o Estatuto sintetiza regras do casamento, da união estável, da união homoafetiva – atribuindo-se, assim, a todas as entidades familiares a mesma dignidade.

O Projeto de Lei 4914/2009 do Deputado José Genuino (PT/SP) sobre união estável entre pessoas do mesmo sexo tem por finalidade conferir garantia aos direitos civis à população GLBT. O projeto não objetiva buscar um novo instituto jurídico, união ou parceria civil – mas busca a “equidade entre os direitos heterossexuais e homossexuais do ponto de vista da união estável”. (MALUF, 2016:427).

Em relação ao reconhecimento da família homoafetiva, consagra-se Maria Berenice Dias ao ampliar a definição de família no sistema jurídico, mais especificamente na Lei Maria da Penha (11340/2006), ao proteger a mulher no âmbito da violência doméstica. Para a autora “possui amparo legal a proteção da mulher, sem nenhuma exclusão fática distintiva, ou seja, sem distinguir sua orientação sexual, encontra proteção a lésbica, a travesti, a transexual que mantenha relação íntima de afeto em ambiente familiar. (DIAS, 2007:190-191)

Nesse sentido a Lei Maria da Penha representou uma inovação, pois não existia no ordenamento jurídico uma lei específica sobre a violência doméstica contra a mulher, retratando no artigo 5º da CR/88 que independe de orientação sexual. Além disso, dispõe no artigo 6º que a violência doméstica contra a mulher “constitui uma das formas de violação dos direitos humanos”. (Maluf, 2016:428 apud Ferreira, Ivete Denise).

É importante lembrar, juntamente com Dias (2006:6), que a Lei Maria da Penha (11.340/06), no seu artigo 2º, dispõe que: “toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual (...) goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana (...)”. Assim, a Lei Maria da Penha, ao criar mecanismos para coibir a violência doméstica contra a mulher abarca qualquer relação de afeto, inclusive as uniões homoafetivas como modelo de família que também se encontram sujeitas à violência doméstica.

Vale lembrar o julgamento da ADI 4277 ocorrido em 2011 perante o STF cuja argumentação recaiu sob referenciais da igualdade, não discriminação e segurança jurídica, e o resultado foi o reconhecimento da união estável entre casais do mesmo sexo como entidade familiar. Tal decisão representou um marco para o reconhecimento da família homoafetiva no Brasil.

Quanto à ADPF 132, alegou-se que o não reconhecimento da união homoafetiva contraria preceitos fundamentais como igualdade, liberdade, dignidade da pessoa humana.

Dessa forma, o STF aplica o regime jurídico das uniões estáveis, previsto no artigo 1723 do Código Civil, às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do RJ.

Foi uma decisão histórica, pois se estabeleceu uma base jurídica para uma nova legislação sobre as uniões homoafetivas. Assim, para que uma união homoafetiva fosse reconhecida juridicamente bastaria apenas seguir os ritos cartorários.

Nessa linha de pensamento Louzado (2011:271) afirma:

A equiparação das uniões homossexuais à união estável, pela analogia, implica a consideração da presença de vínculos formais e a presença de uma comunidade de vida duradoura entre os companheiros do mesmo sexo, assim como ocorre com os companheiros de sexo diferentes, valorizando sempre, e principalmente, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da isonomia, da não discriminação em virtude do sexo ou orientação sexual

Ainda em 2011, o STJ autorizou o casamento de duas mulheres no sul do país[10]. Tal decisão, conforme afirma Maluf (2016:429) “confere um precedente fortíssimo para conversão da união estável homoafetiva em casamento.

Em 2013 foi aprovada a Resolução 175 do CNJ, obrigando os cartórios de todo o país a registrar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Determina também a norma o reconhecimento da união homoafetiva como união estável.

Como não havia uma uniformidade de entendimento sobre o tema, a resolução foi de suma importância, pois unificou e consolidou a interpretação de forma nacional.

No campo religioso, em 2014, o Papa Francisco, no Sínodo Extraordinário da Família, levantou questões a serem discutidas relacionadas à igreja e à família a fim reconhecer as relações socioafetivasentre pessoas do mesmo sexo. Assim dispõe o documento no item 110 acerca das uniões entre pessoas do mesmo sexo:

Não existe nenhum fundamento para equiparar ou estabelecer analogias, mesmo remotas, entre as uniões homossexuais e o plano de Deus sobre o matrimônio e a família. [...] No entanto, os homens e as mulheres com tendências homossexuais “devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Deve evitar-se, para com eles, qualquer atitude de injusta discriminação.

Diante disso, observa-se que a legislação brasileira ainda se omite em relação às uniões homoafetivas, quando não aprovam leis ou as revogam ou ainda quando são arquivadas. Todavia, há reconhecimento do judiciário em prol das uniões homoafetivas como entidades familiares que merecem a proteção do Estado.


7. CONCLUSÃO

A família é a base da sociedade, devendo, ter, portanto, especial proteção do Estado. Hoje, uma família não é composta apenas pela união de um homem e uma mulher. A sociedade transforma-se e evolui. Esse modelo tradicional modificou-se, contemplando-se, assim, outros modelos familiares, baseados no amor e no afeto.

Ao encontro com as transformações sociais, a família passa a ser concebida pelo ordenamento jurídico como família plural, ou seja, legitima todas as formas de família, tais como: monoparentais, união estável, união homoafetiva, dentre outros modelos

Em nosso ordenamento jurídico, não há ainda regulamentação específica quanto às uniões homoafetivas. Entretanto, não há que se falar em exclusão da proteção jurídica às relações entre pessoas do mesmo sexo. Assim, em um caso concreto, não se pode fazer uma interpretação isolada, mas deve-se levar em conta pelo ordenamento jurídico os princípios que consagram a igualdade, a liberdade, a dignidade da pessoa humana, a afetividade, a solidariedade familiar, a proteção às crianças, adolescentes e idosos.

Como o objetivo específico do trabalho é averiguar o tratamento (des)igual dado às uniões homoafetivas, verifica-se que, apesar de o legislador ter sido omisso para tratar das uniões homoafetivas, também não se pode afirmar que há leis proibitivas quanto aos seus direitos.

Com o intuito de se responder às perguntas elaboradas na introdução desse estudo, fez-se necessário demonstrar os diferentes modelos de família, a importância dos princípios e um breve percurso histórico da homoafetividade, a fim de demonstrar que, mesmo havendo uma tendência de reconhecimento das uniões homoafetivas no Direito de Família, ainda há discriminação quanto às relações homoafetivas.

Importante ainda notar que, nesse contexto, o STF, para suprir a omissão do legislador, manifestou-se acerca do reconhecimento como entidade familiar das uniões homoafetivas.

Nesse sentido, as uniões homoafetivas são consideradas como famílias atuais, uma vez que há um vínculo de afeto e amor entre duas pessoas as quais mantém uma relação duradoura, pública e contínua como se casados fossem, formando, assim, um núcleo familiar, independentemente do sexo a que pertençam.  Devendo, pois, essas famílias serem amparadas por leis que garantam os seus direitos.

O legislador poderia impedir que a união homoafetiva fosse excluída do ordenamento jurídico. Todavia, ele não impediu como também não regulamentou tal situação. Diante desse cenário, a não regulamentação dos direitos decorrentes da união homoafetiva perpetua, de certa forma, a discriminação social, consequentemente, gera-se, assim, uma insegurança jurídica.  Este contexto, certamente, poderia ser minorado caso fossem adotadas normas legais que tratassem desse modelo de família em específico, para que os direitos de casais homoafetivos não fiquem à mercê da subjetividade do magistrado.


7. REFERÊNCIAS

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BRASIL. Código Civil. Código Civil Brasileiro. São Paulo: Rideel, 2015.

COSTA, Joana Darc Rodrigues. Família no século XXI: unidade na diversidade. Belo Horizonte: UFMG. Tese de doutorado, 2016.

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DIAS, Maria Berenice. União homossexual: a justiça e o preconceito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

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LOUZADO, Ana Maria Gonçalves. Evolução do conceito de família, in DIAS, Maria Berenice (coord.). Diversidade sexual e direito homoafetivo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 264-274.

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SILVA, Maria de Fátima Dias Perez. A união homoafetiva como entidade familiar. Rio de Janeiro, 2009.


Notas

[1] O Juiz Federal Waldemar Claudio de Carvalho do Distrito Federal concedeu uma liminar no dia 15.09.2017, permitindo aos psicólogos fazer terapias de “reversão sexual”, sem que sofram sanções do Conselho Federal de Psicologia. Ressalte-se que o CFP é contrário a tal medida e afirma que “representa uma violação dos direitos humanos” (www1.folha.uol.com.br/cotidiano)

[2] “A palavra “armário” é a tradução consagrada de closet, que designa o espaço, o lugar (social e psicológico) no qual são trancados os gays e as lésbicas que dissimulam a homossexualidade. Fazer seu coming out (subentendido: out of the closet), significa, portanto, cessar de se esconder.” (Rita M. Kissen. The Last Closet. The Real Life of Gay and Lesbian Teachers, Portsmouth, New Hampshire, Heinemann, 1996 apud ERIBON , Didier, 2008)

[3] Art. 1º. É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo. Art. 2º. A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis.

[4] Expressão usada por Dias (2015:273)

[5] TJRS AI 599075496 8ª C.Civ. Rel Des Breno Moreita Mussi, J. 17.06.99

[6] UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DO PATRIMÔNIO. MEAÇÃO. PARADIGMA. Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados dessas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o Judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividade retardatária. Nelas remanescem consequências semelhantes às que vigoram nas relações de afeto, buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, relevados sempre os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Desta forma, o patrimônio havido na constância do relacionamento deve ser partilhado como na união estável, paradigma supletivo onde se debruça a melhor hermenêutica. Apelação provida, em parte, por maioria, para assegurar a divisão do acervo entre os parceiros. (TJRS – AC 70001388982, 7ª C. Civ. – Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j., 14/3/2001).

[7] ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. Negaram provimento. Unânime. (TJRS – AC 70013801592 – 7ª C.Cív. – Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 5/5/2006).

[8] Arquivada em 02/02/99

[9] Dispõe sobre o Estatuto das Famílias Explicação: Revogam-se dispositivos das Leis nºs 10.406, de 2002; 5.869, de 1973; 5.478, de 1968; 6.015, de 1973; 6.515, de 1977 e 8.560, de 1992; além do Decreto-Lei nº 3.200, de 1941. Aplica dispositivos dos arts. 226 e 227 da Constituição Federal de 1988.

[10]REsp 1183378/RS. Rel Min. Luis Felipe Salomão. 4ª Turma, j. 25.10.2011. DJe, 1º.12.2012.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTILHO, Silvia de Abreu Andrade; REZENDE, Graciele Silva. União homoafetiva como modelo de família no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5420, 4 maio 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65879. Acesso em: 28 mar. 2024.