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O poder geral de efetivação das decisões judiciais

O poder geral de efetivação das decisões judiciais

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Examina-se o art. 193, IV, do CPC, que contém o poder geral de efetivação das decisões judiciais.

Os poderes-deveres do juiz no processo foram organizados e concentrados no art. 139 do CPC, que, em comparação com o CPC/1973, reduziu os poderes e ampliou os deveres.

Entre eles, está o poder geral de efetivação das decisões judiciais, previsto no art. 139, IV, do CPC, segundo o qual incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.

Decorre do princípio da efetividade do processo (art. 4º) e consiste em uma aplicação direta do princípio da atipicidade das medidas executivas, ao permitir a atipicidade dos meios para o cumprimento das decisões judiciais. O magistrado não deve apenas se preocupar em prestar a tutela cognitiva em tempo razoável, mas também em fazer cumprir a sua decisão em um prazo razoável.

Para esse fim, o CPC possibilita um número ilimitado de medidas que podem ser requeridas pelo sujeito processual interessado, ou determinadas de ofício pelo juiz, como meios para assegurar o cumprimento. Por meio desse poder-dever, o juiz pode determinar medidas executivas atípicas para conferir efetividade às suas decisões. Em outras palavras, o juiz tem o poder-dever de criar o meio executivo adequado às peculiaridades do caso.

Dessa forma, o Judiciário pode deixar de agir apenas sobre o patrimônio e atuar sobre a vontade do devedor (inclusive nas obrigações de pagar), com o objetivo de alcançar a efetividade da tutela jurisdicional.

Para esse fim, o dispositivo em exame permite a adoção de medidas:

(a) sub-rogatórias, consistentes na atuação direta do Judiciário no lugar do devedor, com um resultado idêntico ao que seria alcançado com o cumprimento voluntário deste (ex: busca e apreensão do bem móvel, imissão na posse do bem imóvel);

(b) coercitivas, que têm o fim de coagir o próprio obrigado ao cumprimento da obrigação, sob pena de aplicação de uma sanção (ex: a fixação de multa, periódica ou não, pelo descumprimento da decisão, ou a prisão civil do devedor de obrigação de pagar prestação alimentícia);

(c) indutivas, que têm o fim de fazer com que o próprio obrigado cumpra a obrigação, mediante o oferecimento e uma vantagem a ele em virtude do cumprimento voluntário, razão pela qual se afirma que é uma “sanção premial” (ex: redução em 50% dos honorários de sucumbência pelo pagamento da dívida no prazo de 3 dias, na execução de título executivo extrajudicial de obrigação de pagar);

(d) e mandamentais, consistentes em ordens diretas para cumprimento, vinculadas a uma medida de coerção indireta (ex: o cumprimento da decisão sob pena da prática de crime de desobediência, ou o cumprimento definitivo da sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, no prazo de 15 dias, sob pena de multa de 10% e honorários de 10%).

Todas elas são medidas substitutivas da vontade do destinatário da decisão judicial, para assegurar a sua efetividade. Apenas nas medidas sub-rogatórias não há nenhuma participação do devedor, mas em todas as outras ele participa de forma não voluntária, ou seja, ainda que contra a sua vontade.

Por exemplo, com fundamento no art. 139, IV, do CPC, o juiz pode proibir o devedor de firmar novos contratos enquanto não pagar o contrato objeto de execução, ou determinar a suspensão de seu cartão de crédito ou do passaporte. Ainda, se não for localizado o automóvel dado como garantia do contrato, o juiz pode determinar a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação do devedor.  Afirma-se também que o devedor de tributos pode ser proibido de participar de concursos públicos, considerando que a pessoa jurídica pode sofrer a sanção de proibição de contratar com o poder público, quando devedora de tributos. Não se pode, porém, determinar o pagamento sob pena de prisão, o que, como visto, é autorizado apenas para o devedor da obrigação de prestar alimentos.

A parte final do inciso IV do art. 139 do CPC destaca que a atipicidade das medidas executivas também se aplica ao cumprimento de obrigação de pagar, ou seja, a penhora deixou de ser o único meio permitido para a efetivação das decisões judiciais condenatórias em prestação pecuniária. Logo, por exemplo, além da multa de 10% prevista no art. 523, § 1º, do CPC (medida mandamental), o juiz pode fixar uma outra multa, diária ou em periodicidade diversa, se o devedor persistir no descumprimento (medida coercitiva. 

Recorda-se ainda que as decisões judiciais possuem meios típicos de cumprimento, que variam de acordo com a obrigação: a penhora no cumprimento da obrigação de pagar, a busca e apreensão no cumprimento da obrigação de entrega de coisa, a multa no cumprimento das obrigações de fazer e de não fazer. Por isso, afirma-se que o inciso IV do art. 139 do CPC permite a atipicidade das medidas executivas. Porém, ressalta-se que essas medidas atípicas (como a cominação de multa diária) são subsidiárias e só podem ser utilizadas após o esgotamento das medidas típicas. Em outras palavras, primeiro devem ser aplicadas as medidas típicas e, apenas no insucesso destas, ser utilizadas as medidas atípicas, com liberdade de escolha para o juiz e o credor, diante do duplo descumprimento da obrigação pelo devedor (voluntariamente e após a tentativa do meio típico).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. O poder geral de efetivação das decisões judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5785, 4 maio 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65947. Acesso em: 29 mar. 2024.