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Decreto nº 5.392

requisição ou intervenção?

Decreto nº 5.392: requisição ou intervenção?

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No dia 10 de março de 2005, o Presidente da República editou o Decreto nº 5.392, que declarou estado de calamidade pública no setor hospitalar do Sistema Único de Saúde no Município do Rio de Janeiro.

1.Considerações preliminares

Este texto procura analisar o referido Decreto e suas conseqüências, privilegiando a perspectiva jurídica. Os fatos e posicionamentos que envolvem o assunto já foram amplamente divulgados, e serão tratados apenas episodicamente, quando necessário.


2.O Decreto nº 5.392

No dia 10 de março de 2005, o Presidente da República editou o Decreto nº 5.392, que declarou estado de calamidade pública no setor hospitalar do Sistema Único de Saúde no Município do Rio de Janeiro.

O Decreto apresenta três elementos principais:

a)declaração de estado de calamidade pública no setor hospitalar do Sistema Único de Saúde no Município do Rio de Janeiro, com a possibilidade de compras emergenciais com dispensa de licitação e contratação temporária de pessoal sem concurso público;

b) requisição, para atender ao estado de calamidade pública, de quatro hospitais federais municipalizados e dois hospitais municipais, incluindo respectivos bens, serviços e servidores; e

c) desabilitação da gestão plena do sistema de saúde municipal, passando a referida gestão para a responsabilidade do Estado do Rio de Janeiro.

A análise desses três elementos nos permitirá compreender os fundamentos e as conseqüências jurídicas do Decreto. A ordem dos mesmos foi invertida de modo a permitir a sua melhor compreensão.


3.A Requisição

Sobre a requisição, assim dispõe o Decreto:

Art. 2º Enquanto perdurar o estado de calamidade referido no art 1º, ficam requisitados, nos termos do art. 15, inciso XIII, da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, pelo Ministro de Estado da Saúde, os bens, serviços e servidores afetos aos seguintes hospitais:

I - Hospital da Lagoa - CNPJ nº 03875022000193;

II - Hospital Municipal do Andaraí - CNPJ nº 03875072000170;

III - Hospital Geral de Jacarepaguá (Hospital Cardoso Fontes) - CNPJ nº 03389886000103;

IV - Hospital Geral de Ipanema - CNPJ nº 03875087000139;

V - Hospital Municipal Souza Aguiar - CNPJ nº 29468055000293;

VI - Hospital Municipal Miguel Couto - CNPJ nº 29468055000374.

§ 1º Se necessário, o Ministério da Saúde poderá também requisitar outros serviços de saúde públicos e privados disponíveis, com vistas ao restabelecimento da normalidade dos atendimentos.

§ 2º O Ministro de Estado da Saúde poderá requisitar, ainda, todos os recursos financeiros afetos à gestão de serviços e ações que se fizerem necessárias aos hospitais a que se refere este artigo.

A requisição está prevista no art. 5º, inciso XXV da Constituição Federal:

XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;

No âmbito do Sistema Único de Saúde, a requisição é disciplinada pela Lei nº 8.080/90:

Art. 15. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito administrativo, as seguintes atribuições:

(...)

XIII - para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização;

Trata-se de uma modalidade de restrição ao direito de propriedade, aparentada com a desapropriação. Suas bases são o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado e a função social da propriedade. Está presente no direito nacional desde o século XIX, através de lei aprovada em 1826. Foi incluída no Código Civil de 1916 e, desde 1934, está presente em todas as Constituições Federais.

Durante todo esse período, a requisição sempre foi definida, pelos textos legais, pela doutrina e pela jurisprudência, como aplicável apenas à propriedade particular. É um entendimento unânime, sem contestação até o momento. Sua extensão para os bens e serviços públicos jamais havia sido cogitada, quanto mais, é óbvio, praticada.

A razão para tal exclusão, pelo menos no atual quadro constitucional, é a de que a requisição de bens públicos implicaria na utilização de propriedade de outros entes federados, o que caracterizaria uma violação dos princípios federativo e da autonomia, em particular da autonomia municipal. Esses princípios estão inscritos na Constituição como essenciais ao Estado Democrático de Direito.

Em vista disso, somente é prevista a requisição de bens e serviços públicos no Estado de Defesa, medida excepcional que só pode ser decretada pelo Presidente da República em casos gravíssimos, com prazo limitado (trinta dias prorrogáveis por igual período) e com submissão imediata à aprovação do Congresso Nacional.

É certo que o Decreto não faz referência ao dispositivo constitucional, fundamentando a requisição aplicada na Lei 8.080, que apenas o reproduz, sem incluir o termo particular. Mas é claro que isso, por si só, não implica em alargamento ou alteração do que estabelece a Lei Maior.

Entretanto, a União, através da Advocacia Geral da União, entende de forma diversa, conforme alegado em sua manifestação referente ao Mandado de Segurança nº 25.295, impetrado pela Prefeitura contra o Decreto, impugnando, em particular, a requisição dos hospitais municipais:

A norma constitucional suscitada não comporta exegese exclusivamente literal, mas, sim, teleológica, visando aferir concomitantemente a mens legis genérica e a medida exata de sua aplicação fática.

Ou seja, a exegese do dispositivo constitucional deve ser no sentido de que se até mesmo a propriedade privada, que se encontra amplamente amparada e protegida pela Carta Política, pode ser requisitada pela Administração, com mais sentido estará a possibilidade de requisição de um bem público, cuja finalidade é, sem qualquer questionamento, servir à população. Neste ponto não há como tergiversar (ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, 2005, p. 30/31).

A "exegese teleológica" sustentada pela AGU significa que devemos interpretar o dispositivo constitucional priorizando seu espírito e sua finalidade, em detrimento de seu estrito sentido literal. Este método é realmente um dos principais utilizados na interpretação de textos legais, mas deve ser aplicado com limites e moderação.

As palavras inscritas na Constituição não são supérfluas, têm sentido e função definidos. Apesar disso, em determinadas situações, com os cuidados devidos, a utilização de tal mecanismo pode propiciar modificações no sentido das palavras inscritas nos dispositivos legais.

A tese da União é a seguinte: uma vez que o objetivo da requisição é "servir à população", o que significaria, no caso concreto,

(...) tutelar os direitos fundamentais de segunda geração da população que se encontravam a mercê do caos instalado nos hospitais que ora foram requisitados (ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, 2005, p. 30).

a expressão propriedade particular, definida pela Constituição, deveria passar a compreender também os bens e serviços públicos que, por definição, devem "servir à população". Os direitos fundamentais referidos se concretizam no direito à saúde, definido nos arts. 6º e 196 da Carta Constitucional, este último elencado como fundamento pelo Decreto.

Há uma falha grave nessa argumentação, à primeira vista aparentemente sedutora. Afinal, quem poderia ser contra "servir à população", de forma a garantir o cumprimento de seus "direitos fundamentais"?

O problema é que somente se pode proceder tal tipo de modificação de sentido, através de interpretação teleológica, em último caso, apenas se não existir meio menos drástico ou prejudicial a valores considerados essenciais. Ora, esse "alargamento" do sentido da requisição implicaria obrigatoriamente e imediatamente na violação dos princípios federativo e da autonomia municipal, que estão fundados, dentro diversos outros, no art. 1º da Constituição, e são protegidos inclusive através da definição como "cláusulas pétreas", ou seja, imodificáveis. Vale lembrar que em nenhum momento a manifestação da AGU trata dessa questão.

O que precisamos verificar é se efetivamente o Decreto, e por conseguinte a alteração do sentido do texto constitucional, era a única alternativa, e se a agressão aos valores atingidos não causou prejuízo superior aos pretendidos benefícios.

Do ponto de vista jurídico, a definição do real sentido da expressão propriedade particular estabelecida pela Constituição é questão decisiva para se determinar a constitucionalidade ou não do Decreto, como veremos adiante.


4.O Estado de Calamidade Pública

Para avançarmos na compreensão do assunto, precisamos analisar outro elemento do Decreto, a declaração de estado de calamidade pública no setor hospitalar do Sistema Único de Saúde no Município do Rio de Janeiro.

Assim dispõe o Decreto:

Art. 1º É declarado estado de calamidade pública no setor hospitalar do Sistema Único de Saúde no Município do Rio de Janeiro.

Suas conseqüências são, além da requisição,

a)a autorização para a realização de compras com dispensa de licitação;

b) a autorização para a contratação temporária de pessoal sem necessidade de concurso público.

A primeira conseqüência está referida pelo art. 3º do Decreto:

Art. 3º Para fins do disposto no art. 2º, fica o Ministério da Saúde autorizado a promover compras emergenciais de equipamentos, medicamentos, insumos e suprimentos, observado o disposto na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

e é ordenada pelo art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/93:

Art. 24. É dispensável a licitação:

(...)

IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;

É importante lembrar que esta possibilidade sempre se colocou como muito atraente aos administradores públicos, ansiosos, muitas vezes, por se desembaraçarem das restrições impostas pela Lei de Licitações e Contratos (8.666/93). Devido às inúmeras tentativas, de administradores que atuam todas as esferas, de utilização indevida desta "liberdade", a definição precisa do que é emergência e calamidade pública tornou-se objeto da atenção dos operadores do direito, gerando expressiva doutrina sobre o assunto.

Calamidade é sinônimo de desastre ou infortúnio, podendo ter causas naturais (enchentes, terremotos, secas, etc.) ou causas humanas (atos terroristas, negligência ou imperícia na operação de barragens ou sistemas de energia, etc.). Trata-se de uma situação que gera conseqüências jurídicas, dentre as quais a possibilidade do administrador responsável por minimizar seus efeitos atuar com a rapidez e agilidade necessárias à gravidade da situação, liberto de algumas restrições impostas pela legislação.

É comum a expressão calamidade pública estar acompanhada do termo emergência, o que evidencia uma outra característica fundamental: a imprevisibilidade.

Correa de Araújo estabelece duas condições para a configuração do estado de calamidade pública, passível de enquadramento no disposto no art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/93, sendo que

A segunda diz respeito à imprevisibilidade da situação dentro de um quadro de mediana percepção pelo administrador (Correa de Araújo apud PEREIRA JÚNIOR, 1999, p. 173).

Outro requisito é que o próprio administrador não tenha concorrido, mesmo que parcialmente, para a consumação da situação de emergência ou calamidade pública. Isto porque,

Na prática, a situação de ‘emergência’ muitas vezes decorre da falta de planejamento administrativo ou de previsão para necessidades perfeitamente previsíveis (Correa de Araújo apud PEREIRA JÚNIOR, 1999, p. 172).

Também Gasparini aponta, no mesmo sentido:

Assim, não é de emergência real a situação que deve ser resolvida de imediato (...), quando já se tinha conhecimento muito tempo antes. Nesta hipótese diz-se que a emergência é ficta ou fabricada. Em tais casos, há negligência, não urgência. Apesar disso, contrata-se e, pela negligência, responderá a autoridade omissiva (Gasparini apud PEREIRA JÚNIOR, 1999, p. 173).

Mais uma vez, com Silva Filho:

(...) nos casos previstos no inciso IV do artigo 24 da Lei 8.666/93 (...), é preciso esclarecer que na emergência ou calamidade pública não se trata de decisão subjetiva do gestor, mas sim de situação concreta, imprevista, inesperada, que fuja da rotina, resultante de motivo de força maior, incontrolável.

Assim não pode o Administrador se escusar na sua própria torpeza para "criar" emergências a qualquer momento. Inaceitável que, pela inoperância, desfuncionalismo e falta de investimentos em determinados setores por um considerável período de tempo e que vem a culminar com situações cada vez mais agravantes, o Administrador determine, a seu arbítrio, a configuração da emergência e, logo após, contrate sem promover licitação. Permitir tal comportamento é dar azo a que uma ilegalidade passe a justificar outra (SILVA FILHO, 2005).

E, finalmente, a determinação expressa do Tribunal de Contas da União, na Decisão 347/94:

(...) são pressupostos da aplicação do caso de dispensa preconizado no art. 24, inciso IV, da mesma Lei:

a.1) que a situação adversa, dada como de emergência ou de calamidade pública, não se tenha originado, total ou parcialmente, da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos disponíveis, ou seja, que ela não possa, em alguma medida, ser atribuída à culpa ou dolo do agente público que tinha o dever de agir para prevenir a ocorrência de tal situação (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 1994).

Ou seja, se o administrador público, mesmo que de forma parcial, teve responsabilidade na ocorrência da emergência ou calamidade pública ou se, pelo menos, poderia, "dentro de um quadro de mediana percepção", ter previsto tal ocorrência, não fica caracterizado, juridicamente, o estado de calamidade pública, para fins de compras com dispensa de licitação. Para o atendimento às necessidades emergenciais da população, as compras deverão ser efetuadas, mas "pela negligência, responderá a autoridade omissiva".

É fácil verificar, no caso concreto da crise da saúde no Município do Rio de Janeiro que, em primeiro lugar, a situação era totalmente previsível, tendo sido objeto de análise não só por todos os órgãos responsáveis pela gestão do SUS, incluindo o próprio Ministério da Saúde, e tratada cotidianamente pela imprensa, há muitos meses. Durante a campanha eleitoral da eleição municipal ocorrida em outubro de 2004, foi um dos principais temas.

Em segundo lugar, e principalmente, o Ministério da Saúde é um dos responsáveis pela atual situação emergencial ou, se preferirmos, de estado de calamidade pública, ao lado da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro e da Secretaria Estadual de Saúde.

A responsabilidade e a previsibilidade também ficam evidenciadas quando se analisa o processo de municipalização de várias unidades de saúde federais, através de convênios entre o Ministério da Saúde e a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Há vários anos, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro vem procurando obter o reajuste dos recursos que, por força de tais convênios, são repassados pela União ao Município, sendo que as negociações nesse sentido se aceleraram desde o início de 2004. Em março de 2005, alguns dias antes do Decreto, o Ministério da Saúde reconheceu uma dívida com o Município, referente às unidades municipalizadas, de cerca de R$ 192,6 milhões.

Não interessa aqui avaliar a justeza da pretensão do Município ou as razões de cada uma das partes. O certo é que o próprio Ministério, ao reconhecer uma dívida expressiva, assumiu parte da responsabilidade pela carência de recursos humanos e materiais nas diversas unidades municipalizadas, que constituem segmento essencial da rede de saúde da cidade e região metropolitana.

Isso sem falar nas graves deficiências da rede hospitalar federal localizada no Município do Rio de Janeiro, como por exemplo o fechamento dos setores de emergência dos Hospitais dos Servidores e Universitário Clementino Fraga Filho (da UFRJ), os cerca de quinhentos leitos desativados no Hospital dos Servidores e as longas filas para realização de cirurgias no Instituto de Traumato-ortopedia e no Instituto Nacional de Câncer.

Fica evidente, por conseguinte, que a crise no Sistema Único de Saúde no Município do Rio de Janeiro era totalmente previsível e que a União concorreu de forma contundente para sua agudização.

A segunda conseqüência da declaração do estado de calamidade pública é a autorização para a contratação temporária de pessoal sem concurso público, assim definida pelo Decreto:

Art. 5º No período em que perdurar o estado de calamidade, fica autorizado o Ministério da Saúde, nos termos do art. 2º, inciso I, da Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, a promover a contratação temporária de pessoal, em caráter excepcional, com vistas a suprir as necessidades dos hospitais a que se refere o art. 2º, observadas as disposições legais pertinentes.

A referida lei assim dispõe:

Art. 2º Considera-se necessidade temporária de excepcional interesse público:

I - assistência a situações de calamidade pública;

(...)

Art. 4º As contratações serão feitas por tempo determinado, observados os seguintes prazos máximos (Redação dada pela Lei nº 10.667, de 2003):

I – seis meses, nos casos dos incisos I e II do art. 2º;

A base constitucional está estabelecida no art. 37, inciso IX:

Art. 37. (...)

(...)

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

Toda a argumentação aplicada à compra com dispensa de licitação pode ser igualmente estendida para a contratação sem concurso, pelo que não trataremos mais detalhadamente do assunto.


5.A Desabilitação

O terceiro elemento importante é a desabilitação, apresentada pelo Decreto da seguinte forma:

Art. 4º O Município do Rio de Janeiro, a partir da publicação deste Decreto, fica desabilitado da gestão plena do sistema de saúde municipal, passando a referida gestão para a responsabilidade do Estado do Rio de Janeiro.

O município do Rio de Janeiro foi habilitado na gestão plena do Sistema Único de Saúde, por meio da Portaria nº 3 de 5 de janeiro de 1999, do Ministério da Saúde, com base na Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde NOB-SUS 01/96, formalizada através da Portaria nº 2.203 de 5 de novembro de 1996.

A Norma Operacional da Assistência à Saúde - Noas-Sus 01/2001, formalizada através da Portaria nº 95, de 26 de Janeiro de 2001, assim regulamenta a desabilitação:

53 - Cabe à Comissão Intergestores Bipartite Estadual a desabilitação dos municípios, que deverá ser homologada pela Comissão Intergestores Tripartite.

(...)

56 - Os municípios habilitados na gestão Plena do Sistema Municipal serão desabilitados quando:

A - não cumprirem as responsabilidades definidas para a gestão Plena do Sistema Municipal; ou

B - se enquadrarem na situação de desabilitação prevista no Item 54 - Capítulo III desta Norma; ou

C - não cumprirem Termo de Compromisso para Garantia do Acesso.

Aqui o único ponto relevante a ressaltar é a desnecessária utilização de Decreto do Presidente da República para tal ato.

O Ministério da Saúde, caso entendesse necessário, poderia propor, na Comissão Bipartite do Estado do Rio de Janeiro a desabilitação, que já tinha parecer favorável do Conselho Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, em decisão de janeiro deste ano. Se o órgão preferisse não aguardar a conclusão deste processo, ainda que sumário, bastaria uma mera Portaria ministerial para formalizar a desabilitação. E isto porque todo o arcabouço jurídico que configura o processo de habilitação e desabilitação de Estados e Municípios quanto à gestão do SUS foi construído por meio de Portarias do Ministério da Saúde.

Aparentemente, portanto, a inclusão deste elemento no Decreto visou, apenas, ampliar a dramaticidade do ato presidencial.


Conclusões

Nossa primeira conclusão é de que a crise no Sistema Único de Saúde no Município do Rio de Janeiro era e é real, mas não apresenta os pressupostos jurídicos para a declaração de estado de calamidade pública, visto que não se configurou a imprevisibilidade, além do que a autoridade responsável, o Ministério da Saúde, representando a União, concorreu de forma expressiva para a sua deflagração.

Por conseguinte, sem a fundamentação da calamidade pública, queda sem base a requisição de bens e serviços públicos do Município que, como demonstrado, é claramente inconstitucional, somente podendo ser aplicada durante a excepcionalidade do Estado de Defesa.

Todavia, alguém poderia argüir que, apesar de juridicamente frágil, e independentemente de a quem caiba a responsabilidade, a requisição dos hospitais municipais e municipalizados era efetivamente necessária, devido à referida crise e à ameaça à saúde dos cidadãos, valor maior que deveria ser preservado. Assim, se justificaria a interpretação teleológica defendida pela AGU, e o sentido do texto constitucional, apesar de se referir apenas à propriedade particular, deveria ser ampliado para abranger também os bens e serviços públicos.

Lembremos que, ao se aceitar tal hipótese, teríamos como conseqüência a violação de outro valor relevante, a autonomia municipal, princípio essencial ao nosso Estado Democrático de Direito, nos termos da Constituição de 88.

Temos aqui uma circunstância em que se contrapõem dois valores constitucionais relevantes, o direito à saúde e o princípio da autonomia municipal, e aparentemente a priorização de um nos levaria obrigatoriamente a atentar contra o outro. Em tais situações, devemos analisar de forma minuciosa o caso concreto, e ponderar, diante dele, os referidos valores, de forma a identificar se a solução adotada é a melhor, e se é aceitável juridicamente.

Para tanto, deve-se utilizar o chamado princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, que, como nos ensina o professor Luís Roberto Barroso, consiste na aplicação sucessiva de três critérios, que são:

(...) (a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; (b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingimento dos fins visados; e (c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido, para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos (BARROSO, 2001, p.223/4).

Assim, devem ser feitas três perguntas, correspondentes aos critérios referidos, sempre que nos colocamos diante de casos como o que está em estudo. Caso a resposta seja negativa em qualquer delas, a solução proposta deverá ser rejeitada.

A primeira pergunta é: existe adequação da solução ao problema, ou seja, a solução proposta resolve o problema? Se não resolver, não há porque avançar para as demais questões, e tal proposta deve ser de pronto eliminada.

A segunda pergunta é: a solução atende ao critério da necessidade, ou seja, ela é necessária, não existindo outra solução também adequada mas menos danosa? Se existir outra solução com menos conseqüências negativas, aquela proposta inicialmente considerada deverá ser portanto rejeitada.

E finalmente, a terceira pergunta é: mesmo sendo tal solução adequada, mesmo sendo a que causa menos prejuízos aos valores em questão, ela é proporcional ou razoável, ou seja, vale a pena, os benefícios que proporciona são superiores aos danos que causa? Se a solução a princípio adotada, mesmo sendo adequada, mesmo sendo a menos danosa, trouxer mais ônus do que bônus, não deve ser aceita.

Apliquemos pois estas perguntas à nossa situação.

1) As medidas propostas no Decreto são adequadas, solucionando, pelo menos quanto às suas conseqüências mais imediatas, a crise no Sistema Único de Saúde no Município do Rio de Janeiro? Embora acreditemos que não, vamos aceitar que existe tal possibilidade, visto que não pudemos ainda avaliar seus efeitos concretos, respondendo, portanto, de forma positiva a este quesito.

2) Considerando que tais medidas são adequadas, elas são necessárias, inexistindo forma menos danosa do que o citado Decreto para implantá-las? Aqui devemos responder com segurança de forma negativa. Mesmo que consideremos, por hipótese, as ações definidas pelo Decreto como adequadas e eficazes, elas poderiam ser implementadas sem a expedição de ato tão agressivo e violador da autonomia do Município do Rio de Janeiro como é o Decreto do Presidente da República.

Revisemos as medidas concretas decorrentes do Decreto:

a)Desabilitação do Município do Rio de Janeiro quanto à Gestão Plena do Sistema Único de Saúde: já demonstramos que tal medida poderia ser concretizada por mera portaria do Ministério da Saúde;

b)Requisição dos Hospitais Federais Municipalizados (Lagoa, Andaraí, Jacarepaguá e Ipanema): estes hospitais foram transferidos para o Município por termos de cessão firmados pelo Ministério da Saúde. Ora, o Município queria desde o início devolve-los à União, bastando por conseguinte que o Ministério da Saúde informasse ao Município seu interesse em tê-los de volta. Se não objetivasse uma retomada definitiva, o Ministério poderia suspender temporariamente a cessão dos mesmos. Antes que alguém diga que tais soluções apresentam deficiências jurídicas, o que é possível, já que não dispomos da íntegra dos termos de cessão, temos absoluta certeza de que a criatividade jurídica que produziu o Decreto encontraria as devidas soluções, com facilidade.

c)Requisição dos Hospitais Municipais (Miguel Couto e Souza Aguiar): aqui, efetivamente, não há nenhum meio juridicamente viável que permita à União assumir a gestão dessas unidades. Aliás, nem o Decreto.

d)Como medida adicional, mas que foi apresentada como uma das soluções para o chamado estado de calamidade pública, temos a instalação dos Hospitais de Campanha das Forças Armadas: sua utilização poderia ser feita a qualquer tempo, sem a necessidade do Decreto, desde que o Ministério o solicitasse ao Ministério da Defesa.

Desta forma, podemos concluir que todas as ações desenvolvidas pela União, com a coordenação do Ministério da Saúde, para enfrentar o declarado estado de calamidade pública, poderiam ser efetivadas sem a expedição do Decreto, com exceção da requisição dos dois hospitais municipais.

É evidente que a exclusão desses dois hospitais não significaria redução expressiva no impacto das referidas ações, sempre na hipótese de que as mesmas se mostrem eficazes. Até porque poderia ser compensada com ações que incrementassem a produção e a disponibilidade de leitos e serviços de emergência nos hospitais federais ainda sob controle do Ministério da Saúde, como já exposto.

Desnecessário, como podemos constatar, aplicar a terceira pergunta, para rejeitar a solução expressa pelo Decreto.

Nossa segunda conclusão, em conseqüência, é de que a expedição do Decreto desrespeitou o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, sendo totalmente dispensável para a aplicação das ações que o Ministério entendeu imperativas, já que as mesmas poderiam ter sido realizadas por meios que não agrediriam a autonomia municipal. A eficácia ou não de tais ações é irrelevante.

Nossa terceira conclusão, que decorre das anteriores, é de que não cabe a proposta de interpretação teleológica defendida pela AGU; devendo o instituto da requisição permanecer restrito à propriedade particular, como sempre esteve e como estabelece com clareza nossa Constituição Federal. É insofismável que a inclusão de bens e serviços públicos violentaria o princípio da autonomia municipal e o princípio federativo, motivo pelo qual a Carta Magna reserva tal hipótese para o Estado de Defesa, por natureza excepcional e restritíssimo.

Cabe finalmente avaliar qual a real natureza do Decreto. Ele é inconstitucional por determinar requisição de bens e serviços públicos, declara estado de calamidade pública sem respeitar os requisitos legais necessários para tanto e, além de tudo, é desnecessário, já que suas medidas poderiam ser realizadas por outros atos não viciados de inconstitucionalidade e ilegalidade.

Acima de tudo, ele tem uma essência que, após a análise de seus elementos, fica desnudada e permite que apresentemos nossa quarta conclusão: o Decreto nº 5.392, ao contrário de resultar na mera requisição de bens e serviços do Município do Rio de Janeiro, representa verdadeira intervenção da União, do Governo Federal portanto, em órgãos públicos municipais.

Tal intervenção se caracteriza pela subtração dos hospitais mencionados no Decreto à órbita de gestão da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Dentre os efeitos decorrentes, temos a quebra da hierarquia que preside a relação entre os servidores e seus superiores. O sistema hierárquico é uma das notas distintivas da Administração Pública, como nos ensina Carvalho Filho:

Do sistema hierárquico na Administração decorrem alguns efeitos específicos. O primeiro consiste no poder de comando de agentes superiores sobre outros hierarquicamente inferiores. Estes, a seu turno, têm dever de obediência para com aqueles, cabendo-lhes executar as tarefas em conformidade com as determinações superiores (CARVALHO FILHO, 2002, p.49).

Ora, a partir do momento em que a União se apodera dos hospitais, passam seus prepostos a exercer o comando sobre os servidores que neles atuam, exigindo-lhes o correspondente dever de obediência. Embora o discurso dos representantes do Ministério da Saúde seja de que não interferem na gerência das unidades, atuando apenas no sentido de agregar recursos materiais e humanos indispensáveis ao seu funcionamento, é evidente que tal atuação, exercida sem prévia autorização de seus gestores e da Secretaria Municipal de Saúde, e sem que os mesmos lhe possam opor resistência, caracteriza o efetivo exercício do comando, até porque o próprio Decreto determina a requisição dos "bens, serviços e servidores" referentes àqueles hospitais.

Aliás, é como intervenção que o Decreto tem sido tratado pela imprensa, e como interventores os agentes que assumiram os hospitais. E é do que realmente se trata.

E, sendo assim, é uma situação de extrema gravidade. A Constituição da República veda explicitamente e de forma cabal qualquer intervenção da União em Municípios, e só permite, conforme seu art. 34, a intervenção da União em Estados em casos muito específicos e determinados, dentre os quais, como que por ironia, assegurar a observância do princípio constitucional da autonomia municipal!

Mesmo nos casos permitidos, a cautela em utilizar o instrumento da intervenção deve ser extrema, já que é um ato excepcional cujo abuso pode colocar em risco nossa frágil democracia em construção. Os alertas quanto a esse perigo sempre são reiterados pela doutrina. Como um em muitos exemplos, temos Simões Filho:

A Magna Carta estipula severos pressupostos materiais (ou eventos fáticos) e formais para sequer se cogitar de interferência tão visceral no basilar princípio da autonomia local e, sem rígida tipificação desses quesitos, a situação não se encartando, taxativamente, no figurino constitucional, há é abuso ou desvio de poder, a ser obviado pelo Poder Judiciário (SIMÕES FILHO, 2005).

(...)

A intervenção federal nos Estados (ou a estadual, nos Municípios), sendo de extrema excepcionalidade, requer toda cautela e avaliação fora de projetos localizados de poder, sectários, ou fora de circunstanciamentos emocionais (SIMÕES FILHO, 2005).

(...)

Sendo exceção, a intervenção federal impõe interpretação restritiva, vinculada ao rigor histórico dessa medida no texto fundamental brasileiro, não se admitindo entendimento simplificado, nem podem seus fundamentos, ou pressupostos, tanto materiais como formais, receber caracterização incerta, ao sabor de preferências ou variações de vontade pessoal; ao contrário exigem identificação taxativa, absolutamente tipificada, em cada hipótese de intervenção, sob pena de contrafação da Federação e de banalizar-se um instituto que se destina a preservar a Federação, quando sob demonstrado risco de destruição, não assim a unidade federada, em si mesma (SIMÕES FILHO, 2005).

Ao nos debruçarmos sobre os fatos que analisamos, percebemos claramente a seriedade de suas conseqüências. Estão em jogo os fundamentos do Estado de Direito, que aparece cristalino na definição de Novais:

Estado de Direito será, então, o Estado vinculado e limitado juridicamente em ordem à protecção, garantia e realização efectiva dos direitos fundamentais, que surgem como indisponíveis perante os detentores do poder e o próprio Estado (NOVAIS, 1987, p. 17).

A sua construção foi baseada na limitação dos atos arbitrários de um poder sem legitimidade nem compromisso com o interesse geral. E, para proteção da cidadania diante do poder, foi erigido o princípio da legalidade, apresentado em toda a sua profundidade pelo professor Celso Antônio Bandeira de Mello:

O princípio da legalidade, no Brasil, significa que a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina.

Ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize (MELLO, 1999, p. 63).

(...)

Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedece-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro (MELLO, 1999, p. 59/60).

(...)

No Brasil, o princípio da legalidade, além de assentar-se na própria estrutura do Estado de Direito e, pois, do sistema constitucional como um todo, está radicado especificamente nos arts. 5º, II, 37 e 84, IV, da Constituição Federal. Estes dispositivos atribuem ao princípio em causa uma compostura muito estrita e rigorosa, não deixando válvula para que o Executivo se evada de seus grilhões. É, aliás, o que convém a um país de tão acentuada tradição autocrática, despótica, na qual o Poder Executivo, abertamente ou através de expedientes pueris – cuja pretensa juridicidade não iludiria sequer a um principiante – viola de modo sistemático direitos e liberdades públicas e tripudia à vontade sobre a repartição de poderes (MELLO, 1999, p. 60/61).

Acrescentamos que a intervenção atinge também os hospitais federais municipalizados, visto que estavam sob gestão do Município, legitimada por termos de cessão firmados pelo Ministério da Saúde, os quais não foram denunciados nem suspensos pela União.

Nossa quinta conclusão é que, ao praticar violenta e arbitrária intervenção no Município do Rio de Janeiro através de Decreto inconstitucional, a União atentou contra as bases do Sistema Único de Saúde, pondo em risco essa construção de cunho essencialmente democrático e que visa garantir o direito à saúde para todos os cidadãos. Ao contrário do que apregoam seus representantes, o Governo Federal colocou em risco todo um sistema baseado no reconhecimento da autonomia dos entes federados e da participação popular, por meio de uma medida de força totalmente desnecessária e de eficácia altamente duvidosa.

Depois que a União realizou tal intervenção, quem intervirá na União para impedir a consumação dessa violência? Somente o Poder Judiciário, através do Supremo Tribunal Federal, guardião primeiro da Lei Maior, poderá coibir este ato arbitrário, antidemocrático e violador do Estado de Direito.

Entendemos que todos aqueles realmente preocupados com a implantação efetiva e definitiva do Sistema Único de Saúde devem refletir sobre a gravidade deste ato, e tentar extrair desse momento lições que nos permitam avançar na consolidação do Estado Democrático de Direito.


Fontes de Consulta

ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. INFORMAÇÕES No AGU/RA- 03/2005. Disponível em https://www.agu.gov.br/upload/docs/spc/INTER_BRASILIA/Mandado25295DF.pdf , acessado em 17/04/05.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo, Editora Saraiva, 2001.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, Lumen Juris Editora, 2002.

NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma Teoria do Estado de Direito: do Estado de Direito liberal ao Estado social e democrático de Direito. Coimbra, Livraria Almedina, 1987.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 11ª. ed. São Paulo, Malheiros Editores, 1999.

PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública (Lei nº 8.666/93, com a redação da Lei nº 8.883/94). 4ª. ed. Rio de Janeiro, Renovar, 1997.

SIMÕES FILHO, Geraldo Vieira. Intervenção Federal: mito e verdade. Disponível em http://www.npj.ufes.br/Banco_de_dados/Produ%C3%A7%C3%A3o_intelectual/Interven%C3%A7%C3%A3o%20federal.htm , acessado em 12/04/2005.

SILVA FILHO, Emiliano José da. Contra a dispensa de licitação em obras da prefeitura de Salvador. Disponível em http://www.emilianojose.com.br/texto_quem_processos5.htm , acessado em 17/04/05.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Decisão 347/1994 – Plenário: Consulta formulada pelo Ministério dos Transportes sobre a caracterização genérica dos casos de emergência ou de calamidade pública, para que se proceda a dispensa de licitação. 1994. Disponível em https://contas.tcu.gov.br/portaltextual/PesquisaFormulario , acessado em 17/04/05.


DECRETO Nº 5.392 DE 10 DE MARÇO DE 2005

Declara estado de calamidade pública no setor hospitalar do Sistema Único de Saúde no Município do Rio de Janeiro, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, alínea "a", da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 196 da Constituição, e

Considerando a deficiência das ações e serviços de saúde no município do Rio de Janeiro e a situação dramática a que se chegou, com notório prejuízo do atendimento na rede hospitalar e das unidades do serviço de saúde, com grave risco para a própria preservação da vida humana,

Considerando que o Estado do Rio de Janeiro está habilitado na gestão plena do sistema de saúde, de acordo com a Norma Operacional de Assistência nº 01/2002,

Considerando a necessidade de ações para atendimento emergencial na área de saúde daquela localidade,

Considerando, finalmente, que tal conjuntura impõe ao Governo Federal a adoção de medidas urgentes e especiais;

DECRETA:

Art. 1º É declarado estado de calamidade pública no setor hospitalar do Sistema Único de Saúde no Município do Rio de Janeiro.

Art. 2º Enquanto perdurar o estado de calamidade referido no art 1º, ficam requisitados, nos termos do art. 15, inciso XIII, da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, pelo Ministro de Estado da Saúde, os bens, serviços e servidores afetos aos seguintes hospitais:

I - Hospital da Lagoa - CNPJ nº 03875022000193;

II - Hospital Municipal do Andaraí - CNPJ nº 03875072000170;

III - Hospital Geral de Jacarepaguá (Hospital Cardoso Fontes) - CNPJ nº 03389886000103;

IV - Hospital Geral de Ipanema - CNPJ nº 03875087000139;

V - Hospital Municipal Souza Aguiar - CNPJ nº 29468055000293;

VI - Hospital Municipal Miguel Couto - CNPJ nº 29468055000374.

§ 1º Se necessário, o Ministério da Saúde poderá também requisitar outros serviços de saúde públicos e privados disponíveis, com vistas ao restabelecimento da normalidade dos atendimentos.

§ 2º O Ministro de Estado da Saúde poderá requisitar, ainda, todos os recursos financeiros afetos à gestão de serviços e ações que se fizerem necessárias aos hospitais a que se refere este artigo.

Art. 3º Para fins do disposto no art. 2º, fica o Ministério da Saúde autorizado a promover compras emergenciais de equipamentos, medicamentos, insumos e suprimentos, observado o disposto na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

Art. 4º O Município do Rio de Janeiro, a partir da publicação deste Decreto, fica desabilitado da gestão plena do sistema de saúde municipal, passando a referida gestão para a responsabilidade do Estado do Rio de Janeiro.

Art. 5º No período em que perdurar o estado de calamidade, fica autorizado o Ministério da Saúde, nos termos do art. 2º, inciso I, da Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, a promover a contratação temporária de pessoal, em caráter excepcional, com vistas a suprir as necessidades dos hospitais a que se refere o art. 2º, observadas as disposições legais pertinentes.

Art. 6º - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 10 de março de 2005; 184º da Independência e 117º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Humberto Sérgio Costa Lima



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Luiz César Moretzsohn. Decreto nº 5.392: requisição ou intervenção?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 660, 27 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6635. Acesso em: 6 maio 2024.