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A Polícia do Senado Federal

A Polícia do Senado Federal

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O artigo traz uma descrição sucinta do que vem a ser a Polícia do Senado Federal, de sua previsão legal, origem, deveres e poderes, bem como do papel que a mesma deve ocupar para garantir a independência dos poderes e a manutenção da democracia.

Sumário: 1. Introdução; 2. A previsão legal; 3. Origens da polícia no legislativo; 4. O Poder de Polícia; 5. A polícia e a política; 6. Classificação da polícia; 6.1. Polícia Administrativa; 6.2. Polícia Judiciária; 6.3. Polícia Eclética ou Mista; 6.4. A classificação da Polícia do Senado; 7. Áreas de Atuação da Polícia do Senado; 7.1. Proteção de Dignitários; 7.2. Proteção ao Patrimônio do Senado Federal; 7.3. Investigação e Inquérito; 7.4. Inteligência; 8. A atuação da polícia e os Direitos Humanos; 9. Conclusão; 10. Notas; 11. Referências.


Resumo

A figura da Policia Legislativa já está prevista em nossa legislação desde a constituição do Império, porém a criação da Polícia do Senado Federal provocou nos meios policiais e jurídicos brasileiros várias indagações sobre a legalidade de sua criação e de suas ações e sobre seu real papel na democracia brasileira.

Este artigo procura demonstrar que é importante para a independência dos poderes a existência de polícias próprias no Poder Legislativo. Visa também abrir o debate sobre essa nova instituição, permitindo assim contribuições para o aprimoramento dessa nova força policial.


1. Introdução

Criada recentemente, a Polícia do Senado Federal ainda é desconhecida para a maioria dos brasileiros e mesmo dentro do Congresso Nacional. Sua importância ainda não foi de todo compreendida, restando ainda muitas dúvidas sobre seu funcionamento, suas atribuições e poderes.

Em uma "casa política", como o Senado Federal, geralmente a polícia é vista com ressalvas, pois se acredita que política e polícia são coisas totalmente incompatíveis. No Brasil, esse pensamento foi reforçado, durante o período de ditadura, pelo uso de forças policiais para o controle político dos cidadãos e dos próprios parlamentares. Porém, apesar dessa aparente dicotomia, as duas palavras têm a mesma origem etimológica, a palavra grega polis, que significa "cidade" e de sua derivação politeia que significa "governo ou administração de uma cidade". Em latim ganhou a grafia politia, derivando então para o português com o vernáculo polícia. Essa proximidade entre os vernáculos política e polícia se mostra claramente na Idade Média, onde o Alcaide1 tinha a dupla função de administrar a cidade e dar proteção e segurança à comunidade, ou seja, a ele cabia a administração política da cidade e o policiamento da mesma.

No cenário político, esta ligação ganha muita importância, pois a polícia é uma operadora da política de governo, ou seja, é um braço do poder, mais comumente do Poder Executivo, podendo assumir, em certos casos, um poder político tão forte quanto o do próprio governo.

Em uma democracia como o Brasil, pressupõe-se uma divisão clara dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Cada um desses poderes tem sua função na manutenção da democracia, devendo exercê-la sem interferências de outro poder. Ora, as polícias existentes no Brasil, em sua maioria, fazem parte da estrutura do Poder Executivo, e desta constatação vem o questionamento: É possível a polícia manter a neutralidade com respeito às ações do governo?

O presente artigo é uma descrição sucinta do que vem a ser a Polícia do Senado Federal, de sua previsão legal, origem, deveres e poderes, bem como do papel que a mesma deve ocupar para garantir a independência dos poderes e a manutenção da democracia. Também discorre sobre as questões da história da instituição policial, sua classificação e missão na sociedade.


2. A previsão legal

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 52, XIII, prevê que "compete privativamente ao Senado Federal... dispor sobre sua polícia". Com base nesta previsão legal o Senado Federal regulamentou, em 05 de dezembro de 2002, através da resolução nº 59/2002, a Polícia do Senado Federal.

A previsão para a criação de uma polícia exclusiva para uma casa legislativa pode parecer uma inovação da Constituição Federal de 1988, porém uma análise mais profunda mostra que tal previsão já se encontra presente em nossa primeira constituição, a Constituição Política do Império do Brazil (25 de Março de 1824), quando trata do Poder Legislativo, em seu art. 21, citando a "polícia interior", tal previsão se repete em todas as outras constituições brasileiras, como podemos ver:

- Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1891), art. 18, parágrafo único, "A cada uma das Câmaras compete:... regular o serviço de sua polícia interna".

- Constituição de 1934, art. 91, VI, "Compete ao Senado Federal:... regular a sua própria polícia".

- Constituição de 1937, art. 41, "A cada uma das Câmaras compete:... regular o serviço de sua polícia interna".

- Constituição de 1946, art. 40 – "A cada uma das Câmaras compete dispor, em Regimento interno, sobre sua... , polícia",

- Constituição de 1967, art. 32, "a cada uma das Câmaras compete dispor, em Regimento Interno, sobre... sua polícia".

Quanto a atuação das polícias do Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal, quando questionado sobre a validade de prisão efetuada nas dependências do Senado Federal, reconheceu em sua súmula 397 de 03/04/1964 que: "O Poder de Polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito".

Como se pode observar, a Resolução 59/2002 do Senado Federal, veio apenas regulamentar uma necessidade vislumbrada há muito tempo por nossos constituintes.


3. Origens da polícia no legislativo

As origens da polícia legislativa remontam à Roma clássica, quando já existia uma separação dos poderes, cada qual com suas respectivas polícias. Tal estrutura tinha a finalidade de preservar a independência dos poderes, sobretudo do Senado, que era formado pela nobreza da época e não podia confiar a segurança de seus membros a guardas leais ao imperador. Desta forma ao mesmo tempo em que o Senado mantinha sua Guarda Senatorial, o Imperador possuía o controle e a lealdade da Guarda Pretoriana que funcionava como uma equipe de guarda-costas treinados especialmente para defender e proteger os chefes do Estado romano.

Existia também a figura do Exército Romano, uma das mais importantes instituições daquele império, que tinha como função a defesa do Estado e ser o sustentáculo do poder do imperador, porém, apesar dessa condição de destaque o Exército Romano não tinha autorização para entrar na cidade de Roma.

No Brasil, a primeira polícia nasceu em 1530 por ordem de D. João III, que outorgou a Martins Afonso de Souza uma carta régia para estabelecer, entre outras coisas, a organização de ordem pública. Naquela época, os policiais encontravam-se subordinados a várias autoridades, inclusive ao Senado e à Câmara; desta forma, apesar de não possuir uma polícia própria, o Senado tinha ascendência sobre a polícia e dispunha do apoio dos quadrilheiros2 no policiamento interno e no cumprimento das determinações dos senadores. Com a chegada de D. João VI ao Brasil e a criação da Intendência Geral da Polícia da Corte e Estado do Brasil3, em 1808, o Senado perdeu sua ascendência direta sobre a polícia e passou a contar apenas com o apoio de policiais da Corte na sua segurança.

As mudanças na segurança do Senado se mantiveram estáveis por muitos anos, a presença da polícia na casa era vista apenas como em função da segurança patrimonial, a visão de proteção do Poder, da instituição Senado Federal não existia. O conceito de segurança dentro do Senado Federal evoluiu lentamente, inicialmente a Casa possuía apenas um serviço de vigilância, que não era especializado e se restringia a controlar o acesso à Casa e resguardar o seu patrimônio, a segurança pessoal dos senadores não era de responsabilidade da Casa, mas de seguranças particulares dos senadores ou de policiais requisitados ou destacados para esta missão.

Com o fim do regime militar e o fortalecimento da democracia, o Congresso Nacional passou a ser um grande fórum de debates, diversos parlamentares e projetos ganharam destaque e despertaram as atenções da mídia e do povo. A Constituição de 1988 ampliou a participação popular na vida política nacional e, desta forma, criou novas demandas para a segurança do Congresso e dos parlamentares. O Senado passou a contar então com um serviço de segurança formado por servidores da Casa e por policiais requisitados de outros órgãos. Porém, apesar da previsão legal, as ações de segurança não eram exercidas por policiais pertencentes ao quadro de servidores da Casa.

Em 1991, foi realizado concurso público para preencher vagas no Serviço de Segurança do Senado – esse foi o primeiro passo para a criação da atual Polícia do Senado. A maioria dos aprovados no concurso citado era formada por detentores de diploma de curso superior, com formação em diversas áreas, tal fato propiciou um amadurecimento da questão "segurança" no Senado Federal, a pluralidade de formações acadêmicas contribuiu para o surgimento de debates internos sobre a estrutura e os procedimentos de segurança, criando assim a necessidade de mudanças e permitindo o início de um processo de modernização. Buscando a profissionalização dos quadros da segurança do Senado, diversos cursos foram ministrados e todo pessoal treinado para melhor servir aos objetivos da Casa.

Com a publicação da Resolução do Senado Federal nº 59/2002 os policiais requisitados foram devolvidos aos seus órgãos de origem e, atualmente, a segurança da Casa e dos parlamentares é exercida exclusivamente por agentes de polícia do Senado Federal.


4. O poder de polícia

O professor Luiz de Oliveira AMARAL define o policial como "um profissional do Direito" (2003, p. 14) e, como tal, sua formação deve refletir esta verdade, para que, no exercício de sua formação o policial possa servir ao cidadão e ao Estado da melhor forma possível. Para que este objetivo seja alcançado, é mister que o conceito de poder de polícia seja compreendido em sua plenitude pois no exercício deste poder o policial caminha sobre uma tênue linha que o separa de um lado da boa aplicação da lei e do outro o abuso de autoridade e, conseqüentemente, do crime.

MAX WEBER afirmava: "o Estado..., reivindica com sucesso por sua própria conta o monopólio da violência física legítima". Essa reivindicação é materializada na polícia, que tem poderes outorgados pelo Estado para impedir, mediante o uso de força física, quando necessário, que outra pessoa utilize o recurso da violência, ou seja, ao Estado pertence o monopólio da violência. Tal prerrogativa não deve ser entendida como uma licença para que os governantes se utilizem da polícia para cometer atrocidades e intimidar a população, e sim como uma ferramenta do estado na manutenção da ordem pública e na garantia dos direitos individuais, sempre dentro de limites legais e em consonância com os direitos humanos. Em resumo, o papel da polícia é tratar dos problemas da sociedade quando sua solução necessite ou possa necessitar do emprego da força.

A definição do que vem a ser poder de polícia não é fácil, por ser matéria abstrata e ampla, que se estende pelos mais diversos campos da vida em sociedade. Mais simples é verificar se um caso em particular se enquadra naquele poder, do que chegar a uma conceituação satisfatória sobre o assunto.

A dificuldade em conceituar o poder de polícia é tratada por CRETELLA JÚNIOR (1999, p. 7) com bastante propriedade:

...concorre para dificultar o assunto, a dualidade reconhecida de concepções a respeito existentes, distinguindo-se a chamada concepção européia continental, bem distinta da concepção norte-americana.

E continua:

Na França, por exemplo, predomina a idéia de proteção imediata da ordem pública, resolvendo-se, pois, a ação policial, em atividade administrativa assecuratória daquela ordem, no sentido de ordem exterior dos fatos, mais que do Direito, pois o conceito de ordem pública, referente aos limites da atividade jurídica dos indivíduos é noção distinta. Esta ordem pública, por exemplo, existe sobre o direito privado, limitando a liberdade de contratar, especialmente em certas esferas (trabalho, serviços públicos). Não é esta a ordem pública que se refere a polícia administrativa.

Sobre o conceito norte-americano CRETELLA JÚNIOR acrescenta:

Nos Estados Unidos, o poder de polícia tem considerável extensão, não se limitando à segurança pessoal contra as vias de Direito, nem à salubridade e moralidade públicas, mas compreendendo também os meios protetores da condição econômica e social dos indivíduos no fomento do bem-estar da comunidade e na regulamentação da vida econômica.

Em sua obra Derecho Administrativo (12 ed., 1968, p. 456), GABINO FRAGA define:

o poder de polícia do Estado é entendido, dentro do direito positivo de muitos países, como o conjunto de atribuições que lhe correspondem para promover o bem-estar por meio de restrições e regulamentações dos direitos do indivíduo, de tal forma que possam prevenir-se ou acautelar-se das conseqüências prejudiciais que sua disposição, em termos absolutos acarretaria para a vida em comum.

José CRETELLA JÚNIOR (1999, pp. 3 e 4) comenta:

...poder de polícia e polícia são palavras que traduzem duas noções relacionadas e interpretáveis, inconfundíveis, porque o poder de polícia é o pressuposto ou antecedente lógico da polícia,... Abstrato, o poder de polícia concretiza-se na polícia, força organizada visível, cuja ação se faz sentir no mundo e no mundo jurídico.

E, após ponderar sobre a dificuldade de conceituar o poder de polícia e de considerar as definições de diversos juristas do direito administrativo, concluiu:

O poder de polícia é a causa, o fundamento; a polícia é sua conseqüência. O poder de polícia é algo in potentia, traduzindo in actu, pela ação policial. Poder de polícia é a faculdade discricionária da administração de, dentro da lei, limitar a liberdade individual em prol do interesse coletivo.

Hely Lopes MEIRELLES (1972, pp. 287-288) nos ensina que:

Poder de polícia é a faculdade discricionária de que dispõe a Administração Pública em geral, para condicionar e restringir o uso e gozo de bens ou direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.

E continua:

podemos dizer que: o poder de polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública, para deter os abusos do direito individual. Por esse mecanismo, que faz parte de toda Administração, o Estado (em sentido amplo: União, Estados e Municípios) detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social e à segurança nacional.

O poder de polícia é fundamentado na norma constitucional e nas normas de ordem pública, onde estão definidas expressamente ou implicitamente faculdades para a autoridade pública fiscalizar, controlar e restringir o uso de bens ou exercício de direitos e atividades individuais em benefício da coletividade e a cada restrição de direito individual corresponde equivalente poder de polícia administrativa à Administração Pública, para torná-la efetiva e fazê-la obedecida, isto porque a razão da existência do poder de polícia é o interesse social.

Neste sentido, o do benefício da coletividade, o regimento interno do Senado Federal, bem como diversos atos administrativos da Casa, impõem normas e restrições que cabem à Polícia do Senado fazer cumprir. Como exemplo podemos citar: prover a segurança dos Senadores (Regimento Interno do Senado Federal Art. 9º, II e V); restrição ao acesso e circulação pela Casa e plenários (Regimento Interno do Senado Federal Art. 182 a 185, Ato da Comissão Diretora nº 9/99); fazer cumprir as normas de comportamento durante as sessões (Regimento Interno do Senado Federal Art. 184, Parágrafo único, Resolução do SF nº 94/92) e evitar que pessoas acessem à Casa armadas sem a devida autorização (Regimento Interno do Senado Federal Art. 184, RSF 59/2002, Art. 3º).

A Polícia do Senado Federal também é responsável pelo atendimento às ocorrências policiais registradas nas dependências da Casa e de promover investigações que levem ao esclarecimento dos fatos. É também de sua competência manter um serviço de inteligência capaz de obter, analisar e disseminar informações que possam ter influência sobre o processo decisório ou afetar a segurança da Casa ou de seus membros e servidores (RSF 59/2002, Art. 2º, VII).

Todas estas atribuições eram limitadas, ou mesmo impedidas, pela não regulamentação do poder de polícia no Senado Federal. Assim, a Resolução do Senado Federal nº 59/2003, que regulamentou a Polícia do Senado, foi um grande avanço para as ações de segurança no legislativo, já que fundamenta legalmente a atuação dos policiais do Senado, principalmente no que diz respeito à segurança física do Exmo. Senhor Presidente e dos Srs. Senadores, e, como esses dão suporte para a democracia e federalismo brasileiros, pode-se afirmar, em última análise, que a polícia do Senado Federal também é responsável pela manutenção do Estado democrático.


5. A polícia e a política

Desde a criação das primeiras forças policiais, a política tem feito parte do cotidiano das polícias e das ações policiais, sendo muitas vezes, orientadas de acordo com interesses políticos. Neste sentido, Paul CHEVIGNY (1995, p. 119) afirmou que "a política, no sentido mais exato, tem feito parte da polícia, como a polícia tem feito parte da política".

A existência de influência política nas ações policiais, apesar de ser freqüentemente negada, ainda é muito visível no Brasil. Casos de espionagem, prisões, investigações não oficiais, entre outras ações, são noticiados com freqüência, pela imprensa nacional, como casos de ação policial comandada politicamente.

A interferência política nas polícias é mais nítida nos estados e tem origem no início da República. Com a queda do Império do Brasil, em 1889, grande parte dos poderes centralizados do governo foi transferida para os recém criados estados, entre estes a competência para legislar sobre segurança pública. O governo republicano, em seu primeiro ato legislativo (Dec. nº 01, art. 8º), autorizou aos governos locais, isto é, aos governadores, legislarem sobre a matéria. Esta autorização seria ampliada posteriormente com a promulgação do primeiro texto constitucional republicano.

Sob a República, muitos governos locais aumentaram seu poder com o aperfeiçoamento da polícia estadual. Desta forma restringiam cada vez mais o poder dos senhores rurais e aumentavam seu próprio poder. O raciocínio era de que uma polícia local forte permitiria a quebra da influência política das oligarquias locais e o controle sobre a agitação operária. Em São Paulo, o governador Tibiriçá (1904 – 1908) tinha em mente proteger o estado das investidas do Governo Federal e, em 1906, contratou uma consultoria francesa para treinar sua polícia, tinha em mente criar uma polícia forte capaz de enfrentar, se fosse o caso, tropas federais.

O conflito de interesses entre o Governo Federal e os estados permanece até hoje, e o Congresso Nacional, em particular o Senado Federal, é palco de diversas disputas políticas entres os estados e entre estes e o Governo Federal.

O domínio da polícia é tão importante para os políticos que, nas últimas eleições para governador, em Brasília (2002), houve uma polarização entre dois candidatos ao governo do Distrito Federal, onde um conseguiu o apoio da Polícia Civil do Distrito Federal e o outro o apoio da Polícia Militar. Ocorreram brigas entre integrantes das duas corporações, prisões e acusações mútuas. Tal fato foi amplamente divulgado pela impressa nacional, em particular pelo jornal Correio Brasiliense, que publicou uma série de reportagens sobre o assunto.

O que se vê é que as forças policiais, que não deveriam ceder a pressões de qualquer natureza ou a interesses diversos, acabam renunciando à sua independência em prol das benesses conseguidas, pelas corporações ou por membros destas, em virtude do relacionamento com a máquina política. Por outro lado, a máquina política se beneficia da lealdade da polícia para manter seu próprio poder sobre a oposição e sobre os indisciplinados. James RICHARDSON (1974, p. 46) em um estudo sobre a polícia urbana nos Estados Unidos afirma:

quem quer que dominasse a polícia dispunha de uma fonte importante de clientelismo; podia controlar a entrada em negócios ilegais e seu funcionamento... [tinha controle sobre] negócios lícitos sujeitos à regulamentação pública, como bares, e tinha importante vantagem nas eleições.

O trabalho policial, por essência, deveria ser totalmente isento e desprovido de conteúdo político, porém essa inegável proximidade da polícia com a política nos leva à uma reflexão sobre a independência dos poderes e a manutenção da democracia. Pode uma polícia, pertencente a um determinado Poder, ser totalmente independente com relação a outro Poder?

As polícias no Brasil, com exceção das Polícias do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, são todas ligadas hierarquicamente ao Poder Executivo e desse recebem os policiais seus vencimentos, fazem carreira, tem assistência médica, aposentadoria e todas vantagens oferecidas ao servidor público, do Poder Executivo recebem suas ordens e a ele prestam contas.

A dependência e a subordinação das polícias ao Poder Executivo pode produzir alguns entraves à atuação de outro Poder. Como exemplo temos o relacionamento conturbado entre as polícias e o Poder Judiciário e entre aqueles e o Ministério Público. A chamada "Polícia Judiciária" não possui nenhuma subordinação funcional, administrativa ou disciplinar com o Poder Judiciário, porém, deve concorrer para a Justiça, quando da apuração das infrações penais e sua autoria, no auxílio nas medidas cautelares e de jurisdição administrativa, contudo nem sempre tal função é cumprida com a harmonia necessária, gerando, de parte a parte, reclamações quanto a essa atuação conjunta. O Ministério Público, por outro lado, trava uma guerra árdua com as polícias judiciárias, buscando questionar a competência exclusiva da polícia de conduzir os inquéritos policiais.

Outro fator que deve ser considerado é a interferência estrangeira nos órgãos policiais brasileiros. Tal interferência é notória e, diga-se de passagem, é prática corriqueira de diversos países a ajuda às polícias de outros países em troca de facilidades e de informações.

Os Estados Unidos da América utilizam a ajuda às forças policiais de outros países como parte de sua política externa. Esta forma de cooperação, através do fornecimento de equipamentos e treinamento de policiais, nada mais é do que uma forma de doutrinar e moldar as forças policiais segundo o pensamento do país colaborador e de coletar informações importantes para os interesses daquele país.

Como já comentamos em 1906, o governo de São Paulo contratou consultores franceses para treinar sua polícia. Esses consultores, porém, não vieram ao Brasil apenas com a missão de profissionalizar a polícia paulista, mas também de conter a influência alemã na América Latina e ganhar influência política e ideológica no Brasil, assegurando para a França uma posição privilegiada no comércio com o Brasil.

O fortalecimento da polícia do Estado de São Paulo causou diversos conflitos à época. Os policiais da cidade de São Paulo se revoltaram por estarem sendo desprezados pelo governo estadual. O poder da força pública estadual aumentava de tal forma que causou desconforto nas forças armadas que viram seu papel na proteção da unidade federativa ameaçada. Na década de 1920 a polícia do estado de São Paulo contava com aproximadamente 14.000 homens e o Exército dispunha de apenas 5.675 homens, além disso, a remuneração dos oficiais da Força Pública estadual era melhor, que a de oficiais do Exército (HUGGINS, 1998, pp. 42 e 43).

Atualmente, as polícias do Brasil têm como seu principal parceiro órgãos policiais americanos, que promovem cursos aqui e no exterior, fornecem equipamentos e dinheiro para o pagamento dos gastos das missões efetuadas. Essa parceria tem produzido frutos no combate ao crime organizado e à lavagem de dinheiro em nosso país e, de fato, a natureza global da lavagem de dinheiro requer padrões globais e cooperação internacional para reduzir a capacidade dos criminosos lavarem seus rendimentos e conduzirem suas atividades criminosas. Somente a cooperação internacional vigorosa e prolongada pode colocar em xeque os lavadores de dinheiro.

Os esforços antilavagem de dinheiro, que são projetados para evitar ou limitar a capacidade de criminosos utilizarem ganhos obtidos de forma ilegal, são componentes eficazes e fundamentais de programas de combate ao crime. Porém, tal associação não é isenta de críticas. As revistas Isto é (nº 1551, 23/06/1999 e nº 1729, 21/11/2002) e Carta Capital (nº 205, de 04/09/2002) fazem denúncias de que o DEA (Drug Enforcement Administration), órgão do governo americano de combate ao narcotráfico e a CIA (Central Inteligence Agency), órgão de inteligência do governo americano, atuaram livremente no Brasil, protegidos pelo manto da cooperação policial. Estes órgãos policiais americanos, segundo as denuncias das revistas, têm promovido ações de espionagem, inclusive com gravações de conversas telefônicas do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, e recrutamento e cooptação de agentes policiais brasileiros. Submetendo-os ao teste do polígrafo para determinar quais são os mais suscetíveis aos objetivos americanos.

O uso da estrutura policial, para fins políticos, é fato que também ocorre em terras norte-americanas. Ficou célebre o caso de John Edgar Hoover (1895-1972) que esteve à frente do FBI (Federal Bureau of Investigation), a Polícia Federal norte-americana, por 48 anos e a transformou numa das mais importantes organizações policiais do mundo. Porém, grande parte do poder conseguido por Hoover foi devido a utilização que fazia das prerrogativas policiais para criar e manter arquivos implacáveis contra inimigos ou potenciais adversários.

Considerando todos esses fatores, entende-se a preocupação dos constituintes em possibilitar, às Câmaras do Poder Legislativo, a criação de suas próprias polícias. Uma polícia leal aos objetivos da Casa, não influenciável por questões políticas externas à Casa e com independência financeira com relação a outro Poder.

Neste sentido, a Polícia do Senado Federal ocupa um papel de destaque na proteção dos Senadores e servidores da Casa, na proteção de suas dependências e de seu patrimônio, e na garantia de isenção nas investigações de fatos ocorridos no Senado Federal. Apesar da Casa vivenciar a política diariamente, as ações da Polícia do Senado não estão sujeitas a pressões políticas externas ao Senado Federal. Seus agentes, todos pertencentes ao quadro efetivo do Senado Federal, podem desenvolver suas ações sem a preocupação de pressões ou represálias de outro Poder.


6. Classificação da polícia

As polícias no Brasil são mais comumente divididas em polícia administrativa e polícia judiciária. Tal divisão provém do modelo francês. Em 1667, quando da separação dos poderes naquele país, houve a separação da Justiça e da Polícia, surgindo assim a necessidade de distinção da polícia em dois ramos denominados: polícia administrativa e polícia judiciária. Essa separação ocorreu efetivamente em 1791, através da Assembléia Nacional Francesa, porém, tais princípios sobre a legislação policial surgiram com a Revolução Francesa em 1789.

No Brasil, a influência francesa chegou em 1831, com a publicação da Lei nº 261, de 3 de dezembro e com o Regulamento nº 120, de 31 de janeiro de 1842, que tratava sobre a execução policial e criminal, versando sobre a polícia administrativa e polícia judiciária, ficando a Polícia judiciária com a função de auxiliar a Justiça na busca da verdade real e de sua autoria, desta forma, agindo a posteriori, isto é, depois que a segurança foi violada e a boa ordem perturbada; enquanto que a polícia administrativa ficou com a função preventiva, agindo a priori, para evitar a infração. Para MENDES DE ALMEIDA, "A polícia administrativa informa; a polícia judiciária prova" (1973, p. 60). No entendimento do professor CRETELLA JÚNIOR, a polícia brasileira acumula sucessivamente a função de polícia administrativa e de polícia judiciária, desta forma deveria receber a denominação de polícia mista.

O professor Hely Lopes MEIRELES exemplifica assim a distinção entre a atuação da polícia administrativa e da judiciária: "quando a autoridade apreende uma carta de motorista por infração de trânsito, pratica ato de polícia administrativa, quando prende o motorista por infração penal, pratica ato de polícia judiciária" (1972, p. 298).

6.1. Polícia Administrativa

Também denominada polícia preventiva, a polícia administrativa tem como objetivo impedir as infrações das leis e sustentar a ordem pública. Sua atuação deve evitar o cometimento dos crimes.

O campo de atuação da polícia administrativa é extremamente amplo. A natureza dinâmica do homem o faz exercer as mais diversas atividades, com características bem peculiares. Tal liberdade de atuação e de expressão produz uma dinâmica nos ramos de atuação da polícia administrativa. À medida que tal liberdade possa atingir direitos de outras pessoas, violar leis e normas ou comprometer a ordem pública, faz-se necessário a intervenção da polícia administrativa.

A Lei 3 Brumário (Código dos Direitos e das Penas), em seu artigo 19, já definia:

A polícia administrativa tem por objeto a manutenção habitual da ordem pública em cada lugar e em cada parte da Administração Geral. Tende, principalmente, a prevenir os delitos.

A função de polícia administrativa pressupõe uma atuação imprevisível, pois é impossível determinar de qual recurso lançará mão o homem para cometer um delito. Assim, a atuação da polícia administrativa não deve ser limitada por uma legislação que pretendesse regular de antemão todos os atos da polícia. Essa liberdade de atuação é discricionária, porém, não é absoluta, pois é limitada pelo respeito às leis e aos direitos e garantias assegurados expressamente pela legislação. Tais limites não devem ser transpostos sem que haja uma verdadeira necessidade.

Dentro da polícia administrativa existe o ramo da polícia de segurança, que se confunde com o próprio conceito de polícia administrativa, pois é a essência da polícia por excelência, tem ela "por objeto a execução das leis e regulamento que disciplinam imediatamente a liberdade individual e coletiva". (VILLEGAS BASA, Derecho Administrativo, 1954, vol. V, p. 345).

...a polícia de segurança age "contra os eventos que ameaçam a vida, a liberdade, a propriedade; assegura aos súditos de todo ataque violento e ilícito à pessoa, honra, direitos, patrimônio; garante tanto a existência de todo o Estado, quanto a ordem pública e a segurança geral das pessoas e propriedade dos cidadãos. (RANELLETTI, La polizia di sicurezza, em Primo Tratado de ORLANDO, Vol. IV, parte 1ª, p. 301).

6.2. Polícia Judiciária

A Polícia Judiciária, também conhecida como polícia repressiva, funciona como auxiliar do Poder Judiciário na procura de provas dos crimes e contravenções e na busca por seus autores. Tal caráter a torna essencialmente repressiva. Segundo a Lei de Brumário4, Art. 20:

...a polícia judiciária investiga os delitos que a polícia administrativa não conseguiu evitar que se cometesse, reúne as respectivas provas e entrega os autores aos tribunais encarregados pela lei de puni-los.

A polícia judiciária tem por fim efetuar a investigação dos crimes e descobrir os seus agentes, procedendo à instrução preparatória dos respectivos processos e organizar a prevenção da criminalidade, especialmente da criminalidade habitual.

Na legislação brasileira, o exercício das atribuições judiciárias da polícia está previsto e disciplinado no Código de Processo Penal, nos arts. 4º e 23, que dizem respeito ao Inquérito Policial5.

6.3. Polícia Eclética ou Mista

Além das polícias administrativa e judiciária existe também a polícia eclética, ou mista, que exerce simultaneamente as funções preventiva e repressiva. A polícia brasileira se encaixa nesta definição pois um mesmo órgão acumula as duas funções.

Em seu tratado, CAVALCANTI acredita que esta divisão não corresponde à realidade: "a divisão embora aceita pela generalidade dos autores, merece ser criticada porque, dificilmente, será possível estabelecer uma distinção perfeita entre as duas categorias de polícia. A verdade é que mesmo dentro de determinada manifestação do poder de polícia, a medida pode revestir-se ou de um caráter administrativo, ou puramente policial, quer sua finalidade seja a tranqüilidade pública, quer o cumprimento de um regulamento administrativo. A classificação interessa, por conseguinte, mais à natureza da medida, do que propriamente à esfera dentro da qual deve agir a autoridade". (CAVALCANTI, 1956, pp. 10-11).

A prática ensina que a distinção entre Polícia Judiciária e Polícia Administrativa é delicada, passando muitas vezes, um agente, durante a sua atuação, da função de Polícia Administrativa para a de Polícia Judiciária.

6.4. A Classificação da Polícia do Senado

A Polícia do Senado é essencialmente eclética, visto que desempenha as funções de polícia administrativa, de segurança física das instalações do Senado Federal e de proteção aos senadores, e tem, entre suas prerrogativas, as funções de "investigação e de inquérito" (Resolução do Senado Federal nº 59/2002, art. 2º, IX), quando de fato ocorrido nas dependências sob a responsabilidade do Senado Federal.

A fundamentação jurídica para a atuação da Polícia do Senado Federal na função de Polícia Judiciária, além texto legal já analisado (Constituição Federal de 1988, art. 52, XIII, súmula do Supremo Tribunal Federal nº 397/1964 e Resolução do Senado Federal nº 59/2002, Art. 2º, IX), se encontra também definida no Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941), art. 4º, onde, em nova redação dada pela Lei nº 9.043, de 09/05/1995, temos que "A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria" desta forma a Polícia do Senado assume a função de Polícia Judiciária quando de crimes ocorridos em suas dependências, cabendo a ela a investigação e a instauração do inquérito policial.


7. Áreas de atuação da Polícia do Senado

A Polícia do Senado Federal tem por finalidade a proteção à integridade física dos Senhores Senadores, de autoridades brasileiras e estrangeiras presentes ao Senado Federal ou em dependência sobre sua responsabilidade, a proteção de seus servidores, bem como a proteção de seu patrimônio. Desta missão e das atribuições elencadas, como atividades típicas, pela RSF nº 59, de 2002, surgiu a necessidade de se estruturar a Polícia do Senado de modo que a sua missão fosse cumprida integralmente e com eficácia.

As principais áreas de atuação da Polícia do Senado, definidas na RSF nº 59, de 2002, são: A proteção de dignitários (Art. 2º, I, II e III); a proteção ao patrimônio do Senado Federal (Art. 2º, IV e VI, e Art. 3º); as de investigação (Art. 2º, IX e Art. 4º) e as de Inteligência (Art. 2º, VII).

7.1. Proteção de Dignitários

Dignitário é, segundo o Dicionário de Aurélio Buarque de Holanda, aquele que exerce cargo elevado; que tem alta graduação honorífica; ou o que foi elevado a alguma dignidade.

Nesse contexto, uma das principais funções da Polícia do Senado é a proteção dos senadores, em especial do presidente da Casa. Para tanto dispõe de equipes especializadas, treinadas e preparadas para atuar na proteção individual da autoridade e em seus deslocamentos tanto internos quanto externos. Essas equipes também são responsáveis pela segurança das sessões plenárias e pela proteção de qualquer autoridade presente na casa, seja nacional ou estrangeira.

7.2. Proteção ao Patrimônio do Senado Federal

É a polícia administrativa e de segurança da Casa, e a equipe que tem a função mais abrangente dentro da estrutura da polícia do Senado e, desta forma, possui o maior contingente. Sua presença é percebida em todas as dependências da Casa, em seus edifícios anexos, residências oficiais e outras dependências pertencentes ao Senado Federal ou que estejam sob sua responsabilidade.

Realiza o policiamento preventivo através de rondas internas e externas; mantém postos avançados de controle; é responsável por adotar medidas de proteção contra ações ou acidentes que possam ameaçar, atrapalhar, danificar, destruir instalações ou o patrimônio do Senado Federal, adota ainda medidas que visam impedir a interrupção (ainda que temporariamente) das sessões plenárias ou trabalhos administrativos da Casa, faz a prevenção e controle de entrada de visitantes e controla a entrada e saída de veículos e materiais.

7.3. Investigação e inquérito

Dentre as competências da Polícia do Senado as de investigação e inquérito estão entre as mais importantes. Como vimos na fundamentação legal da Polícia do Senado, todos os delitos ou crimes ocorridos em dependência sobre a responsabilidade do Senado Federal são investigados pela Polícia do Senado, sendo que, quando houver crime no fato apurado, deve ser instaurado o inquérito policial.

O Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941), art. 4º conceitua:

Art. 4º A Polícia Judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.

Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.

O art. 70 do citado Código trata da "competência pelo local da infração".

Art. 70 A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

Conseqüentemente, quando conhecido o local da infração como sendo o Senado Federal ou uma de suas dependências, caberá o exercício do poder de Polícia Judiciária à Polícia do Senado Federal.

A instauração de inquérito policial carece de regulamentação interna e treinamento especializado, desta forma esta função ainda não é plenamente exercida pela Polícia do Senado Federal, que tem contado com o apoio da Polícia Federal e da Polícia Civil do Distrito Federal na instauração dos inquéritos policiais. A previsão é que até o final de 2004 o serviço cartorário da Polícia do Senado Federal esteja completamente implantado.

7.4. Inteligência

As atividades de inteligência são imprescindíveis ao serviço policial. Alguns autores chegam a afirmar que não existe polícia sem inteligência.

Segundo a conceituação oficial vigente em nosso país, "inteligência é a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situação de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado". (Art. 1º §2º, Lei 9.883, de 7 de dezembro de 1999).

A Polícia do Senado possui em sua estrutura um serviço de inteligência, que busca principalmente resguardar e proteger o Senado Federal. Partindo dessa premissa, o Serviço de Inteligência da Polícia do Senado procura estar em constante contato com outros órgãos de inteligência do país, obtendo informações que possam ter influência direta ou indireta com o Senado Federal, com os projetos que lá tramitam ou com seus membros e servidores da Casa.

Esse serviço é responsável, dentre outras coisas, pelo levantamento de dados de pessoas sob investigação da Polícia do Senado; levantamento de dados e acompanhamento do pessoal e empregados envolvidos direta ou indiretamente com a autoridade e familiares; pelas investigações especiais, pelo registro áudio-visual das missões e pelas ações de contra-inteligência.

A contra-inteligência é um segmento da inteligência que busca identificar e neutralizar ações que possam comprometer a imagem da organização, sua integridade, os conhecimentos e dados sigilosos pertencentes à mesma.

O Senado Federal, como a Câmara Alta do país, é alvo em potencial de diversos grupos, com os mais diversos interesses ou mesmo de outros países que podem adotar ações para comprometer, sabotar, ou se antecipar a medidas e decisões tomadas por essa Casa legislativa. Desta forma as ações de contra-inteligência devem prevenir, obstruir, detectar e neutralizar qualquer tentativa de coleta, sabotagem, fraude, desinformação e propaganda contra a instituição.

A atividade de contra-inteligência está assim definida na lei que Institui o Sistema Brasileiro de Inteligência (Lei 9.883/99): "Entende-se como contra-inteligência a atividade que objetiva neutralizar a inteligência adversa" (Art. § 3).


8. A atuação da polícia e os Direitos Humanos

A questão do respeito aos Direitos Humanos é parte de um processo de amadurecimento da consciência, que passa pela proteção aos direitos sociais, econômicos e culturais. A história da humanidade é repleta de exemplos de doutrinas onde a moral e a ética são determinados por governos, religiosos e por costumes sociais.

Muitas dessas doutrinas segregaram por séculos grupos antagônicos que diferiam dos grupos dominantes apenas pelo sexo, cor, religião ou crenças. A esses grupos nada era permitido, não existiam direitos, apenas deveres.

Com a evolução da humanidade, passou-se a observar o Homem de uma outra forma, como um ser que possui direitos na sua sociedade. Neste momento, os direitos sociais, econômicos e culturais passam a ser valorizados, estudados e exigidos em diversas sociedades.

A evolução dessa mentalidade e a progressiva aplicação de mecanismos para possibilitar que o indivíduo, em sua sociedade, possa desfrutar dos seus direitos sociais, econômicos e culturais, levaram ao desenvolvimento da questão dos Direitos Humanos, o indivíduo passou a ser visto como um ser que tem direitos inerentes a ele como humano e não apenas como cidadão.

Essa nova visão passou a impor ao policial moderno novos limites de atuação e uma reflexão sobre sua autoridade de usar a força sob certas circunstâncias.

Sob esta ótica, para que o trabalho policial seja executado de forma eficaz, as instituições policiais devem ser comandadas e gerenciadas com base em princípios expressos na Resolução nº 34/169 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 17 de dezembro de 1979, são eles: respeito e obediência à lei; respeito pela dignidade inerente da pessoa humana e respeito pelos direitos humanos.

Por razões éticas e legais, a polícia deve se pautar pelo cumprimento de tais princípios. Os abusos e excessos devem ser punidos para evitar que todo o trabalho de se construir uma polícia justa, eficiente e comprometida com o Estado democrático, seja comprometido. Não se deve confundir esta preocupação com a proteção ao criminoso, pois seu objetivo é conter o abuso de poder e garantir a dignidade do ser humano e o cumprimento da lei de forma justa e eficaz.


9. Conclusão

A criação da Polícia do Senado Federal trouxe, para os meios policiais e jurídicos brasileiros, um debate sobre a real necessidade de criação desse tipo de instituição. Muito se falou, mas pouco se refletiu sobre a importância desta polícia no contexto nacional.

Pautado por esse questionamento, este trabalho apresentou algumas idéias sobre a atuação da Polícia do Senado Federal, sobre as razões de sua criação e sobre seu papel na vida política nacional e na independência do Poder Legislativo, possibilitando, desta forma, um debate mais amplo que possa esclarecer aspectos jurídicos, ainda não totalmente compreendidos, desta nova polícia.

Sobre sua atuação, a Polícia do Senado Federal pretende se guiar pelo respeito à democracia e aos direitos humanos, pretende ser uma polícia não letal, evitando o uso de armas de fogo e a utilização de força em suas ações. Sua forma de atuar é primordialmente preventiva e, nesse sentido, diversas ações são desencadeadas para proteger o Senado Federal, os Senadores, servidores, convidados e visitantes de qualquer contratempo. Porém, tal preferência pela prevenção não a impossibilita de atuar a posteriori, pois seus quadros estão plenamente capacitados a atuar na função de Polícia Judiciária.

A Polícia do Senado Federal pretende ainda ser uma polícia moderna, integrada por policiais bem preparados, treinados e conscientes de que são profissionais do Direito e que, dessa forma, devem zelar para o cumprimento das leis.

As pretensões aqui apresentadas pressupõem muito treinamento em todas as vertentes da atuação policial, investimentos em equipamentos modernos, veículos e em convênios com outras polícias do Brasil e do mundo. Pressupõem também o desenvolvimento das atividades de inteligência, proporcionando mais subsídios à atuação preventiva da Polícia do Senado.

Alcançados os objetivos propostos, acredita-se que a Polícia do Senado Federal será fortalecida e contribuirá para o fortalecimento das polícias de outras casas legislativas e assim, de forma decisiva também contribuirá, para a manutenção da independência entre os Poderes e para o fortalecimento da democracia no Brasil.


10. Notas

1.Alcaide: 1 Antigo governador de castelo ou de província. Antigo governador de castelo, província ou comarca, com jurisdição civil e militar. 2 antigo funcionário incumbido de cumprir as determinações judiciais; oficial de justiça. (Dicionário Eletrônico Houaiss da língua portuguesa).

2.Quadrilheiro: Grupo de soldados de polícia; cidadãos civis investidos de função pública que auxiliavam o Alcaide na segurança das cidades.

3.Este ato também determinou o surgimento da Polícia Civil no Brasil.

4.Brumário: Segundo mês do calendário da Primeira República Francesa

5.O Inquérito policial surgiu no Brasil através da Lei nº 2.033, de 20 de setembro de 1871 e foi regulado pelo Decreto nº 4.824 do mesmo ano.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Robson José de Macedo. A Polícia do Senado Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 670, 6 maio 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6683. Acesso em: 18 mar. 2024.