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Escolas penais

Escolas penais

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Analisam-se as principais escolas penais, desde seus antecedentes históricos até suas diferenças e influências no Direito Penal Brasileiro.

Resumo: Esse trabalho tem por escopo trazer, em linhas gerais, as principais características das mais importantes escolas penais. Serão abordados desde os antecedentes históricos até as diferenças precípuas das escolas. Também serão analisadas as contribuições principais e a influência dessas escolas no Direito Penal Brasileiro. Com relação à evolução no Direito Penal pátrio serão abordados brevemente os principais aspectos das escolas penais que influenciaram o Direito Penal Brasileiro.

Palavras-chave: Escolas penais; escola clássica; escola positiva; terza scuola.

Sumário: Introdução; 1. Escola Clássica; 2. Escola Positiva; 3. Terza Scuola Italiana e a Escola Sociológica Francesa; 4. Escola Moderna Alemã; 5. Escola Técnico Jurídica; 6. Escola Correcionalista; 7. Movimento de Defesa Social; 8. Direito Penal Brasileiro; 8.1. Brasil no início do século XX; 8.2. Influência de Cesare Lombroso; 8.3. Código Penal Brasileiro de 1940; Conclusão; Referências.


INTRODUÇÃO

O objetivo principal desse trabalho não está em esgotar o tema que é de conteúdo monográfico, porém entende-se ser um assunto de grande importância para os juristas, principalmente para os futuros operadores do direito.

Não são todos os doutrinadores que se permitem incluir em suas obras um conteúdo bem abrangente sobre as escolas penais. Aqueles que abordam, o fazem de maneira sintética.

Passando então, de maneira breve, aos antecedentes das escolas penais. É imprescindível fazermos menção às características da legislação criminal da Europa no século XVIII que acabaram incitando vários pensadores a reagir. Em suma, o Direito era utilizado para privilegiar as pessoas que possuíam as melhores condições sociais (qualquer semelhança do passado com o presente é mera coincidência).

Os iluministas fizeram grandes críticas à legislação da época e propuseram a individualização da pena à proporcionalidade e àredução da crueldade.

O primeiro a elaborar uma teoria de cunho penológico foi Beccaria, através de sua obra Delitos das Penas de 1764, sendo o precursor da Escola Clássica como veremos adiante.

Já no século XIX, diversas correntes surgiram e foram denominadas de Escolas Penais definidas como “o corpo orgânico de concepções contrapostas sobre a legitimidade do direito de punir, sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanções”1.


1. ESCOLA CLÁSSICA

De fato não existiu uma Escola Clássica, [...] “entendida como um corpo de doutrina comum, relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados pelo crime e pela sanção penal”2.

A Escola Clássica recebeu essa denominação dos positivistas, com sentido negativo.

Basicamente, essa escola tem por base a liberdade, a humanização das práticas penais, e, também é caracterizada por não possuir um conteúdo homogêneo como observa Bitencourt:

“Na verdade, é praticamente impossível reunir os diversos juristas, representantes dessa corrente, que pudessem apresentar um conteúdo homogêneo”3.

Com grande influência do Iluminismo, foi através do manifesto de Cesare Bonecasa, o marquês de Beccaria, em 1764, que se iniciou a luta pelos direitos e garantias individuais contra o poder absoluto. É justamente Beccaria quem traçou as linhas basilares dessa escola.

No primeiro período da Escola Clássica denominada de teórico-filosófico, pretendeu-se adotar um Direito Penal com fundamentação nas necessidades sociais. Os expoentes dessa fase são Filangieri, Romagnosi e Carmignani.

No segundo período, intitulado de ético-jurídico, exige-se a ética de retribuição que seria representada pela sanção penal. Os principais expoentes dessa fase foram Pelegrino Rossi, Francesco Carrara e Pessina.

Todavia, os principais expoentes dessa escola foram realmente Beccaria (precursor do Direito Penal Liberal) e Carrara (criador da dogmática penal). Entretanto, “[...] Carrara é quem simboliza a expressão definitiva da Escola Clássica, eternizando sua identificação como a “Escola Clássica de Carrara”4.

As bases dessa escola são: o Direito segue a ordem da lei natural; o direito é a liberdade; o delito é um ente jurídico que corresponde a uma infração, já que se trata de uma contradição de um fato humano em relação à lei; a pena busca reestabelecer a ordem na sociedade que foi alterada pelo delito (nesse sentido, a pena precisa ser pública, célere e proporcional ao crime); considera que os objetos do Direito Penal são o delito, a pena e o processo.


2. ESCOLA POSITIVA

A Escola Positiva surgiu no século XIX e ficou conhecida também como Escola Antropológica, Naturalista ou Realista.

Essa escola sofreu influência de diversas doutrinas, tais como: “[...] evolucionistas (Darwin, Lamarck); materialista (Buchner, Haeckel e Molenschott); sociológica (Comte, Spencer, Ardig, Wundt); frenológica (Gall); fisionômica (Lavater) e ainda dos estudos de Villari e Cattaneo”5.

O surgimento da Escola Positivista coincide com o nascimento dos estudos biológicos e sociológicos.

Concernente aos fatores que explicam o surgimento da Escola Positiva, podemos elencar os principais, como aduz Sainz Cantero citado por Bitencourt:

a) A ineficácia das concepções clássicas relativamente à diminuição da criminalidade; b) o descrédito das doutrinas espiritualistas e metafísicas e a difusão da filosofia positivista; c) a aplicação dos métodos de observação ao estudo do homem, especialmente em relação ao aspecto psíquico; d) os novos estudos estatísticos realizados pelas ciências sociais (Quetelet e Guerri) permitiram a comprovação de certa regularidade e uniformidade nos fenômenos sociais, incluída da criminalidade; e) as novas ideologias políticas que pretendiam que o Estado assumisse uma função positiva na realização nos fins sociais, mas, ao mesmo tempo, entendiam que o Estado tinha ido longe demais na proteção dos direitos individuais, sacrificando os direitos coletivos6.

Essa corrente positivista é constituída de três fases distintas, sendo que cada uma possui um aspecto predominante e um expoente máximo.

A primeira fase que discorreremos é a denominada antropológica, representada por Cesare Lombroso. A teoria formada por Lembroso era a de que o homem poderia ser um criminoso nato em virtude de anomalias genéticas. Sua teoria foi se modificando ao longo de seus estudos passando por atavismo7, epilepsia e loucura moral.

A segunda fase a ser mencionada é a sociológica, cujo expoente foi Enrico Ferri que entendia que o criminoso estaria direcionado às práticas criminosas também em razão do meio em que vive. Sustentou também a inexistência do livre-arbítrio como aduz Bitencourt:

“Na investigação que apresentou na Universidade de Bolonha (1877) – seu primeiro trabalho importante – sustentou a teoria sobre a inexistência do livre-arbítrio, considerando que a pena não se impunha pela capacidade de auto-determinação (sic) da pessoa, mas pelo fato de ser um membro da sociedade8”.

Em sua evolução, Ferri foi aderindo à doutrina que entendia que havia possibilidade de readaptação dos delinquentes, contrariando assim a doutrina de Lombroso e Garafolo.

A terceira fase era a chamada fase jurídica, com representação do jurista Rafael Garofalo, cuja obra fundamental, intitulada de Criminologia, foi publicada em 1885. Devido a sua posição de jurista, Garofalo conseguiu dar uma sistematização jurídica à Escola Positiva.

Os princípios decorrentes da fase de Garofalo são:

a) periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinquente; b) a prevenção especial como fim da pena, que, aliás, é uma característica comum da corrente positivista; c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da Defesa Social, deixando, por isso, em segundo plano os objetivos reabilitadores; d) formulou uma definição sociológica do crime natural, uma vez que pretendia superar a noção jurídica9.

Apesar da sua grande importância para essa escola, suas contribuições não foram expressivas como as de Lombroso e Ferri, até porque seu ceticismo em relação à readaptação do criminoso era evidente devido à sua posição em favor da pena de morte. Sua preocupação era a de eliminar e não recuperar o criminoso como explica Bitencourt:

“[...] Partindo das idéias (sic) de Darwin, aplicando a seleção natural ao processo social (darwinismo social), sugere a necessidade de aplicação da pena de morte aos delinquentes que não tivessem absoluta capacidade de adaptação, que seria o caso dos ‘criminosos natos’”10.


3. TERZA SCUOLA ITALIANA E A ESCOLA SOCIOLÓGICA FRANCESA

Ao contrário das Escolas Clássica e Positiva, a Terza Scuola Italiana não possuiu um posicionamento bem definido, pois buscava conciliar a proposição das duas predecessoras. Pretendia superar os extremismos das anteriores, sendo considerada uma escola eclética.

Essa escola ficou conhecida também por Escola Crítica em função de um artigo publicado por Manuel Carnevale.

Em relação aos princípios acolhidos pela Terza Scuola estão: responsabilidade moral; distinção entre imputáveis e inimputáveis e a não aceitação do livre-arbítrio como fundamento da responsabilidade moral. Substitui-se o livre-arbítrio pelo determinismo psicológico:

“O homem é determinado pelo motivo mais forte, sendo imputável quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos. A quem não tiver tal capacidade deverá ser aplicada medida de segurança e não pena”11.

A Terza Scuola entende que o crime é um fenômeno social e individual e que a finalidade da pena é a defesa social.

Mesmo utilizando a medida de segurança, essa escola acaba ignorando a readaptação do criminoso, ou seja, a pena é utilizada para afastar o delinquente do convívio social.

Os postulados da Terza Scuola podem ser sintetizados da seguinte maneira:

a) distinção entre disciplinas jurídicas e disciplinas empíricas; b) o delito é concebido como fato complexo ou como fenômeno social; c) rejeição do conceito de delinquente nato das classificações positivistas; d) dualismo penal, ou seja, a possibilidade de conciliação do uso das penas e das medidas de segurança simultaneamente; e) a pena tem por finalidade a correção e readaptação social e não somente função de castigo12.

Concernente à Escola eclética sociológica francesa, a sua distinção com o positivismo “é a extrema predominância, quase exclusividade, que nela se dá ao elemento social na gênese do crime”13.


4. ESCOLA MODERNA ALEMÃ

Os grandes responsáveis pelo surgimento dessa escola foram o vienense Franz Von Liszt, considerado o maior político-criminológico alemão, Adolphe Prins, Gerard van Hamel e Karl Stoos.

A escola moderna da Alemanha é a quem mais se aproxima da escola positiva e determinou um movimento parecido com o positivismo penal italiano.

Com um conteúdo eclético, essa escola representou um movimento com diversas semelhanças com a Terza Scuola.

Liszt se revelou um grande dogmático e sistematizou o Direito Penal, “dando-lhe uma complexa e completa estrutura, admitindo a fusão com outras disciplinas, como a criminologia e a política criminal”14.

Essa fusão interdisciplinar se faz necessária para que a formação do jurista seja mais completa de modo a proporcionar um maior conhecimento na ciência do Direito Penal.

Entre as características mais importantes, podemos elencar:

a) adoção do método lógico-abstrato e indutivo-experimental – o primeiro para o Direito Penal e o segundo para as demais ciências criminais. Prega a necessidade de distinguir o Direito Penal das demais ciências criminais, tais como Criminologia, Sociologia, Antropologia etc.; b) distinção entre imputáveis e inimputáveis – o fundamento dessa distinção, contudo, não é o livre-arbítrio, mas a normalidade de determinação do indivíduo; [...] c) o crime é concebido como fenômeno humano-social e fato jurídico [...]; d) função finalística da pena [...]; e) eliminação ou substituição das penas privativas de liberdade de curta duração [...]15.

Os doutrinadores supracitados dessa escola fundaram, em 1829, a União Internacional de Direito Penal que durou até a Primeira Grande Guerra. Em suas assembleias foram debatidas questões importantes do Direito Penal, tais como: “[...] delinquência de menores, a reincidência e a criminalidade crônica, a teoria do estado perigoso, a das medidas de segurança [...]”16.

A Associação Internacional de Direito Penal foi a sucessora da União Internacional e tinha como objetivo promover as ciências penais por meio de congressos e seminários.


5. ESCOLA TÉCNICO-JURÍDICA

Surgiu na Itália tendo sido iniciada com a célebre Aula Magna proferida por Arturo Rocco, em 1905, e, seu principal expoente foi Karl Binding.

“Alguns a fazem derivar da corrente crítico-forense, variante da escola clássica italiana, ou mesmo de Carrara, como pensa Maggiore”17.

A Escola Técnico-Jurídica, anteriormente chamada de tecnicismo jurídico-penal, surge para dirimir a confusão inicial da Escola Positiva. Falar em confusão da Positiva significa dizer que havia uma falta de método, pois os positivistas confundiam os campos da Criminologia, da Política Criminal e do Direito Penal. Era demasiada a preocupação com aspectos antropológicos e sociológicos em detrimento dos aspectos jurídicos do crime.

A Escola Técnico-Jurídica entende que: “[...] a ciência penal é autônoma, com objeto, método e fins próprios, não devendo ser confundida com outras ciências causal-explicativas ou políticas”18.

Veja a definição a seguir de Direito Penal dada por Rocco citado por Luiz Regis Prado: “O Direito Penal é entendido como uma ‘exposição sistemática dos princípios que regulam os conceitos de delito e pena, e da conseguinte responsabilidade, desde um ponto de vista puramente jurídico’”19.

Considera-se então mais uma corrente de renovação metodológica do que uma escola propriamente dita.

Seu maior mérito foi o de apontar o crime, como fenômeno jurídico e verdadeiro objeto do Direito Penal20.

As características mais importantes dessa escola são:

a) o delito é pura relação jurídica, de conteúdo individual e social; b) a pena constitui uma reação e uma consequência do crime (tutela jurídica), com função preventiva geral e especial, aplicável aos imputáveis; c) a medida de segurança – preventiva – deve ser aplicável aos inimputáveis; d) responsabilidade moral (vontade livre); e) método técnico-jurídico; e f) recusa o emprego da filosofia no campo penal21.


6.ESCOLA CORRECIONALISTA

Surgiu na Alemanha, em 1839, através da dissertação de Karl Roder, intitulada de Comentatio na poena malum esse debeat, que tinha por fundamento a filosofia krausista.

Apesar de o surgimento ter se dado na Alemanha, foi na Espanha que apareceram os principais seguidores por meio de Sanz del Rio.

A característica precípua da Escola Correcionalista é a correção do delinquente, por meio da pena, como explana Carlos Roder: “A teoria correcional vê na pena somente o meio racional e necessário para ajudar a vontade, injustamente determinada, de um membro do Estado, a ordenar-se por si mesma”22.

Os correcionalistas entendem que os delinquentes são anormais, e, portanto, são incapazes de uma vida comum em sociedade. São considerados como um perigo para o convívio social.

Nessa escola não se dá relevância alguma ao livre-arbítrio.

A principal característica dessa escola está relacionada ao fim único da pena. Destarte, tem-se o seguinte:

a) a pena idônea é a privação da liberdade; b) a pena deve ser indeterminada – sem prévia fixação do tempo de sua duração; c) o arbítrio judicial deve ser ampliado no que se refere à individualização da pena; d) a função penal deve ser vista como preventiva e de tutela social; e e) a responsabilidade penal deve ser entendida como responsabilidade coletiva, solidária e difusa23.


7. MOVIMENTO DE DEFESA SOCIAL

Somente no século XX é que surgiu a primeira teoria de defesa social. A primeira sistematização se deve a Adolphe Prins.

Em 1945, foi fundado por Felipe Gramática, o Centro Internacional de Estudos de Defesa Social que objetivava trazer uma renovação para os meios de combate à criminalidade.

Mais tarde surgiriam duas vertentes: a primeira é a de Gramática, que entende que o “Direito Penal deve ser substituído por um direito de defesa social, com a finalidade de adaptar o indivíduo à ordem social e não à sanção de seus atos”24. A segunda vertente é a de Marc Angel que tem por fundamento básico a defesa social pela ressocialização do criminoso e não pela sua neutralização.

Gramática propõe a substituição da responsabilidade penal pela anti-sociabilidade (sic); a substituição da infração pelo índice de anti-sociabilidade e a as medidas sociais em substituição às penas25.

Concernente à corrente de Marcel é possível afirmar que:

Sua essência se encontra, portanto, na defesa social contra o fenômeno crime e na ressocialização do delinquente. Funda-se a política criminal na responsabilidade individual, inserida no processo de ressocialização social. A idéia (sic) de proteção social adstrita à sanção penal se apresenta como substitutivo da noção repressão-retribuição, realizando-se através de um conjunto de medidas penais e extrapenais ligadas à periculosidade. O tratamento penal é visto como um instrumento preventivo26.

Os princípios fundamentais do movimento de defesa social são os seguintes: o reconhecimento da luta contra a criminalidade como algo a ser enfrentado pela sociedade; a sociedade deveria buscar diversos meios para combater o crime; meios de ação para proteger a sociedade dos criminosos e também para impedir que outros venham a aderir às práticas criminosas.


8. DIREITO PENAL BRASILEIRO

Para uma melhor compreensão, se faz necessária uma regressão ao passado para delimitarmos o contexto histórico, por meio dos acontecimentos mais relevantes em relação à matéria em questão.

8.1. Brasil no início do século XX

As primeiras décadas do século XX foram de turbulência no Brasil. As consequências geradas foram similares àquelas que ocorreram na Europa, o que ocasionaram a utilização de vários fundamentos do positivismo antropológico de Lombroso, assim como de outras características da Escola Positiva.

O Brasil passaria ainda por mudanças no regime político, quando passou de uma monarquia para uma república presidencialista. Tivemos também o fim do trabalho escravo e a chegada de vários grupos de imigrantes europeus27.

A disparidade entre a vida nas áreas rurais e nos centros urbanos era enorme. O contraste era imenso entre o Brasil rural e o Brasil urbano, fato que se evidenciou com o Golpe de Estado de 1930, quando se nota a predominância de presidentes paulistas e mineiros. Nessa época, o Brasil se encontrava em grande dificuldade financeira devido aos gastos públicos e o declínio da exportação de café.

Com o fim da escravatura e as relações desiguais de consumo e produção, surgiu um grande número de indivíduos socialmente rejeitados. Muitas manifestações e revoltas populares surgiram para demonstrar sua insatisfação quanto à proteção que a recém República dava às elites em detrimento das porções desfavorecidas.

8.2. Influência de Cesare Lombroso

A obra de Lombroso, intitulada “O Homem Delinquente”, teve grande papel na influência dos doutrinadores brasileiros.

Inúmeros médicos e cultores do direito criminal analisaram a obra supracitada de Lombroso que coloca o criminoso no centro da discussão penal.

Diversos autores brasileiros aceitaram as teses de Lombroso e tal movimento culminou com a criação da Sociedade de Antropologia Criminal, Psiquiatria e Medicina Legal, em 1985; Sociedade da Sociedade de Medicina Legal e Criminologia, em 1914; e do Instituto Brasileiro de Criminologia, em 1931.

Apesar de os fundamentos de Lombroso terem sido desacreditados posteriormente, é inegável o fato de que seu pensamento gerou debates o que acabou culminando em diversos Institutos de Criminologia no Brasil.

Em suma, no Brasil, o positivismo antropológico teve o papel precípuo de estimular o avanço da Criminologia.

8.3. Código Penal Brasileiro de 1940

O apogeu da influência do Positivismo Antropológico no Brasil se deu com a promulgação do Código Penal Brasileiro de 1940.

Nessa época, diversos foram os motivos para utilizar os postulados de Lombroso. Havia uma crise política, econômica e social; a criminalidade estava aumentando etc.

Como já observando anteriormente, a passagem do Brasil de um modelo de produção escravagista para capitalista, trouxe vários problemas. O principal deles diz respeito à população negra que ainda não estava adaptada à nova fase. Como essa época tornou o país instável, era imprescindível a criação de institutos para manter a ordem e disciplina dos antigos escravos28.

Pedimos data venia para transcrever o que Eugênio Zaffaroni e José Henrique Pierangeli aduzem sobre o Código Penal de 1940:

O código de 1940 possui uma parte especial ordenada da mesma maneira que apresentava o projeto Galdino Siqueira, ou seja, encabeçada com os delitos contra a pessoa, mas com uma estrutura decididamente neoidealista, própria do código italiano de 1930. É um código rigoroso, rígido, autoritário no seu cunho ideológico, impregnado de “medidas de segurança” pós-delituosas, que operavam através do sistema “duplo-binário” ou da “dupla via”. Através deste sistema de “medidas” e da supressão de toda norma reguladora da pena no concurso real, chegava-se a burlar, dessa forma, a proibição constitucional da pena perpétua. Seu texto corresponde a um “tecnismo jurídico” autoritário que, com a combinação de penas retributivas e medidas de segurança indeterminadas (própria do Código Rocco), desemboca numa clara deterioração da segurança jurídica e converte-se num instrumento de neutralização de “indesejáveis”, pelas simples deterioração provocada pela institucionalização demasiadamente prolongada29.

Destarte, a influência do positivismo antropológico teve como papel precípuo direcionar a criação dos institutos penais em favorecimento dos interesses da elite.


CONCLUSÃO

A Escola Clássica não se ocupa de analisar os fatos que podem interferir na ação do criminoso, pois para ela o que importa mesmo é tão somente o fato e o resultado gerado. O criminoso é entendido como um homem normal, ou seja, que entende seus próprios atos, porém possui a liberdade de escolha (livre-arbítrio) entre uma ação correta ou errada. Quanto à função da pena, essa escola atribui dois poderes: um retributivo, quando a pena serve para dar uma resposta à sociedade mediante um ato que infringe a lei; e preventivo, para sinalizar e intimidar os demais cidadãos quanto ao prejuízo que cada um pode receber quando pratica um ato ilícito.

A Escola Positiva surge em resposta a algumas falhas que a Escola Clássica não conseguiu dirimir, como, por exemplo, os métodos utilizados e que não surtiram efeito com relação à diminuição da criminalidade. Com a Escola Positiva, o Direito Penal passou a ser tratado como ciência empírica (baseado no sistema filosófico de Comte), com base na realidade social e não em critérios religiosos utilizados pela Escola Clássica. Para essa escola, a responsabilidade social deriva da vida em sociedade (determinismo), diferentemente da Escola anterior em que a responsabilidade penal é lastreada no livre-arbítrio e na imputabilidade moral. Para a Positivista, o delito é um fenômeno natural e social e a pena exerce uma função preventiva de modo a mitigar as chances de o criminoso voltar a infringir a lei.

A Terza Scuola Italiana nasce para tentar intermediar as escolas antecessoras. Para essa escola a responsabilidade é baseada na imputabilidade moral e negação ao livre-arbítrio. Dos traços das escolas anteriores, a Terza Scuola não aceita o livre arbítrio, assim como a Positiva, que também possui a concepção de que o delito é um fato individual e social. Consoante à Escola Clássica, a escola italiana admite a responsabilidade moral, entretanto não a fundamenta no livre-arbítrio. Ainda há também a distinção entre imputável e inimputável.

A Escola Moderna Alemã busca a neutralidade entre o livre-arbítrio e o determinismo. Uma diferenciação também é feita pela Escola Alemã do Direito Penal e as outras ciências criminais. Indubitavelmente essa escola aproximou o Direito Penal com a realidade. Através de Liszt, um dos grandes responsáveis pela Escola Moderna Alemã, o Direito Penal ganhou uma estrutura mais sistemática.

Com relação ao Tecnicismo Jurídico, sua principal função foi a de resolver os problemas da falta de método da Escola Positiva. A Escola Técnico Jurídica apontou com maestria que o crime é o verdadeiro objeto do Direito Penal.

Quanto à Escola Correcionalista, o livre-arbítrio não recebe nenhuma importância. Essa escola entende que os criminosos são perigosos para o convívio social, sendo considerados anormais. O grande destaque dado por essa escola diz respeito a pena.

No Movimento de Defesa Social adota-se um sistema pelo qual a sociedade deveria buscar todos os meios possíveis de combate ao crime.

Todas essas escolas, cada uma em seu tempo e lugar contribuíram de uma forma ou de outra para a construção do Direito Penal.

No Brasil, por exemplo, a Escola Positiva, por meio dos postulados de Lombroso influenciou o Direito Penal Brasileiro, principalmente no sentido de “provocar” os doutrinadores brasileiros. Os debates gerados pela obra de Lombroso, “O Homem Delinquente”, geraram vários Institutos de Criminologia no Brasil.

É fácil observar que a maioria das escolas surgiu em função de outra. Os fundamentos de uma escola incitavam aqueles que discordavam, fazendo assim surgir outra escola com outros fundamentos entendidos como mais corretos. Houve casos em que uma escola se utilizou de pressupostos de outras escolas, como foi o caso da Terza Scuola Italiana.

Esse breve estudo acerca das escolas penais revela a grande essência, a nosso ver, do Direito como um sistema que se adapta às relações sociais em cada momento da história. Por isso, destaque-se a importância, que não é dada por muitos autores, de um estudo mais aprofundado da história das escolas penais, assim como do Direito como um todo.


REFERÊNCIAS

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BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 1.

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GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Direito Penal: parte geral. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, v. 2.

NETTO OLIVEIRA, José. Dicionário Jurídico Universitário. 5. ed. Leme: Edijur, 2012

NEVES, Margarida de Souza. Os Cenários da República: O Brasil na virada do século XIX para o século XX. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano: O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 194.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, v. 1.


Notas

1 BRUNO, Aníbal, 1967 apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 1, p. 46.

2 Loc. cit.

3 Loc. cit.

4 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, v. 1, p. 49.

5 Ibidem, p. 80.

6 SAINZ CANTERO, 1975 apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 1, p. 53.

7 NETTO OLIVEIRA, José. Dicionário Jurídico Universitário. 5. ed. Leme: Edijur, 2012, p. 67: Atavismo – reaparição em uma pessoa de certos caracteres físicos ou psíquicos de ascendentes remotos.

8 BITENCOURT, op. cit., p. 56.

9 Ibidem, p. 55.

10 Ibidem, p. 56.

11 BITENCOURT, op. cit., p. 58.

12 GOMES, Luiz Flávio (coord.); MOLINA, Antonio García-Pablos de; BIANCHINI, Alice. Direito penal: introdução e princípios fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, v. 1, p. 117.

13 BRUNO, Aníbal, op. cit., p. 70.

14 Ibidem, p. 59.

15 Ibidem, p. 60-61.

16 BRUNO, Aníbal. Direito penal, parte geral, tomo I: introdução, norma penal, fato punível. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 73.

17 Loc. cit. p. 73.

18 PRADO, Luiz Regis, op. cit., p. 84.

19 Loc. cit.

20 BITENCOURT, op. cit., p. 61.

21 Ibidem, p. 62.

22 RODER, Carlos David Augusto, 1876 apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 1, p. 62.

23 PRADO, Luiz Regis, op. cit., p. 86.

24 PRADO, Luiz Regis, op. cit., p. 86.

25 Loc. cit.

26 Ibidem, p. 87.

27 NEVES, Margarida de Souza. Os Cenários da República: O Brasil na virada do século XIX para o século XX. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano: O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 15.

28 ANITUA, Gabriel Inácio. História dos pensamentos criminológicos. Rio de Janeiro: Revan, 2008, p. 353.

29 PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 194.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KNOEPKE, Luciano. Escolas penais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5959, 25 out. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66902. Acesso em: 28 mar. 2024.