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A manipulação da mídia nos processos criminais

A manipulação da mídia nos processos criminais

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Reflete-se sobre a influência da mídia no sistema penal, repercutindo, muitas vezes, sobre o devido processo legal e sobre o veredicto derradeiro.

Resumo: O presente trabalho objetiva verificar a influência da Mídia no Sistema Penal, com ênfase na repercussão sobre o devido processo legal e sobre o veredicto derradeiro. Será analisada a função da Mídia nos dias atuais, a forma como ela interfere na formação da opinião pública e o fenômeno do sensacionalismo. A partir desta análise, verificar-se-á que o modo como fatos supostamente criminosos são expostos pelos meios de comunicação pode acarretar um conflito entre a liberdade de imprensa e direitos da personalidade, por meio de um escorço histórico das decisões de tribunais do júri é possível observar que casos criminais célebres vêm ensejando precipitadas decisões em processos criminais..Os veículos de comunicação de plantão aproveitam-se do afã sensacionalista e influenciam decisões. Neste diapasão a mídia vem violando rotineiramente o ordenamento jurídico brasileiro e vem deixando de cumprir o seu papel primacial que é o de informar e fomentar o debate público. O trabalho realiza uma análise de forma crítica sobre a forma como a realidade criminal é mostrada ao cidadão brasileiro por meio dos veículos de comunicação. 

Palavras‐chave: mídia; sistema penal; sensacionalismo; devido processo legal

Sumário: 1. Introdução.  2. Temática Pluridisciplinar e metodologia utilizada. 3. Mídia: Promotora do Espetáculo Social e instrumento de construção da realidade e do imaginário popular. 4. Mídia: “quarto poder” da república brasileira? 5. A Distorção da Realidade Criminal. 6. Imediatismo Midiático. 7. A cobertura midiática e o trial by the media. 8. A mídia e a criminalidade: destaque para a televisão. 9. Princípio da proporcionalidade como instrumento pacificador. 10. Conclusões. 11. Referências.


1- INTRODUÇÃO

É insofismável o papel preponderante da mídia como formadora de opinião. Emissoras de rádio, jornais e, principalmente os veículos televisivos, bombardeiam notícias e informações diuturnamente com o pseudo‐escopo de(de)formar cidadãos. E, desde a antiguidade, as notícias sobre fatos ou comportamentos socialmente reprováveis e as sanções decorrentes exercem um fascínio sobre a sociedade. Não foi por acaso que há muito tempo a mídia foi alcunhada de “quarto poder”. Ela realmente exerce poderes “supraconstitucionais”. Investiga, denuncia, acusa, condena e executa!

Sua inegável força dentro das instituições e o seu poderio econômico e ideológico transformaram‐na em uma espécie de condutora das massas e ditadora de regras. Em sua origem mais remota, a pena é associada ao sentimento de vingança privada, despertado como uma forma de reação social àquele que rompera com a ordem da comunidade. Os castigos (em sua grande parte, corporais) impostos aos desviantes eram concretizados aos olhos do público, que se aglomerava ao redor dos cadafalsos com o fito de assistir aos espetáculos teatrais montados para punir o transgressor da lei.

 Recentemente, o nosso conhecimento sobre a realidade local, nacional e internacional acaba sendo transmitido esmagadoramente pelos meios de comunicação. A mídia, portanto, dá acesso à informação e ao mesmo tempo tenta formar a opinião pública. Indiretamente, nota‐se também a presença uma série de carga valorativa nos processos de seleção e publicação da notícia.  Nesta linha, os meios de comunicação acabam por controlar a sociedade na medida em que estereotipa certas situações, cria mitos, generaliza enfoques, perspectivas e comportamentos diante de um determinado fato ou conflito.

Opiniões, das mais argutas às mais esdrúxulas sobre política, economia, história, direito, literatura, sexo e uma miríade de outros assuntos são reproduzidas cotidianamente. Regras e princípios são ditados, aceitos e estabelecidos da forma mais passiva possível.

Ao longo do tempo, a pena foi perdendo esse caráter retributivo – ou o escopo de restaurar a ordem atingida pelo delito – para adquirir um cunho preventivo e ressocializatório. No entanto, essa mudança de viés não implicou o arrefecimento do interesse da população por fatos violentos e sua consequente punição.

A maior preocupação reside no fato de que a mídia, no afã do sensacionalismo e do glamour, transformou‐se numa espécie de “legisladora” penal, tendo em vista que casos criminais célebres são espetacularizados pelos meios de comunicação e acabam provocando imediatas alterações na lei penal, na imensa maioria das vezes precipitadas e desastrosas. A título exemplificativo, na história mais recente, os casos Daniela Perez, a Chacina de Diadema, o assassinato do Prefeito Celso Daniel, a morte da missionária norte‐americana Dorothy Stang, Boate Kiss, Caso Vereador Pinté (mais próximo), além das incursões criminosas dos presos midiáticos Beira‐Mar, Marcola e Play Boy, a criminalidade, seus protagonistas e as sanções a eles infligidas passaram a ser objetos constantes dos noticiários jornalísticos. Consectariamente, a atuação do Poder Judiciário em casos que mobilizam o sistema penal passou a ser atentamente fiscalizada.

O apelo emocional impingido às reportagens carrega o risco de deturpação dos fatos expostos. Essa conjuntura é deveras temerária quando se trata de incidentes que serão submetidos ao crivo do Judiciário Criminal, pois tem o condão de instalar uma série de conflitos entre valores jurídicos. A cobertura reiterada de crimes, com ênfase no suposto agente delitivo, enseja, de plano, a tensão entre o direito de se expressar livremente e os direitos da personalidade do acusado, ambos de magnitude constitucional. Igualmente, o furor despertado pelos meios de comunicação quando do exercício da atividade informativa pode subverter o rito pelo qual deve seguir o processo e até mesmo comprometer a imparcialidade do julgador, influenciando o veredicto a ser prolatado ao final do julgamento.

Diante desse panorama, o presente trabalho pretende, ainda que de maneira breve, verificar se a mídia tem o condão de ditar o trâmite e modificar o resultado de um processo penal, analisar a real ameaça dos veículos de comunicação às garantias constitucionais do suposto autor de um delito e investigar o ponto de equilíbrio entre os valores em conflito.


2- TEMÁTICA PLURIDISCIPLINAR E METODOLOGIA

De antemão, destaca-se, que o tema abordado concerne tanto à atividade de Jornalismo, quanto à área do Direito. Aspectos de caráter jornalístico e jurídico serão mesclados em diversos níveis, tais como histórico, sociológico, filosófico e antropológico.

A metodologia utilizada neste trabalho foi a compilativa‐doutrinária dos principais temas discutidos, acrescido de estudo de casos relevantes para o desenvolver da matéria. Não obstante existir alguns artigos, no âmbito da doutrina especializada, no meio jurídico e jornalístico, não existe na literatura nacional obra completa sobre a influência da mídia na condenação ou absolvição de indivíduos em processos. A literatura brasileira referente a questões que mesclam Jornalismo e Direito é muito pífia no cenário atual. Todavia, ultimamente começam a surgir seminários e congressos dedicados ao debate deste tema. Além disso, há artigos doutrinários escritos por eminentes juristas que, por vezes, se dedicaram a este estudo; algumas vezes, no entanto, trata‐se de verdadeiros desabafos de profissionais cansados de assistir à interferência dos órgãos nos processos penais sob os seus patrocínios. ”

Este trabalho também se utilizou do método indiciário. Sobre este tema, raramente se encontram dados dotados de certeza científica. Quando necessário, lança‐se mão da imaginação e criatividade – original ou citada –, obtendo‐se como resultado a possibilidade concreta de eventual comprovação da hipótese sugerida (através de “pistas”, “sintomas”, “indícios”, “signos pictóricos”). Embora não haja tal comprovação científica, a sua mera possibilidade por pensamentos devidamente fundamentados, por si só já são suficientes para que a hipótese sustentada adquira o valor necessário.


3- MÍDIA COMO PROMOTORA DO ESPETÁCULO SOCIAL E INSTRUMENTO DE CONSTRUÇÃO DA REALIDADE DO IMAGINÁRIO POPULAR

A palavra imprensa tem, em regra, seu conteúdo significante desdobrado em "qualquer meio utilizado na difusão de informações Jornalísticas; conjunto dos processos de veiculação de informações jornalísticas por veículos impressos ou eletrônicos". O ponto de partida para a compreensão da temática em foco, no entanto, não se esgota em definições semânticas. Alberto Dines (1996/1997, p. 58) noticia que o vocábulo mídia provém do latim. E, transcendendo explicações meramente lexicais, pondera: "Mediumé: meio, modo, maneira, forma, via, caminho, condição em que se  executa uma tarefa. Na linguagem técnica da comunicação medium designa o canal através do qual o emissor passa a sua mensagem ao receptor, a audiência".

Assim, o jornalista representa o elo entre a realidade e a audiência que a desconhece. Ao exercer essa atividade mediadora, não se limita a reproduzir fatos mecanicamente, mas os interpreta, dimensiona, hierarquiza (e, por que não dizer, maquia). Nessa perspectiva, o jornalista oferta a matéria prima necessária à lapidação dos juízos individuais, denotando a função social e política da intermediação midiática. Independentemente de concepções conceituais, impende frisar que a imprensa – aqui utilizada como sinônimo de mídia agasalha sob sua batuta um poderio político e econômico de dimensão não reproduzível nos domínios de qualquer outra agência executiva.

A massificação dos meios de comunicação contribuiu para o fortalecimento desse poder, que, ao driblar qualquer forma de institucionalização, não se subjuga ao controle social. A correlação cada vez mais estreita e imbricada entre os meios de comunicação e sua audiência tem o condão de manietar a opinião pública, alterando seu processo de formação de maneira a repercutir no sistema penal.

O conceito de opinião pública, segundo Matteucci (1992, p. 842), alberga um duplo sentido: quer no momento da sua formação, uma vez que não é privada e nasce do debate público, quer no seu objeto, a coisa pública. Como "opinião" é sempre discutível, muda com o tempo e permite a discordância: na realidade, ela expressa mais juízos de valor do que juízos de fato, próprios da ciência e dos entendidos. Enquanto "pública", isto é, pertencente ao âmbito ou universo político, conviria antes falar de opiniões no plural, já que nesse universo não há espaço apenas para uma verdade política, para uma epistemocracia. A opinião pública não coincide com a verdade, precisamente por ser opinião, por ser doxa e não episteme;, mas, na medida em que se forma e fortalece no debate, expressa uma atitude racional, crítica e bem informada.

Nesse contexto, pode-se afirmar que a opinião pública, considerada como o amálgama de ideias e valores que externam o modo de pensar de determinados grupos sociais acerca de assuntos específicos, é edificada sobre o tripé sujeito-experiência-intelecto. Com a difusão da comunicação de massa, foi acrescida a esse contexto a informação midiatizada, que, conjugada ao analfabetismo funcional que assola a população brasileira, passou a ditar unilateralmente o quadro fático valorativo a ser absorvido pela massa populacional. As premissas até aqui assentadas permitem concluir que a opinião pública não representa o somatório de juízos individuais. Com efeito, o ideário que rege a população está diluído numa relação grupal gerenciada por um grupo dominante que tem na mídia seu maior protagonista. Nesse sentido, pondera Habermas (1984, p. 208281): O atributo de "ser público" só é conquistado por uma tal opinião através de sua correlação com processos grupais.

A tentativa de definir a opinião pública como "colection of individual opinions" é logo corrigida mediante a análise de relações grupais: "we need concepts of what is both fundamental or deep and also common to a group". É considerada "pública" a opinião de um grupo quando ela subjetivamente se impôs como a opinião dominante: o membro individual do grupo tem uma (provavelmente errônea) concepção quanto à importância da sua opinião e do seu comportamento, ou seja, de quantos dos demais membros, e quais deles, partilham ou rejeitam o hábito ou a perspectiva por ele defendida. Constata-se, pois, que a opinião pública reflete, na verdade, uma opinião publicada pelos mass media. Esse fenômeno se faz sentir, de modo especial, nos sítios do sistema penal, onde a opinião pública representa um poder determinante na definição da política criminal.

A opinião pública (leia-se publicada) finca as balizas de uma realidade virtual, que manieta a atuação do Judiciário Criminal. A estereotipagem de criminosos rotula os supostos infratores da lei penal do modo mais conveniente aos comandantes do conglomerado midiático, propositalmente ignorando, por exemplo, delinquentes de colarinho branco. Nesse âmbito, a influência perniciosa exercida pelos meios de comunicação manifesta-se precipuamente pelos fatos que estes deixam de enunciar isto é, pelo "não dito" do que pelos acontecimentos efetivamente expostos. O mutismo jornalístico obsta a reação do espectador e consagra o olhar unilateral do problema noticiado, impondo ao agente investigado a pena do silêncio.     Igualmente, o lineamento da imagem de suspeitos pela mídia incute na população, de forma precipitada, uma cólera punitiva que exige a imediata condenação. Em meio a esse ambiente de altercação, o magistrado deve buscar manter a serenidade diante de discursos reacionários a cobrarem julgamentos açodados, condenações severas, sem qualquer compromisso com o respeito às garantias do devido processo penal.

O comportamento do ser humano é resultado das informações e do conhecimento que ele absorve. Como dito alhures, atualmente, uma das principais formas de absorção do conhecimento se dá através dos meios de comunicação. A notícia aparece como o principal elemento de construção da realidade do indivíduo. Os meios de comunicação de massa promovem campanhas seletivas com a “fabricação” de estereótipos de fatos e de crimes. Campanhas como da “tolerância zero”, da “lei e da ordem” sempre descrevem a “crueldade dos bandidos”, a “impunidade total”, falam da “polícia que prende e do juiz que solta”, “dos menores que entram e saem das “pousadas” graças ao ECA”, atribuem o mal funcionamento do aparelho estatal “às leis benevolentes, especialmente à Constituição, que só garante direitos humanos para bandidos” . No que toca à justiça penal, a mídia, ao expressar suas próprias opiniões durante os procedimentos criminais, acaba prolatando verdadeiras “sentenças”. Estas decisões tornam‐se irrecorríveis e criam fatos consumados pela propagação de informações precoces. Zaffaroni, a respeito do tema, aduz que:

 “estes estereótipos permitem a catalogação dos criminosos que combinam com a imagem que correspondem à descrição fabricada, deixando de fora outros tipos de delinquentes” .

Os delinquentes de colarinho branco e os de trânsito, por exemplo, ficam fora dessa falsa construção. Na mesma linha de Zafaroni e de Cervini, o professor Sérgio Salomão Shecaira em brilhante artigo sobre a mídia e o Direito Penal assevera:

Estas fábricas ideológicas condicionadoras, em momentos mais agudos de tensão social, não hesitam em alterar declaradamente a realidade dos fatos criando um processo permanente de indução criminalizante.

 Zaffaroni e Cervini, nas obras citadas, destacam que os meios de comunicação de massas, ao agirem dessa forma, atuam impedindo os processos de descriminalização de condutas de bagatela (por exemplo), incentivando a majoração de penas, constituindo‐se, pois, num dos principais obstáculos à criação de uma sociedade democrática fundada nos valores de respeito aos direitos dos cidadãos e da dignidade humana”. Os meios de comunicação acabam apresentando uma realidade criminal distorcida. Ao invés de se limitar a reconhecer e apresentar os problemas e os fatos, a mídia constrói uma imagem virtual que não condiz com a realidade. O resultado disso é a construção do imaginário popular. A sensação de pânico e de terror fica estabelecida da forma mais sensacionalista possível.

O telespectador ou leitor (dependendo do tipo veiculo comunicador) passa a acreditar que a qualquer momento pode ser vítima de determinado delito demasiadamente exposto nos holofotes midiáticos. Portanto, fica clarividente o poder que a mídia detém para criar estereótipos que na maioria dos casos se tornam indeléveis. Dentre a dinâmica que move os órgãos jornalísticos emerge o sensacionalismo, consistente num modo de veicular a notícia que extrapola os lindes do fato realmente ocorrido, acabando por se imiscuir numa fantasia novelesca. O fenômeno é descrito pela Promotora de Justiça Ana Lúcia Menezes Vieira (2003. p. 5253), com acurada propriedade:

A linguagem sensacionalista, caracterizada por ausência de moderação, busca chocar o público, causar impacto, exigindo seu envolvimento emocional. Assim, a imprensa e o meio televisivo de comunicação constroem um modelo informativo que tornam difusos os limites do real e do imaginário. Nada do que se vê (imagem televisiva), do que se ouve (rádio) e do que se lê (imprensa jornalística) é indiferente ao consumidor da notícia sensacionalista. As emoções fortes criadas pela imagem são sentidas pelo telespectador. O sujeito não fica do lado de fora da notícia, mas a integra. A mensagem cativa o receptor, levando-o a uma fuga do cotidiano, ainda que de forma passageira. Esse mundo imaginação é envolvente e o leitor ou telespectador se tornam inertes, incapazes de criar uma barreira contra os sentimentos, incapazes de discernir o que é real do que é sensacional.

O Judiciário é um campo fértil para o espetáculo visado pelos meios de comunicação. O próprio ambiente que circunda o trâmite dos processos já possui um viés cênico, considerando que no âmbito penal estão em confronto a liberdade individual e o poder punitivo estatal com toda a carga de dramaticidade que tal equação comporta. A dramatização derramada sobre os noticiários que veiculam notícias do âmbito criminal finda por criar ondas artificiais de violência e avultar o pânico social e a sensação de insegurança. À medida que os órgãos midiáticos intensificam a dimensão das desgraças que acometem terceiros, incute-se na população o sentimento de que os fatos negativos ocorrem com frequência maior que a habitual. Os cidadãos são tragados pela densa carga emocional embutida na notícia, revivendo o ocorrido como se dela fossem personagens. Por conseguinte, a apresentação da realidade através de maniqueísmos deflagra uma demanda por maior intervenção do Direito Penal.  

O programa Linha Direta, outrora parte integrante da programação da Rede Globo, é o capítulo mais sórdido da espetacularização da violência através da televisão. Mediante um novo formato de exposição, informações de cunho jornalístico acerca de eventos com repercussão criminal eram entrecortadas por "reconstituições dos acontecimentos" encenadas por atores profissionais, em tomadas que facilmente poderiam ser confundidas com cenas da novela transmitida pela emissora poucos minutos antes. A produção do programa providenciava a coleta de depoimentos (devidamente editados) de parentes e amigos da vítima e o âncora reiteradamente, mostrava a foto do criminoso (não seria mero suspeito?) foragido e divulgava um número de telefone para o qual deveriam ligar as pessoas que o avistassem. Os efeitos deletérios produzidos pela atração televisiva em comento para o acusado não estão ligados necessariamente à narrativa empreendida pelo apresentador, mas, sobretudo pelo silêncio eloquente em torno de versões que pudessem favorecer o increpado ou apaziguar a indignação vingativa da audiência.

A ojeriza do cidadão para com o criminoso retratado nas telas, imposta midiaticamente, impregna de modo peremptório o caso que doravante será levado ao crivo do Judiciário. A ligação telefônica que, ao localizar o suspeito, franqueia à polícia a concretização de uma prisão é recebida aos olhos do público como uma sentença condenatória, que será submetida à Justiça como mera formalidade.

Entrementes, o entretenimento jornalístico explorado através de matérias sensacionalistas pode descambar para o denuncismo. É nesse contexto que avança e consolida-se o chamado jornalismo investigativo, atividade na qual o repórter traveste-se de polícia e passa a apurar informações sobre atos desviantes que afrontam o interesse público, prejudicando a sociedade.

Não se objeta que o jornalismo investigativo funcione como relevante elemento impulsionador de debates acerca do combate ao crime pelos órgãos estatais, evidenciando conjunturas de indiscutível interesse público. Todavia, tal função ultrapassa os limites da ponderação e da ética e é desvirtuada quando o jornalista veste a roupagem de detetive e deflagra uma atuação policial amadorística, passando a atuar politicamente. Consectariamente, o público absorve uma versão calcada em indícios e deduções e, a partir de exposições tendenciosas, cria pré-conceitos face à pessoa retratada como criminosa. Esta última, por seu turno, é acometida por um linchamento moral numa fase em que ostenta a condição de simples investigada, e tem seu veredicto cunhado de forma antecipada e inapagável (ainda que o Judiciário se manifeste diversamente a posteriori).


4- MÍDIA: QUARTO PODER DA REPÚBLICA DO BRASIL?

Não há um consenso entre os estudiosos da comunicação acerca da primeira vez em que foi atribuída a denominação “Quarto Poder” aos veículos de comunicação. Fábio Martins de Andrade , citando Daniel Cornu relata que “foi sob a influência do pensamento liberal e da reflexão sobre a separação dos poderes que nasceu, para qualificar o papel da imprensa, a expressão hoje aviltada de ‘quarto poder’. A sua atribuição é incerta. Thomas Carlyle atribuiu a sua paternidade a Edmund Burke, mas ninguém encontrou vestígios da mesma na sua obra impressa. 

“Seja como for, a propagação das ideias liberais abre uma era de tensão intensa entre a esfera do poder e a esfera pública, doravante ocupada por uma imprensa com meios mais poderosos e uma audiência mais vasta” (Jornalismo e Verdade, pp. 176‐177).” João Queiroz  destaca que: “a ‘comunicação social’ vem reclamando o papel e esta função mediadora e, em causa deste atributo, pretende ser um ‘cão de guarda’ (watchdog) dos interesses públicos e, nesta medida, simbolicamente, um ‘4º Poder’ social e público que vigia e controla os poderes legislativos, executivo e judicial”. Betch Cleinman esclarece que “a mídia, pouco a pouco, busca ocupar o espaço central das sociedades democráticas, com o pretexto de ser o potente instrumento capaz de iluminar os cantinhos mais obscuros da vida econômica, política e social. (..) em nome da informação devida ao público, tenta impor‐se como o Quarto Poder da República.” Dines ao falar do papel da imprensa aduz que, “sendo, ou devendo ser o Quarto Poder, a imprensa não é o instrumento arbitrário daqueles que detém a posse dos veículos”. Tocando no tema da opinião pública o insigne jornalista aduz que “acima de número de ações ou (procurações), quem dirige jornal tem compromissos com a opinião pública”. Conclui que “ao reclamar a liberdade de imprensa, obriga‐se a criá‐la em seus próprios veículos”.

O fato é que a mídia acabou ganhando essa alcunha em virtude da sua notável influência no tecido social. Há correntes que negam este papel de “quarto poder” por motivos de falta de legitimidade e pela falta de controle existente nos órgãos de comunicação. Beth Cleiman questiona: “pode a mídia ser considerada um dos legítimos Poderes da República?”. A resposta é lapidar e feita mediante outra indagação, com um respaldo jurídico que tem bastante sustentáculo: “se constitucionalmente todo poder emana do povo, deve um grupo de empresas privadas, comandadas, não pelo bem comum, mas pela obtenção máxima de lucro, ser considerado um dos Poderes Republicanos”?

A imprensa chama para si o papel de vigilância dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, tudo em função do banalizado interesse público. Ocorre que a mídia não está se preocupando com interesse público e sim com o interesse do público. O que se pretende é maximizar lucros para as grandes corporações que comandam uma dezena de veículos de comunicação.

O problema é que, apesar da falta de legitimidade, a mídia vem, de fato, exercendo poderes que exorbitam da ótica constitucional. A forma como se manipula os indivíduos, a maneira seletiva de transmitir informações, as investigações e condenações sumárias e o seu poderio econômico e ideológico ensejam um comportamento midiático supra constitucional. A Mídia vem se impondo como “Quarto Poder”, uma espécie de imposição, que nos parece um tanto quanto totalitária É um poder que está além do Estado! Muitas vezes, nos faz lembrar o “Grande Irmão” de George Orwell que tudo comanda, tudo vê e tudo transmite.

Não podemos olvidar que a influência da mídia séria, democrática, não tendenciosa e responsável, infelizmente uma minoria inexpressiva no quadro comunicacional brasileiro, é altamente salutar para o desenvolvimento democrático na medida em que fixa‐se a agenda política e o debate é fomentado. Se a mídia se arvora como um “Quarto Poder”, deve ter controles e limites, pois poder sem limites é tirania. Limites relacionados à intimidade, à vida privada, à honra e a todas as garantias constitucionais são prementes no momento atual. Os jornalistas não devem olvidar que a liberdade de imprensa garantida na Constituição Federal (CF) não é ilimitada.

Não só a Constituição Federal, como leis ordinárias, já trazem limites à atividade dos meios de comunicação. A Lei de Execução Penal (Lei nº 7210/84), por exemplo, estabelece que constitui direito do preso a proteção contra qualquer forma de sensacionalismo. É direito do preso! O art. 198, também da Lei 7.210/94(Execução Penal), estabelece “é defeso ao integrante dos órgãos de execução penal, e ao servidor, a divulgação de ocorrência que perturbe a segurança e a disciplina dos estabelecimentos, bem como exponha o preso a inconveniente notoriedade, durante o cumprimento da pena.” Uma lei federal que é violada rotineiramente pela mídia que achincalha cotidianamente os acusados, os réus e os encarcerados num espetáculo mórbido de atentado á dignidade humana. Destarte, não se pode confundir liberdade com abuso nem liberdade com tirania.


5- A DISTORÇÃO DA REALIDADE CRIMINAL

A mídia, ao noticiar fatos delituosos, acaba influindo na percepção da realidade criminal de forma negativa e distorcida. O que ocorre é a construção de uma falsa realidade sobre o mundo criminal. Giovane Santim em dissertação de mestrado sobre a mídia e a criminalidade, destaca que os Veículos de comunicação acabam tratando a questão como “paravento” de problemas políticos, sociais e econômicos, ou seja, é alimentada uma cultura do medo através de criações ou fabricações de riscos que ameaçam a segurança e a ordem de acordo com o interesse de determinados grupos, conforme relata Thums:

A escolha dos bens jurídicos que serão objeto de tutela penal deveria ser o resultado de juízos de valor pronunciados pelo legislador, atuando como representante da vontade popular. Esses juízos de valor, todavia, sofrem influência das mais variadas ordens. Desde o clamor social, manipulado pela mídia, maximizando fatos isolados, até o explícito interesse de grupos econômicos ou políticos.

A atenção do telespectador é dirigida a um tipo específico de delinquência. Aquele citado processo de eleição, hierarquização e tematização da notícia faz com que a mídia se detenha sobre determinados delitos: crimes contra a vida, crimes contra a integridade física, crimes contra a liberdade sexual. Outros tipos de delitos que não interessam aos detentores dos grupos de comunicação ou que vão de encontro aos interesses pessoais desses são completamente esquecidos. Certos tipos de crimes são selecionados e exibidos por qualquer um dos veículos comunicacionais. Pesquisa realizada pelo ILANUD expõe que:

[...] parte‐se da hipótese de que também o crime é apresentado pela televisão de forma parcial e distorcida, enfatizando determinadas modalidades desse comportamento em detrimento de outras; apresentando os autores bem como suas vítimas, ora como heróis, ora como vilões; dando maior destaque ao momento da descoberta do crime do que à sua explicação, sobrevalorizando a gravidade do ocorrido mesmo quando, na prática o no contexto onde ocorre, tal gravidade se dilui (ILANUD. Revista do ILANUD nº 13: Crime e TV. São Paulo: ILANUD, 2001.) (...) No entanto, a mídia seleciona, sintetiza, reformula, os acontecimentos em função das regras de mercado, da ideologia e das rotinas de trabalho que lhe são próprias (Ibidem), p. 12).

Exemplificando os pesquisadores destacam que, em 1998, a Associação Nacional de Televisão à Cabo, tornou pública uma pesquisa levada a cabo ao longo de três anos em que se verificou 1) 40% do personagens maus não são punidos e 2) 40% dos personagens violentos são dados como positivos. Esse levantamento se baseou em 10.000 horas de programação das 6h00 às 23h00. Ele demonstrou que os programas violentos totalizaram 61% do total e, mais ainda, comprovou que houve um aumento das temáticas consideradas violentas pela televisão. Em 1996, elas representariam 53% da programação que vai ao ar das 18h00 às 21h00. Atualmente já seriam 67%. Segundo George Gerbner, da Escola de Comunicações da Universidade da Pennsylvania, as crianças americanas passariam em média 27 horas por semana diante da TV e, até atingir os 18 anos, teriam visto cerca de 40.000 assassinatos e 200.000 outros crimes violentos (Ibidem p. 21)”.  Conclui‐se que os crimes mais veiculados pela mídia decisivamente não são os que mais ocorrem.

O homicídio, por exemplo, é a grande vedete dos veículos de comunicação que não se cansam de dar destaque ao mórbido, ao grotesco e ao que sangra. Os meios de comunicação acabam por banalizar a miséria humana de forma sensacionalista e tendenciosa. Essa forma dramática e emotiva de comunicar a notícia, na maioria dos casos se apoia em dados modificados, exagerados e totalmente fora de contexto. No que se refere à estatística criminal a situação também não é diferente tendo em vista a imprecisão nas referências das pesquisas demonstradas pelo noticiário que camuflam as reais intenções dos órgãos pesquisadores. A distorção destes dados provoca o surgimento das chamadas ondas de criminalidade. O crime é, portanto, apresentado de forma distinta com a prática. A repetição constante de um fato criminal, sobretudo um caso criminal célebre, no qual os envolvidos já fazem parte do cotidiano midiático provoca uma sensação de choque no leitor/telespectador, entre os quais se inclui o legislador, que acaba entrando na onda midiática e legislando velozmente. É essa ideologia do medo e esta pressão ao poder legislativo que este trabalho pretende discutir.


 6- IMEDIATISMO MIDIÁTICO

A ingerência espetacularizada dos meios de comunicação nos acontecimentos afetos ao sistema de justiça criminal arreda o Direito Penal de seus alicerces teóricos intrínsecos (tais quais o princípio da intervenção mínima e o princípio da fragmentariedade, entre outros), conferindo ao mesmo uma conotação meramente simbólica. Tal engrenagem é irrompida porque "o empreendimento neoliberal precisa de um poder punitivo onipresente e capilarizado, para o controle penal dos contingentes humanos que ele mesmo marginaliza" (BATISTA, 2002, p. 272274).

A mídia, ao incutir crenças na população e silenciar sobre outros fatos importantes, atua como ferramenta legitimante dessa forma de controle, propagandeando o "dogma da criminalização provedora". Assim, manifesta-se no âmbito penal uma publicidade enganosa que, segundo Maria Lúcia Karam (1993, p. 200/201), primeiro concebe:

o fantasma da criminalidade, para, em seguida, ‘vender’ a ideia da intervenção do sistema penal, como a alternativa única, como a forma de se conseguir a tão almejada segurança, fazendo crer que, com a reação punitiva, todos os problemas estarão sendo solucionados.  

O direito penal simbólico, pois, lança seus tentáculos sobre a política criminal, dando azo ao recrudescimento de penas e criminalização de condutas. Tal panorama é engranzado a partir de casos símbolos que inflamam o movimento de lei e ordem, ocasionando um distanciamento do Direito Penal com o caráter fragmentário que deveria regê-lo. Esses casos são eleitos dentre aqueles que causam maior repercussão social, em consonância com o que Filippo Sgubbi (apud SILVEIRA, 2000, n.p.) denominou de "lógica das vedetes”.

Outro aspecto criador de tensão no vínculo entre mídia e Judiciário atine à imediatidade que caracteriza a primeira e a morosidade que identifica o segundo. A velocidade imprimida na atividade jornalística é reflexo da atmosfera mercadológica que tomou conta das empresas de comunicação. Engendra-se um processo de retificação da notícia, que passa a ser pensada como um produto perecível, cujo consumo há de ser imediato, sob pena de falência dos conglomerados midiáticos. Aos jornalistas, é imposto um sistema de fast journalism, em que a notícia deve ser ofertada para consumo fácil e rápido. Nessa perspectiva, é inarredável a presença constante de novas informações, uma vez que o pioneirismo na divulgação de "furos" é o principal ingrediente para a liderança do mercado comunicacional.

Semelhante cultura tolhe do profissional de jornalismo o tempo necessário à reflexão sobre os fatos a serem veiculados, fomentando o senso instintivo em detrimento da afeição racional. Esse quadro é deveras temerário quando se trata de um processo penal em curso ou na iminência de ser instaurado, em face da possibilidade de marcar indelevelmente a pessoa investigada com a atribuição de fatos desabonadores não necessariamente ligados ao fato supostamente criminoso apurado, atribuindo-lhe qualidades altamente depreciativas, que comprometem significativamente seu status dignitatis e em total desrespeito ao princípio do estado de inocência.

A conjuntura apontada deságua no chamado direito penal de emergência, que, despido do viés subsidiário, é produzido de forma açodada e urgente para fundamentar uma política penal retribucionista e eficientista suplicada pela população diante de casos específicos, particularmente chocantes. Criam-se, num curto interstício temporal, mecanismos especiais para combatê-los, sobretudo apresentados mediante expedita produção legislativa. Essa influência se fez sentir na promulgação da Lei nº 8.072/90, a chamada Lei dos Crimes Hediondos, que estabeleceu um disciplinamento mais rigoroso aos tipos penais catalogados pelo legislador. Anos depois, a catarse popular motivada pelo assassinato da atriz global Daniela Perez, ocorrido em 28 de dezembro de 1992, tornou a pressionar o legislador. O crime em questão foi reiteradamente explorado pelos veículos midiáticos e, conjugado à mobilização empreendida pela novelista Glória Perez mãe da vítima através de um "abaixo-assinado", logrou incluir o homicídio qualificado no rol de crimes hediondos, por meio da Lei nº 8.930/94.

Nos casos abarcados pela esfera penal, o trâmite cadenciado do processo é percebido como um atestado de incapacidade do Judiciário, contrastando com a eficiência e a presteza da mídia, que, de fato, atende às expectativas sociais. Por conseguinte, a velocidade transfigura-se no sopro de vida de que necessita o Poder Judiciário para manter hígida sua credibilidade aos olhos da população. Como corolário da urgência, opera-se uma reviravolta na marcha processual: o encarceramento medida sabidamente punitiva precede a análise meticulosa do caso, a qual é desencadeada como forma de dar tempo ao magistrado de arregimentar elementos suficientes para lastrear a condenação prematuramente decretada em forma de prisão cautelar.

O contraditório, além de diferido, é franqueado como mera formalidade, e não como garantia.  O procedimento judicial com sua marcha se prolongando no tempo é desqualificado e passa a ser apontado como mecanismo de contenção da pressão do povo levando a um julgamento final tardio e, frequentemente, com absolvições ou condenações amenas a recaírem sobre o acusado. Se desperta na coletividade um furor vingativo traduzido em pressão para que os juízes decidam de forma ágil e os legisladores criem procedimentos céleres.

O direito a ser julgado num prazo razoável, assegurado pelo inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, traz como conclusão inarredável o enjeitamento dos extremos. Se por um lado o réu não pode ser castigado com a delonga no andamento do processo, a configurar um sancionamento temporão, sob outro ângulo não pode ser subtraído do acusado o tempo necessário a promover amplamente sua defesa, de maneira a concretizar o princípio da presunção de inocência.


 7- A cobertura midiática e o trial by the media

 Numa ordem jurídica democrática, o processo penal tem o desiderato de servir como instrumento de contenção do poder estatal e de maximização da eficácia dos direitos e garantias fundamentais, em detrimento de movimentos de lei e ordem (LOPES JUNIOR, 2006, p. 1).  O processo não pode se render à ideia de que as garantias constitucionais configuram obstáculos ao combate à criminalidade. Semelhante concepção finda por furtar a racionalidade do sistema, já que infunde no âmbito infraconstitucional uma postura de negação ao modelo garantista delineado pela Carta Magna.

A ingerência midiática nos meandros jurisdicionais tem início antes mesmo da deflagração da ação penal. Já na fase inquisitória, a exposição prematura de um mero suspeito através de discursos categóricos que na verdade externam meras hipóteses a guiarem o procedimento apuratório tem a potencialidade de produzir efeitos deletérios tanto para a polícia como para o investigado.  A um, porque compromete o sigilo que deve permear as investigações, como preconiza o Código de Processo Penal em seu art. 20. Tal segredo é necessário para não obstruir as diligências realizadas com o intuito de descortinar os pormenores do crime ultimado e,

em si mesmo, não significa uma burla ao Estado Democrático de Direito, mas sim sua imposição abusiva, sem fundamento no interesse público ou social, ou em outro valor constitucionalmente relevante" (VIEIRA, 2003, p. 195).

 Ademais, a divulgação da estratégia policial serve como um aviso ao suposto agente delitivo, permitindo que este se antecipe às autoridades e logre êxito em suas esquivanças.  A dois, porque a publicização da fase inquisitorial não apenas exibe como troféu a identidade de um mero suspeito, como também atinge por extensão seus familiares, os quais são vitimados pela maledicência da coletividade, numa manifesta violação ao princípio da intranscendência, a preconizar que a reprimenda não pode ultrapassar a pessoa do agente delitivo.

Os meios de comunicação de massa, ao infundirem em suas reportagens um juízo prévio acerca dos fatos criminosos perscrutados pela autoridade policial, findam por condenar precocemente o investigado. A "sentença midiática" prescinde de formalidades e "transita em julgado" perante a opinião pública sem que seja franqueada àquele sentado no banco dos réus a oportunidade de se defender ou, ao menos, ter conhecimento de todas as acusações que lhe são imputadas (VIEIRA, 2003, p. 168).

Conquanto não haja, nesse ponto, uma sentença condenatória definitiva, a exposição midiática do caso já vaticina o veredicto popular na maioria das vezes, é desfavorável ao réu – que, por seu turno, é condicionado pelo retrato cuidadosamente pintado pela imprensa. A reverberação jornalística em acontecimentos desse jaez perdura tão somente até meados do processo, vez que o tempo acarreta a lassidão da atmosfera emotiva que envolve a audiência, fazendo com que esta perca o interesse sobre o evento tantas vezes reiterado nas telas de TV ou nas páginas de jornais e revistas. A sentença proferida, mesmo que de cunho absolutório, não tem força para desvanecer as nódoas cravadas pelo processo, cuja formulação de hipóteses que caracteriza seu início é transmudada em certeza pela ação da imprensa.

"É muito mais fácil abrir uma ferida do que fechá-la, sem deixar marcas ou cicatrizes" (LOPES JR., 2006, p. 7).

Essa face justiceira da mídia é examinada por Márcio Thomaz Bastos (1999, p. 115116):

Levar um réu a julgamento no auge de uma campanha de mídia é levá-lo a um linchamento, em que os ritos e fórmulas processuais são apenas a aparência da justiça, encobrindo os mecanismos cruéis de uma execução sumária. Trata-se de uma pré-condenação, ou seja, a pessoa está condenada antes de ser julgada, tal como bem definido no Black’s Law Dictionary; no verbete Trial by news media: "É o processo pelo qual o noticiário da imprensa sobre as investigações em torno de uma pessoa que vai ser submetida a julgamento acaba determinando a culpabilidade ou a inocência da pessoa antes de ela ser julgada formalmente.

A concretização do fenômeno do trial by media acarreta a mudança do locus de julgamento: cria-se um juízo paralelo que, embora mais célere, repudia as garantias do increpado. Em meio a esse quadro, opera-se uma inversão na mente das pessoas, já que o "comando sentencial condenatório" é passado em julgado antes mesmo do fim da instrução processual. Os ingredientes para a implementação do trial by media são hauridos dos efeitos decorrentes do princípio da publicidade. Tal preceito tem sido usado pela mídia como algoz dos direitos processuais do penalmente acusado, vez que a transformação do processo em espetáculo possui uma tendência de privilegiar a versão acusatória. Habermas (1984, p. 241242) diagnostica no fenômeno uma inversão no princípio crítico da publicidade: ao invés de servir como freio ao exercício arbitrário do jus puniendi estatal, os mass media laboram cada vez mais com o intuito de trabalhar os processos para atender ao desejo de entretenimento dos consumidores.

Dentre as garantias processuais constitucionais esmorecidas pela cobertura midiática do processo penal, figura o princípio do estado de inocência. Ora, a presunção ou estado de inocência nada mais é que uma presunção política, assegurando o status libertatis do acusado em face do interesse coletivo de punição criminal (VIEIRA, 2003, p. 171). Nessa perspectiva, "o processo penal deixa de ser um mero instrumento de realização da pretensão punitiva do Estado, para se transformar em instrumento de tutela da liberdade". (SCHREIBER, 2008, p. 189).

Ocorre que a imprensa, ao exibir pessoas acusadas de envolvimento em fatos criminosos numa fase incipiente das investigações, monta uma exposição de tal forma deturpada que acaba por neutralizar o princípio da presunção de inocência e, ao submeter o indivíduo a um precoce julgamento público, subverte o preceito em foco em privilégio de uma verdadeira presunção de culpabilidade. O sensacionalismo midiático desperta na sociedade um arroubo vingativo e, consequentemente, uma demanda irascível por uma resposta repressiva do Direito Penal. A opinião pública vislumbra o encarceramento provisório como uma antecipação da pena, antepondo o término do processo penal ao seu início.

Pressionados pelo alarma social fomentado pela mídia, os magistrados socorrem-se do conceito aberto da expressão ordem pública, elencado pelo art. 312 do Código de Processo Penal como fundamento da prisão preventiva, para decretar a prisão de réus com o implícito propósito de atender ao clamor público. O clamor social, por vezes, esconde-se sob o conceito de ordem pública, cabendo ao magistrado avaliar se esta foi realmente afetada ou se o foi apenas pelo noticiário (TOURINHO FILHO, 2006, p. 614). Quando o segregamento preventivo é decretado com o escopo precípuo de abrandar o rogo popular pela antecipação da punição ao suposto culpado, a prisão perde o viés de cautelaridade que deveria circundá-la, vez que um provimento cautelar visa assegurar a eficácia do processo principal.   Não obstante a interferência dos mass media seja mais notória durante o trâmite do inquérito processual e do processo penal, é mister atentar também para a exposição midiática de indivíduos já sentenciados.

A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), com o propósito de impedir investidas tendentes a frustrar a reintegração social do preso, catalogou a "proteção contra o sensacionalismo" no rol de direitos do preso (art. 41, inciso VIII) e proscreveu a exposição do preso "à inconveniente notoriedade durante o cumprimento da pena" (art. 198). Donde, a doutrina aventa a existência de um direito ao esquecimento como limite à liberdade de informação jornalística. Através do direito ao esquecimento, objetiva-se reintegrar o ex presidiário na sociedade, que poderia ser comprometido com a indiscrição da imprensa durante a fase executória da pena.


8-  MÍDIA E A CRIMINALIDADE: DESTAQUE PARA A TELEVISÂO

Atualmente a mídia nos traz a ideia de que tudo deve ser rápido, veloz e consumível. Já dizia o poeta Cazuza que “o tempo não para, não para não”. As mudanças na sociedade denominada de pós‐moderna são cada vez mais contínuas e num fluxo quase imperceptível que já se questiona a possibilidade de termos já ultrapassado a pós modernidade. Dentre as grandes mudanças da pós‐modernidade, Giovani Santin  destaca que a principal delas ocorreu na comunicação mundial. No passado, a mídia televisiva apenas reproduzia o que a mídia impressa trazia. Atualmente é a Televisão que comanda a agenda da Mídia devido a seus avanços tecnológicos que proporcionaram velocidade e instantaneidade. È o mundo da aceleração e da velocidade da luz que dita a regra para os outros órgãos da comunicação. Destacando o papel da televisão como carro‐chefe dos veículos de comunicação Santin aduz:

 “Tomando a dianteira na hierarquia da mídia, a televisão impõe aos outros meios de informação suas próprias perversões, em primeiro lugar com seu fascínio pela imagem”.

E com esta ideia básica de que só o visível merece informação, ou seja, o que não é visível e não tem imagem não é televisável, portanto, não existe midiaticamente. Os eventos produtores de imagens fortes – violências, guerras, catástrofes, sofrimento de todo tipo – tomam, portanto, a preeminência na atualidade: eles se impõem aos outros assuntos mesmo que, em termos absolutos, sua importância seja secundária. O choque emocional provocado pelas imagens da TV – sobretudo aquelas de aflição, de sofrimento e de morte – não tem comparação com aquele que os outros meios podem provocar. Por sua vez, a imprensa escrita, obrigada a continuar, pensa que pode recriar a emoção sentida pelos telespectadores publicando textos (reportagens, testemunhos, confissões) que atuam, da mesma maneira que as imagens, no registro afetivo e sentimental, dirigidas ao coração, à emoção e não à razão e à inteligência.Esses conteúdos tem a clara intenção de manipular e segundo Jean Baudrillard atinge o objetivo de atingir a massa:

A televisão é ela também um processo nuclear em cadeia, mas implosivo: arrefece e neutraliza o sentido e a energia dos acontecimentos... as redes geram uma quantidade de informações que ultrapassam limites a ponto de influenciar na definição da massa crítica. Todo o ambiente está contaminado pela intoxicação midiática que sustenta este sistema. A dependência deste “feudalismo tecnológico” faz-se necessária para que a relação com dinheiro, os produtos e as ideias se estabeleça de forma plena. Esta é a servidão voluntária resultante de um sistema que se movimenta num processo espiral contínuo de auto sustentação. BAUDRILLARD.Jean.Simulacros e simulação.Edição no Brasil_Livros do Brasil;1993, pag 71-72

   No Brasil e no Mundo o capitalismo moderno foi construído concomitantemente ao desenvolvimento dos meios de comunicação de massa. O controle dos conteúdos de informação de determinada sociedade em determinada época sempre foi do interesse dos dirigentes do período. O que se observou, então, foi uma abissal concentração de poder com relação aos domínios dos meios de comunicação. No Brasil, apenas nove famílias (Marinho, Bloch, Santos, Saad, Frias, Mesquita, Levy, Civita, e Nascimento Brito) controlam cerca de noventa por cento de tudo o que os brasileiros leem, ouvem e veem através dos meios de comunicação social. Voltamos então à questão do “Quarto Poder”. Quem controla essa totalidade da comunicação acaba detendo um poder de fato. Um poder que pode selecionar, falsear e, sobretudo silenciar. Oportuna é a lição de Guareschi:

Se é a comunicação que constrói a realidade, quem detém a construção dessa realidade detém também o poder sobre a existência das coisas, sobre a difusão das ideias, sobre a criação da opinião pública. Mas não é só isso. Os que detêm a comunicação chegam até a definir os outros, definir determinados grupos sociais como sendo melhores ou piores, confiáveis ou não confiáveis, tudo de acordo com os interesses dos detentores do poder. Já foram feitos estudos interessantes sobre o que determinados povos pensam de outros povos. Essa opinião está baseada, principalmente, nas informações que as pessoas recebem. Em estudos e pesquisas realizados no campo da comunicação, verificou‐se que a opinião pública é preparada com informações sobre determinadas populações de tal modo que isso pode chegar a justificar até mesmo uma invasão de um país adversário.

A pesquisa de Hester (1976) mostrou que, de cada 100 notícias enviadas do bureau das Associated Press de Buenos Aires para o quartel central dos Estados Unidos, apenas 8 eram aproveitadas. Mas o mais sério era que das 8 aproveitadas, 4 eram notícias que falavam de violência e criminalidade – quando das 100 originais, apenas 10 eram sobre o assunto. Com isso, os países informados por essas agências vão formando opinião, construindo imagens sobre determinados povos, identificando‐os como criminosos e violentos. Não é difícil, posteriormente, legitimar uma invasão ou retaliações sobre populações que, para a grande maioria, são criminosas e violentas.


 9-  PROPORCIONALIDADE COMO INSTRUMENTO PACIFICADOR

A harmonização do choque axiológico entre liberdade de expressão e garantias individuais do acusado deve ser feita com cautela, haja vista que, se por um lado aquela é um dos baluartes do regime democrático, por outro, estas também não podem ser amesquinhadas, por serem princípios reitores do Estado de Direito.     Considerando que ambos os valores supra aludidos têm raízes constitucionais, torna-se imperioso fazer uma leitura dialética da Carta Magna, em busca de fundamentos também constitucionais para dirimir o prélio axiológico posto. Sobre o assunto, preleciona Barroso (2008, p. 357358):

A dificuldade que se acaba de descrever já foi amplamente percebida pela doutrina; é pacífico que casos como esses não são resolvidos por uma subsunção simples. Será preciso um raciocínio de estrutura diversa, mais complexo, que seja capaz de trabalhar multidirecionalmente, produzindo a regra concreta que vai reger a hipótese a partir de uma síntese dos distintos elementos normativos incidentes sobre aquele conjunto de fatos. De alguma forma, cada um desses elementos deverá ser considerado na medida de sua importância e pertinência para o caso concreto, de modo que na solução final, tal qual em um quadro bem pintado, as diferentes cores possam ser percebidas, ainda que uma ou algumas delas venham a se destacar sobre as demais. Esse é, de maneira geral, o objetivo daquilo que se convencionou denominar técnica da ponderação.

Percebe-se que o desenlace desse suposto conflito de normas principiológicas deve ser perquirido à luz da realidade concreta subjacente, já que as normas aplicáveis estão abstratamente no mesmo plano hierárquico. Portanto, os direitos fundamentais que, sacramentados sob a roupagem de princípios constitucionais, coabitam harmonicamente num espectro abstrato (externando a unidade do sistema jurídico), por vezes se apresentam em posições antagônicas quando transpostos para o plano concreto, razão pela qual demandam a intervenção de um fator compatibilizante.

Esse ingrediente harmonizador é encontrado na técnica da ponderação, assim entendido o procedimento racional que, a partir da identificação de uma conjuntura normativa colidente, passa a aferir o peso que cada princípio vai exercer diante de um caso concreto, ditando a prevalência de um preceito em detrimento do outro na hipótese examinada. Nessa atividade "eletiva", deve se ter em mente a preservação máxima do núcleo essencial de cada um dos princípios em pauta, vez que a preterição de um deles num caso específico não implica seu alijamento da ordem jurídica; pelo contrário, o preceito "rejeitado" – em parte ou no todo – mantém-se hígido e passível de ser aplicado em outras situações.

Ora, não há preceitos absolutos, passíveis de serem acatados irrestritamente em qualquer ocasião. A existência de uma situação colidente em potencial faz emergir a necessidade lógica de um princípio da proporcionalidade, como forma de preservação dos direitos fundamentais em jogo. Em sentido estrito, a proporcionalidade traduz a obrigação de que a ingerência em um direito fundamental seja motivada por causas tão graves quanto o vilipêndio a ele imposto. Em outras palavras, deve haver um equilíbrio entre os efeitos positivos do valor sobrelevado e o ônus infligido ao preceito antagônico. Assim, no que tange à exploração midiática de incidentes de repercussão criminal, deve ser perquirido se o escopo de garantir o devido processo legal justifica eventual restrição à cobertura da imprensa. Trata-se de indagações palpitantes:

 "As vantagens causadas pela promoção do fim são proporcionais às desvantagens causadas pela adoção do meio? A valia da promoção do fim corresponde à desvalia da restrição causada?" (ÁVILA, 2005, p. 124).

Esse estágio da ponderação requer maior cautela, vez que dá margem à subjetividade do intérprete, influenciado por seu repertório de valores e impressões pessoais. Para evitar essa "contaminação", há de ser perquirida uma solução que se pretenda universal e busque a concordância prática, diminuindo ao máximo o sacrifício do direito fundamental em oposição (SCHREIBER, p. 4142).

Conclui-se, pois, que o ordenamento jurídico não profetizou soluções apriorísticas em matéria de colisão de princípios constitucionais. Ao refletir sobre o sopesamento dos preceitos colidentes quando a mídia passa a se ocupar ativamente de eventos delitógenos a serem apreciados pelo Poder Judiciário, Sérgio Ricardo de Souza (2008, p. 143144) obtempera:

 Essa é uma situação típica onde a melhor solução se encontra na aplicação da ponderação de valores, através do critério exalado do princípio da proporcionalidade, como forma de definição do bem jurídico que deve preponderar, se a proteção da honra, refletida através do nome ou da imagem vinculados a um fato caracterizar infração de natureza penal e, por via de consequência, a própria garantia da personalidade como um reflexo da dignidade da pessoa humana daquele investigado, ou, a liberdade de informação jornalística, exercida neste caso com o objetivo precípuo de bem informar à sociedade sobre os riscos que cada um de seus membros estaria correndo em face de o investigado encontrar-se solto; ou mesmo da desmoralização do sistema judiciário estatal em face de um remisso em cumprir as normas sociais se esquivar de submeter-se ao procedimento estatal legalmente criado para investigar a sua conduta.

O princípio da proporcionalidade apresenta-se, enfim, como o instrumento pacificador das tensões detectadas ao longo do presente estudo. Para se chegar a um desenlace mais próximo ao ideal de justiça, é mister enxergar a problemática sob a lente da dignidade da pessoa humana.


10- CONSIDERAÇÕES FINAIS

A mídia, indubitavelmente, exerce papel de fundamental importância numa sociedade livre e pluralista, justa e solidária pelo que a liberdade de expressão constitui princípio fundamental num Estado que se pretenda democrático e de direito. O que não deve ser aceito é a prática desrespeitosa à dignidade humana, pois ninguém perde a qualidade de ser digno por haver cometido um delito, por mais horrendo que este possa ser, tampouco pela infelicidade de encontrar‐se segregado.

Assim, exercendo de fato e ilegitimamente um “quarto poder” da República, a mídia influencia diretamente os magistrados que são parte desta sociedade. A influência nefasta e espetacularizada, que conduz a uma lei penal inócua deve ser combalida. Por outro lado, o debate público e democrático deve ser estimulado e mantido pelos meios de comunicação. Porém, como se pôde observar, a mídia, na gigantesca maioria dos casos, exerce um papel danoso nos julgamentos efetuados pelos órgãos do Poder Judiciário.

 A aplicação da lei não deve ser produto do espetáculo espalhafatoso dos meios de comunicação em massa. O julgador não deve de plano atender aos apelos midiáticos. Mudanças urgentes devem ser estabelecidas nos veículos de comunicação, como por exemplo, a inclusão de matérias jurídicas nos cursos de Graduação em Jornalismo. A mídia, assim como o sistema penal, constitui uma forma de controle social institucionalizado. Em face do hiato existente entre o Judiciário e o homem comum, os veículos midiáticos assumem a função de decodificar a linguagem técnico-jurídica e, no exercício desse mister, findam por se travestir num verdadeiro tribunal popular.

 Por um lado, a liberdade de informação jornalística é princípio inarredável de um Estado que se pretende democrático, pois, ao tornar transparente a atuação dos órgãos estatais, permite o engendramento de uma sociedade participativa. Deve ser arredada qualquer tentativa de estabelecer uma censura às atividades dos meios de comunicação.

Porém, sob outro prisma, urge reconhecer que a desmesurada cobertura jornalística sobre um fato penalmente acoimável pode acarretar graves danos aos direitos da personalidade da pessoa exposta como suspeita. Se os pormenores do incidente delitógeno não forem narrados de maneira responsável, corre-se o risco de atingir a intimidade, a honra e a imagem do indivíduo investigado ou processado, num flagrante desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.

É imperioso que a comunidade jurídica comece a refletir sobre a ingerência dos meios de comunicação no funcionamento do Sistema de Justiça Criminal, a fim de identificar os problemas que hodiernamente fragilizam o Estado Constitucional de Direito num viés de recrudescimento da sanha punitiva estatal.

Enfim, o liame entre mídia e sistema penal é permeado, em toda sua extensão, por conflito de valores de matiz constitucional, não existindo parâmetros preestabelecidos e absolutos para o equacionamento da relação. A solução desse enfrentamento deve ser buscada à luz da casuística e através da técnica da ponderação. Apenas o sopesamento de princípios diante do caso concreto poderá conduzir o aplicador do Direito a uma solução mais afinada com os ideais de justiça.  

  Um dos direitos mais sagrados do cidadão é o de se comunicar de forma livre e espontânea. Não se defende aqui a restrição à liberdade de expressão ou à liberdade de imprensa. Ocorre que, diante do quadro afigurado, deve‐se clamar por uma imprensa mais livre e menos contaminada. O papel da imprensa precisa ser urgentemente repensado. Imprensa, liberdade e democracia devem caminhar pari passu. Liberdade sem limites é tirania!


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  37. SCHREIBER, Simone. A Publicidade Opressiva de Julgamentos Criminais.1 ed. São Paulo: Renovar, 2008.
  38. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. A mídia e a lei da mordaça.Boletim IBCCRIM. São Paulo, n. 94, set. 2000.
  39. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal.8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
  40. VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo Penal e Mídia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
  41. ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal.Trad: Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991.


11- NOTAS

1. Segundo o escólio de Zaffaroni (1991, p. 137), agências executivas do sistema penal consistem em "segmentos institucionalizados não judiciais" que atuam de forma compartimentalizada, dispondo de armas e discursos próprios para operacionalizar sua parcela de poder. O sistema penal, então, finda por ser a resultante do somatório do exercício independente desses "poderes".

2. O programa televisivo em questão era transmitido nas noites de quinta-feira entre 1999 e 2008.

3. A época com 22 anos de idade, a atriz foi assassinada por Guilherme de Pádua – colega de elenco na novela "De Corpo e Alma – e por sua mulher, Paula Thomaz. O homicídio foi concretizado com dezoito golpes de punhal.

4. O caso “ Pinté” ocorrido no interior do Estado do Acre, chamou a atenção pela espetacularização, com um júri a toque de caixa e um caso ainda envolto numa nuvem de dúvidas e interesses políticos.

5. O incêndio na Boate Kiss causou a morte de 242 pessoas, a maioria por asfixia .Os quatro acusados de serem responsáveis pelo incêndio serão julgados pelo Tribunal do Júri. A decisão foi proferida  na data de 27/07/2016  pelo juiz Ulysses Fonseca  Louzada, titular da 1ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria, cidade da região central do Rio Grande do Sul onde ocorreu o incêndio, em janeiro de 2013.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRADO, Jonas Vieira. A manipulação da mídia nos processos criminais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5927, 23 set. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67145. Acesso em: 29 mar. 2024.