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Tutelas de urgência no direito ambiental do trabalho: preservação da vida dos trabalhadores

Tutelas de urgência no direito ambiental do trabalho: preservação da vida dos trabalhadores

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No Brasil, predomina um padrão predatório de gestão do trabalho, o que, além de implicar em um meio ambiente de trabalho extremamente precário, contraria o ordenamento jurídico sob várias óticas.

Algumas palavras sobre o meio ambiente do trabalho.

A Constituição Federal dita que compete ao Poder Público defender e preservar o meio ambiente,[1] assim entendido como o conjunto de relações de ordem física, química e biológica, que rege a vida em todas as suas formas, inclusive a vida laboral (Lei n. 6.938/91. Art 3º). Mesmo que a discussão sobre o Estado mínimo seja inconsistente em seus próprios termos, já que seus defensores pregam o redirecionamento, e não a redução do Estado, há alguns pontos de consenso nos atores que debatem a relação entre Estado e sociedade: defensores das diferentes posições entendem que garantir a sobrevivência humana é um dos papéis do Estado, com a manutenção de um meio ambiente saudável, o que se materializa no Princípio 8 da Conferência de Estocolmo,[2] em redação muito semelhante ao que dispõe o art. 7º, inciso XXV da Constituição Federal.[3]

Vê-se, porém, que se multiplicam os danos causados pelo homem, com crescentes provas de perigosa poluição ambiental, prejudicando a saúde, a segurança e o bem estar do meio ambiente, especialmente naquele em que se trabalha[4], pois a mesma lógica que leva a explorar as pessoas e as classes sociais, leva também a explorar a natureza, de tudo se fazendo mercadoria e oportunidade de ganho (BOFF, 2012, p. 16). Para o filósofo e teólogo tupiniquim, uma sociedade só pode ser considerada sustentável se seus cidadãos puderem trabalhar decentemente, e com a consequente redução dos níveis agudos de pobreza.

A nossa ordem jurídica fez uma opção clara por um desenvolvimento sustentável, com a ordem econômica baseada na função social da propriedade e na defesa do meio ambiente, função social esta que somente será plenamente efetivada se exercida em paralelo à preservação do meio ambiente, com a observação das normas trabalhistas e com o favorecimento do bem-estar dos trabalhadores.

O elevado quantitativo de mortes e adoecimentos decorrentes da atividade laboral no Brasil depõe contra esta louvável iniciativa do legislador, revelando um padrão predatório de exploração do trabalho humano e do seu meio ambiente laboral, evidenciando, como regra, que está longe de ser prioridade patronal o investimento mínimo em prevenção aos acidentes de trabalho. Esse descaso empresarial no resguardo da segurança e saúde do trabalhador é facilmente detectável nos números de acidentes e doenças ocorridos no trabalho. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2015), o Brasil só fica atrás da China e dos EUA em números absolutos de acidentes de trabalho fatais.

Esse comportamento patronal não é episódico. Ao contrário do que se poderia cogitar, não decorre de reflexos de ciclos econômicos ou de outros fatos conjunturais. Trata-se de um padrão de comportamento predominante, visando à redução dos custos de produção, a fim de otimizar os lucros e/ou destacar-se no mundo concorrencial, ofertando serviços ou produtos a preços mais baixos que os concorrentes que proporcionam um ambiente de trabalho hígido a seus trabalhadores. A propósito, Filgueiras (2016) apresenta uma séria de indicadores sobre a acidentalidade no país, vinculado ao que ele designa como padrão de gestão do trabalho predominantemente predatório.

Neste contexto, para combater esses níveis alarmantes de degradação ambiental insere-se o papel do poder de polícia estatal[5], competindo-lhe preservar os processos ecológicos (art. 225, § 1º, CRFB), dentre os quais inclui-se o do trabalho (art. 200, VIII, CRFB).

O exercício do poder de polícia, nesta seara, tem por finalidade controlar os riscos de determinadas atividades ao meio ambiente do trabalho, sendo informado pelos princípios da prevenção e da precaução[6], consagrados no art. 225 da Constituição, que, em seu inciso IV, afirma que incumbe ao Estado “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, qualidade de vida e o meio ambiente [g.n.]”.

 No plano infraconstitucional, a observância desses princípios é notada na Lei n. 6.938/81, ao estabelecer que a permanência ilícita na conduta de degradação ambiental sujeitará o transgressor à suspensão de sua atividade, bem como na CLT, ao vedar o início de empreendimentos sem uma inspeção prévia de segurança e saúde por parte do Ministério do Trabalho.

Na mesma esteira, como instrumento para preservar a integridade física do trabalhador e reverter os absurdos índices de acidentes e adoecimentos no trabalho, a legislação prevê como providência a cargo da fiscalização do trabalho a interdição de máquina, equipamento ou setor, e o embargo de obra, como medidas de urgência, de natureza eminentemente preventiva, para afastar situações de trabalho que caracterizem grave e iminente risco ao trabalhador.

Como será enfatizado nas próximas linhas, cuida-se de medida também à disposição do juiz do trabalho, para impedir a continuidade das atividades nocivas à saúde do trabalhador, até que a situação de grave e iminente risco seja afastada. O Poder Judiciário, quando provocado, pode emanar determinações que subrogam a vontade das partes, paralisando atividades potencialmente perigosas, que expõem terceiros a risco de vida.

Esse protagonismo da Justiça do Trabalho na adoção de medidas preventivas ganha mais força ante a instituição, no ano de 2012, do Programa Trabalho Seguro[7] tendo como objetivo (art. 1º) “desenvolver, em caráter permanente, ações voltadas à promoção da saúde do trabalhador, à prevenção de acidentes de trabalho e ao fortalecimento da Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho - PNSST”.


Saúde e segurança do trabalho no ordenamento jurídico brasileiro. O embargo e a interdição administrativas. Natureza jurídica da medida.

A Constituição de 1988 elegeu, como fundamentos da República Federativa do Brasil, os valores sociais do trabalho e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, incs. III e IV). A norma de maior hierarquia no ordenamento jurídico pátrio realçou a importância do trabalho humano, dispondo que este deverá ser desenvolvido com respeito à dignidade do trabalhador, que não pode ser tratado como mera mercadoria ou instrumento de produção de riquezas.

As disposições da Constituição deverão nortear todo o ordenamento infraconstitucional, inviabilizando qualquer texto normativo que possa atentar contra seus fundamentos. Se não é admissível norma atentatória a seus ditames, também não podem ser admitidas condutas empresariais ou decisões judiciais que lhes sejam contrárias, invalidando comandos técnico-administrativos acautelatórios da Inspeção do Trabalho, inspirados no princípio ambiental da prevenção.

A Constituição destaca a efetiva necessidade de assegurar a higidez do meio ambiente laboral, como parte integrante do meio ambiente em geral. E seguindo essa lógica de proteção da saúde do trabalhador, o constituinte de 1988 inovou ao estatuir como direito dos trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII). Impende enfatizar que se intentou, com essa proteção normativa, instituir uma obrigação ostensiva a ser cumprida pelo empregador, pelo legislador infraconstitucional, pelo Judiciário, e pelas políticas públicas do Poder Executivo, com natureza eminentemente inibitória[8].

Sob o ponto de vista legislativo, além dos preceptivos constitucionais e do contido em normas internacionais,[9] várias disposições infraconstitucionais vigentes no ordenamento pátrio atendem ao comando constitucional de redução dos riscos inerentes ao trabalho, especialmente o art. 200 da CLT, que atribui ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições à luz das peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho. Desse modo, o Ministério do Trabalho expediu diversas Normas Regulamentadoras (NRs), que estabelecem procedimentos obrigatórios relacionados ao meio ambiente laboral para garantir a saúde, segurança e higiene do trabalhador. Essas normas, tipificadas como portarias ministeriais, com alicerce constitucional (art. 87), são elaboradas e alteradas por comissões tripartites específicas compostas por representantes do governo, dos empregados e dos empregadores.

Com o objetivo de preservar a integridade física do trabalhador, o art. 161 da CLT, c/c item 3.1 da Norma Regulamentadora de n. 3, especificamente, estabelece, como providência a cargo da fiscalização do trabalho, no espectro do seu poder de polícia, a interdição de máquina, equipamento ou setor e o embargo de obra, diante de situações de iminente risco no ambiente laboral.

O Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região, através da sua 2ª Turma, efetivando no ordenamento jurídico pátrio o disposto na Convenção n. 81 da Organização Internacional do Trabalho, proferiu acórdão à unanimidade em ação civil pública de n. 0010450-12.2013.5.14.0008 (Relatoria do Desembargador Carlos Lobo) intentada pelo Ministério Público do Trabalho, com extensão nacional, asseverou que a competência para promover embargos e interdições é privativa dos auditores-fiscais do trabalho (e não mais dos Superintendentes Regionais do Trabalho). No mesmo sentido, a Portaria do Ministério do Trabalho e Previdência Social de n. 1.719, de 5 de novembro de 2014 (publicada no DOU em 07 de novembro de 2014) corrobora este entendimento.

Cuida-se de medida de urgência para afastar situação de trabalho que caracterize grave e iminente risco ao trabalhador. Não se trata de uma medida sancionatória, mas preventiva e acautelatória, colimando evitar o acidente ou adoecimento, e prevenindo novos infortúnios, tanto pelo efeito da prevenção específica que provoca no empregador atingido, quanto pelo efeito pedagógico.

Do ponto de vista jurídico, o comportamento empresarial que infringe o meio ambiente laboral, e as ações de instituições públicas que não o coíbe, não se coadunam com os Princípios da Precaução e Prevenção. Isso é ainda mais grave porque há um descompasso brutal entre o que o ordenamento jurídico estabelece e as condições de saúde ocupacional no Brasil. Há várias pesquisas que demonstram, por exemplo, como o descumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho são generalizadamente descumpridas pelas empresas (FILGUEIRAS, 2012), e como a maioria dos acidentes possui relação com a inobservância das disposições legais pelas empresas (BRASIL/MTE/RS, 2011, FILGUEIRAS, 2014, 2015, 2016; VILELA; IGUTI & ALMEIDA, 2004).

Em se tratando de medida de natureza cautelar, a interdição e o embargo têm que ser medidas vinculantes (e não discricionárias) se os riscos são graves e iminentes. Tendo em vista os altos índices de acidentalidade no Brasil, os embargos e interdições administrativos são medidas não apenas compatíveis, mas necessárias, e devem ser crescentemente utilizadas até que esse quadro de sofrimento seja alterado. É essencial que o Poder Judiciária tenha isso em mente quando tratar essa matéria, a fim de não se admitir o levantamento judicial da interdição ou do embargo sem o afastamento do grave e iminente risco que ensejou a medida, o que contribui objetivamente para incentivar a perpetuação das condições que ensejam sofrimento e morte no trabalho.


O papel da Justiça do Trabalho na promoção da saúde e segurança e a resistência empresarial.

A Constituição da República assegura a inafastabilidade da jurisdição e, destarte, sempre que qualquer pessoa entender que está sofrendo lesão ou ameaça a seu direito, pode recorrer ao Judiciário para guarnecer a sua esfera juridicamente protegida, o que pode se dar diante de interdições administrativas perpetradas pela Inspeção do Trabalho supostamente ilegais.

Assim, não é incomum que as empresas que foram objeto da atuação do poder de polícia do Ministério do Trabalho ingressem no Poder Judiciário através de mandados de segurança – em manifesto abuso procedimental (PRUDENTE, 2013, p. 22) – ou de ações anulatórias de rito ordinário, buscando a nulidade das interdições ou embargos administrativos.

Não obstante, é preciso prudência do magistrado diante de ações que visem ao afastamento do ato de interdição/embargo, a fim de identificar se, de fato, o que pretende o peticionante é a proteção do seu direito diante de um ato administrativo ilícito ou se é proteger o seu interesse econômico (e não um direito) diante de situação que é efetivamente atentatória à saúde do trabalhador.

Em muitas situações, ao invés de providenciar a correção das irregularidades detectadas para conseguir o levantamento administrativo da interdição ou do embargo, o infrator opta por simplesmente impugnar o ato de interdição sem a adoção das providências corretivas necessárias ao afastamento do risco.

Um argumento que costuma ser utilizado pelos empregadores nas ações para suspensão dos efeitos da medida administrativa são os riscos econômicos da paralisação das atividades.

Ora, o direito à vida é preponderante sobre o direito à livre iniciativa, e o artigo 173 da CRFB é claro ao estabelecer que a atividade econômica submete-se ao valor social do trabalho e à dignidade da pessoa humana – e não o contrário.

Ademais, a interdição e o embargo objetivam também a regulação da concorrência, de modo a evitar que o desrespeito sistemático a normas de proteção da saúde do trabalhador possa configurar infração à ordem econômica (costumeiramente difundida como dumping social),[10] colocando a empresa infratora em situação concorrencial ilicitamente vantajosa em relação a seus competidores que cumprem a legislação. Sem a interdição e o embargo, seria muito mais vantajoso economicamente às empresas o descumprimento às normas de segurança e saúde no trabalho.

Queremos com isso enfatizar que o princípio constitucional da livre iniciativa deve ser analisado sob um ponto de vista amplo, levando em consideração os demais empregadores concorrentes e toda a oferta de serviços empresariais, e não apenas o perfil individual do litigante judicial.


Impossibilidade de ataque pela via do mandado de segurança.

Como vimos, é comum o empregador, ao invés de adotar as medidas necessárias ao saneamento dos riscos apontados no termo de interdição ou de embargo, buscar o afastamento judicial do embargo ou da interdição por meios mais céleres, em especial mediante o mandado de segurança com pedido de liminar, de modo a anular o mais rápido possível a interdição ou o embargo para não afetar sua atividade econômica, mesmo diante de risco grave à saúde do trabalhador.

O art. 5º, inciso I, da Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009 (Lei do Mandado de Segurança) preceitua que não se concederá mandado de segurança quando se tratar “de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução”. Cuida-se exatamente da situação na qual se enquadra o embargo de obra e a interdição de máquinas, tendo em vista o disposto no §3º do art. 161 da CLT, que prevê instrumento administrativo recursal com efeito suspensivo.

Da decisão do Delegado Regional do Trabalho poderão os interessados recorrer, no prazo de 10 (dez) dias, para o órgão de âmbito nacional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho, ao qual será facultado dar efeito suspensivo ao recurso” (grifos nossos)

Com efeito, deve-se atentar para a impossibilidade jurídica de se manejar a via estreita do mandado de segurança para o afastamento do ato, pela literal possibilidade de recurso com efeito suspensivo na seara administrativa, só restando ao empregador veicular sua pretensão pela via ordinária.

Não é só. No mais das vezes, o que se verifica é que inexiste prova documental pré-constituída carreada pelo impetrante do writ, o que também impede o conhecimento desta ação especial, que não comporta dilação probatória[11].  Isto sem falar que os atos emanados de autoridades públicas gozam de presunção de veracidade que, nos termos da nossa legislação, somente podem ser descontituídos mediante prova robusta em sentido contrário. Se não forem atendidos todos estes preceitos processuais, a via mandamental mostra-se impossibilitada.


Casos práticos.

A partir de agora, oportuno analisar algumas decisões judiciais acerca das interdições administrativas efetivadas por auditores-fiscais do trabalho no exercício do poder de polícia.

Inicialmente, serão trazidas a lume decisões judiciais que suspenderam os efeitos de medidas aplicadas pela Inspeção do Trabalho. Quase todas elas trazem, em comum, a ideia de que a interdição iria ou poderia provocar a perda do emprego dos trabalhadores. Dentre vários exemplos possíveis, citamos o caso dos inúmeros mandados de segurança propostos pela empresa Infinity, em 2011, visando anular termos de interdição realizados pelo Grupo Móvel de Fiscalização, pelas condições de risco encontradas nas frentes de trabalho de corte da cana. A decisão, do Presidente do Tribunal Superior do Trabalho à época, suspendeu a interdição ministerial sob o fundamento de que “haveria nefasta consequência também para os trabalhadores o restabelecimento da eficácia do termo de interdição, uma vez que perderiam seus empregos” (RC nº. 4313-96.2011.5.00.0000).

No Estado do Mato Grosso do Sul, seis interdições dos auditores federais que foram suspensas pela Justiça do Trabalho da região de Dourados/MS, sob a alegação de que as autoridades federais não fizeram referência a nenhum acidente de trabalho pretérito registrado nos estabelecimentos fiscalizados, e que se a empresa fosse fechada por conta daquelas interdições haveria um mal social de grandes proporções já que a empresa contratava oitenta (80) empregados (Processo nº MS-0024759-80.2014.5.24.0022).[12] Em outro caso, também em Dourados/MS, foi dito ainda que “A paralisação da empresa sem oportunização do razoável tempo para regularização põe em risco a manutenção dos contratos comerciais e trabalhistas, e o potencial risco para a sobrevivência das mais de 170 famílias e economia do município (periculum in mora)” (MS 24.063-10.2015.5.24.0022).

Em outro processo, neste mesmo Estado, a decisão afirmou que:

“(...) a requerente (estava) empenhada em cumprir a determinação da GRTE/MS. Ademais, a paralisação completa da atividade da empresa gerará prejuízos imensuráveis à saúde financeira da empresa, com reflexo direto em seus empregados, uma vez que impedida de atender aos pedidos de compradores, não perceberá renda e não terá condições de pagar salários, tendo alertado a requerente, inclusive, do risco de inevitável demissão de todos os seus 64 empregados” (Processo nº 702-37.2014.5.24.0106).

Em 2014, na Bahia, em processo visando ao levantamento de interdição de máquinas numa fábrica de bolas, a Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região desconsiderou os riscos apontados pelos auditores nos relatórios técnicos e fixou o entendimento de que:

paralisar a produção empresarial pode sim, causar grave lesão à ordem e à economia públicas com a possibilidade de despedida em massa de trabalhadores. Portanto, não vejo como modificar a decisão impugnada. Assim, pelos motivos acima expostos INDEFIRO o pedido de Suspensão da Liminar concedida pelo Juiz da 3ª Vara do Trabalho de Itabuna. (Processo nº 0000132-09.2014.5.05.0000).

O Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, em todos os anos entre 2008 e 2012, com o mesmo fundamento, liberou a operação da maquinaria que provocou centenas de esmagamentos e mutilação de membros de trabalhadores (Mandado de Segurança nº 0000647-63.2010.5.05.0621; Mandado de Segurança n. 0081600-82.2008.5.05.0621). Em um processo sobre a interdição de alguns equipamentos de uma fábrica de calçados, no sudoeste da Bahia, nacionalmente conhecida pela amputação de membros de dezenas de trabalhadores por ausência de dispositivos mínimos de proteção, decidiu o TRT:

 São relevantes os fundamentos do pedido e palpáveis os prejuízos que poderão advir do ato impugnado, caso seja mantido nos moldes definidos pela ilustre autoridade apontada como coatora, conforme o decisum de fls. 117/123 está a indicar, até porque a defesa do bem jurídico sobre o qual incide a medida protetiva ali adotada não deve ser erigida em desfavor da própria continuidade de um empreendimento que congrega milhares de empregos diretos numa região tradicionalmente carente de atividade econômica como a de Itapetinga, neste Estado. (grifos nossos).

Em 2012, na Bahia, o Tribunal Regional do Trabalho suspendeu a interdição do maquinário irregular que expunha trabalhadores a risco em uma multinacional fabricante de pneus. Assim justificou: “tendo em vista que a presente medida visa garantir a continuidade da empresa, que congrega centenas de trabalhadores diretos e indiretos, é patente a urgência da medida, sob pena de ensejar dano irreparável ou de difícil reparação a toda uma coletividade” (Processo 00000122-42.2012.5.05.0191)

Todavia, ao contrário do que afirmam essas decisões, não há qualquer contradição entre a paralisação das atividades interditadas para regularização, e posterior retomada das atividades produtivas. Elas criam um falso dilema entre não sobreviver (pela rescisão do contrato de trabalho) ou morrer no exercício do contrato de trabalho (com a manutenção do labor em atividade perigosa), quando, em verdade, apenas a segunda hipótese está colocada nas interdições. Essa retórica torna o trabalhador refém da sua condição de dominação e opressão, já que requerer melhores condições de trabalho, por essa perspectiva, implica a perda do emprego.

Contudo, a proteção dos trabalhadores em nada ameaça a existência dos empregos. Como demonstrou Filgueiras (2012, 2014A, 2014B), com base nos resultados do universo das fiscalizações no Brasil, as empresas são interditadas, regularizam suas condições de segurança no trabalho, e voltam a operar.

Em Pernambuco, a interdição de uma grande empresa de telemarketing foi suspensa pelo Poder Judiciário, ainda que sem qualquer comprovação da correção das irregularidades. Em nota, o TRT informou que "a juíza responsável pelo julgamento do mandado de segurança, Camila Augusta Cabral de Vasconcellos, deferiu parcialmente o pedido da Contax, para suspender a interdição determinada pelo MTE, por considerar a medida de interdição excessiva, em face das tentativas da empresa em se adequar às exigências legais tratadas no relatório de interdição" (Processo n. RO-0000077-52.2015.5.06.0014)[13].

"Na hipótese em apreço, constata-se tratar de interdição de 80% dos maquinários da empresa impetrante, o que acarreta a parada de toda a sua produção, gerando prejuízos irreparáveis para a empresa, mas também insegurança econômica para seus empregados, que totalizam em média 670, de modo que também refletirá no âmbito social como um todo pela geração de desemprego em massa."

Em outro processo judicial, em Sergipe, no ano de 2013, após a interdição de máquinas e equipamentos irregulares e perigosos da empresa Duchacorona Ltda, a Justiça do Trabalho suspendeu a interdição efetivada pela Fiscalização do Trabalho, permitindo o retorno da operação do maquinário. Foi salientado na aludida decisão que a interdição (que abrangeu cerca de 80% dos maquinários da empresa impetrante), “acarreta a parada de toda a sua produção, gerando prejuízos irreparáveis para a empresa, mas também insegurança econômica para seus empregados, que totalizam em média 670, de modo que também refletirá no âmbito social como um todo pela geração de desemprego em massa.”  

Após a medida judicial que determinou a retomada das atividades empresariais perigosas, um acidente amputou o dedo de um trabalhador justamente em uma máquina que teve a interdição suspensa por meio da referida decisão judicial (Processo nº 0000426-75.2013.5.20.0001).[14] Após o acidente, houve nova inspeção no setor produtivo da empresa, onde foi constatado que as máquinas cujas interdições foram suspensas continuavam não atendendo aos requisitos de segurança previstos na NR-12.

Na contramão do arcabouço constitucional e infraconstitucional de proteção da vida e saúde do trabalhador, posicionamentos como o ora em destaque conferem prevalência à premissa de que o sacrifício ocupacional deve recair sobre o trabalhador, e não sobre a atividade empresarial.  Noutro falar, consagram (ainda que de forma inconsciente) a seguinte ideia: a saúde do trabalhador não é um resultado final a ser atingido, mas mera obrigação de meio, que pode ser objeto de tentativa de acerto (ou erro) por parte das empresas.

Sob o ponto de vista técnico e jurídico, o caminho a ser seguido deveria ser a imediata correção das irregularidades pela empesa, ou que ao menos paralisasse suas atividades até a certeza da ausência de risco iminente à integridade física dos trabalhadores e, concomitantemente, o respeito à legislação de segurança e saúde no trabalho.

Se há inconsistência técnica no ato de interdição administrativa, não cabe aos operadores do direito defendermos a manutenção da medida acautelatória dos auditores-fiscais do trabalho. Todavia, quando tais interdições são efetivadas pela Inspeção do Trabalho, o fundamento técnico é o risco atual e iminente, comprovado por autoridades imparciais que detém know-how sobre o tema e que gozam de presunção legal de veracidade dos fatos aduzidos, conforme disposições do Direito Administrativo.

Em algumas decisões judiciais, por outro lado, as presunções futurísticas de demissões coletivas e perda de lucros ou contratos são feitas sem qualquer evidência empírica, e as interdições são levantadas sem qualquer respaldo técnico. Estas liminares fazem tábula rasa ao Princípio 15 da Declaração do Rio, na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada em 1992: “Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”. Estes são os dados e princípios que deveriam ser postos na balança no ato de julgar.

A Justiça do Trabalho possui um discurso contundente no que tange à proteção da saúde e segurança do trabalhador, como se vê, por exemplo, nas palavras do ex-Presidente do TST, Ministro Barros Levenhagen, no Seminário Internacional Trabalho Seguro realizado em outubro de 2015.[15] No entanto, quando se verifica a banalização de liminares suspendendo decisões administrativas lastreadas no poder de polícia da Inspeção do Trabalho, observa-se a inconsistência desta retórica.

Em muitos destes casos os argumentos da defesa não possuem sequer respaldo jurídico por parte das empresas infratoras. Aliás, quanto ao cometimento dos ilícitos, muitas vezes as empresas infratoras confessam a materialidade das ilicitudes, apresentando, porém, evasivas laterais sobre uma suposta incapacidade econômica de permanência da atividade empresarial em caso de adequação do meio ambiente laboral, alegação esta sequer provada do ponto de vista processual. Tanto é que as empresas que foram objeto das interdições acima citadas continuaram funcionando normalmente – e quando migram para outras localidades assim o fazem por outras razões.

O trabalho constitui-se num meio de vida, na forma de sobrevivência encontrada pela quase totalidade da população para sua reprodução social. Não pode ser encarado como um destino trágico, exercido num ambiente onde vidas podem ser ceifadas ou num locus propício ao esfacelamento do corpo. O Judiciário pode estar incentivando, com estas posturas a degradação ambiental e humana, e a concorrência desleal, sem conseguir sequer salvar empregos.

Não se argumenta, aqui, que este é o pensamento majoritário do Poder Judiciário Trabalhista, até mesmo porque, por enquanto, nosso levantamento não é conclusivo nesse sentido. Mas, no mínimo, é um entendimento frequente, persistente e espalhado pelo Brasil.

Vale registrar alguns posicionamentos diversos. Um desses casos ocorreu no Mato Grosso do Sul, em 2014, quando o pedido formulado liminarmente pela empresa interditada, em ação mandamental, foi negado pelo Poder Judiciário. De acordo com o magistrado: “o direito não precisa de mártires para uma atuação mais austera. Aliás, se um ser humano for mutilado ou morto em razão de falha na segurança, não será com a chancela da minha caneta”. (Juiz do Trabalho Flávio da Costa Higa, Mandado de Segurança nº. 0024278-45.2014.5.24.0046). As medidas patronais devem ser proativas para justamente impedir a ocorrência de acidentes e, por isso, a Justiça do Trabalho negou a liminar à empresa, por considerar o fundamento apresentado irrelevante.

Outro julgado que demonstra a compreensão da perfeita lógica da atuação preventiva no resguardo da saúde do trabalhador coleta-se do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. A Desembargadora Brígida Joaquina Charão Barcelo Toschi (em decisão proferida no Mandado de Segurança n. 0021722-69.2014.5.04.0000, contra ato do Juízo da 25ª Vara do Trabalho de Porto Alegre que, nos autos do Mandado de Segurança n.º 0021585-12.2014.5.04.0025[16], havia deferido liminar para suspender ato de interdição), suspendeu a liminar concedida pelo juízo de primeiro grau para restabelecer interdição total em atividades de manutenção e instalação da Global Village Telecom S.A. (GVT) em todo o Estado do Rio Grande do Sul. Entendeu a magistrada que, embora a efetiva fiscalização tenha ocorrido em alguns poucos postes, nos locais fiscalizados restou configurado que o procedimento adotado durante a prestação dos serviços acarreta grave e iminente risco aos trabalhadores nas atividades realizadas. Foi consignado ainda na decisão em foco que não houve a prova inequívoca de que as condições fáticas relatadas pela Fiscalização do Trabalho não se reproduziam nos demais locais onde operam os trabalhadores, tampouco que somente se restringiam às localidades referidas pelo ato de interdição. Ao final do mandado, o próprio Juízo de Primeiro Grau proferiu sentença denegando a segurança pleiteada pela empresa e mantendo o ato de interdição. Eis relevante excerto da sentença[17]:

Outrossim, o ato de interdição lavrado pelo MTE possui presunção de legalidade e veracidade, não sendo possível a discussão acerca do risco grave e iminente à saúde e à integridade física dos trabalhadores pela via do mandado segurança, que detém cognição sumária limitada.

Quanto aos limites do ato de interdição, a situação fática descrita no ato de interdição e laudo técnico que o acompanha permite a verificação das condições de trabalho por amostragem. Soma-se a isso o fato da Portaria nº 40/2011 não limitar a interdição somente aos locais vistoriados pelo Auditor Fiscal.

De qualquer forma, o ato administrativo vergastado não inviabiliza que a impetrante exerça a atividade econômica que  lhe  foi  concedida  pelo  Poder  Público,  mas  apenas  proíbe  que  tais  atividades  sejam  realizadas  do  modo  como  verificado  em  regular  processo  administrativo,  com  iminente  perigo  à  vida e segurança dos trabalhadores envolvidos. 

Observa-se consonância com os princípios da prevenção e da precaução do raciocínio exposto tanto na decisão da Desembargadora como na sentença do Juízo de Primeiro Grau. Identificado o grave iminente risco à vida do trabalhador mediante a avaliação de alguns postos de trabalho, nos quais restou acentuada insegurança do próprio procedimento adotado na prestação do serviço que, por ser um procedimento-padrão da empresa, era obviamente reproduzido em todas as frentes de trabalho. Assim, a interdição das atividades de instalação e manutenção em todo o Estado foi considerada válida na decisão judicial em referência, à míngua de demonstração pela impetrante das adequações necessárias ao procedimento-padrão adotado pela empresa.

Evidenciada a lógica empresarial de buscar o afastamento judicial do embargo ou da interdição sem neutralizar os riscos ambientais identificados, cabe enfatizar outro mandado de segurança impetrado perante o mesmo Tribunal pela Brasil Telecom S.A., contra decisão de juízo de primeiro grau que indeferiu antecipação de tutela para afastar ato de interdição. A interdição foi decretada após acidentes que acarretaram a morte de empregados, e teve por finalidade proibir a utilização de escadas de mão extensíveis apoiadas no sistema cordoalha e cabos telefônicos. No acórdão do Regional[18], foi consignado:

Não há, portanto, a presença de prova inequívoca da arbitrariedade do agente público e nem verossimilhança nas alegações da inicial, a afastar a presunção de legitimidade do ato. De resto, não há interdição da prestação de serviços e sim apenas do uso de determinado sistema, segundo se apura no item 'a' das Medidas Destinadas ao Saneamento dos Riscos Apontados (fl. 23). Quanto à alegação da inicial, de que cumpridas todas as exigências para a continuidade do uso do sistema de escadas de mão flexíveis apoiadas na cordoalha, é reputada como incorreta pela defesa[...].

Não bastassem tais fundamentos, o parecer do D. Procurador Regional do Trabalho é de que não há como ser concedida a segurança pretendida, tendo em vista que a empresa impetrante poderia se ver livre da interdição imposta, caso tivesse alterado seus procedimentos de trabalho, a fim de se adequar às medidas de segurança necessárias a elidir os riscos de acidentes de trabalho de seus empregados, do que não cuidou.

E essa decisão foi mantida pelo Tribunal Superior do Trabalho (ROMS 241100-08.2006.5.04.0000),[19] que não visualizou abusividade ou ilegalidade na decisão que indeferiu a antecipação de tutela para suspender a interdição das atividades da recorrente, considerando controvérsia sobre o cumprimento das exigências indicadas pela agente fiscal para a continuidade dos serviços e consequente levantamento da interdição, o que gerou a determinação de perícia técnica pelo Juiz da Vara de origem.


A ponderação de interesses:  direito à vida versus direito ao livre exercício da iniciativa privada. A lógica da conciliação a todo custo.

Nos casos envolvendo pedidos de suspensão judicial de interdições ou embargos, o que normalmente se vê é a utilização da técnica da ponderação de interesses, onde o direito fundamental à vida (inserido no rol dos Direitos Humanos) está sendo sopesado com o direito ao livre exercício da iniciativa privada. Contudo, entendemos que esta lógica conciliatória parece estar sendo objeto de abuso hermenêutico.

Se não é possível a renúncia ou transação conciliatória de direitos individuais, por força do artigo 9º da CLT, em se tratando de direito eminentemente difuso, como o direito ao meio ambiente hígido, a renúncia ou transação apresenta-se ainda mais proibitiva.

Reina na Justiça do Trabalho, porém, a ideia de conciliação, uma tradição que precisa ser analisada criticamente, à luz dos próprios objetivos e princípios de justiça. Sistemáticas pesquisas têm demonstrado que essa estratégia conciliatória representa uma solução precária entre as partes envolvidas, sem qualquer efeito ex ante (pedagógico) perante os demais empregadores, e tem como consequência a perpetuação do mesmo comportamento empresarial e não uma evolução natural para o caminho da legalidade (FILGUEIRAS, 2012, SOUZA, 2013, 2014, FILGUEIRAS, LIMA JUNIOR, 2015).

O que está por trás desta lógica, no nosso sentir, é a submissão tácita ao que se considera o inexorável poder patronal, sendo que este decide quando e como contratar/degradar; como e quando dispensar, regulando ainda todas as etapas da dependência econômica do trabalhador; antes, durante e depois de sua admissão.

Os argumentos adotados em decisões que seguem a lógica aqui exposta parecem corroborar esse direito potestativo empresarial, quando reafirmam que o Poder Judiciário não pode paralisar atividades econômicas potencialmente perigosas, sob pena de demissões coletivas.[20] Supõem, de forma equivocada, que demissões coletivas não podem ser obstadas pela Justiça do Trabalho, quando já existem inúmeros precedentes, inclusive do TST, asseverando a possibilidade de reversão de dispensas em massa.

A propósito,  a lógica de impossibilidade de paralisar determinada atividade para evitar “demissões” não pode ser argumento a ser considerado diante de graves ilícitos que colocam em risco a vida e a saúde do trabalhador, pois em ilícitos estranhos à esfera trabalhista (alguns de gravidade muito inferior, que sequer chega a afetar direitos fundamentais, como alguns ilícitos tributários), de natureza civil e/ou o Judiciário não costuma flexibilizar as interdições administrativas sob o argumento de inviabilizar a atividade econômica do infrator. Não se tem notícias, por exemplo, da liberação judicial de ônibus, caminhões, táxis retidos por autoridades de trânsito ou de estabelecimentos interditados por órgãos sanitários sob o pretexto de evitar desemprego ou sob pretexto de garantir livre exercício de atividade econômica.

Nesse sentido, a jurisprudência da Justiça Comum é implacável. Cite-se, a título ilustrativo, o seguinte julgado:

MATADOURO PÚBLICO - CONDIÇÕES SANITÁRIAS DEFICIENTES - HIGIENE NÃO OBSERVADA - INTERDIÇÃO NECESSÁRIA - ALEGAÇÃO DE CONSEQUÊNCIAS PARA A MUNICIPALIDADE - DESEMPREGO E CRISE NO ABASTECIMENTO- SAÚDE - PREVALÊNCIA DO INTERESSE PÚBLICO MAIOR. As ações e serviços de saúde são de relevância pública, por isso ficam inteiramente sujeitos à regulamentação, fiscalização e controle do poder público. Havendo conflito de interesses públicos, com prova de que o matadouro municipal se encontra em péssima condição de conservação, sendo os animais abatidos sem qualquer fiscalização, em detrimento de condições de higiene e sem prévio exame do animal a ser abatido, deve ser deferida a liminar de interdição até que o município tome as medidas necessárias para afastar o risco a que a saúde pública está exposta, mesmo em detrimento do abastecimento da população e com consequência de desemprego. No conflito de princípios e interesses públicos, deve ser privilegiado o interesse maior da saúde e aquele que leva a uma solução e não aquele que mantém o problema. Cabe a responsabilidade ao município em regularizar rapidamente o problema para resguardar todos os bens em conflito. (TJMG. AGRAVO Nº 1.0522.06.020765-4/001 - Rela. Desa. Vanessa Verdolim Hudson Andrade).

A respeito, bem observam SCIENZA e RODRIGUES (2016) que normalmente a maior flexibilidade apresentada pelo Judiciário em relação a interdições motivadas por risco de lesões a trabalhadores se explica pela falta de identificação do aplicador do direito com as potencias vítimas das lesões. Ao passo que violações ambientais, sanitárias ou de tráfego podem atingir qualquer um, violações trabalhistas tem rol de vítimas restrito aos trabalhadores envolvidos na atividade.

O limite de flexibilização nas decisões judiciais já nos foi dado de antemão pela Constituição da República, quando se efetiva o direito à vida, à melhoria das condições de trabalho e ao meio ambiente hígido, sendo extremamente temerário transpor esta fronteira quando estamos a lidar com a saúde e a vida das pessoas. Afinal, o cumprimento da lei não pode ser flexibilizado em prol de valores outros, reputados como axiologicamente superiores pelas corporações (ou pelo Judiciário), sob pena de restar autorizado, implicitamente, o sacrifício de vidas humanas em prol do almejado incremento da margem de lucro. Se o cumprimento da lei não for minimamente literal, descamba-se para um arbítrio, que em outro momento pode voltar-se contra o próprio empregador.[21]


Falso dilema entre interdição judicial e violação ao princípio da livre iniciativa ou geração de empregos.

A Justiça do Trabalho, no nosso sentir, tem que se acostumar com alegações empresariais de lamento que asseveram a iminência falimentar ou extenso prejuízo econômico, não podendo o Judiciário se impressionar com a dramaticidade exposta em determinadas petições,[22] competindo-lhes balizar corretamente o valor da vida e da saúde em confronto com o direito à iniciativa empresarial.

Compete-lhe, ainda, entender que vivemos numa sociedade capitalista, e que por isso não será buscando o consenso do infrator que as condições ambientais de trabalho vão melhorar. Ao revés, seria salutar que o Poder Judiciário Trabalhista criasse um ambiente de segurança jurídica para as empresas cumpridoras da lei, no sentido de que não vão enfrentar concorrência espúria, e forjasse, por consequência, uma etapa fundamental para preservar a vida dos trabalhadores.

Em suma, a frequência dessas medidas acautelatórias deve ser proporcional às precárias condições de saúde e segurança proporcionadas. Sendo o Brasil pródigo em acidentes, forçosa a multiplicação de comportamentos deste jaez. A política “conciliatória” promovida há décadas retoricamente como orientadora e educativa é unilateral, pois concilia com interesses empresariais, mas não com a efetividade da legislação.

Noutro passo, se a atividade produtiva, no nosso País, exige mutilação e morte exclusiva de trabalhadores – jamais dos empregadores, ressaltamos – algo precisa ser repensado, e as interdições judiciais ou administrativas servem justamente a esta reflexão. Atividades potencialmente lesivas devem ser suspensas para que a direção e administração da empresa, de forma refletida e ponderada, articule ideias e atitudes que façam com que a atividade econômica se adeque à legislação para preservação da higidez dos seus obreiros. E isto vale tanto para pequenos empreendimentos – como marmorarias com índices altíssimo de mortalidade – quanto para barragens da grandiosidade de Belo Monte.

Tais medidas preventivas, fruto exclusivo do cumprimento da lei, não irão causar demissões coletivas ou transferência de empresas para outras localidades – comunidades onde supostamente a precarização é possível. Diga-se que não há registro histórico destas previsões, afinal a Fiscalização do Trabalho interdita e embarga milhares de empresas todos os anos, e nenhuma delas encerrou suas atividades até hoje (FILGUEIRAS, 2014) por causa da aplicação do Princípio da Precaução ambiental. Mas, ainda que houvesse um bailout massivo, o Estado Brasileiro tem que deixar claro qual é o patamar mínimo necessário para a sobrevivência do empreendimento econômico, não tolerando barganhas com a saúde humana, ainda que em troca de um benefício financeiro que diz respeito tão somente aos proprietários e acionistas (mas não aos trabalhadores ou à sociedade como um todo).

É natural, e até mesmo esperado, que empregadores tentem forçar os limites da regulação do Estado, infringindo as Normas Regulamentadoras protetivas acima referidas. O que causa surpresa é tão somente que esta precarização ambiental seja corroborada por decisões judiciais.

O Poder Judiciário não tem a prerrogativa de criar empregos e nem de preservá-los ad aeternum. Somente haverá demanda na contratação de trabalhadores se houver quem possa adquirir estes produtos ou serviços que são por eles produzidos, ou seja, um mercado comprador. O que pode a Justiça é apenas conferir alguma dignidade àqueles que tem a necessidade de trabalhar para aferir renda. Logo, decisões judiciais não podem, a priori, aumentar ou diminuir o nível de emprego. Esta política pública somente pode ser realizada pelo Poder Executivo, com medidas de estímulo ou desestímulo a determinadas atividades, caracterizadas como políticas macroeconômicas, como cambial, fiscal e monetária.

Não cabe ao Judiciário Trabalhista promover a defesa de empreendimentos que não estão atendendo à sua função social.[23][24] Também não há ameaça à manutenção dos postos de trabalho, seja porque, a despeito de alguns comportamentos destoantes, há um grande quantitativo de empregadores que respeitam a legislação cujas atividades não necessitam ser paralisadas, seja porque os fatores determinantes da manutenção da atividade empresarial estão na expectativa de sua margem de lucro que é fixada por condicionantes exógenas (demanda de mercadorias pelo mercado consumidor) e não pelos custos do trabalho.


Interdição/embargo por meio de provimento jurisdicional

Frisamos aqui que o Judiciário pode não apenas convalidar os embargos e interdições efetivados pelos auditores do Ministério do Trabalho, mas pode, ele mesmo, quando provocado, engendrar a efetivação dos Princípios da Prevenção e da Precaução.

A possibilidade de interdição judicial de atividades nocivas está prevista no art. 11 da Lei n. 7347/95: “Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor”.

Com efeito, em sede de tutela de urgência em ações civis públicas, com fundamento nos arts. 11 e 12 da Lei n.º 7.347/85, cabe ainda a interdição ou embargo, como medida de natureza cautelar, até que seja comprovada nos autos a regularização da irregularidades que deram ensejo à medida de urgência.

A respeito, oportuno sublinhar o entendimento firmado no Enunciado n. 60 da Jornada de Direito Material e Processual do Tribunal Superior do Trabalho:    

60. DE ESTABELECIMENTO E AFINS.  AÇÃO DIRETA NA JUSTIÇA DO TRABALHO. REPARTIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA.  I – A interdição de estabelecimento, setor de serviço,  máquina ou equipamento, assim como o embargo de  obra (artigo 161 da CLT), podem ser requeridos na Justiça do Trabalho (artigo 114, I e VII, da CRFB), em sede principal ou cautelar, pelo Ministério Público do Trabalho, pelo sindicato profissional (artigo 8º, III, da CRFB)  ou por qualquer legitimado específico para a tutela judicial coletiva em matéria labor-ambiental (artigos 1º, I,  5º, e 21 da Lei 7.347/85), independentemente da instância administrativa.  II – Em tais hipóteses, a medida poderá ser deferida [a]  “inaudita altera parte”, em havendo laudo técnico preliminar ou prova prévia igualmente convincente; [b] após audiência de justificação prévia (artigo 12, caput, da Lei  7.347/85), caso não haja laudo técnico preliminar, mas  seja verossímil a alegação, invertendo-se o ônus da  prova, à luz da teoria da repartição dinâmica, para incumbir à empresa a demonstração das boas condições  de segurança e do controle de riscos.      

Ainda que não houvesse previsão normativa expressa na Lei n. 7.347/85, comportaria a concessão da medida com base no poder geral de cautela estabelecido no Código de Processo Civil de 1973, em seu art. 798. Agora, com a vigência do Novo Código de Processo Civil (CPC/2015), a disciplina normativa para a concessão da medida de urgência de natureza cautelar, como a ora em tela, é ainda mais clara:

Art. 294A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.

Parágrafo único.A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.

Art. 297O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória.

Parágrafo único.A efetivação da tutela provisória observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber.

Demonstrado, por meio de elementos probatórios, ainda que indiciários, a “condição ou situação de trabalho que possa causar acidente ou doença relacionada ao trabalho com lesão grave à integridade física do trabalhador” (definição de grave e iminente risco contida na NR 3), ou seja, o fumus boni iuris, o perigo da demora não apenas é presumível, é consequência natural óbvia, pois a conduta (comissiva ou omissiva) que cria “grave e iminente risco”, como a própria expressão já diz, gera o acintoso risco de morte, esfacelamento do corpo ou adoecimento agudo do trabalhador, o que caracteriza a urgência da medida interventiva.

Desta forma, a Justiça do Trabalho tem papel fundamental nesta relação, podendo, por meio de suas decisões, promover a regulação da vida das pessoas, constituindo-se assim, em elemento central de regulação de todos os bens juridicos envolvidos de forma concomitante, como a concorrência, o mercado de trabalho, o meio ambiente e, inclusive, a vida.

Contudo, a Justiça precisa encarar o problema de frente, o que não implica qualquer radicalismo; pelo contrário, apenas a promoção de padrões mínimos previstos literalmente em lei e em total consonância com a Carta Magna e regulamentos internacionais.

É certo que as demais instituições podem promover a defesa do meio ambiente do trabalho diretamente, como é o caso do Ministério do Trabalho (e a omissão dos seus agentes sujeita seus agentes à respectiva responsabilização administrativa e civil), mas a colaboração da Justiça neste enfrentamento é fundamental.


Conclusão: preservação da vida, regulação da concorrência e incentivo à postura proativa das empresas.

O meio ambiente hígido, incluído o meio ambiente laboral, é um direito difuso de matriz constitucional cuja defesa primordial compete ao Poder Público.

 Os princípios da prevenção e da precaução inseridos no código genético do Direito Ambiental são efetivados por meio do poder de polícia estatal, cuja eficácia no âmbito das relações de trabalho se dá através do embargo e da interdição administrativa, instrumentos que não são medidas extremas: são providências de urgência necessárias para as correções necessárias e afastamento do grave e iminente risco. Outrossim, essas medidas também têm a finalidade de fomentar a postura proativa das empresas na proteção da saúde dos trabalhadores.

Por força do livre acesso ao Poder Judiciário, os empregadores, quando confrontados com estas medidas cautelares, tem ingressado com ações mandamentais ao arrepio da legislação que rege o rito do writ; a Justiça do Trabalho, em larga escala, tem deferido a suspensão das interdições ambientais sob o argumento de preservação de empregos e de contratos comerciais das empresas infratores, pondo em risco a integridade física dos obreiros. Como vimos, a interdição e o embargo são medidas que admitem recurso administrativo com efeito suspensivo, o que torna inviável a via mandamental.

Avaliamos casos concretos em que estas decisões foram proferidas e rebatemos os argumentos utilizados, uma vez que o direito à saúde e à vida não podem ser sobrepostos pelo direito à livre iniciativa; o Poder Judiciário não tem o condão de gerar nem tampouco de destruir empregos, competindo-lhe tão somente conferir dignidade às relações de trabalho que regula; no plano processual, os argumentos lançados pelos infratores não dispõem de qualquer meio de prova pré-constituída, ou tecnicamente imparciais, e as ameaças falimentares não são sequer concretizadas, representando falsas premissas. O mínimo que deveria ser exigido para o retorno das atividades empresariais seria a integral correção das irregularidades.

Quando se analisam tais fenômenos, verifica-se que a lógica da conciliação é que serve de fundamento para estas decisões que afrontam princípios basilares do Direito Ambiental e do Direito do Trabalho.

Neste passo, para o atendimento destes princípios, não somente espera-se do Poder Judiciário que mantenha as interdições administrativas efetivadas – sob pena de monetarização da saúde humana – como também que exerça, através de mecanismos inibitórios, a materialização da proteção à vida, seja por meio de decisões em ações civis públicas, ações coletivas ou ações populares, como autorizado e estimulado por nossa legislação.

Desta forma, qualquer comparação com direito à livre iniciativa e à liberdade de empresa e geração de empregos é descabida, afinal não se pode esquecer a centralidade da dignidade da pessoa humana (Princípio 1 da Declaração de Estocolmo). Com mutilações ou perda da vida, esta dignidade não se efetivará. A coragem dos magistrados não está expressamente prevista nas leis ou na Constituição, mas é um elemento condicionador para que o Judiciário seja efetivamente exercido e cumpra seu papel de protetor de direitos (PRUDENTE, 2015).[25]


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Notas

[1] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

[2] “O desenvolvimento econômico e social é indispensável para assegurar ao homem um ambiente de vida e trabalho favorável e para criar na terra as condições necessárias de melhoria da qualidade de vida.”

[3] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

[4] “Em nosso redor vemos multiplicar-se as provas do dano causado pelo homem em muitas regiões da terra, níveis perigosos de poluição da água, do ar, da terra e dos seres vivos; grandes transtornos de equilíbrio ecológico da biosfera; destruição e esgotamento de recursos insubstituíveis e graves deficiências, nocivas para a saúde física, mental e social do homem, no meio ambiente por ele criado, especialmente naquele em que vive e trabalha.” (BOFF, 2012)

[5] O conceito legal de poder de polícia é trazido pelo Código Tributário Nacional, que assim o define em seu art. 78: “Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.

     Sob a ótica de proteção do meio ambiente, o poder de polícia administrativo deve ser entendido, como uma política pública que limita o exercício de direitos – como o direito à propriedade e à livre iniciativa empresarial – em razão de defesa do interesse público, lastreado que está nos princípios ambientais da prevenção e da precaução, de matriz constitucional, com a finalidade específica de anular todo e qualquer ato  lesivo ao meio ambiente. Esta atividade oficial pode ser exercida não apenas pelo Poder Executivo, mas também pelo Poder Judiciário, quando provocado pelo Ministério Público, e até mesmo pelos cidadãos (ações populares).

[6] Prevalece na doutrina distinção entre os princípios da precaução e da prevenção: o principio da prevenção impõe a eliminação dos riscos cientificamente já comprovados, ou seja, os riscos concretos e conhecidos pela ciência; por sua vez, o princípio da precaução determina a adoção de medidas necessárias e suficientes para eliminação de ameaça e possíveis resultados aos bens ambientais em situações em que ainda não há certeza jurídica, ou seja, adota-se um comportamento in dubio pro ambiente, diante de possíveis ameaças, ainda não cientificamente confirmadas (LEITE et al., 2015). Valendo-se desses traços distintivos, pode-se concluir que o controle dos riscos ambientais pela inspeção do trabalho atende mais ao principio da prevenção, pois, de um modo geral, exige o cumprimento das Normas Regulamentadores (NRs), que guarnecem o ambiente laboral de riscos já conhecidos e cientificamente confirmados.   Não obstante, é comum na doutrina e, sobretudo, na jurisprudência a utilização do princípio da precaução como sinônimo da prevenção. A respeito, aduz ANTUNES (2015, p. 48-49): “O Poder Judiciário tem decidido matérias que são claramente a aplicação do princípio da prevenção, muito embora tenha dele tratado sob o nomen iuris de princípio da precaução. É uma confusão justificável, tendo em vista a novidade da matéria, contudo, é importante que se alerte para os efeitos negativos que tal troca de denominação possa vir a causar para uma adequada compreensão do Direito. Diversas são as decisões que incorrem no mesmo equívoco. Diga-se, entretanto, em sua defesa, que a própria doutrina nacional ainda não se estabilizou no sentido de reconhecer a diferença entre ambos os princípios.”

[7] Por meio da Resolução n. 96/2012 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho.

[8] A tutela inibitória tem por objetivo prevenir a prática do ilícito, obstando a sua ocorrência, sua repetição ou sua continuidade. Como assevera Marinoni (2012, p. 235), trata-se da mais importante de todas as tutelas específicas, por ser necessária para manter a integridade do direito, evitando a sua degradação em pecúnia.

[9] Não é despiciendo salientar que que o Brasil recepciona os direitos reconhecidos nos tratados internacionais de direitos humanos como direitos fundamentais, consoante o art. 5°, § 2°, da Constituição da República.

[10] Marlon Tomazette (2008) assinalar que é possível que a palavra “dumping” tenha origem no Islandês arcaico “thumpa”, que significava “atingir alguém”. No comércio, muitos utilizam a expressão para se referir a qualquer venda com preço inferior ao de mercado. No entanto, salienta o referido autor (2008) que, na Economia, a prática de dumping nem sempre esteve tão bem definida nem restritamente ligada à discriminação de preços entre mercados, tendo sido considerada genericamente como conduta desleal no comércio internacional. Nesse conceito está incluído obviamente o chamado dumping social, ou seja, a oferta, em país diverso do que foi produzido, de bens por valores abaixo do seu preço normal, em virtude da inobservância das obrigações trabalhistas.  

[11] É comum, por exemplo, pedido de produção de provas pelo impetrante (por ex. requerimento de perícia) o que obviamente não é cabível em mandado de segurança, que impõe juntada de prova pré-constituída com a exordial, para demonstração do alegado “direito líquido e certo”. Se há necessidade de produção de provas, obviamente o mandado de segurança deverá ser indeferido, devendo o impetrante buscar a tutela jurisdicional pela via ordinária

[12] Este argumento foi semelhante, ainda, ao utilizado no ano de 2014, em sede de Mandado de Segurança de nº. 0024278-45.2014.5.24.0046 contra o ato da fiscalização.

[13] Disponível em <http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2015/01/interdicao-e-suspensa-mas-contax-nao-comprova-correcao-de-falhas.html> acesso em 19.03.2016

[14]Cf. BRASIL. MPT-SE. MPT-SE processa Duchacorona por desrespeitar interdição do Ministério do Trabalho. Disponível em: < http://portal.mpt.mp.br/wps/portal/portal_mpt/mpt/noticias-antigas/2014/fevereiro/mpt%20processa%20ducha%20corona%20por%20descumprir%20normas%20de%20seguranca/!ut/p/z1/vZNNb6MwEIb_CpccXRsw2ByT7ipLSLrNRm3Bl8oYk3hVPmIg_fj1a7dR1apK0u2hXGzw-J2Z5x0ggylkNd-pNe9VU_M7856x8PZiiePpZIUSSpcEjRduSP_8cufkmsCb5wB3inA8-Y2SaXJpApbu4mc8db0EB5AdPj5HBF5DBpmo-7bfwKxqe-dOrnnRjJDd102vhOLdCHnIxSNUyp3UUun9casbIbuOO8UgNtwRjTY1O22jnUJ2YqharbTR0BXvzBenk-tB81pwm7IVqoAZyX0fSYxBIX0EcIgooISHAHl5GWJJZe6VNrqTXIvN7XaQ-hFmP2y6l2zH-7cNss_wOxJg76MDzxjB2SnAxkH1d7tlY4O5qXv50MPUwBuhfOgE3y-mDHZMKLGFHA2wTp-qNTO9kje9hjOjENJxnESXCJMArqzGvajOXnif7Xlvh_fMX-0L_IhyX-YgF1EAsBAC5JgHgARuiKOc-lhEH7K-I3xhCK3-cx5mpzw1yD29OF-sjSzvN0DVZQNTO8IwfR3hZxe-PsIHbP2W36etrirqV-AqfZqXqxjwjPpBu3uaT4LsH8ZzJ8s!/dz/d5/L2dBISEvZ0FBIS9nQSEh/ >, acesso em 6 jun. 2016.

[15] Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=JF3e0zS_H0k acesso em 19.03.2016.

[16]Disponível em: https://pje.trt4.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/DetalhaProcesso.seam?p_num_pje=179856&p_grau_pje=1&popup=0&dt_autuacao=&cid=36943 , acesso em 14 abr. 2016

[17]Disponível em: https://pje.trt4.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/DetalhaProcesso.seam?p_num_pje=179856&p_grau_pje=1&popup=0&dt_autuacao=&cid=36943, acesso em 14 abr. 2016.

[18] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, 1ª Seção de Dissídios Individuais. Processo 0241100-08.2006.5.04.0000 MS, em 24 nov. 2006, Rel. Des. Carlos Alberto Robinson. Disponível em: http://trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/consulta_rapida/ConsultaProcessualWindow?svc=consultaBean&action=e&windowstate=normal&mode=view , acesso em 14 abr. 2016.

[19] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Subseção II Especializada em Dissídios Individuais. ROMS  241100-08.2006.5.04.0000. Rel. Ministro Antônio José de Barros Levenhagen. Julg. 07 ago. 2007, DJ 24 ago. 2007.

[20] Se esta lógica se expandisse para outros aspectos da legislação laboral, pouca coisa poderia ser objeto de imposição judicial. Se o argumento empresarial for no sentido da impossibilidade de assinatura da CTPS dos obreiros – sob pena de redução das margens de lucro e consequentes dispensas em massa – o Poder Judiciário deveria também proteger estes empregos precários e informais, e não a legislação. Se o recolhimento do FGTS implicar num alto endividamento empresarial e consequente estrangulamento da atividade econômica – ainda que isto restasse provado – seria possível, sob esta mesma premissa, a chancela judicial para que determinado empregador não cumprisse a lei. Mais do que esta análise utilitarista, compete ao Poder Judiciário e ao Ministério Público zelar pela ordem jurídica.

[21]  Por exemplo, se, ao invés de agirem dentro da legalidade, somente paralisando atividades empresariais, extinguissem toda a atividade empresarial ou danificassem seus bens e equipamentos. como e.g. comportamentos abusivos por parte da Inspeção do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho ou mesmo do Poder Judiciário, ou mesmo outras formas que se mostrassem úteis (ou utilitaristas) do ponto de vista social, mas atentatórias às regras formais do Estado Democrático de Direito.

[22] No exercício pleno e legítimo do direito de defesa assegurado pela Constituição Federal.

[23] A Constituição da República, aliás, é refratária às propriedades que não atendem a sua função social (arts. 170, III, 182, §2º, e 184) e, em certas situações, estabelece medidas extremas como a expropriação, na hipótese de propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo (art. 243 da Constituição).

[24] De mais a mais, a economia é dinâmica: paralisações temporárias podem representar maior produtividade empresarial no futuro (proteções coletivas favorecem a atividade laboral sem uso constante de EPIs); interdições temporárias podem significar o aquecimento do mercado de trabalho de mão de obra de técnicos de segurança, indústrias de equipamentos de proteção coletiva; lojas de fornecimento de equipamentos de proteção individual.

[25] Entrevista concedida ao Jornal Correio Braziliense. Disponível em http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2015/08/26/internas_polbraeco,496090/desembargador-do-trf-reitera-que-juizes-devem-servir-mais-a-sociedade.shtml acesso em 19.03.2016.


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