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Luta por um direito inumano: a aposta da indeterminação do homem e da mulher.

Sobre a impronunciabilidade dos valores morais

Luta por um direito inumano: a aposta da indeterminação do homem e da mulher. Sobre a impronunciabilidade dos valores morais

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O Mundo Jurídico parece que está ao avesso, e o Direito torto e manco do lado “esquerdo” usa sua muleta mental do fim do Estado para bater nas velhas coordenadas existenciais de nosso ordenamento jurídico (Bobbio). Mas o que permite esta confusão?

“Uma ideia desagradável: a de que, para além de um determinado ponto do tempo, a história deixa de ser real. Sem tal se aperceber, todo gênero humano teria repentinamente abandonado à realidade. Tudo o que acontecesse posteriormente não seria verdade, mas não poderíamos dar por isso. A nossa tarefa e o nosso dever consistiriam agora em descobrir esse ponto e, enquanto não tivéssemos encontrado, teríamos de nos obstinar na destruição atual”

Elias Canetti

“Até Jesus, que foi Jesus,

Por um beijo foi vendido.

Eu também já fui beijado por alguém,

Eu também já fui traído”.

(Wilson Batista e Ataulfo Alves)


PRIMEIRAS PALAVRAS.

ESTRANHEZA (PROFUNDA) E INDIGNAÇÃO (“A FLOR DA PELE”), -- como reação as más notícias jurídicas-políticas que chegam de Brasília, que só poderiam ser produzidas pelo mais imoral e desqualificado Congresso Nacional, e pelo STF, a mais iníqua e grosseira Corte superior de Justiça de nossa história, -- guiaram a necessidade e a urgência deste texto que promete ser um pequeno ensaio de viagens que anunciam as questões que compõem um roteiro de desafios além do “presente” de um livro por vir, ou seja, de reflexões históricas nômades e contemporâneas de esclarecimento sobre o que está acontecendo atualmente no Mundo Jurídico que deforma todos os princípios gerais de Direito . Qual a aposta desta deforma? Não é difícil adivinhar, o Mundo Jurídico parece que está ao avesso, e o Direito torto e manco do lado “esquerdo” usa sua muleta mental do fim do Estado para bater nas velhas coordenadas existenciais de nosso ordenamento jurídico (Bobbio). Mas o que permite esta confusão? O que permite, por exemplo, as canetadas antijurídicas do ministro anão Gilmar Mendes etc.? O que permite e faz com que elas aconteçam?... De uma perspectiva mais global, estamos chamando o Mal de “Direitos Humanos ? No caso de uma República Federativa Democrática de Direito, o que é e onde se situa o Soberano , ou melhor, o que é o Povo ? O que é a soberania constitucional ? Que fratura, ruptura ou negação Social cria uma “minoria”? Uma “classe social”? Um partido? Um sindicato? Alimenta o corporativismo fascista? etc. A que se deve mais precisamente a constituição de um Direito Inumano e de uma comissão hiperjurídica denominada “Comissão dos Direitos Humanos e da Cidadania ”?... Com efeito, o pequeno texto ora presente, e “meio estranho”, tenso demais, heterodoxo demais, visa desmascarar todas as ilusões ditas vanguardistas, e atende a obrigação acadêmica de prestar contas, de dar informações sobre um trabalho teórico em desenvolvimento, portanto, nasce como o efeito colateral do lento e ziguezagueante caminhar de uma meticulosa e paciente gênese e evolução de pensamentos, (que mais se parece com preguiça, incapacidade e protelação), que se estendem como pontes de Direito que atravessam abismos jurisprudenciais casuísticos e irresponsáveis de juristas imbecis (Žižek), advogados juriscidas (Cabeda) e uma insignificante, monstruosa e criminosa composição de Ministros do STF ... E talvez seja mais um trabalho de Sísifo (Camus) em sua variação infindável!...


1. UMA QUESTÃO HEURÍSTICA.

Como dissemos, se a “estranheza” e a “indignação” guiam sua feitura (e sua incompletude), isso não implica fazê-lo sob ou sobre a obrigação de dominar a “escritura logocêntrica” (Derrida) jurídica com uma intenção subjetiva? Quero dizer, “EU” é que senti estranhamento, “EU” é que estou indignado, “EU” é que penso e escrevo, uso a linguagem e, por usá-la, por ela sou movimentado por suas regras e domino o vocabulário, as frases, as figuras, e sem deixar-me ser ou ficar constrangido por falar em nome próprio, crio as narrativas de uma práxis filosófica e as reflexões que a aprofundam ou problematizam... Espero, portanto, alcançar um bom resultado ao pensar pensando o pensamento de, ou, ao pensar pensando as decisões e os votos dos Ministros do apequenado STF, ou seja, os erros, as imprecisões e as falsidades que se apresentam como Doutrinárias ou Jurisprudenciais como também, as decisões e os votos mais irracionais etc. Então, eis aqui o mais particular com sua linguagem relacionando-se de alguma forma (ou de alguma deforma) com a linguagem do mais universal, ou seja, a comunicação (interna e externa) com o Ser Social nômade que sou em mim se daria, tal como diria Fichte “através de signos arbitrários” (FICHTE, 2017, P. 14), -- como se o Ser Social já não fosse em si e para si (Hegel) arbítrio, por isso uma realidade e uma metafísica, consequentemente, escolho Ser Sendo quem Sou, mesmo que em minhas escolhas o que Sou, (quando não estou Sendo), talvez seja algo que em geral me escape enquanto Sendo sou capturado nas malhas dos dilemas e dos padrões cotidiano. Uma dureza! Sem dúvida, “a realidade é um osso” (Hegel). O que precisamos, portanto, é que a verdade seja um cachorro faminto! E talvez seja a própria consciência em sua forma mais particular (ou autoconsciência) que precisa ser desvelada. Talvez o que “sou” deixe rastros (Derrida), DNA (biologia), Digital (criminologia), Afetos (psicologia) além do que estou sendo (moralidade) enquanto Pessoa Jurídica (ontologia)... ??? Talvez! Tal como observa James Lovelock: “O problema da espécie humana é que, como disse Wiliam James: ‘O homem nunca tem o bastante sem ter em demasia’” (apud LOVELOCK, 2010, p.31). A falta torna-se o excesso? O que constitui a base e o fundamento de seus afetos (Spinoza)? Sinto-me então perplexo e atônito! De menos ou demais o que fica ou o que nos resta? Difícil dizer! O fato é que vejo homens que desejam ser mulheres (e se proclamam “mulheres em corpo de homens”), mulheres que desejam ser homens (e se proclamam “homens em corpo de mulheres”), e assim sucessivamente. Estou perdido! Experimento metáforas na alma, metonímias no espírito, e opressão cultural no corpo... Dizem que ninguém nasce homem ou mulher, mas torna-se homem e mulher (Beauvoir). Ah é? Seriam eles então erros biológicos? Mas onde estaria o erro, dentro ou fora do Ser Homem ou do Ser Mulher? Seria genético ou psicoplástico? Um problema de Biologia ou um problema de Psicologia? Um fenômeno sociológico ou demográfico? Histórico ou pós-histórico? O problema dar-se-ia em sua Imanência ou em sua Ontologia? Que seria sua fenomenologia (Hegel-Husserl)? Não existiria nestas aporias de Ser e não-Ser a manifestação obscura, histórica, social, cultural etc., como diria Walter Benjamin, de um “acordo secreto entre as gerações passadas e a nossa”? (Cf. BENJAMIN, 2016, p. 9. e 10). Quem sabe talvez um acordo que retroceda até que correlacione Vida e Morte, Natalidades e Óbitos numa equação populacional malthusiana, e tenhamos que seguir seus rastros teleológicos nas sucessivas e incomensuráveis mutações ocorridas a partir do coacervado de Oparin? Um acordo que, fundamentalmente, (em suas sensibilidades históricas evoluídas), permitiria automaticamente o controle da natalidade? Um acordo biológico originário e desconhecido de um movimento biológico puro, [cujo paradigma poderia ser algo como (na esfera do Mundo) “a Teoria Gaia” (Lovelock) e que o “ponto sem retorno” (Kafka) já pode ter sido ultrapassado] que produz as aporias da indeterminação Homem-Mulher regida pelo originário “instinto de morte” (Freud) enquanto potencial malthusiano de Vida da espécie (algo que talvez seja o espírito biológico-sexual de controle da Vida quando ela se torna excessiva ou insuportável) que talvez anteceda, e muito, o próprio macaco antropomorfo ? E o quiproquó estaria lançado! Afinal nosso planeta tem quase 4,5 bilhões de anos e mais de 8 bilhões de homo sapiens que se dedicam à atividades agrícolas, urbana e industrial e alteraram louca e irresponsavelmente todos os padrões ecológicos sustentáveis de Vida... Sim, James Lovelock tem quase absolutamente razão ao afirmar que “os seres humanos do século XX”, -- (agora também XXI, e talvez tenham piorado), -- “tornaram-se quase um organismo patológico planetário” (LOVELOCK, 2010, p. 39). A única imprecisão de Lovelock está em ter dito “quase um organismo patológico planetário”, porque na realidade é o que tornaram de fato e de direito. O trágico é saber que, como observa Lovelock, “Gaia levou 3,5 bilhões de anos para desenvolver um animal capaz de pensar e comunicar os próprios pensamentos”, e no entanto, olhem bem o que este animal está anda fazendo. É inacreditável! Sim, diz-nos ainda Lovelock: “Se formos extintos, ela (Gaia) terá pouca chances de desenvolver outro”. Não seria isto uma solução? Ouçam bem: “Plantar uma árvore não produz um ecossistema da mesma forma que colocar um fígado numa jarra com sangue e nutrientes não produz um homem” (LOVELOCK, 2010, p.40), ou uma mulher, como também que colocar cirurgicamente um pênis em uma mulher não produz um homem, ou uma vagina em um homem não produz uma mulher, tal como o homossexualismo não os reproduzem. Dá para entender isto? Ou não sabemos mais o que é ser Homem? Ou o que é ser Mulher? O que obscureceu nossa visão?...


2. VÔMITOS DESCONSTRUCIONISTAS.

Com efeito, e por outra perspectiva, tal como diria Marx de forma enigmática em suas “Teses sobre Feuerbach”: “Não é a consciência que determina o Ser-social, é o Ser-social que determina a consciência”. E eis aí o verdadeiro (a talvez único) axioma do “enigma do político” (Pogrebinski), e a falsidade, a inexatidão e o erro político mais renitente, resiliente, duradouro e implacável consiste em não saber necessária e universalmente elucidá-lo... A sabedoria está portanto aprisionada na ignorância, e talvez por isso, poderíamos dizer que, como disse Slavoj Žižek, “a sabedoria é nojenta”... Sim, é nojenta, (1) provoca uma profunda crise de náusea (Sartre), (2) nos oferece uma inútil “gramatologia” (Derrida) e (3) reproduz milhares de “intelectuais vilipendiados” (Schelling) pelo mercado cultural e/ou espiritual como se fossem vômitos desconstrucionistas... Ora é justamente neste mercado que se coloca a tese da existência e da necessidade de uma ampla afetividade no Direito ou do Direito, (que transpira bodes-expiatórios, fede a impunidade, calcifica o acordo da prostituição etc.), portanto, se propormos colocar a afetividade como questão epistemológica própria para a perquirição da Ciência do Direito , – como busílis da constituição vitimilógica do Sujeito de Direitos poderemos utilizar qualquer coisa, por exemplo, as reflexões de Judith Butler, em seu livro “Quadros de Guerra: quando a vida é passível de luto?” Então, que respostas teríamos, ou que quiproquó jurídico armaríamos com dois pesos e duas medidas que compõem todo “enquadramento” (Butler) crítico? Ou, sendo mais pragmático – visando:

(1º peso e medida), a Legislação jurisprudencializada pelo atual STF (especialmente a de Direito de Família), que mais desorientado do que cego a procura de uma agulha no palheiro, erra sempre sobre o essencial tanto quanto sobre o supérfluo, e,

(2º peso e medida), a estrutura processual civil e penal necessária para equacionar a Legislação jurisprudencializada: que anomia social ou insegurança jurídica daríamos vazão? Ou, ao contrário, que padrões poderíamos considerar como solução aos dilemas que colocam as afetividades diante das precariedades que tornam a vida “uma vida lesada ou perdida” (Butler) ou uma vida bandida, uma vida criminosa?...

Impõe-se, portanto, a questão: não estaríamos criando o Direito Vitimológico enquanto variação temática de um Direito Insurgencional ? Que caminho seria este? Para onde estaríamos indo? Em que direção? O que lograremos alcançar?... Talvez apenas isso, Direito por cotas?


3. A SUPERFLUIDADE SEXUAL DO OUTRO.

Mas, como veremos o que conduz a linguagem numa “ação comunicativa” (para usar uma expressão de Habermas), não são apenas “signos arbitrários etnocêntricos” pois estes não permitiria nenhum consenso sobre dilemas ou sobre padrões , e a comunicação não seria apenas impossível, mas, pior, seria um jogo perdido, ou seja, sem engajamento sem meio e sem fim, sem controle e sem ação social... Pura bricolagem. Um “encontro com a fada” (Baudrillard). Em outras palavras, qualquer comunicação feita simplesmente com “signos arbitrários” seria impossibilidade de comunicação, incapacidade instrumental para agir... Algo como participar de um jogo sem obedecer as regras que o constitui e possibilita jogar. Uma posição vazia. Movimentos inúteis. Simples tirania e estupidez. Ora, na comunicação social mora algo mais concreto, algo mais duradouro, porque concreto, algo mais aberto, porque duradouro, algo mais móvel, porque aberto, e, para o entendimento, algo mais flexível, porque compreensível, algo mais afetivo mesmo quando sem afeto, porque Real... E tudo sob a tutela da Violência Social legal. E daí?. Vale observar que a indiferença, por exemplo, não é um afeto, é antes o resistir não ser afetado por sua proximidade dialética com a tolerância. E por outro lado, a indiferença é como a masturbação, oferece prazer ao considerar o Outro dispensável, liga-se portanto paradoxalmente ao afeto, sendo omissão, inimizade (Smith), narcisismo ou onanismo... Poderíamos levar longe estas observações, digamos por ironia, desconstrucionistas, por inúmeras vias de trânsito comunicacional e crítico se considerarmos algumas observações bem humoradas inter amicos, em conversas in off depois de algumas taças de vinho e várias fatias de socol e de queijo e muito riso, ou seja, certa vez um amigo observou com humor, lá na minha pequena e conservadora cidade de Venda Nova do Imigrante, ES, quanta saudade, que “masturbação honesta se bate sozinho”, e, sorrindo, esclareceu: “posto que objeto do desejo sempre está ausente”. Complementando, a propósito da homossexualidade que era o assunto de nossa conversa: “sexo homossexual é uma masturbação desonesta, uma masturbação a dois (ou mais) com métodos experimentais agressivos de bricolagem afetiva feita a sua própria imagem e semelhança”. E alguém concluiu maldosamente, observando: “A periculosidade da masturbação desonesta alcança seu mais alto grau de nocividade com a socialização do onanismo a que culturalmente chamamos “homossexualismo”, ou, ideologicamente, “feminismo”, rótulo que é sua camuflagem, seu esconderijo, e sua falsificação”, concluindo: “Não tenham dúvidas amigos, o feminismo verdadeiramente é, em última instância, uma farsa matriarcal homossexual”... Touche!


3. O SISTEMA SE TORNA IMPERIAL.

E se a linguagem fosse apenas “signos arbitrários”, ou “Imperiais”, mas compreensíveis ao entendimento? Isso alteraria, reduziria ou corromperia o amplo logos de uma “Comunidade“, de uma “etnia”, de um “Povo”, de uma “Nação” ao dobrar-se ao azar de um encontro com a perspectiva crítica e infantil de um desconstrucionista?, ou seja, um “Eu” derridariano? Ele mesmo não foi e faz parte de um jogo de linguagem logocêntrico? De um jogo com a linguagem logocêntrica? As teses do livro “Gramatologia” não é parte deste jogo?... Em outras palavras, o perigo ou a ameaça anticomunicacional seria dobrar-se a imbecilidade crítica crítica de um “Eu” eminentemente tradutor desconstrucionista cujo método de pensar pode ser definido como “gramatológico ”, ou seja, significaria, em última instância, algo como “ele fala, ele escreve, mas o que ele fala e ele escreve?”, pergunta-se ao “leitor”, “tradutor”, interprete” etc. E o “leitor”, “tradutor”, “interprete” etc. desconstrucionista, (sempre arrogante e anarquista), faz a diferência, (em francês différance), ou seja, metodicamente diante da ignorância do Outro, cinicamente traduz (ao pensar o pensamento de/ou do Outro) como bem entender descolocando (em francês disloquer) os conceitos manipulando ideologicamente num jogo sem regras os “rastros” da polissemia das palavras e nos apresentando uma “desconstrução” sob os “signos arbitrários” de sua própria “Gramatologia”. Faz assim sua casa na Academia...


4. O ABSTRATO VAZIO DE SENTIDO.

E o que resta depois? Nada. Apenas um discurso empolado, extremamente abstrato, e, como disse Steven Pinker a propósito dos textos de Judith Butler, “eivado de malabarismos com proposições abstratas, que tem como assunto outras ainda mais abstratas, sem ter em vista nenhum referente do mundo real” (PINKER, 2016. p. 51), e que se revela estupidamente irreal, significamente vazio, mas que leva o estudante ficar seduzido e prostrado diante do cinismo autoritário e agressivo de um falso-competente discurso irônico, rasteiro e inútil, eivado de neologismos hiperbólicos, dado a definição artificial de “filosofar” como “saber criar conceitos” (Deleuze) e, consequentemente, ao niilismo e ao desânimo de estudar seriamente qualquer Filosofia, sendo dominado por estranhas e exóticas ideologias “desconstrucionista” do Corpo, de Gênero, da Vida, da Mente etc. Qual o resultado pedagógico que assim se alcança? O resultado, como disse certa vez, são o que foi denominado pela Carnegie Foundation “não-formandos típicos”, ou seja, formandos que saem da faculdade com numerosas deficiências de formação que os tornam verdadeiros fanfarrões e ególatras que, (devido a superficialidade de suas ideias e argumentos), em tudo que interveem, passam a ideia de que a inteligência é burrice, justamente porque a burrice deles (privilégio que recebem de seu próprio meio-social) é celebrada como se a inteligência fosse, mas uma “inteligência” própria e derivada do jogo da estupidez, da fofoca, da chacota, da maledicências, da leviandade, do mau gosto, da ironia cruel, da superficialidade, e forjada na grosseria ética que os anestesiam contra a intromissão da realidade no seu dia-a-dia... Se tornam verdadeiros “cascas-grossas”. E parecem que acordam pela manhã, olham-se no espelho e a predisposição do dia é a mesma necessidade de autopreservação de sempre: “Ah, hoje torturarei um intelectual e estrangularei uma ideia”. Com efeito, está fora de cogitação precisar a natureza do essencial; o importante e atiçar o sentimento popular de que o essencial existe e falta, alimentar a crença mediática de uma realidade submetida a malversações ou manipulações de um jogo de intrigas e conspirações estrangeiras... Por esta razão Cioran dizia que “sem a ajuda de sinônimos, não seria fácil nos renovarmos em matéria de ideologia”... E eis que as burrices e as nulidades universitárias tornam-se modelos de inteligência e virtudes porque, quando querem dizer alguma coisa abrem a página do Google, buscam, selecionam, copiam e colam o conceito de alguma coisa que querem fingir conhecer, publicam e se passam por quem tem alguma coisa a dizer por “adesão a orgia” (Baudrillard)... Abomino em sentido amplo, portanto, tal “Gramatologia”. Ela é (com veremos na hora oportuna), mais propriamente um projeto da ignorância, da leviandade, da omissão... do mal! Anti-intelectualismo abstrato e especulativo, e apenas isto. Impõe-se também combatê-la?... Mas, por onde começar? É verdadeiramente a grande dificuldade!


5. A ROMÂNTICA OBJETIVIDADE HETEROSEXUAL.

Infeliz e inevitavelmente, tenho dito, guia-me a escrita parcialmente um Direito Objetivo e uma Objetividade sofrida pelo desejo insidioso (tantas vezes inconfessado) de que o objetivo que me anima (e tem fracassado) seja, em última instância, a busca desesperada (entendendo aqui desespero no sentido kierkegaardiano) da sempre ambicionada felicidade pessoal (seja lá o que isso possa significar)... Afasto-me, portanto, (atendendo o prognóstico psicoanalítico), de qualquer empreendimento impessoal, desapaixonado, totalmente objetivo ou meramente sexual etc. Orienta-me a convicção natural de que não há felicidade maior que a realização do Amor heterossexual -- (sem querer negar outros desejos alucinatórios que das “paixões” emanam como vontade ou desejo tout Court do excesso libidinal ou vício orgástico, por mais inócuos, frustrantes ou loucos que sejam), -- a felicidade de poder abraçar e cobrir de beijos o corpo da mulher amada pelo gosto (Kant) de poeticamente “experimentar esta alegria que desce do céu para a terra” (Camus), portanto, este Amor de um Homem por uma Mulher e vice versa, de uma Mulher por um Homem, é o paradigma natural de todos os laços reais de afetividade e, efetivamente, o lócus da coesão entre o particular e o universal bem traduzido no preceito bíblico “frutificai-vos e multiplicai-vos” (Gn. 1; 28), e na observação de Marx em carta à sua esposa Jenny, escrita em 21 de junho de 1856, quando ele diz:

“Basta que estejas longe e meu amor por ti aparece tal como ele é, como um gigante no qual se acham reunidas toda a energia do meu espírito e toda a vitalidade do meu coração. Sinto-me outra vez um homem, na medida em que me sinto vivendo uma grande paixão. A complexidade na qual somos envolvidos pelos estudos e pela educação modernos, bem como o ceticismo com que necessariamente relativizamos todas as impressões subjetivas e objetivas, tudo nos leva muito eficazmente a nos sentirmos fracos, pequenos, indecisos e titubeantes. Porém o amor – não o amor feuerbachiano pelo ser, não o amor moleschottiano pela transformação da matéria, não o amor pelo proletariado, mas o amor pela amada (no caso ti) – torna a fazer do homem um homem” (Apud, KONDER, 2007, p. 25).

O que sem dúvida coloca-nos diante da perspectiva real do equilíbrio da balança entre o “EU” e o “Nós” como diria Norbert Elias.


6. A ABERTURA HOMOSSEXUAL.

E o movimento dialético mais implacável (porque dá-se numa realidade em paralaxe) seria entre o “EU”, ponte que se lança entre “O Ser e o Nada” (Sartre), e o “NÓS”, estes “Outros” (Levinas) sem o qual nada somos por constituir-se (macro e microfisicamente) a base hegemônica de todos ardis, astúcias e belicosidades que guiam a sobrevivência biológica da espécie humana e se constitui em Cultura, ou seja, ponte que se lança entre “O Ser e o Tempo”(Heidegger). O que aponta peremptoriamente em direção à raiz de todo Mal, e nos revela o fato de que, como observou Leando Konder: “Um dos efeitos perniciosos da alienação manifesta-se na cisão da personalidade, no abismo criado entre a vida pública e a vida privada” (KONDER, 2007, p. 25) etc. Nesta cisão, modernamente, por um lado, não estaria o lançamento da “homossexualidade” contra a “heterossexualidade”, tanto quanto, por outro lado, não estaria a origem e a evolução, por exemplo, de Fatos como os dos processos da “Operação Lava-Jato” no Brasil? E assim sucessivamente, coisas aparentemente distintas e diferentes se ligam correlativamente numa interdependência ocasional como se fossem o fundamental. Este é o mistério... -- Neste sentido, de um lado, a aprovação de Leis que promovem a permissividade, a promiscuidade, a perversão e a prostituição, ou seja, a abertura (Agamben) homossexual e/ou consumista, são decisões inteligentes e convenientes? De outro lado, contra qualquer força exemplar de moralidade pública, e não de Leis, a suspensão, relaxamento ou prisão domiciliar para Lula, José Dirceu etc., (ou seja, de qualquer ladrão da “coisa pública”) seria um gesto de complacência admissível ética e juridicamente?...


7. A VIRADA COMPENSATÓRIA DO FRACASSO.

Olhando a vida de outra perspectiva, mais particular, (e antropologicamente fundamental em sua “singularidade universal”), há algo maior a nos guiar do que o de um Amor que, como diria o filósofo francês Albert Camus, aponta para esta “singular vaidade do homem que pensa e quer crer que é a verdade que deseja, quando, de fato, é um amor que pede a este mundo”? O problema é que nem todo desejo é justo, e todos trazem em si mesmo suas próprias negações e crises, e, portanto, submergem em suas próprias culpas (Robespierre) e frustrações (Freud). Por outro lado, nem todo desejo conhece a vontade ou a clareza de seu pedido e submete-se, por não alcançar maioridade (Kant), ao drama edipiano da auto-ilusão narcísica em seu sentido mais amplo... Com efeito, um Amor é o nosso mais doloroso e paradoxal pedido que, porque natural e íntimo, ou seja, simultaneamente genético e teleológico, revela-se social e eminentemente biopolítico e não deixa de ser simplesmente poético, literário, romântico, e teríamos o sumário:

(1) como bios, político;

(2) como político, teleológico;

(3) como teleológico, utópico;

(4) como “utopia” deixa-se aprisionar-se por estranhos desejos e, consequentemente,

(5) desfaz-se a dialética do processo saber vs. sonho e vira mito vs. fantasia...


8. O IMPRESCINDÍVEL LOGOCENTRISMO.

Tudo isso nos leva a uma observação de William Shakespeare, em “Sonhos de uma noite de verão”: “O curso do verdadeiro amor nunca é sereno”, mas, ao contrário, o curso de uma verdadeira revolução deve objetivar ser sereno e sem cemitérios para que o amor não se descaminhe e se obscureça. Mesmo porque, parafraseando Paracelso, podemos dizer que quem nada sabe, nada ama. Quem nada ama, nada pode fazer. Quem nada pode fazer, nada vale, ou, como encontramos em epígrafe de “A Arte de amar” de Erick Fromm, a orientação de Paracelso seria:

Quem nada conhece, nada ama.

Quem, nada pode fazer, nada compreende.

Quem nada compreende, nada vale.

Mas quem compreende também ama, observa, vê...

Quanto mais conhecimento houver inerente numa coisa

tanto maior o amor...

Aquele que imagina que todos os frutos

amadurecem ao mesmo tempo, como as cerejas,

nada sabe a respeito das uvas.

(Apud, FROMM, 2008, p. 9, Epígrafe )

Com efeito, não seria ele, o Logos, que em sua essência daria coesão dialética a paralaxe Revolução vs. Amor? Por que, então, negar ao logos centralidade? Johann Wolfgang Von Goethe, em um dos seus poemas e por sua genialidade oferece-nos a devida justificação para o logocentrismo:

“Quem de si mesmo é bem consciente

e estende aos outros seus cuidados

sabe que Oriente e Ocidente

não podem mais ser separados”.

(Apud, KONDER, 2007, p. 27).


9. RESSENTIMENTOS E PREMEDITAÇÃO.

De quê e onde vem o interesse de manter “Ocidente e Oriente” separados? Como veremos em tempo e lugar nenhum o etnocentrismo comandou o conceito de escritura, mas sim em todos tempos e lugares o conceito de diferença ou de seu reverso, de igualdade, (cada qual na sua “hora” mais obscura), que nos levou, por exemplo, ao racismo, ao nazismo etc., mas também a Declaração dos Direitos Humanos da ONU, tal como orienta a dupla síntese indicada pelas proposições políticas paradoxais e metafóricas de Giles Deleuze:

1. “Só o que se parece difere”;

2. “Somente as diferenças se parecem”.

Nada tão óbvio! O que poderia invalidar o que se reconhece como logocentrismo? A premeditação que nasce dos ressentimentos? Sem dúvida!


10. OS INIMIGOS SÃO SEMPRE ELEITOS.

Os ressentimentos, digamos assim, estão a serviço do Império de Thanatos, e não do de Eros... Ora, premeditação é racionalidade, mas não a Razão. A premeditação (que é doxa, ira e vingança) não é a causa do Saber (que é logos, ternura e Justiça), mas sim causa da imprecisão, do erro e da falsidade que atormentam a busca do Saber e infernizam a vida da Polis ao dar origem e fundamento racional ou teológico, por exemplo, ao conceito relacional amigo versus inimigo (Smith), ou “Eu” versus “Ele”, “Nós” versus “Eles”... Com efeito, premeditação é a racionalidade fria e egoísta que articula os conceitos de Amigo e de Inimigo belicosamente, “Amigo versus Inimigos”, “Eu versus Ele”, “Nós versus Eles”, que transformam a linguagem numa relação de forças e distâncias, e não relação de significações e proximidades. O que exige que se coloque a questão: o que anima e da vigor a uma Revolução, a Violência ou o Amor?


11. O EGOÍSMO É QUE CEGA O AMOR.

Não seria a Violência a verdade que perverte a Revolução Social? Ora, uma verdade que se impõe com a morte ou a tortura de um Ser Humano, não é uma verdade social. E uma “revolução” que nela se fundamenta não é uma Revolução, mas sim projeto criminoso. Só nos resta, portanto, o Amor. Mas o que é o Amor? Não é uma resposta fácil diante dos conceitos polares de “Amigo” e “Inimigo”, “eu” e “ele”, “nós” e “eles”... E a verdade se transparece paradoxal e aponta para todas as aporias do conceito de Amor, ou seja, parafraseando Bertold Brecht, como posso amar ou ser feliz “se a comida que como é tirada dos que tem fome/ se a água que bebo faz falta aos que tem sede”? Urge, portanto, saber com precisão axiomática o que é o Amor? O que é a Felicidade? etc. Mas, infelizmente as coisas são tão fáceis assim, e (até porque inevitavelmente), continuamos comendo e bebendo...


12. O DINHEIRO REALIZA O DESEJO DA ALIENAÇÃO.

Amo o que me sacia ou o que me dá prazer diante de um Outro que tem fome ou dor? Por que é possível e até inevitável que assim seja? É a pergunta crucial que metaforicamente movimenta (ou categórica e literalmente deveria) todo movimento reivindicatório ou processo Revolucionário de grupos... Mas, “amar o próximo como a si mesmo”, “repartir o pão” etc., são as parábolas românticas mais consistentes (apesar de insuficientes) e fiéis da resposta cristã e humanista... O que buscamos é a felicidade pessoal? Como ela se separa da felicidade do Outro? Ou, ao contrario, como sua infelicidade nos fariam felizes? A alegria no Céu seria a de nos proporcionar ver o Outro (o pecador, o fariseu, o capitalista, o homossexual, o comunista etc.) arder no fogo do Inferno?... Não teríamos aí, uma boa justificativa para o egoísmo das ações, a covardia das omissões e para todas as vicissitudes da violência social que constituem os elementos antirrevolucionários e negadores da Vida Humana tanto micro quanto macrofisicamente, tanto biográfica quanto historiograficamente? Karl Marx observou isso de uma forma extremamente precisa e cristalina, segundo Konder, em uma passagem do “Manifesto Econômico-Filosófico” de 1844 em que adverte:

“Pressupondo o homem enquanto homem e seu comportamento como o mundo enquanto um [comportamento] humano, tu só podes trocar amor por amor, ternura por ternura, confiança por confiança etc.” Nas condições da alienação, todavia, o dinheiro – a capacidade exteriorizada (entäusserte) da humanidade – quantifica e relativiza tudo, subverte todos os valores, “transforma a fidelidade em infidelidade, amor em ódio, o ódio em amor, a virtude em vício, o vício em virtude” (Apud KONDER, 2007, p.21).

Eis-nos, portanto, diante de um problemão, se considerarmos que a subjetividade que modernamente nos domina (tanto “o estômago” quanto “a fantasia”) é essencialmente capitalista (assim como dizem que já foi selvagem, escravista, feudalista etc., e deixaram rastros (Derrida) ou resíduos (Pareto) inapagáveis), e desenvolve-se colonialmente, (agora num sistema de mercado ultraliberal permissivo, promíscuo, perverso e prostituído, nunca é demais reafirmar), de forma complexa como a arte de “confundir alhos com bugalhos”, de misturar “joio com trigo”, da sedução do “cada um por si e Deus por todos”, da precariedade do “desejo pelo desejo etc.


13. AS PROPOSIÇÕES UNIVERSAIS INVARIANTES.

Ora, é possível ser feliz diante de um Ser Vivo que sofre? Esta é uma questão complexa e estrutural, e estranhamente carecemos de respostas. Afinal, uma estrutura invariante (considerada inevitável apesar de duramente questionada) é oferecida por proposições axiomáticas que são garantias formais para esta possibilidade do Mal, mas não necessariamente, é bom frisar, portanto é possível. Mesmo porque não são apenas malignas e nem apenas capitalista. Teríamos que considerar ainda se não representam o Bem e, por reversão, “a transparência do Mal” (Baudrillard)? Refiro-me aos seguintes invariantes da lógica totalitária da organização econômica e das relações sociais e suas diversas formas de tecnologia social desde o século XVI até hoje, que foram muito bem sintetizadas por André Tosel, a saber:

1) a produção de troca instaura a mediação do valor pelo valor de troca;

2) a força de trabalho é tratada como uma mercadoria;

3) a aspiração do lucro é a força reguladora fundamental da produção;

4) o mecanismo vital da formação da mais valia , que implica, no interior do ato produtivo, na separação radical dos meios de produção e de trabalho, é uma forma econômica estrutural;

5) a mais-valia é apropriada de maneira privada pelos membros da classe capitalista, que estão em permanente concorrência pela apropriação;

6) somente um imperativo categórico regra o dinamismo capitalista, ele não é ético, nem jurídico, não obedece a nenhuma injunção do bem comum substancial, e nenhum princípio de justiça processual. É o imperativo absoluto e incondicional de crescimento e expansão. Tende a uma integração global com o mercado mundial. (TOSEL, 2002, p. 35).

Em outras palavras, que medida da realidade (senão a egoísta, a perversa, a do desamor, do mal, do Capital etc.) permite que a felicidade possa ser definida como/ou reduzida à uma mera conquista pessoal sem reconhecimento social valorativo amoroso de Si e do Outro? Tal definição ou tal redução já não anuncia uma promessa e uma crítica complicada ao “sujeito do Desejo” (sempre um imaginário deleite e/ou um deleite imaginário), que é também já paradoxalmente indistinguível do/e estendido (enquanto um equivalente impossível, logo, traumático), formalmente, como “sujeito de Direito”?


14. FÁBRICA DE PRECARIEDADES OU DE SUJEITOS DE DESEJOS.

Com efeito, não importa se “do Desejo” ou se “do Direito”, o Sujeito, penso como Slavoj Žižek, “representa o ponto vazio que precede a ideologia e a partir do qual a ideologia se articula” (“Glossário”, in, ŽIŽEK, 2017, p. 395), e de onde todas as suas aporias se derivam e se integram. Que é então este duplo Sujeito? Poderíamos ainda perguntar como Primo Levi: “Isto é um homem?” Então, como livrar-se das ilusões? Mesmo porque, o Sujeito é ponto vazio que ao precedê-la “a ideologia se articula” como um satélite e não o preenche, mas ocupa sua órbita e o orbita de forma elíptica, performativa, instrumental, provisória, precária, e, as vezes, até aparentemente duradoura, mas deixando-lhe, como sintoma, as crises das comoções de sentirem-se um Eu a que devem realizar, consolidando a cisão e desequilibrando a balança entre o “Eu” (mero ardil de sobrevivência) e o “Nós” (acordo fundamental que forma algo como um “Povo”)... Algo mais (geralmente sombrio) sempre acontece por ser ai, por estar ai, vagando, simultaneamente entre Ser-Tempo-Nada. O “Eu”, portanto, geralmente é uma fábrica de precariedades! É a ideologia individualizada de toda violência, de todo crime, de toda transgressão social, quando uma busca egoísta do gozo, do prazer, da saciedade, da riqueza etc., portanto, um mero atendente das solicitações dos ressentimentos provocados por dependências, fracassos e frustrações... E que por acaso, necessidade, fantasia, morte são fontes de conflitos, crimes e transgressões latentes até que assumam em simulacro a forma de um “Nós” contra “Eles”, e torna-se “Conflito”, “Violência”, “Guerra” etc. Por Interesses tantas vezes intangíveis... Sempre um paradoxo! Ai! Ai!


15. CRMES PREMEDITADOS E VONTADE DE PODER.

Levanta-se então uma questão genealógica: desde quando os crimes, os conflitos e as transgressões deixaram de ser passionais e tornaram-se premeditados? Seria isso o que modernamente foi convencionado chamar-se de Revolução: o crime como meio que justifica os fins? A Revolução como realização de uma “vontade de poder” (Nietzsche)?... Pois bem! O que anseio, segundo uma observação de Slavoj Žižek, “é não perder a calma”, abandonar a sabedoria, ou seja, lançar-me irresponsavelmente à aventura intelectual, isto é, “abandonar precocemente as velhas coordenadas conceituais”, os conhecimentos instrumentais e os projetos utópicos do quefazer político. Não que me atenha incondicionalmente a elas e a eles, mas porque não me seduz a percepção hiperbólica de que “tudo que é sólido se dissolve no ar” (Marx-Engels), nem as aventuras radicais pelo “vício de adrenalina”; nem a radicalização cultural do corpo da vida em nome de uma sexualidade polimorfa e do gozo sem eira nem beira; nem a consolidação de um sentido louco para viver a vida ou perdê-la por viver loucamente... E tal como observa Žižek:

“Contra essa tentação, deve-se seguir o inultrapassável modelo de Pascal e colocar esta difícil questão: como permaneceremos fiéis ao Velho sob novas condições? Apenas dessa maneira podemos gerar algo efetivamente Novo”... (ŽIŽEK, 2015, p. 95)

Ora, permanecer fiel ao Velho sob novas condições não define ser reacionário, nem ser conservador, senão, como exploraríamos territórios desconhecidos? Como observou o professor Marcelo Gleiser com muita pertinência:

“Para avançar além do conhecido, tanto Newton quanto Einstein assumiram riscos intelectuais, baseando-se em suposições inspiradas na intuição e preconceitos” (GLEISER, 2014, p. 35).


16. IMPOSTURAS E DELINQUÊNCIAS INTELECTUAIS.

Com efeito, “estranheza” e “indignação” me impulsionaram fortemente, (ao observar o conteúdo e a forma suspeita e as imposturas de todos os engajamentos “políticos” e “jurídicos”, todos os movimentos “sociais” e “antissociais” da atualidade), à buscar uma resposta ainda não realizada (o que não deixa de intrigar e ser enigmático mesmo enquanto descrição sintomática) para o entendimento da questão: “O que está acontecendo?” E o que é mais desesperador, (porque desequilibra emocionalmente, cria insegurança, promove a permissividade social, estimula as transgressões criminosas etc.), sendo mais particular, é a perplexidade escandalizada que me orienta: “o que está acontecendo no Mundo Jurídico? ” Esta pergunta é problemática! Não porque, por exemplo, no Brasil, a atual composição do STF (com Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Marco Aurélio, Rosa Weber, Alexandre de Moraes) seja uma monstruosidade abjeta, um horror jurídico quando canalhas de toga cheios de má-fé (Sartre) decidem em nome da Lei corrompendo-a jurisprudencialmente sob o signo do STF (promovendo a impunidade nos crimes que eles próprios estão atolados até o pescoço na lama pútrida da corrupção), mas porque é uma indicação traumática da negatividade que nos esconde ou escamoteia não só o que permanece sólido, (como a semente que se planta e se reproduz nos frutos da árvore que é sua descodificação-recodificação), apesar de toda corrupção material e subjetiva, como também coloca na clandestinidade a verdade e o saber por onde começar, pois que a própria inteligentzia (dita de “direita” ou de esquerda”) torna-se delinquente e mercenária, sedenta por dinheiro, poder, notoriedade e impunidade em nome da “do social”, dos “direitos humanos” ou da “revolução” etc.


17. POR ONDE COMEÇAR UM COMBATE?

Sim, a grande questão pascaliana, segundo Lucien Febvre, sempre será: “começar por onde? ” A sua resposta:

“Pelas definições, ao mesmo tempo engenhosas e bem estudadas? É o velho método francês que, para melhor honrá-lo foi batizado como cartesiano. “O que é a arte”?”, pergunta-se Paul Valery no inicio de um volume da Enciclopédia francesas consagrado às Letras. E do mesmo modo, no início do volume dedicado à Matemática: “o que é o número?”, interroga-se Hadamard. Quando soubermos as respostas, tudo ficará mais fácil: teremos apenas que deduzir corretamente” (FEBVRE, 1998, p. 27-28).

No mesmo diapasão e outros contextos: “O que é a vida?”, pergunta-se A. I. Oparin. “O que é a felicidade?”, pergunta-se Victor Hugo. “O que é o Direito?”, perguntam-se todos os juristas. “O que é a Lei?”, pergunta-se Michel Foucault. E aqui vamos nós com uma estranha e irreconhecível pergunta depois de todas as respostas comporem uma enciclopédia, por mais questionável que seja a definição de alguns verbetes: e agora, o que Acontece ?...


18. UM BANHO DE SANGUE ANUNCIADO.

Como disse alguém, “a revolução é o amor, ou não é nada”. Gosto de pensar assim! Mas o que é o amor ? O amor, disse Christopher Clawdell, “é o elemento emocional das relações sociais”... Então, neste sentido, para uma resposta bem contextualizada, bem situada na ideologia imperial capitalista e ultraliberal de hoje, talvez até devêssemos começar por uma crítica esclarecedora sobre os Direitos Humanos , pois para ele deveriam convergir a prática política de todos as definições existencialistas (Sartre), respondendo simplesmente a questão perdida: o que são Direitos Humanos? Trago aqui algumas observações sobre o caminho para uma “resposta de verdade”, completa, consistente, inequívoca, radical, e assim, por um lado, recorro a um “olhar de madeira”, (Ginsberg), um olhar de “longa duração”, (Blaudel), que fite distante, longa e pacientemente o desenvolvimento deste famigerado “instante”, “momento”, “atualidade”, “presente”, “evento”, “contingência”, “realidade”, seja lá o que se diga que seja este amplo e nosso Dasain , (Heidegger), com atenção redobrada para os termos dos prováveis processos de metamorfoses do animal que se tornou sujeito e objeto de Direitos Humanos, na busca de entender como se constituiu no espaço e no tempo a Mente doente e, por Direito (Direito?), a garantia ou à vontade de sua Liberdade (Liberdade?) no processo histórico filogenético e ontológico que vai do macaco antropomorfo ao homo sapiens sapiens , ou seja, a maneira mais provável possível de entender como se formou fenomenologicamente “este sistema complexo de faculdades cognitivas e emocionais implementadas no cérebro” desta criatura que, -- como reconhece o neurocientista Steven Pinker, professor do Departamento de Psicologia em Harward --, deve sua imanência, ou seja, “sua estruturação básica aos processos da evolução” (PINKER, 2013, p. 22), e, por outro lado, diante do que se apresenta hoje aos nossos olhos e ouvidos como realidade, teorias, protestos, lamentos, movimentos e práticas “antirracistas”, “antipatriarcais”, “feministas”, “gays” etc. e “jurisprudenciais”, a indagar como ela, (a mente humana), pirou?, ou seja, sobre o resultado de sua “História Cultural” agora, no início do século XXI, com quase duas décadas já transcorridas, fundamentado na tese defendida por Pinker de experimentar pensando “a ideia de que o progresso moral é compatível com uma interpretação biológica da mente humana e um reconhecimento do lado obscuro de sua natureza” (PINKER, 2013, pp. 26), e buscar saber apontando experimentalmente para certos e determinados atores da cena social: “É isto um homem? ”, mas também, “É isto uma mulher? ” Em outras palavras: “De que compatibilidade se trata ?” Questão intrigante!... O rompimento da ideia de compatibilidade entre “o progresso moral” e “uma interpretação biológica da mente humana” pode significar que um dia teremos que enfrentar novamente (sem Leis e sem Pecados) o mais selvagem, o mais feroz, o mais sanguinário dos animais, o “homo sapiens sapiens”?


19. ANIMAIS INSIGNIFICANTES NO PODER.

Viveremos mais uma gloriosa “época de vítimas” e de forma nova “a consagração de genocídios”? Anuncia-se uma inédita e mais cruel barbárie? A barbárie da “boa vontade” kantiana? A barbárie da bondade como “transparência do Mal” (Baudrillard)? A barbárie de uma globalização do fascismo? Ora, não estamos testemunhando o Mal, transfigurado em algoz ou em vítima aproveitando-se do pretenso movimento histórico de dissolução geral de todos os Valores para, enfim, dissolver no social sua monstruosa liquidez política, superar pela igualdade (que igualdade?) sua insignificância, perder o pudor em nome da liberdade (que liberdade?), abandonar pela “revolução” (que revolução?) suas máscaras e fantasias e se tornar-se o ressentimento da vítimas o signo real da história? Ora a superação ou a negação da insignificância do algoz ou da vítima não reivindicou uma “Microfísica do poder” (e foi atendido por Foucault)? Uma “Gramatologia” (por Derrida)? Um “Anti-édipo” (por Deleuze)? etc. No que se transmutou a ideia da “revolução proletária”? A realidade do inelutável “protagonista” da “revolução”? É o que veremos! Há o que não se temer? Difícil dizer que não! Principalmente se considerarmos uma observação feita por Yuval Noah Harari, professor de História da Universidade Hebraica de Jerusalém, em seu livro best-seller, “Sapiens – Uma breve história da humanidade”, que:

“A coisa mais importante a saber cerca dos humanos pré-históricos é que eles eram animais insignificantes, cujo impacto sobre o ambiente não era maior que o de gorilas, vaga-lumes ou águas-vivas”. (HARARI, 2017, PP. 12).


20. UMA ERA DO PSICOPATA E DA SEXOPATIA?

Que aconteceu, então? A que se deveu a sua súbita proeminência? Qual a sua significância? Ou ironicamente, por que o homo sapiens tornou-se “um órfão destituído de família, carentes de primos ou irmãos e, o que é mais importante, sem pai nem mãe” (HARARI, 2017, PP. 13). O homo sapiens tornar-se-á (talvez até novamente) algo como um “homo psicopata” ou, mutatis mutandis, um “homo sexopata”? Tal qual anunciam os personagens de “A história do olho” de George Bataille? Que processo histórico pode levá-lo [em sua diferença (Deleuze) ou mesmo diferência (Derrida)] a isto? É o nosso objetivo oferecer a melhor resposta, livre de qualquer consideração política privilegiada, (e, talvez por isso mais verdadeira), e passar para uma análise, (antes que seja tarde), da formulação específica do que identifico como pensamento insano, (que corrompe e manipula tudo do judaísmo, do Islã, do cristianismo, do budismo, do liberalismo, do marxismo etc., em duas palavras, da História), e do que visualizo como sua práxis demente , tendo como ponto de partida as indagações: “’É isto a diferença sexual? ”, “É isto a sexualidade? ”, ”É isto a isto que nos leva a questão dos gêneros? ”, “É isto o sexo? ” “É isto o amor? ” Que pode estender-se: “É isto o racismo? ” “É isto a revolução?” E isto o proletariado? ” ou “É isto o Direito das Famílias? ” etc. E por que não: é isto o Estado sionista ? Tentaremos ver as Palavras (em sua ferocidade, devoção e cinismo igualitário agora escritura) e a Coisa (em sua monstruosidade e horror agora liberdade e igualdade), que como resultado do pensamento insano , acumula-se a gordura ideológica anarquista do capitalismo francês nas cabeças dos universiotários “teólogos” da “esquerda” brasileira e alhures. Um verdadeiro horror político!


21. CONCLUSÃO.

As simplificações interpretativas são estarrecedoras e, de tão imbecis, paradoxalmente complexas e eivadas de sutilezas genealógicas “desconstrucionistas”: por conveniência, por analogia, por simulação, por simpatia !... Não será fácil esclarecê-las; a tarefa é muito espinhosa! Tudo seduz. Os discursos são engenhosos e bem construídos... Não gostaria de realizá-la agora,mas (pela imposição de não ser um eunuco ou, gerador de ventos, segundo Kierkegaard, como “as virgens de Israel”), que fazer? Faço-a, portanto, apenas de forma preliminar, a título de SOS, com atendimento de urgência, portanto, um pouco imperfeita, inacabada, mas honesta e competente... O que objetivo é mostrar o invisionavel (neologismo usado por Dufour significando o que remete “ao que não deve ser visto”) e o que denominamos subjetividades, que, infelizmente, tornou-se necessário mostrar, e o farei preliminarmente de forma implacável e cruel, mas sem precipitações e/ou injustiças irreparáveis, pois o que desejo não é a negação do gozo, mas que haja um pouco de pudor, o suficiente para estabelecermos um limite para não alcançarmos um ponto sem volta que torne impossível qualquer reconstrução, restauração ou renascimento do Mundo da Vida, ou, em outras palavras, para não fiquemos desprovidos da possibilidade e da oportunidade de erigirmos uma Ética do Real que seja os Princípios Gerais do Direito...


REFERÊNCIAS

BUTLER, Judith, “Quadros de guerra: Quando a vida é passível de luto”, tradução Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarão e Arnaldo Marques da Cunha, revisão de tradução Marina Vargas; reviso técnica Carla Rodrigues, 3ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.

DERRIDA, Jacques, “Gramatologia”, tradução Miriam Chnnaiderman e Renato Janine Ribeiro, Sã Paulo: Perspectiva, 2017, (Estudos; 16).

FEBVRE, Lucien, “Honra e Pátria”, tradução Eliana Aguiar; [fixação do texto, apresentação e notas por Thérèse Charmasson e Brigitte Mazon; prefácio de Charles Morazé], Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.

FICHTE, Johann Gottlieb, “Da capacidade linguística e da origem da linguagem”,organização, tradução, notas e posfácio Ricardo Rocha, São Paulo: Paulus, 2017, Coleção Textos Filosóficos.

GLEISER, Marcelo, “A ilha do conhecimento: os limites da ciência e a busca por sentido”, 2ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2014.

HARARI, Yuval Noah, “Sapiens – Uma breve história da humanidade”, tradução Janaína Marcoantonio, 24.ed., Porto Alegre, RS: L&PM, 2017.

KONDER, Leando, “Sobre o amor”, São Paulo: Boitempo, 2007.

LOVELOCK, James, “Gaia: Alerta Final”, tradução Vera de Paula Assis, Jesus de Paula Assis, Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010.

PINKER, Steven, “Guia de escrita: como conceber um texto com clareza, precisão e elegância”, tradução Rodolfo Ilari, São Paulo: Contexto, 2016.

PINKER, Steven, “Os anjos bons de nossa natureza: Por que a violência diminuiu”, tradução Bernardo Joffily e Laura Teixeira Motta, 2ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

TOSEL, André, “Barbárie do capitalismo globalizado? (sobre o uso das categorias antitéticas assimétricas)”, in, “TERROR”, editores, Denis L. Rosenfield e Jean-François Mattéi, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.

ŽIŽEK, Slavoj, “Interrogando o Real”, organização Rex Butler, Scott Stephens, tradução Rogério Bettoni, 1º ed., Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017 (Filô/Margens).

ŽIŽEK, Slavoj, “O amor impiedoso (ou: Sobre a crença)”, tradução Lucas Mello Carvalho Ribeiro, 2ª ed.. 1º reimp., Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015 (FILÔ/Margens, 2).


Autor

  • Walter Aguiar Valadão

    Professor universitário. Bacharel em História (UFES). Pós-Graduado "lato sensu" em Direito Público (UFES). Mestre em Direito Internacional pela UDE (Montevidéu, Uruguai). Editor dos Cadernos de Direito Processual do PPGD/UFES.

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