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Uma breve análise acerca da internacionalização dos direitos humanos

Uma breve análise acerca da internacionalização dos direitos humanos

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Principais aspectos relacionados à origem, desenvolvimento e importância dos direitos humanos, através de elementos que demonstram sua progressão e seu marco no meio social.

INTRODUÇÃO

O estudo dos direitos humanos é encantador, devido às várias modificações que ocorrem no seu entendimento. No decorrer do tempo, a sociedade diversifica e cria novas exigências, e com a evolução desta, os direitos fundamentais precisam moldar-se de forma à compreender todas as necessidades que deles são exigidos.

Este trabalho se refere aos precedentes históricos dos direitos humanos. A evolução histórica destes direitos torna possível definir as finalidades, conceitos e suas características, bem como o surgimento dos Direitos Humanos Internacional.

Há de se falar que a globalização não faz parte de um processo homogêneo e, por conta disso, a introdução das nações dar-se-á de forma plural e desigual. Em se tratando de tendências que apontam para a constituição da sociedade mundial, este trabalho tem por escopo analisar as dificuldades que os direitos humanos enfrentam num mundo globalizado.

Direitos humanos é todo aquele direito assegurado à pessoa humana e visa a garantir a dignidade, isto é, assegurar os direitos fundamentais da pessoa humana. No regime democrático de direito, os direitos humanos estão relacionados ao respeito à dignidade humana, a proteção de diversos direitos. Dentre eles temos os direitos civis, políticos, sociais e ambientais.

Em se tratando de direitos civis, podemos citar o direito à vida, segurança, justiça, liberdade e igualdade. Já os direitos sociais visam o direito à educação, saúde e bem-estar. Os direitos políticos garantem às participações nas decisões políticas, visto que estamos falando em um Estado democrático. E por fim, mas não menos importante, há de se falar em direito a um meio ambiental sustentável.

Todos esses direitos devem ser assegurados à pessoa humana, independentemente da origem, credo religioso, convicção política, etnia, raça, idade, gênero condição financeira e social, orientação ou identidade sexual.

O movimento dos Direitos humanos se desenvolveu a partir da segunda guerra mundial, e veio para estabelecer parâmetros comuns através de tratados e declarações internacionais. Entretanto, sua capacidade de colocar em prática regras e princípios contra os Estados que violam os direitos à pessoa humana ainda se mostra abaixo do desejável.

Há de se falar que, em 1948, fora constituído o principal marco no desenvolvimento da ideia contemporânea dos direitos humanos, através da adoção da Assembleia Geral das Nações Unidas da Declaração Universal de Direitos Humanos.

No Brasil, a garantia dos direitos humanos dar-se-á pela Constituição Federal de 1988, que amadureceu seus dispositivos a partir de grandes conquistas da civilização, através de Instrumentos dos direitos humanos, como: tratados, declarações, princípios e diretrizes.

Em se tratando de mundo moderno, globalizado, pode-se notar que as revoluções tecnológicas, sistemas de informação avançados fazem parte desta fase da modernidade, predominando o mercado e a economia nas esferas nacionais e internacionais. E não há diferença quando se fala da desestabilização de inúmeras instituições da modernidade, como por exemplo os partidos políticos, parlamentares etc.

Destarte, vale frisar que, com a chegada da globalização, isto é, no final da segunda guerra mundial, a humanidade presenciou o início da normatização e da internacionalização da proteção dos direitos humanos, que se originou através da Carta das Nações Unidas. E este trabalho, visa demonstrar que, há importância desses acontecimentos para a judicialização dos crimes contra a humanidade no plano internacional, podendo verificar então a criação e a atuação do sistema global de proteção dos direitos humanos.


1 PRECEDENTES HISTÓRICOS DOS DIREITOS HUMANOS

O nascimento dos direitos humanos, àquele que visa a garantir a dignidade humana, possui vários momentos importantes, isto é, devido ao fato de haver insatisfações da humanidade perante as atrocidades cometidas ao longo do tempo, esses direitos foram sendo construídos e tornou-se, no regime democrático, fundamental à pessoa humana.

Em um primeiro momento há de se falar que os direitos humanos tem a ver com o surgimento da Carta Magna de 1215, na Inglaterra, e, logo após, nos Estados Unidos da América, que concedeu garantia contra a arbitrariedade da Coroa, induzindo a criação de diversos documentos, tais como o Acto Habeas Corpus2 (1679). Passado um tempo, ainda nos Estados Unidos, temos a declaração de direitos do bom povo da Virgínia, uma antecipação da declaração de independência dos EUA de 4 de julho de 17763.

Na França, em 1789, houve a Declaração dos direitos do homem e do cidadão – surgimento da revolução francesa – as reivindicações feitas ao longo dos séculos XIV e XV foram feitas em prol da liberdade, que aumentou o campo dos direitos humanos e definiu os direitos econômicos e sociais da humanidade. Essa declaração foi o símbolo ao fim do sistema absolutista.

A título de informação, a terminologia da expressão “direitos do homem” a fim deverificar do que se trata, para o autor Mazzuoli, in verbis:

Direitos do homem. Trata-se de expressão de cunho jus naturalista que conota a série de direitos naturais (ou seja, ainda não positivados) aptos à proteção global do homem e válidos em todos os tempos. São direitos que, em tese, ainda não se encontram nos textos constitucionais ou nos tratados internacionais de proteção.

Contudo, nos dias atuais, salvo raros exemplos, é muito difícil existir uma gama significativa de direitos conhecíveis que ainda não constem de lgum documento escrito, quer de índole interna ou internacional. Seja como for, a expressão direitos do homem é ainda reservada àqueles direitos que se sabe ter, mas não por que se tem, cuja existência se justifica apenas no plano jus naturalista.4

A revolução francesa inspirou alguns autores como Karel Vasak, a apresentarem propostas de triangulação, isto é, na conferência ministrada no Instituto Internacional de Direitos Humanos em 1979 foi apresentado uma proposta baseada no lema da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. O filósofo intitulou os direitos de liberdade, igualdade e fraternidade dos direitos humanos como 1a, 2a e 3a geração, respectivamente.

Para o ilustre autor Paulo Bonavides, os direitos de 1a geração são os direitos de liberdade lato sensu, isto é, in verbis:

Os direitos de primeira geração foram os primeiros a constarem dos textos normativos constitucionais, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, sob o ponto de vista histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo ocidental. Trata-se dos direitos que têm por titular o indivíduo, sendo, portanto oponíveis ao Estado. Como exemplos, podem ser citados os direitos à vida: à liberdade (de locomoção, reunião, associação, de consciência, crença etc.) à igualdade, à propriedade, ao nome, à nacionalidade, dentre outros tantos.5

Ainda na concepção do autor Bonavides, in verbis:

Os direitos de segunda geração nasceram a partir do início do século XX e compõe- se dos direitos da igualdade latu sensu, a saber, os direitos econômicos, sociais e culturais, bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos noconstitucionalismo do Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX. Tais direitos foram remetidos à esfera dos chamados direitos programáticos, em virtude de não conterem para a sua concretização aquelas garantias habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de proteção aos direitos da liberdade.6

Os direitos de terceira geração, segundo o mesmo autor, in verbis:

São os direitos que se assentam no princípio da fraternidade, deles fazendo parte, entre outros, o direito ao desenvolvimento, á paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade. Segundo pensamos, tais direitos foram fortemente influenciados pela temática ambiental, nascida no mundo a partir da década de 1960, estendendo-se, depois, para outras áreas. Se no plano do direito constitucional tais direitos já se estabeleceram, no que tange à órbita internacional, percebe-se que apenas recentemente os documentos internacionais começaram a prever alguns desses direitos. 7

Nestes momentos da história, surgiu a necessidade de cuidado humano, e isto se deu em razão de diversos acontecimentos trágicos de profundo desrespeito à dignidade e a vida do ser humano e das graves atrocidades conhecidas pela humanidade. Entre os diversos números de barbáries cometidas na 2a guerra mundial, temos como exemplo: o Holocausto (morte em massa dos judeus) 8. Infelizmente, neste período a sociedade encontrava-se na dependência, na crise, incapaz de promover as reformas necessárias para a melhoria da qualidade de vida e a instauração da dignidade e justiça como regra efetiva.

No século XX iniciou-se as guerras. Entre o período de 1945-1948 destacou-se a criação da ONU9 (Organização das Nações Unidas) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, ambos vieram para compreender a tomada de consciência do mundo das atrocidades cometidas durante a 2a guerra mundial.

A ONU foi criada para promover a cooperação internacional e tem como objetivo garantir segurança e a paz mundial, promovendo os direitos da pessoa humana. Possui sede em Nova York mas, possui extraterritorialidade, isto é, escritórios em outros países além da matriz. O financiamento dessa organização se dá através de contribuições voluntárias de países que sãomembros da mesma. Inicialmente essa organização possuía 51 membros, hoje 193 países fazem parte da ONU.

Já a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi um documento adotado pela Organização das nações unidas, usado como base para os dois tratados sobre direitos humanos da ONU: o Pacto Internacional dos Direitos Políticos e Civis e o Pacto Internacional sobre os Direitos econômicos, sociais e culturais.

Nesse sentido, ensina Erival da Silva:

No texto da Declaração relacionam-se os direitos civis e políticos (conhecidos por direitos de primeira geração: liberdade) e os direitos sociais, econômicos e culturais (chamados direitos de segunda geração: trabalho), e há, ainda, a fraternidade como valor universal (denominados direitos de terceira geração: espírito de fraternidade, paz, justiça, entre outros – nos considerados e arts. I, VIII, entre outros).10

Essa ilustração que se faz entre os direitos foi conduzida conceitualmente pelo jurista Karel Vasak. O autor buscou por meio desta distinção, diferenciar os direitos que foram consolidados pelos Estados e tratados internacionais em alguns momentos históricos. Destarte, conforme leciona o autor Napoleão:

Os direitos da primeira geração surgiram nas Revoluções da Inglaterra, EUA e França, estando presente nas declarações de direitos resultantes das duas últimas; os da segunda, por sua vez, durante o século XIX e XX, como resposta as mudanças sociais e econômicas trazidas especialmente pela Revolução Industrial e; a terceira geração advém historicamente pós 2a Guerra Mundial e como resposta aos desafios jurídicos impostos pelas ações das nações durante o conflito e dos problemas políticos internacionais que se avizinhavam no período brevemente posterior, como a Guerra Fria e as independências das colônias africanas e asiáticas.11

Vale ressaltar que, ainda que haja presença em diversos graus de direitos considerados essenciais ao homem em tratados internacionais, o mais importante, em se tratando de todas as declarações, desde àquela escrita na Revolução Francesa, foi a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, onde expos efeitos jurídicos, e que se faz presente até a modernidade, ainda que imperfeito, entre as nações-membros da Organização das Nações Unidas.


2 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Em se tratando de direitos fundamentais, este artigo não pretende esgotar o tema, apenas situar o leitor acerca dos aspectos importantes para uma melhor compreensão da análise dos direitos humanos. Ao se falar de direitos humanos, automaticamente faz-se ligação à dignidade da pessoa humana. E esta por conseguinte liga-se aos direitos fundamentais, deixando nítido a sua existência intrínseca a todo e qualquer ser humano, logo, devendo ser respeitada pelo Estado e pela sociedade.

Os valores atribuídos aos direitos humanos de uma sociedade já poderia ser observado desde os tempos primórdios, em um pensamento cristão, como por exemplo a bíblia em seu antigo e novo testamento, onde afirma que o homem foi criado para ser semelhante de Deus, obtendo seu próprio valor intrínseco. De acordo com SARLET (2008) Ressalta-se a afirmação do Papa Leão Magno, que asseverou que os seres humanos seriam dotados de dignidade por terem sido criados à imagem e semelhança de Deus, posição também defendida por Tomás de Aquino, mas que acrescenta o fato da autodeterminação.

Ainda no pensamento de SARLET (2008) no período estoico, a concepção de dignidade humana estava ligada ao pensamento de liberdade pessoal, e por ser algo que somente o ser humano podia obter, isto era o que distinguia das demais criaturas ali existentes.

Já no período da renascença, houveram algumas mudanças de pensamentos e, o autor MIRANDOLA (1988), para sua maior compreensão começou a trabalhar a sua racionalidade, e passou a entender ser esta a qualidade que o ser humano necessitava para, de maneira livre, seguir o seu destino; por meio de sua liberdade, obtendo seu próprio livre arbítrio, capacitado para o que desejasse. Através da compreensão deste entendimento, o autor afirma que, in verbis:

O homem pode modificar a si mesmo. Liberdade é um poder de ação. Caberá, depois, ao desenvolvimento da filosofia, em reflexão conjunta com a ciência, aduzir outros elementos para completar essa noção de liberdade. Mas o fundamento está posto de maneira sólida.

O autor deixou claro que para alcançar a dignidade, seria necessário permitir a liberdade que o ser humano possui de auto modificação. O mesmo conseguiu simplificar seu entendimento através desta cerração em sua obra, esclarecendo o que seria fundamental para a dignidade humana. Destarte, ao se falar em liberdade, deve-se compreender que este termo se trata de uma interpretação ampla, uma vez que através do desenvolvimento, está noção de liberdade poderia sofrer modificações de forma positiva para complementar o seu significado.

A partir do século XVII, onde surgiu o pensamento jus naturalista, a dignidade da pessoa humana passou por um processo de compreensão, onde manteve a ideia de igualdade entre todos os homens.

No decorrer do tempo, foram sustentadas diversas teorias, de vários filósofos, como Samuel Pufendorf, Immanuel Kant, John Locke, Hobbes etc. Mas, na concepção de SARLET (2008) o filósofo que melhor representaria ao tema da dignidade da pessoa humana seria KANT (1986), uma vez que, partindo do pressuposto do raciocínio do ser humano, este sendo digno e sendo um fim em si mesmo, este nos mostra o que pode ser interpretado como conceito inicial de dignidade:

No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo preço, e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade.

Diante o exposto, apesar das teorias citadas por filósofos, e kant ser um dos mais ilustres em seu pensamento, adotar-se-á a teoria que melhor define como dignidade da pessoa humana relativo a qualquer ser humano independentemente de qualquer característica, podendo este usufruir de sua dignidade através de sua liberdade, traçando seu destino de acordo como a vida lhe oferece.

Já no mundo contemporâneo, busca-se aperfeiçoar o conceito de dignidade da pessoa humana, visto que faz-se necessário para melhor compreensão, tendo em vista que há necessidade de aumentar a sua área de proteção.

A dignidade da pessoa humana, perante a contemporaneidade, pode ser conceituada como uma ideia que sempre estará em evolução, isto é, buscando sempre evoluir até chegar em algo“concreto”. A declaração Universal da Organização das Nações Unidas, é o documento emespécie, concreto, que oferece ideias básicas para formular o conceito de dignidade da pessoa humana.

O artigo 1o da Declaração Universal dos direitos do homem diz que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência,devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”12

Alguns doutrinadores como Liane Maria Busnello Thomé, sem a intenção de criar conceito, mas, ao se expressar acerca do assunto, traz, um despretensioso entendimento sobre dignidade da pessoa humana, in verbis:

Cada ser humano é merecedor de respeito e consideração, independente da crença, nível social, intelectual, opção sexual e maneira de enfrentar a vida. O simples fato de ser humano basta para que sua dignidade seja garantida.13

Para o autor Ricardo Castilho, a dignidade humana:

Está fundada no conjunto de direitos inerentes à personalidade da pessoa (liberdade e igualdade) e também no conjunto de direitos estabelecidos para a coletividade (sociais, econômicos e culturais). Por isso mesmo, a dignidade da pessoa não admite discriminação, seja de nascimento, sexo, idade, opiniões ou crenças, classe social e outras.14

Conforme foi demonstrado no decorrer do trabalho, a dignidade da pessoa humana se caracteriza por ser um dos valores fundamentais do Estado Democrático de Direito, ou seja, por obter um valor que está presente nos princípios e regras. Entretanto, há distinções desses valores que devem ser esclarecidos, para uma melhor interpretação.

O autor Robert Alexy, ao falar sobre o tema de dignidade humana opta por dividir a norma em duas partes, sendo estas deontológicas e axiológicas. Quando se falar de dignidade humana como valor, há de se falar em norma axiológica, e para melhor compreensão desta e necessário compreender primeiro a dignidade como regra e princípio (norma deontológica).15Norma deontológica está no campo das normas jurídico-normativas e sua efetividade está concentrada no dever-ser, ou seja, na simples aplicação ou não da norma. O autor Robert Alexy entende que há distinções entre regras e princípio quanto a suas qualidades. As diferenças apontadas por Alexy são:

O ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios é que os princípios são normas que exigem que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são comandos de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida adequada de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais, mas também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras.16

O professor Ingo Wolfgang Sarlet pressupõe que, devido ao fato de a dignidade da pessoa humana estar tipificada no art. 1o da Constituição Federal, como princípio fundamental, demonstra não conter apenas um caráter ético e moral, constituindo uma norma jurídico-normativa, possuindo notoriamente um valor jurídico fundamental da comunidade.17

Destarte, dentre estas duas normas citadas, pode-se comprovar um ponto de contato, isto é, uma demonstração de que possivelmente seja o mais correto, se fazer a proteção da dignidade da pessoa humana, devendo atentar para as normas valorativas.

A autora FUNCHS entende ser importante destacar a dignidade como valor (norma axiológica), observando seu caráter hermenêutico, pois não tem como se fazer uma interpretação da Constituição sem atentar para os valores por ela protegidos. Desta a forma, a dignidade não deve apenas ser protegida pelas regras e princípios (norma deontológica) normatizados na Constituição, devendo ter a devida atenção para o seu caráter axiológico, este que revela ser o mais apropriado para avaliar as ações ou omissões contra a dignidade, não apenas pelo que é devido, permitido ou proibido (dever-ser/normas deontológicas), mas sim pelo que é bom.18 Dito isso, entende-se que haverá ou não aplicabilidade da regra no caso concreto, isto é, esta sendo válida, não há de se falar em outra mais adequada.


3 A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Direitos humanos é uma expressão profundamente ligada ao direito internacional público. O autor Mazzuoli entende que quando se fala em “direitos humanos” o quetecnicamente se está a dizer é que existem direitos que são garantidos por normas de índole internacional, isto é, por declarações ou tratados celebrados entre Estados e o propósito específico de proteger os direitos das pessoas sujeitas a jurisdição.19

O autor Jorge de Miranda denomina tal definição de conceito formal de direito humanos que seriam “toda posição jurídica subjetiva das pessoas enquanto consagrada na Lei Fundamental”.20

No cotidiano a expressão “direitos humanos” é empregada para se referir a proteção quea ordem jurídica interna (exemplo: a Constituição) incumbe aqueles que se submetem a jurisdição de um determinado Estado. Entretanto, em termos técnicos, o correto é empregar aexpressão “direitos humanos” apenas quando se está diante de índole internacional a tais direitos.

No entendimento do autor Mazzuoli, sabe-se que a proteção jurídica dos direitos das pessoas pode provir ou vir a provir da ordem interna (estatal) ou da ordem internacional (sociedade internacional). Assim, quando é a primeira que protege os direitos de um cidadão, está-se diante da proteção de um direito fundamental da pessoa; quando é a segunda que protege esse mesmo direito, está-se perante a proteção de um direito humano dela.

Faz essa diferenciação terminológica devido a replicação dos direitos fundamentais internos a nível internacional, advindo-se da intensificação das relações internacionais e da vontade da sociedade internacional, uma vez que estas tinham como objetivo proteger os direitos das pessoas em uma instância superior de defesa contra os abusos cometidos por autoridades estatais, o que levou os direitos fundamentais a obterem o novo status de direitos humanos internacionalmente protegidos.

Conceitua Valerio de Oliveira Mazzuoli, in verbis:

Os direitos humanos, são, portanto, direitos protegidos pela ordem internacional (especialmente por meio de tratados multilaterais, globais ou regionais) contra as violações e arbitrariedades que um Estado possa cometer às pessoas sujeitas à sua jurisdição. São direitos indispensáveis a uma vida digna e que, por isso, estabelecem, um nível protetivo mínimo que todos os Estados devem respeitar, sob pena de responsabilidade internacional. Assim, os direitos humanos são direitos que garantem às pessoas sujeitas à jurisdição de um Estado meios de vindicação de seus direitos, para além do plano interno, nas instâncias internacionais de proteção (em nosso entorno geográfico, perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que poderá submeter a questão à Corte Interamericana de Direitos Humanos).21

Ainda nesta linha de raciocínio, o autor Mazzuoli fala de como se dá o procedimento quando os direitos humanos forem violados, in verbis:

Quando se trata da proteção dos direitos humanos, não importa a nacionalidade da vítima, bastando ter sido ela violada em seus direitos por ato de um Estado sob cuja jurisdição se encontrava. No que tange à proteção do sistema global (onusiano), não há maiores problemas, havendo dúvida no que toca à proteção regional. Tout courtt, a competência do sistema regional (e do tribunal respectivo) para verificar a responsabilidade internacional de um Estado, está a depender do locus em que tenha sido cometida a violação de direitos humanos, independentemente da nacionalidade da vítima (importando apenas de qual sistema de proteção faz parte o Estado).22

Neste sentido, uma violação de direitos a cidadão francês no Brasil previne a competência do sistema interamericano de direitos humanos (Comissão e Corte Interamericanas de Direitos Humanos); já a violação de direitos a cidadão brasileiro na Guiana Francesa (departamento ultramarino francês) previne a competência do sistema europeu de direitos humanos (Corte Europeia de Direitos Humanos).23

3.1 O enigma da Internacionalização dos Direitos Humanos

Nos últimos vinte anos, houve o desenvolvimento acelerado do Direito Internacional, isto é, hoje não há ramos do Direito que não seja imune a normas internacionais sobre a matéria. Em uma visão geral, os Estados aceitam uma limitação progressiva de sua soberania, pois necessitam da cooperação internacional para tomar domínio dos problemas que ultrapassam as fronteiras de um país. O direito internacional e suas ramificações (como por exemplo, direito penal internacional) são reflexos da necessidade para a solução dos problemas no mundo, que transcendem a fronteira e um único Estado.

No entendimento do ilustre autor André de Carvalho Ramos:

A internacionalização do tema dos direitos humanos possui motivos distintos daqueles que acarretaram a internacionalização de outros temas, como por exemplo, o meio ambiente. De fato, percebe-se facilmente que a matéria ambiental é preocupação internacional, já que degradações ocorridas do meio ambiente dentro do território de um Estado podem afetar todo o planeta. Tal situação não ocorre no tocante aos direitos humanos, uma vez que a proteção local de direitos humanos não afeta per se os interesses de um cidadão de outro Estado.

Destarte, um tratado internacional de direitos humanos é único, isto é, distinto de outro tratados, visto que só contém deveres aos Estados contratantes, uma vez que os direitos neles previstos são de unidades ou grupo de indivíduos.

Alguns foram os grandes motivos para que os Estados continuassem a atuar na esfera internacional movidos pela ânsia do ganho econômico e da sua supremacia política, diferenciando-se entre os Estados que possuem estágios de desenvolvimento e histórias distintas, e isso faz com que os motivos pelos quais os Estados ratificam os tratados de direitos humanos sejam também diferenciados.

Primeiramente, há de se falar da própria criação do Direito Internacional dos Direitos Humanos, visto que diversos Estados foram induzidos pelo repúdio as barbáries cometidas na 2a guerra mundial, gerando então a necessidade de se evitar repetições do ocorrido.

O autor Frederic Sudre, dispõe: A proteção internacional dos direitos humanos consolida-se na reação, no pós Segunda Guerra Mundial, aos horrores gerados pela omissão injustificada d comunidade internacional em não-intervir nos assuntos domésticos de um Estado.25

O autor André de Carvalho Ramos discorre sobre o segundo motivo, muito lembrado pela doutrina, que seria o anseio de vários governos em adquirir legitimidade política na arena internacional e distanciar-se de passados ditatoriais e de constante violação de direitos humanos. Logo, vários Estados aderiram a instrumentos jurídicos internacionais de proteção de direitos humanos e participam de organizações com competência de averiguação de suas próprias políticas internas na busca da legitimidade trazida por esses órgãos.26

O Brasil estava incluído nesta situação, e, após a redemocratização dos anos 80, vem aderindo a tratados internacionais de direitos humanos, inclusive, reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Alguns Estados inclusive o Brasil, caminham para a alteração da percepção atual que possuem deles no exterior, isto é, muitas vezes a imagem desses Estados estão relacionadas com a maciça violação de direitos humanos, portanto, buscam estabelecer um diálogo de iguais em outros campos de interesse para o Estado.

Através da busca dessa legitimidade, nasce outras motivações relativas à política internacional. Para Ramos, a internacionalização intensiva da proteção dos direitos humanos explica-se também por servir para o estabelecimento de diálogo entre os povos, revestido de legitimidade pelo seu conteúdo ético.27

O mesmo autor, em uma outra obra, expôs:

A proteção de direitos humanos torna-se fator-chave para a convivência e passível de ser alcançada graças à afirmação dos direitos humanos como agenda comum mundial, levando os Estados a estabelecerem projetos comuns, superando as animosidades geradas pelas crises políticas e econômicas.28

A internacionalização do tema dos direitos humanos permite o suporte de um diálogo comum entre Estados, buscando um novo equilíbrio pós-comunismo e em plena era da globalização e seus novos desafios.

3.1.1 os tratados internacionais

O Direito Internacional dos Direitos Humanos no entendimento de André de Carvalho, consiste no conjunto de direitos e faculdades que garantem a dignidade da pessoa humana e se beneficiam de garantias internacionais institucionalizadas.29 Ainda nesta linha de pensamento, Carlos Durán dispõe:

O Direito Internacional dos Direitos Humanos é um sistema de princípios e normas que regula a cooperação internacional dos Estados e cujo objeto é a promoção do respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais universalmente reconhecidas, assim como o estabelecimento de mecanismo de garantia e proteção de tais direitos.30

A história Iniciou-se com a Carta de São Francisco, tratado internacional que eu origem a Organização das Nações Unidades em 1945, e tinha como objetivo consagrar a vontade da comunidade internacional em reconhecer e fazer respeitar os direitos humanos no mundo. A edição dessa Carta de São Francisco foi o passo decisivo para a internacionalização dos direitos humanos, visto que, além de citar expressamente o dever de promover os direitos humanos por parte dos Estados signatários, disponibilizou tal promoção como sendo um dos pilares da ONU, então gerada.

Logo, a Carta de São Francisco, é o primeiro tratado de conquista universal que reconhece os direitos fundamentais de todos os seres humanos, estabelecendo o dever dos Estados de assegurar a dignidade e o valor da pessoa humana.

3.1.2 O costume e os princípios gerais de Direito Internacional

O autor André de Carvalho Ramos entende que o costume internacional e os princípios gerais do Direito são fontes do Direito Internacional dos Direitos Humanos.31 Alguns desses costumes originaram-se das resoluções da Assembleia Geral da ONU. Exemplo: Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Neste tópico dois pontos devem ser destacados: em primeiro lugar, é visível que as normas não-convencionais servem para ocupar os vazios normativos provocados pela ausência de adesões por parte de vários Estados aos tratados internacionais. E em um segundo momento, a insegurança jurídica causada por esta situação.

Destarte, não há como falar que as limitações do uso de fontes não principais servem para impor os Estados respeitarem todos os direitos humanos. Logo, os direitos humanos com a ratificação dos Estados é ainda a condição essencial para o respeito da dignidade humana.

3.1.3 A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948

Em 10 de dezembro de 1948 foi adotada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, com a aprovação de 48 Estados. Essa Declaração estabelece a afirmação de uma ética universal ao oferecer um consenso sobre os valores de interesse universal a serem seguidos pelos Estados. Em se tratando de alcance universal da Declaração, observa o autor Cassin, que tal declaração se caracteriza, primeiramente, por sua amplitude. Compreende um conjunto de direitos e faculdades sem as quais um ser humano não pode desenvolver sua personalidade física, moral ou intelectual. Sua segunda característica é a universalidade.32

No entendimento de Lafer, in verbis:

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi delineada pela Carta das Nações Unidas e teve como uma de suas principais preocupações a positivação internacional dos direitos mínimos dos seres humanos, em complemento aos propósitos das Nações Unidas de proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais de todos, sem distinção de sexo, raça, língua ou religião.33

Em relação a tal Declaração, os Estados devem observar os ditames da mesma, visto que esta é reconhecida como espelho de norma constitucional de proteção dos direitos humanos. Trata-se de instrumento considerado o “marco normativo fundamental” do sistema deproteção das Nações Unidas, e a partir disso se fomentou a multiplicação dos tratados relacionados a direitos humanos em escala mundial. A corte internacional de justiça decidiu expressamente pelo caráter de norma costumeira de Declaração Universal e Direitos Humanos considerada como elemento para interpretação do conceito, de direitos fundamentais elencados na Carta da ONU. Para alguns doutrinadores, a Corte Internacional de Justiça ainda deve esclarecer se todos ou algumas partes dos direitos humanos estão estabelecidos na Declaração Universal de Direitos Humanos.

Na linha de raciocínio do autor Mazzuoli sobre a Declaração Universal de Direitos Humanos, in verbis:

O que se deve entender é que a Declaração Universal visa estabelecer uma padrão mínimo para a proteção dos direitos humanos em âmbito mundial, servindo como paradigma ético e suporte axiológico desses mesmos direitos. Assim, por ter afirmado o papel dos direitos humanos, pela primeira vez e em escala mundial, a Declaração de 1948, há de ser considerada um evento inaugural de uma nova concepção da vida internacional.34

As referências à Declaração Universal nos preâmbulos de diversos tratados internacionais de direitos humanos são bastante significativas, tanto nos sistemas regionais de proteção quanto nos sistemas globais, servindo como exemplo para as Convenções Europeia e Americana, por exemplo. Incontáveis são as referências à Declaração nas sentenças de tribunais internacionais e internos.

Todavia, fica demonstrado que a Declaração Universal tem se tornado fonte de inspiração para os instrumentos internacionais de proteção e das decisões judiciárias internacionais e internas, aumentando a sua importância dentro do direito internacional público como standard mínimo de proteção dos direitos humanos.

3.2 Direito Internacional Público

O direito internacional público disciplina e rege a sociedade internacional, composta por Estados e Organizações Internacionais intergovernamentais, com reações voltadas para a atuação dos indivíduos no plano internacional. Destarte, a noção de sociedade internacional não é completamente esclarecida. Atualmente, a realidade do Direito Internacional Público, uma vez que há multiplicações de organizações internacionais e de outras coletividades não estatais, passa longe da realidade até então presente no cenário internacional.

Conforme dispõe Valério Mazzuoli em sua obra, in verbis:

O conceito de sociedade internacional é, assim, um conceito em mutação, que poderá ser modificado no futuro com a presença de novos atores das relações internacionais. De qualquer sorte, ainda é correto afirmar que, dentre os atores que atualmente a compõem os Estados são aqueles que detêm a maior importância, dado que somente com o seu assentimento outras entidades podem ser criadas (organizações internacionais) ou certos direitos podem ser reconhecidos (o direito de acesso aos indivíduos às instâncias internacionais de direitos humanos, somente possível quando o Estado ratifica o tratado em que tal direito está assegurado).35

Destarte, fica claro que, no âmbito internacional, existe uma sociedade de Estados (e/ou Organizações Internacionais) que mantêm entre si relações mútuas enquanto isso lhes convêm. No dias atuais, é notório que o número de Estados se une a outros para satisfazer os interesses particulares, não obtendo ligação ética e moral entre eles, firmando acordos etc., chegando a conclusão, conforme expõe parte da doutrina, que não existe comunidade internacional, apesar da expressão ser ainda utilizada em diversos tratados e documentos internacionais.

Ao longo do tempo, o direito internacional público vem ganhando novos contornos e evoluindo ao avanço da sociedade internacional. O direito internacional público é fruto de diversos fatores sociais, políticos, econômicos e religiosos da Idade Média, entretanto, ao longo do tempo o mesmo tem se desenvolvido, principalmente após a mudança do cenário pós segunda guerra, deixando mais visível as Organizações Internacionais intergovernamentais, tratados, e logo mais à frente, matérias como: a proteção internacional dos direitos humanos, o direito internacional do meio ambiente, direito internacional penal, e vem trazendo grandes mudanças para o Direito Internacional Público contemporâneo. Entretanto, conforme leciona Piovesan, a verdadeira consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos surge em meados do século XX em decorrência da Segunda Guerra Mundial.

Nas palavras de Thomas Burgenenthal, o moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos é um fenômeno do pós-guerra. Seu desenvolvimento poder ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte destas violações poderiam ser prevenidas se um efetivo sistema de proteção internacional de direitos humanos existisse.37

Podemos conceituar o direito internacional público como a disciplina jurídica da sociedade internacional, isto é, um conjunto de regras jurídicas e princípios que disciplinam e governam a atuação e a conduta da sociedade internacional – formada pelos Estados, pelas Organizações Internacionais intergovernamentais e pelos indivíduos) buscando alcançar as metas comuns da humanidade, a paz, segurança e a estabilização das relações internacionais.

Em um segundo momento, o Direito Internacional Público disciplina e regulamenta assuntos que não se limitam ao âmbito propriamente exterior dos Estados, tratando de matérias que antigamente eram consideradas de competência da jurisdição doméstica e que, atualmente, não possui qualquer razão de ser. O conceito contemporâneo de Direito Internacional Público torna-se imprescindível para se entender o funcionamento da sociedade internacional.

3.2.1 Fontes do Direito Internacional Público

Desde o aparecimento das primeiras organizações internacionais intergovernamentais, muita coisa mudou referente às fontes do Direito Internacional Público. Entretanto, o fenômeno atual, é o da descentralização das fontes do direito das gentes.

As fontes do direito internacional público são divididas em fontes materiais e formais. Conforme o entendimento do autor Mazzuoli, as fontes materiais não pertencem ao universo da Ciência do Direito propriamente, mas sim à Política do Direito.38 Conforme leciona Miguel Reale, as fontes materiais se referem ao exame do conjunto de fatores, sociológicos, econômicos, ecológicos, psicológicos e culturais, que condiciona a decisão do poder no ato de edição e formalização das diversas fontes do Direito.39

Por outro lado, consideram-se fontes formais do Direito os métodos de criação das normas jurídicas, as diversas técnicas que permitem considerar uma norma como pertencente ao mundo jurídico, vinculando os atores para os quais se destinam. Conforme demonstra Mazzuoli:

Denominam-se formais pelo fato de indicarem as formas pelas quais o Direito (especialmente o direito positivo) pode se desenvolver para atuar e se impor, disciplinando as relações jurídicas. Emanam sempre de uma autoridade que subordina a vontade dos súditos às suas deliberações. Tais fontes podem ser primárias (substanciais ou de produção), como a Constituição estatal, e secundárias (formais ou de conhecimento), como a lei (fonte formal ou de conhecimento imediata), os costumes e princípios gerais de direito (fontes formais ou de conhecimento mediata).40

No estudo clássico, sobre o tema, Max Sorensen também não deixou de distinguir as fontes formais de Direito Internacional das suas fontes materiais, que compreendem, em suaspalavras, “os elementos e as influências que determinam o conteúdo da regulamentação jurídica, que são os interesses e necessidades práticas dos Estados ou as exigências ideais que decorrem, em um certo momento, da consciência social e das ideologias prevalentes na comunidade internacional.41

Destarte, das variadas fontes do Direito Internacional Público na atualidade, os tratados internacionais, são a principal e mais concreta fonte, pois, além de estar relacionado à segurança e estabilidade, tornam-se o direito das gentes mais representativo e autêntico, na medida em que se unem na vontade livre e conjugada dos Estados e das Organizações Internacionais, sem a qual não subsistiriam. Ademais, os tratados internacionais dão mais segurança aos Estados no que refere-se a existência e interpretação da norma jurídica internacional, isto é, são a fonte do Direito Internacional mais direta, clara e fácil de comprovar.

3.3 A Responsabilidade Internacional do Estado e Direitos Humanos

A responsabilidade internacional do Estado é o instituto jurídico que busca a realização de uma potência soberana pela pratica de um ato ilícito ao direito internacional praticado contra os direitos ou a dignidade de um outro Estado, presumindo uma certa reparação deste último devido os prejuízos que sofreu injustamente.

No entendimento de Naomi Roth- Arriaza, o conceito exposto sobre a responsabilidade internacional do Estado leva em conta apenas os Estados nas suas relações entre si. Sendo evidente, porém, que nas relações dos Estados com as pessoas sujeitas à sua jurisdição, o instituto da responsabilidade internacional também opera, notadamente, no que diz respeito às violações estatais aos direitos humanos. Aliás, os Estados são os principais obrigados para com o Direito Internacional dos Direitos Humanos e, por isso, devem ser responsabilizados por sua violação.42

Tal instituto, o da responsabilidade internacional, para fins de interesse à proteção dos direitos humanos possui duas finalidades. Conforme entendimento de Mazzuoli:

Primeiramente visa coagir psicologicamente os Estados, a fim de que eles não deixem de cumprir com os seus compromissos internacionais em matéria de direitos humanos; e, visa também atribuir ao indivíduo que sofreu prejuízo, em decorrência de um ato ilícito cometido por um Estado, uma justa e devida reparação, seja de ordem pecuniária ou de outra natureza.43

Além dessas duas finalidades comentadas por Mazzuoli, há de se falar em uma última finalidade, porém, relacionada a responsabilidade internacional, que seria impor aos Estados limites de atuação em um plano externo, impedindo que estes pudessem agir de forma leviana, isto é, da maneira que lhes convém, visando a que não prejudiquem terceiros e não desequilibrem as relações pacíficas entre os demais Estados.

Quando se fala de responsabilidade internacional, não deve ser deixado de lado o comentário sobre as características desse instituto, visto que, o princípio fundamental da responsabilidade internacional se explica numa ideia de justiça, onde os Estados estariam vinculados ao cumprimento de tudo o que assumiram no campo internacional, levando em consideração seus compromissos de boa-fé, não vindo a cometer qualquer prejuízo aos outros sujeitos do direito das gentes e às pessoas sujeitas à sua jurisdição.

Na concepção de Valério Mazzuoli, para o que interessa à proteção internacional dos direitos humanos, o instituto da responsabilidade internacional do Estado visa sempre reparar um prejuízo causado, podendo tal reparação ser de índole pecuniária ou de outra natureza.44

Quando o autor menciona “reparar um prejuízo de outra natureza” pode-se falar da reparação civil, que tem por finalidade a restituição de coisas, tanto quanto possível, ao estado de fato constituído anteriormente, fazendo retroceder as coisas ao status quo para sua satisfação.

Ainda na linha de raciocínio do autor, se esse estabelecimento não for possível, ou caso seja, porem de forma parcial, o prejuízo deve ser reparado de forma pecuniária, por meio de indenização ou compensação.45 Entretanto, tal reparação deverá ser substituída pela indenização ou compensação uma vez que não seja possível, jurídica ou materialmente, fazer a reparação do dano causado pelo ilícito estatal. Pode-se dizer que a reparação pecuniária é aforma mais comum que vem se apresentando no quadro internacional envolvendo a reponsabilidade do Estado devido a violação dos direitos humanos.

Vale ressaltar que esse instituto da responsabilidade internacional, desconhece a responsabilidade penal, como imposição de penas. Tal responsabilidade no direito internacional penal, só ocupa lugar nos casos de genocídio, crimes de guerra e crimes contra a sociedade, vindo a caracterizar a responsabilidade pessoal do ser humano, perante ao Tribunal Penal Internacional.

3.3.1 Natureza Jurídica da responsabilidade internacional

Em se tratando de natureza jurídica da responsabilidade internacional do Estado, há de se falar em teoria da culpa e teoria de risco, corrente subjetivista e corrente objetivista, respectivamente. Na concepção de Mazzuoli, o conceito dessas duas doutrinas seria:

A doutrina subjetivista apregoa que a responsabilidade internacional deve derivar de um ato culposo (strictu sensu) do Estado ou doloso, em termos de vontade de praticar o ato ou o evento danoso. Trata-se do antigo princípio do Direito Romano qui in culpa non est, natura ad nihil tenetur. Ou seja, não basta a prática de um ato internacional objetivamente ilícito; é necessário que o Estado que o praticou tenha agido com culpa, isto é, imprudência, negligência ou imperícia, ou dolo intencional.

Já a doutrina objetivista, por sua vez, pretende demonstrar a existência da responsabilidade do Estado no simples fato de ter ele violado uma norma internacional que deveria respeitar, não se preocupando em perquirir quais foram os motivos ou os fatos que o levaram a atuar delituosamente. Para a teoria objetivista, portanto, a responsabilidade do Estado surge em decorrência da causalidade existente entre o ato ilícito praticado pelo Estado e o prejuízo sofrido pelo sujeito, sem necessidade de se recorrer ao elemento psicológico para aferir a responsabilidade daquele. Aqui está emjogo apenas o “risco”, que, contudo, também integra o dolo, mas sem a existência de vontade específica que o Estado assume ao praticar determinado ato (violador do direito internacional).

Diante disso, fica demonstrado que a doutrina subjetivista depende da vontade do Estado em praticar o ilícito, já na doutrina objetivista, independe da vontade do Estado (culpa ou dolo) em praticar o ilícito.

Nos casos de violação a direitos humanos lato sensu, a teoria que vem sendo utilizada é a teoria objetivista. Logo, é dever do Estado obter o controle de seus órgãos e agentes internos a fim de evitar violações às obrigações contraídas, sob pena de responsabilidade internacional, contribuindo a efetivação dos tratados de proteção de direitos humanos e aos seus propósitos. No mais, em se tratando de responsabilidade objetiva, não há que se falar em culpa, isto é, não se perquire a existência de qualquer elemento, psíquico ou volitivo, bastando a comprovação do nexo causal entre a ocorrência do fato e a existência ulterior do dano. Ademais, quando houver um Estado que viole as normas internacionais que estiverem em vigor, existirá a responsabilidade independentemente de culpa, bastando que fique demonstrado que em razão dessa violação houve o efetivo prejuízo ao dano.

3.3.2 A Responsabilidade do Estado no sistema Interamericano

No sistema interamericano de direitos humanos é de competência da Corte Interamericana processar e julgar um Estado-parte quando este viole os direitos humanos da pessoa sujeita à sua jurisdição, não importando a nacionalidade da vítima que sofreu a violação; para configurar a mesma, basta que o cidadão tenha sido violado em seus direitos no âmbito da jurisdição de um Estado que tenha aceito a jurisdição contenciosa da Corte Interamericana.

O procedimento se dá de maneira que, a pessoa que tenha sofrido a violação, no caso a vítima, deverá peticionar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e esta, após procedimento interno, demanda o Estado em causa perante a Corte. Essa comissão irá ingressar com ação de responsabilidade contra o Estado que violou os direitos humanos, dentro dos moldes das ações propostas no judiciário interno, levando em consideração as regras do processo civil. Conforme leciona Mazzuoli, in verbis:

A ação de comissão é proposta perante a Secretaria da Corte Interamericana, por meio da protocolização de petição inicial nos idiomas de trabalho do tribunal. Na petição deverão estar indicados os pedidos, as partes no caso, a exposição dos fatos, as resoluções de abertura do procedimento, e de admissibilidade da denúncia pela Comissão, as provas oferecidas, a individualização das testemunhas e peritos, e, finalmente, os fundamentos do direito com as conclusões pertinentes.46

Ademais, uma vez encerrada a parte probatória, a Corte irá deliberar e proferir sentença de mérito. Por fim, caso haja o descumprimento da sentença da Corte Interamericana, implicará em nova violação de direitos humanos por parte do Estado, ensejando um novo processo de responsabilização contra este Estado no plano internacional.


CONCLUSÃO

Pode-se dizer que, ainda que exista dificuldades no teor da questão, não podemos excluir o fato de que ao final da segunda guerra mundial, houve o surgimento das movimentações globais, reconhecendo então a efetivação dos direitos humanos de modo universal. Nesse cenário, surge a Carta das Nações Unidas, documento este que criou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, objetivando manter a paz e a segurança no mundo.

Após longa exposição do tema, pode-se afirmar que na era da modernidade, gerada por uma globalização econômica radical, pode-se fazer distinção de fases dos direitos humanos. Visto que, dentre elas, atualmente, a fase na qual se expande sobre a postulação e reivindicação dos direitos humanos ainda passa por dificuldades e desafios de modo crescente.

A problemática pertinente relacionada ao conceito contemporâneo de soberania, está atrelada a constante busca do equilíbrio, ou seja, a uma construção de ordem internacional, que possua eficácia para fazer respeitar o exercício da soberania de cada Estado, capaz de criar mecanismos regulatórios para o funcionamento da solução dos conflitos, sem que haja a necessidade de excluir a sua finalidade, que é proteger o ser humano.

Quando se trata de direitos humanos, vale ressaltar que a discussão sobre o tema é de extrema importância, visto que a internacionalização dos direitos humanos se dá devido a globalização gerada pós-guerra, dando margem para uma maior interação entre os Estados e, ficando demonstrado que tal assunto é de interesse internacional.

A internacionalização dos direitos humanos exclui definitivamente o conceito de soberania absoluta, no qual considerava-se que o Estado era o único sujeito de direito internacional. Entretanto, esta internacionalização permite que o Estado seja responsabilizado pelas violações causadas aos direitos humanos, ficando demonstrado que o Estado possui soberania relativa, vindo a ser indivíduo sujeito de direito internacional público, sendo dever dos Estados proteger e garantir os direitos humanos.

Ainda que nos dias atuais, os direitos humanos caminhe para sua evolução, não podemos excluir o fato de que este enfrenta uma grande guerra de poder, vindo a dificultar a universalidade de direitos por não ser de seu interesse. Ademais, o mundo caminha para uma proteção maior ao ser humano, podendo observar a internacionalização dos direitos humanos

permite que os tratados internacionais possam possuir um importante papel neste contexto; gerando um mecanismo capaz de responsabilizar Estados-partes caso haja violação destes direitos, agregando então a mais uma etapa de conquista e evolução no quadro de progresso moral da humanidade. E, além disso, fica demonstrado que para que a universalização dos direitos humanos torne-se de uma vez por todas realidade, além das garantias jurídicas tornarem-se positivadas, deverá também haver vontade política de agir a favor dos direitos humanos.


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Notas

40MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. – 6o ed.rev. atual. E ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. P.115

41 DINH, Daillier & Pellet. Direito Internacional Público, cit., pp. 113-116.

42 ROTH-ARRIAZA, Naomi. State responsibility to investigate and prosecute grave human rights violations in international law. Califórnia Law Review, 2009, n.2, p. 451-513


Autor

  • Vanessa Mansur Silva

    Bacharel em Direito (2014) Advogada licenciada (2015) Pós graduada em Direito Processual (UNAMA) Pós Graduada em Direito Público (Damásio) Mestranda em Direito Processual Constitucional (Universidad Nacional Lomas de Zamora-AR) Atualmente exerce o cargo de Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Pará

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