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O ciclo completo de polícia: uma solução?

O ciclo completo de polícia: uma solução?

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O ciclo completo de polícia pode ser caracterizado pelo conjunto de ações policiais com o objetivo de reduzir a violência e levar fatos criminosos ao conhecimento do Judiciário.

RESUMO: A Polícia brasileira tem sua organização definida pelo artigo 144 da Constituição Federal de 1988. Esse modelo traz em bojo o estabelecimento de 5 corporações Políciais: A Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal, a Polícia Civil e a Polícia Militar. Dentre essas, as que mais se vê nas ruas e que tem o maior numero de ocorrências sob sua responsabilidade são a Polícia Civil e a Militar, porém, as duas só podem fazer uma ‘parte do serviço’. Ficou designado para a Polícia Civil as funções de Polícia judiciária e para a Polícia Militar as de Polícia administrativa. Quando a Polícia Militar detém algum infrator, ela, obrigatoriamente, deve encaminhá-lo à Polícia Civil para que essa investigue o caso e proceda à confecção do inquérito que será remetido ao judiciário. Esse modelo, além de gerar grandes desgastes institucionais desnecessários também traz em si uma perda mui grande no que diz respeito a logística Policial, porque em cada ocorrência a Polícia Militar precisa destacar uma viatura que está em rua para levar o criminoso a Delegacia. A metodologia do trabalho foi bibliográfica, o objetivo é a demonstração do conceito do ciclo completo de policia. A primeira parte falou sobre a história e a organização atual da policia brasileira. O segundo capítulo dispôs sobre a policia administrativa e judiciária, sobre o poder de policia e sobre a prisão em flagrante. Na ultima parte, o trabalho discorre sobre o conceito do ciclo completo de polícia, Polícia espanhola, TCO e PEC 102/11. O sistema de ciclo completo é a solução para esse caso de excessiva burocracia no inicio da persecução penal brasileira.

Palavras-Chave: Policia espanhola; Logística Policial; Polícia Militar


INTRODUÇÃO

Um dos problemas que mais tem preocupado a população brasileira é a segurança pública. Com leis brandas, baixo efetivo Policial, sistema carcerário ineficiente (sendo até apelidado de escola do crime) e justiça lenta, o Brasil sofre  com o aumento da criminalidade e diminuição da sensação de segurança. O atual modelo dicotômico de organização das Polícias brasileiras, preconizado pelo artigo 144 da Constituição Federal, limita a Polícia Militar ao trabalho das funções de Polícia administrativa, qual seja, fazer patrulha, usar fardas caracterizadas e prevenir os crimes e a Polícia Civil as funções de Polícia judiciária. Esse modelo traz desgastes institucionais desnecessários além de gerar grande confusão na população.

Com o objetivo de trazer celeridade à persecução penal, a Espanha estabeleceu, em seu modelo de Policiamento, o ciclo completo de Polícia, para todas as corporações daquele país. O ciclo completo de Polícia consiste em todas as funções do trabalho Policial, como: patrulhar, prender, investigar e dirigir o inquérito. No Brasil, a lei n° 9.099 inovou ao trazer o artificio do TCO que, em alguns estados brasileiros, já pode ser confeccionado pela Polícia Militar, evitando que a sociedade fique com uma viatura a menos na rua e que a delegacia de Polícia fique com inquéritos além de sua possibilidade e capacidade.

O objetivo do presente estudo é a demonstração do conceito de ciclo completo de polícia, sendo que a principal problemática é o estabelecimento daquilo que pode ser chamado de ‘meias Polícias’ no Brasil, ou seja, Polícias que não cumprem com o ciclo. A pesquisa pode ser classificada como bibliográfica, tendo em vista o uso de vários livros, artigos científicos e entrevistas para a confecção desta.

Foi tratado sobre a história da Polícia no Brasil e como atualmente ela é organizada, bem como dos conceitos de poder de Polícia, Polícia administrativa e judiciária e sobre a prisão em flagrante delito que é, hoje, o principal meio pelo qual a Polícia Militar e Civil se encontram nos procedimentos administrativos. Bem como a demonstração do modelo de organização da Polícia espanhola. A PEC 102/11 tem certa importância no estudo, tendo em vista ser a única em tramitação no Congresso Nacional que tem como objetivo mudar a organização da Polícia brasileira.

Como base para a pesquisa foi utilizado a monografia O ciclo completo de polícia na atividade de Policiamento ostensivo dos capitães da Polícia Militar Sanyo Ferreira Fernandes e Wanderson Carolino que teve como objetivo a qualificação do curso de Especialização em Gerenciamento de Segurança Pública da Academia da Polícia Militar do Estado de Goiás.

Também foi utilizado o livro do Dr. Rogério Greco, Procurado no Estado de Minas Gerais, Atividade Policial: Aspectos penais, processuais penais, administrativos e constitucionais. Bem como da legislação espanhola que rege a organização das Polícias daquele país. Além das obras de Maria Silvia Di Pietro sobre o Direito Administrativo e Alexandre de Moraes sobre o Direito Constitucional.

É necessário o debate sobre tal tema, tendo em vista o desgaste institucional entre as duas instituições policiais brasileiras. A escolha do tema se deu devido ao atraso brasileiro em relação a países evoluídos no que diz respeito à organização policial. Não há justificativa plausível para o excesso de burocracia no começo da persecução penal brasileira.


CAPÍTULO I - DA POLÍCIA NO BRASIL

HISTÓRICO

A polícia no Brasil tem seu ponto de origem na chegada da corte portuguesa no Rio de Janeiro, em 1808. Com a vinda de tais pessoas para terras cariocas, criou-se dois corpos de Polícia: A Intendência Geral de Polícia ( em 1808) e a Guarda Real de Polícia (em 1809). Esses dois corpos acima citados, foram os primeiros organismos públicos a carregarem em seu nome a concepção de Polícia.

Antes disso, as atribuições correspondentes ao cargo de intendente geral da Polícia no Brasil eram desempenhadas por várias autoridades, como os quadrilheiros, que eram oficiais inferiores de justiça ligados à Camara Municipal, o ouvidor, os capitães-mores de estradas e assaltos, conhecidos como capitães-do- mato, também ligados à câmara, e os alcaides, encarregados de diligencias especificas. Além disso, desde a carta régia de 22 de Julho de 1766, o desembargador ouvidor geral do crime da Relação do Rio de Janeiro acumulava a função de intendente da Polícia (REIS, 1983, p.11).

A Intendência Geral de Polícia no Brasil seguia o modelo português que por sua vez teve por inspiração o molde francês. Os chefes dessa polícia, os Intendentes, por muitas vezes eram chamados de prefeitos devido a visão de Policiamento àquela época abarcar funções que ao passar do tempo foram delegadas a outros órgãos da administração pública. “A Intendência de Polícia se associará fortemente ao nome do primeiro intendente, Paulo Fernandes Vianna, que vai dirigi-la até 1820, caracterizando-se como um quase prefeito da cidade do Rio de Janeiro” (BRETAS ; ROSEMBERG, 2013, p. 167).

Em 1841, a Intendência Geral de Polícia foi extinta, criando-se o cargo de Chefe de Polícia, ocupado até 1844 por Euzébio de Queiroz Coutinho Matoso Câmara. A lei de 03 de dezembro de 1841 proporcionou uma mudança radical, com a criação, em cada província e também na Corte, de uma Chefatura de Polícia. Nela, o Chefe de Polícia passou a ser auxiliado por delegados e subdelegados de Polícia:

No que tange às instituições Políciais, a maior inovação da contra-reforma foi a redefinição do papel do chefe de polícia, secundado agora por delegados e subdelegados, com atribuições muito parecidas às que tiveram os juízes de paz e os prefeitos e subprefeitos. O juiz Policial deu lugar ao Policial juiz, personificado no chefe de polícia e nos delegados e subdelegados. Cada um, em seu espaço de atuação, devia prevenir delitos, prender infratores, proceder à formação de culpa dos acusados, podendo julgar os crimes menores. Nesse duplo papel de Policial e juiz, estavam inseridos em duas instituições entrecruzadas, que ora estavam sobrepostas, ora atuavam com competências distintas. (MARTINS, 2007, p.86)

Com a guerra do Paraguai em 1864 veio algumas mudanças robustas no Policiamento brasileiro, com o ingresso de Políciais dessas províncias, que em alguns locais eram militarizados, servindo na infantaria (RIBEIRO, 2011, p. 4), momento este em que esses Políciais começam a fazer parte de uma força aquartelada, trabalhando menos no serviço de proteção a sociedade e mais nas questões de Defesa do Estado. (MEZZOMO, 2005, p. 127)

Com a proclamação da República em 1889 e a desconstrução do poder do Império foi dada uma maior autonomia as polícias estaduais. Para Ribeiro (2011, p. 4):

Com a formulação da constituição da República que nascia em 1891, os estados começam a se tornar mais autônomos, e ao mesmo tempo começam a ser criadas as forças públicas, que seriam uma representação da segurança nesses Estados, ou seja, servia para a defesa do Governo do Estado perante aos excessos da união, é nesse momento que a força pública se coloca como uma organização militar dos estados e passa a viver aquartelado.

Esse modelo de corpo Policial estadual tomou força considerável, principalmente nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais que reforçaram de grande maneira na área bélica. Com o aumento dessa força, a união com receio do poder dessas forças Políciais edita a Lei n° 1860, de 4 de Janeiro de 1909 que em seu artigo 7° e 32°, ordenava o serviço militar obrigatório e colocava as forças estaduais como forças auxiliares da guarda nacional a disposição da União.

O que se pode destacar é que no período da Primeira República as Polícias Militares estiveram envolvidas em um papel fundamental nas rebeliões e revoltas ocorridas no Brasil nesse lapso temporal, “[...] ou seja, vemos a ação dessas forças de polícia, [...] contra o movimento de Canudos, passando por ações no Contestado ao sul e na revolução de 1924 em São Paulo e também na sustentação da Revolução de 1930”. (RIBEIRO, 2011, p. 8)

Justamente por conta do envolvimento da Força Pública de São Paulo na revolta Constitucional de julho a agosto de 1932, é que se vê a intervenção do Governo Federal nas Polícias estaduais para o fim de desmobilizar e centralizar os Exércitos estaduais (como eram conhecidos a época). Como assevera Ribeiro (2011, p. 9):

Com a consolidação do Estado Novo e a aprovação da Constituição, a Segunda República e o centralismo do Estado sobre as competências das polícias militares aumenta e é a partir dessa nova constituição que vemos as polícias militares ser definidas como forças de reserva do Exército voltadas para a segurança interna e manutenção da ordem.

Após o fim do Estado em 1945 e a deposição de Getúlio Vargas é eleito pelo voto direto, Eurico Gaspar Dutra, que no ano seguinte promulga uma nova constituição que ainda continua preconizando a Polícia Militar como força auxiliar das Forças Armadas e ainda dando a União prerrogativas de legislar sobre organização, efetivos, instrução e garantias das Polícias militares.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE GOIÁS NAS CONSTITUIÇÕES ESTADUAIS

A constituição estadual preconiza em seu artigo 124 a missão da Polícia Militar perante a população goiana.

A Polícia Militar é instituição permanente, organizada com base na disciplina e na hierarquia, competindo-lhe, entre outras, as seguintes atividades:

I - o Policiamento ostensivo de segurança; II - a preservação da ordem pública;

III- a polícia judiciária militar, nos termos da lei federal;

IV- a orientação e instrução da Guarda Municipal, quando solicitadas pelo Poder Executivo municipal;

V- a garantia do exercício do poder de polícia, dos poderes e órgãos públicos estaduais, especialmente os das áreas fazendária, sanitária, de uso e ocupação do solo e do patrimônio cultural.

Parágrafo único - A estrutura da Polícia Militar conterá obrigatoriamente uma unidade de polícia florestal, incumbida de proteger as nascentes dos mananciais e os parques ecológicos, uma unidade de polícia rodoviária e uma de trânsito (GOIÁS, 1989).

É possível encontrar em todas as constituições estaduais desde a de 1935, a competência residual sendo entregue a Polícia Militar Goiana. Segundo alguns doutrinadores tais como Lazarinni (2003) a competência residual é o "exercício de toda atividade Policial de segurança pública não atribuída aos demais órgãos”.

A constituição estadual de 1935 já designava a Polícia Militar para o trabalho de preservação da ordem pública:

Art. 17 – A Polícia Militar do Estado de Goiás, considerada reserva do Exército Nacional, pelo art. 167 da Constituição Federal, é uma instituição estadual permanente, e, dentro da lei, essencialmente obediente aos seus superiores hierárquicos.

§ Único – Destina-se à manutenção da ordem pública e da lei, no interior, e a cooperar, na defesa da Pátria, nas guerras externas e comoções internas (CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE GOIÁS,1935)

Já o texto da carta politica de 1945 não mencionou qual função seria desempenhada pela Polícia Militar, a qual chamou de Força Policial do Estado:

Art. 130 – Os títulos, postos e uniformes da Força Policial do Estado são exclusivos dos militares de carreira, sendo vedada adoção de denominações e uniformes semelhantes aos privativos do Exército Nacional para as corporações militares do Estado e para as suas respectivas escolas de preparação (GOIÁS, 1945).

Na constituição de 1964 o termo Polícia Militar volta a ser empregado, bem como suas funções expressas na norma, nesse caso, no artigo 164:

A Polícia Militar, corporação obediente ao Governador do Estado, a quem ficará diretamente, subordinada, é instituição permanente, reserva do Exército e se destina à manutenção da ordem e segurança pública (GOIÁS, 1964).

A constituição 1967 seguiu a mesma esteira de sua antecessora, nomeando como Polícia Militar e colocando as funções de uma forma expressa, desta feita no artigo 57: “A Polícia Militar é uma força auxiliar permanente e regular, reserva do Exército, organizada com base na hierarquia e na disciplina, para manter a ordem pública e a segurança interna no Estado” (GOIÁS, 1967).


MODELO ATUAL DE ORGANIZAÇÃO POLICIAL

Após um período de pouco mais de 20 anos de Ditadura militar (1964 – 1988), foi promulgada em 1988 a constituição que vige até hoje no Brasil. Foi estabelecido no artigo 144 desse documento legal, as diretrizes para a organização e competências dos órgãos envolvidos na segurança pública. Os órgãos são a Polícia Militar e a Polícia Civil no âmbito estadual, bem como, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Ferroviária Federal no âmbito da união. Segue abaixo o referido artigo da constituição de 1988:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

  1. - polícia federal;
  2. - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. (BRASIL, 1988)

Nesse artigo, a Constituição Federal de 1988 preceitua que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Segundo Moraes (1999) a multiplicidade dos órgãos de defesa da segurança pública, pela nova constituição, teve dupla finalidade: o atendimento aos reclamos sociais e a redução da possibilidade de intervenção das Forças Armadas na segurança interna.

O artigo 144 § 6°, da Constituição Federal localiza as Polícias militares e os corpos de bombeiros militares como forças auxiliares e reserva do Exercito, subordinando-os, juntamente com as Polícias civis, aos governadores dos Estados,do Distrito Federal e dos Territórios. E por ultimo, concede aos municípios a faculdade de se criar, por meio de suas competências legislativas, as guardas municipais cuja função é a proteção de seus bens, serviços e instalações conforme dispuser cada lei.

O artigo 144 da Constituição Federal de 1988 também delega competências aos órgãos envolvidos na segurança pública do Brasil, vale ressaltar as competências da Polícia Militar e Polícia Civil por serem objetos do presente estudo e da Polícia Federal, tendo em vista as competências da Polícia Civil ser residual a elas:

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

  1. - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
  2. - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
  3. - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. (BRASIL, 1988)

Além das atribuições constitucionais, leis infraconstitucionais e constituições estaduais também designam funções ao Policiamento. Em Goiás, os estatutos das Polícias, estão nas leis 16.901 (Polícia Civil) e 8.125 (Polícia Militar).

A lei 16.901 estabeleceu os seguintes deveres para a Polícia Civil:

Art. 5º Compete à Polícia Civil:

– exercer, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e apurar as infrações penais, exceto as militares;

– planejar, coordenar, dirigir e executar as ações de polícia judiciária e de apuração de infrações penais, que consistem na produção e na realização de inquérito Policial e de outros atos formais de investigações;

– cumprir mandados de prisão e de busca domiciliar, bem como outras ordens expedidas pela autoridade judiciária competente, no âmbito de suas atribuições;

– preservar locais, apreender instrumentos, materiais e produtos de infração penal, bem como requisitar perícia oficial e exames complementares;

– organizar e realizar ações de inteligência, destinadas ao exercício das funções da polícia judiciária e à apuração de infrações penais, na esfera de sua competência;

– realizar correições e inspeções, em caráter permanente ou extraordinário, na esfera de sua competência;

– organizar e realizar pesquisas técnico-científicas relacionadas com as funções de polícia judiciária e com a apuração de infrações penais;

– elaborar estudos e promover a organização e o tratamento de dados e informações indispensáveis ao exercício de suas funções;

– estimular e participar do processo de integração dos bancos de dados existentes no âmbito dos órgãos do SUSP;

– manter, na apuração das infrações penais, o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade;

– propor ao Secretário da Segurança Pública o planejamento e a programação dos investimentos da Polícia Civil;

– coordenar, controlar, orientar e exercer as atividades de polícia judiciária, a cargo das delegacias de polícia, excetuando-se a competência da Polícia Federal, bem como executar em todo o Estado as atividades de repressão da criminalidade, ressalvadas as atribuições da Polícia Militar;

– propor ao Secretário da Segurança Pública a ampliação do aparelho Policial nas áreas em que ocorrer aumento da criminalidade;

– formar e treinar permanentemente os Políciais civis;

– articular-se com a Polícia Militar e com os demais órgãos da Secretaria da Segurança Pública, do Departamento de Polícia Federal e das Forças Armadas, a fim de colaborar na defesa e na segurança do Estado e das instituições;

– manter atualizados:

a)os arquivos sobre mandados de prisão e documentos correlatos;

b)o cadastro de fotografias de criminosos procurados, providenciando, sempre que necessário, sua divulgação pelos meios cabíveis;

c)as estatísticas sobre crimes e contravenções.

Ao ler esse artigo fica evidente que as atribuições de Polícia Judiciária foram entregues a Polícia Civil. É respeitado em tal lei aquilo que já foi preconizado na Constituição Federal, que são as funções residuais de Polícia Judiciária sendo de total responsabilidade da Polícia Civil.

As atribuições da Polícia Militar do Estado de Goiás foram editadas antes da Constituição de 1988, apesar disso, foram recepcionadas pela mesma. A lei 8125 do Estado de Goiás tem como objetivo organizar a Polícia Militar goiana e atribuir funções a essa instituição militar.

Art. 2º - Compete à Polícia Militar:

- executar com exclusividade, ressalvadas as missões peculiares às Forças Armadas, o Policiamento ostensivo fardado planejado pelas autoridades Políciais competentes, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos;

- atuar de maneira preventiva com força de dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem;

- atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas;

- atender à convocação do Governo Federal, em caso de guerra externa ou para prevenir ou reprimir grave subversão da ordem ou ameaça de sua irrupção, subordinando-se ao Comando da 11ª Região Militar para emprego em suas atribuições específicas de Polícia Militar e como participante da defesa territorial;

Nota-se com grande clareza que a referida Lei Estadual respeita, mais uma vez, aquilo que já foi preconizado pela Constituição Federal. Incumbe-se a Polícia Militar as atribuições de Polícia Administrativa cabendo a ela fazer a prevenção de crimes por meio do Policiamento ostensivo.


CAPÍTULO II

DO PODER DE POLÍCIA, TIPOS DE POLÍCIA E PRISÃO EM FLAGRANTE

PODER DE POLÍCIA

A administração pública seguiu a mesma esteira de evolução pela qual a sociedade avançou. O poder de Polícia também evoluiu. Nos primórdios da sociedade onde não existia Democracia e sim o absolutismo, caraterizado pela  fusão do Rei com o Estado, dando base para a famosa frase do Rei Luis XIV, da França, onde afirmava que ele era a lei.

A origem moderna do Estado é fundamentada no pensamento de Jean Jacques Rousseau (1712-1778), que explicava suas origens a partir de um contrato social, firmado entre os indivíduos de uma sociedade e o poder local, onde os primeiros, diante do reconhecimento de sua impotência para conter os conflitos, abdicam de uma parcela de sua liberdade individual em benefício de toda coletividade (STRECK; MORAES, 2001):

O direito de polícia do príncipe foi sofrendo restrições em seu conteúdo, deixando de alcançar, paulatinamente, primeiro as atividades eclesiásticas, depois as militares e financeiras, chegando a um momento em que se reduzia a normas relativas à atividade interna da Administração. Posteriormente, ainda, passou-se a ligar a polícia à ideia de coação; nesse momento, começou-se a distinguir a atividade de polícia das demais atividades administrativas, hoje chamadas serviço público e fomento GARRIDO FALLA, (apud DI PIETRO, 2006, p. 126)

Um ponto chave para o nascimento do Estado de Direito é a organização do Estado por meio de uma constituição, carta politica que tem como fim limitar o poder do Estado e resguardar direitos e deveres básicos a todos os cidadãos.

O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da realidade, não se restringindo, como o Estado social de Direito, a uma adaptação melhorada das condições sociais de existência. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir simbolicamente como fomentador da participação pública quando o democrático qualifica o Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os elementos constitutivos e, pois também sobre a ordem jurídica. E mais, a ideia de democracia contém e implica, necessariamente, a questão da solução do problema das condições materiais de existência. (STRECK; MORAIS, 2001, p. 93).

Na segunda metade do século XX há uma nova modificação no Estado preenchida por leis de proteção social sendo impulsionados pelos ideais partidários, principalmente dos partidos socialistas e das pressões sindicais. Fator importante para essas mudanças no Estado foi o êxodo rural e os avanços tecnológicos e científicos que proporcionaram um avanço na qualidade de vida das pessoas. Fatos como esse tiveram como fim os ditos direitos sociais que incluem o direito à educação, ao trabalho, à moradia, ao meio ambiente, à previdência social e ao lazer. Já na virada do milênio, o Estado tem nova configuração e sua intervenção na economia passa a ser mínima.

O poder de polícia está preconizado no Código Tributário Nacional, mais especificamente no artigo 78.

Considera-se poder de polícia como sendo a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (PINTO, 2007, p. 730)

O paragrafo único do artigo 78 esclarece que “o exercício de poder de polícia sendo este quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder” (CODIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL).

Segundo Meireles (2000, p 57), “o poder de polícia é a faculdade que dispõe a administração pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em beneficio da coletividade ou do próprio Estado”. Cabe evocar os pensamentos de Melo, para um conceito mais completo do tema.

É a atividade da administração pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (‘non facere’) a fim de conformar-lhes comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo (MELO, 2006, p. 175).

Como em todas as áreas do Direito, existem as correntes dominantes e as de menor adesão em relação aos doutrinadores da matéria, alguns poucos escritores acreditam em uma concepção mais ampla do Poder de Polícia, onde, além das atividades administrativas em que são executadas as leis, mas também na edição das mesmas, através do poder legislativo.

O Poder Legislativo, no exercício do poder de polícia que incumbe ao Estado, cria, por lei, as chamadas limitações administrativas ao exercício das liberdades públicas. A administração pública, no exercício da parcela que lhe é outorgada do mesmo poder, regulamenta as leis e controla a sua aplicação preventivamente (por meio de ordens, notificações, licenças ou autorizações) ou repressivamente (mediante imposição de medidas coercitivas) (DI PIETRO, 2006, p. 128).

Para se ter uma maior noção do que é o conceito de polícia faz-se necessário uma análise mais detalhada sobre os seus atributos.

Atributos do Poder de Polícia

A doutrina dominante refere-se aos atributos do poder de polícia como sendo o da auto-executoriedade, da discricionariedade e da coercibilidade, ainda contando com uma atividade negativa.

A auto-executoriedade é o poder que a administração tem de pôr em prática, por seus próprios meios e suas normas, sem precisar da autorização dos outros dois poderes. É por este atributo que as decisões administrativas impõem-se ao particular ainda contra a sua concordância e, se este se achar ofendido em seus direitos, deverá procurar o Poder Judiciário. Porém, esta faculdade não é absoluta: algumas regras tem que ser respeitadas, assim como leis e normas a que a administração pública está sujeita, sob o risco de nulidade de seus atos. Neste caso, não há de se falar que o princípio do contraditório e da ampla defesa foram deixados de lado.

A auto-executoriedade não existe em todas as medidas de polícia. Para que a Administração possa se utilizar dessa faculdade, é necessário que a lei a autorize expressamente, ou que se trate de medida urgente, sem a qual poderá ser ocasionado prejuízo maior para o interesse público. No primeiro caso, a medida deve ser adotada em consonância com o procedimento legal, assegurando-se ao interessado o direito de defesa, previsto expressamente no artigo 5º, inciso LV, da Constituição. No segundo caso, a própria urgência da medida dispensa a observância de procedimento especial, o que não autoriza a Administração a agir arbitrariamente ou a exceder-se no emprego da força, sob pena de responder civilmente o Estado pelos danos causados (cf. art.37, § 6º, da Constituição), sem prejuízo da responsabilidade criminal, civil e administrativa dos servidores envolvidos (DI PIETRO, 2006, p. 131-132).

A discricionariedade baseia-se no fato de que a Administração Pública poderá escolher, obedecendo aos critérios de oportunidade e conveniência, como agirá na fiscalização e quais atividades fiscalizará. Também como será, dentro do estabelecido pela Lei, as sanções aplicadas a possíveis irregularidades, sempre sendo proporcional nesses momentos.

A administração pode, em principio, determinar, dentro dos critérios de oportunidade e conveniência, quais atividades ira fiscalizar em um determinado momento e, dentro dos limites estabelecidos na lei, quais sanções deverão ser aplicadas e como deverá ser feita a graduação dessas sanções. De qualquer forma, a sanção sempre deverá estar prevista em lei e devera guardar correspondência e proporcionalidade com a infração verificada (ALEXANDRINO; VICENTE, 2005, p. 247).

A coercibilidade está intimamente ligada a auto-executoriedade, sendo que a aplicação das medidas da administração pública necessitam da força, inclusive do uso de Polícia em casos extremos.

A imposição coercitiva dos atos de polícia, também independe de prévia autorização judicial, mas está sujeita – assim como ocorre com todo e qualquer ato administrativo – a verificação posterior quanto à legalidade, ensejando, se for o caso, a anulação do ato e a reparação ou indenização do particular pelos danos sofridos, sempre que se comprove ter ocorrido excesso ou desvio de poder (ALEXANDRINO; VICENTE, 2005, p. 247)

Quanto ao Poder de Polícia ser uma atividade negativa, deve-se ao fato de, todas as vezes, impor uma abstenção ao particular, ou seja, uma obrigação de não fazer: mesmo quando impõe ao particular alguma aptidão ou algum documento, a administração pública não está interessada no que será feito e sim, garantir o bem da coletividade.

O poder público não quer estes atos. Quer, sim, evitar que as atividades ou situações pretendidas pelos particulares sejam efetuadas de maneira perigosa ou nociva, o que ocorreria se realizadas fora destas condições. Por outras palavras, mesmo quando se exige prática de um ato pelo particular, o objetivo é sempre uma abstenção: evitar um dano oriundo do mau exercício do direito individual (DI PIETRO, 2006, p. 132).

Todas as vezes que a administração publica exerce o poder de Polícia, ela o faz com o objetivo de evitar um dano maior a coletividade por um ato individual, mesmo que esse ato esteja embasado em um direito individual legitimo.

Dos Limites

Ainda que seja discricionário, o Poder de Polícia tem limitações quanto a sua forma, competência, aos fins e aos objetos e motivos.

Di Pietro ensina que:

Quanto aos fins, o poder de polícia só deve ser exercido para atender ao interesse público. Quanto a competência devem observar as normas legais pertinentes. Quanto ao objeto, ou seja, quanto ao meio de ação, a autoridades sofre limitações, mesmo quando a lei lhe dê várias alternativas possíveis. Tem aqui aplicação um principio de direito administrativo, a saber, o da proporcionalidade dos meios aos fins; isto equivale a dizer que o poder de polícia não deve ir além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger; a sua finalidade não é destruir os direitos individuais, mas, ao contrário, assegurar o seu exercício, condicionando-o ao bem estar social; só poderá reproduzi-los quando em conflito com interesses maiores da coletividade e na medida estritamente necessária ä consecução dos fins estatais (DI PIETRO, 2006, p. 133).

O poder de Polícia deve ser limitado tendo em vista o respeito aos direitos individuais. O poder de Polícia jamais deve ir além do necessário para lograr os objetivos desejados.

POLÍCIA ADMINISTRATIVA E JUDICIÁRIA

O Poder de Polícia é exercido pela administração pública, onde essa executa leis elaboradas pelo legislativo, e por muitas vezes levando demandas ao judiciário. Desta forma, a atuação desse poder se divide em dois ramos, o da Polícia Judiciária e o da Polícia administrativa. No Brasil a função de Polícia Judiciária fica a cargo da Polícia Federal e Civil e o da Administrativa com vários órgãos da administração.

Assim, o conceito de poder de polícia se amolda em duas linhas, polícia administrativa e polícia judiciária, enquanto a primeira incide sobre bens, direitos e atividades, atuando no âmbito da função administrativa, a outra se destina a investigar os delitos cometidos, apurando sua veracidade e autoria. (FERNANDES; CAROLINO. 2012).

Por muitas vezes essas Polícias invadem áreas de atuações das outras, tendo em vista a linha tênue que separa suas funções. Sobre esse tema a Professora Maria Sylvia diz:

A diferença não é, no entanto absoluta, pois a polícia administrativa tanto pode agir preventivamente (como por exemplo, proibindo o porte de arma ou a direção veiculo automotores), como pode agir repressivamente (a exemplo do que ocorre quando apreende a arma usada indevidamente ou a licença do motorista infrator). No entanto, pode-se dizer que, nas duas hipóteses, ela está tentando impedir que o comportamento individual cause prejuízos maiores à coletividade; nesse sentido, é certo dizer que a polícia administrativa é preventiva. Mas, ainda assim, falta precisão ao critério, porque também se pode dizer que a polícia judiciária, embora seja repressiva em relação ao indivíduo infrator da lei penal, é também preventiva em relação ao interesse geral, porque, punindo – o, tenta evitar que o individuo volte a incidir na mesma infração (DI PEITRO, 2006, p. 129).

Existem criticas a esse modelo de divisão, como se constata abaixo:

Há preponderância da polícia de segurança pública, destinada à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. A polícia de segurança seria o gênero, enquanto as polícias de prevenção, de repressão, de investigação, de fronteira e a judiciária seriam as espécies SANTINI (apud, VITTA, p. 23).

Silva Junior deixa claro as diferenças entre essas Polícias:

Desde já convém distinguir a polícia administrativa, que interessa neste estudo, da polícia judiciária e da polícia de manutenção da ordem pública, estranhas às nossas cogitações. Advirta-se, porém, que a polícia administrativa incida sobre os bens, diretos e atividades, ao passo que as outras atuam sobre as pessoas. Individualmente ou indiscriminadamente. A polícia administrativa é inerente e se difunde por toda a Administração Pública, enquanto que as demais são privativas de determinados órgãos (Polícias Civis) ou corporações (Polícias Militares). Modernamente se tem distinguido a polícia administrativa geral da polícia administrativa especial, sendo aquela a que cuida genericamente da segurança, da salubridade e  da moralidade pública, e esta de setores específicos da atividade humana que afetem bens de interesse coletivo, tais como a construção, a indústria de alimentos, o comércio de medicamentos, o uso das águas, a exploração das florestas e das minas, para quais há restrições próprias e regime jurídico peculiar (MEIRELLES, 1994 apud SILVA JÚNIOR, 2008, p. 29).

Outra corrente vem ganhando força nesse tema. Encabeçada por Cretella Junior, essa nova corrente diz que a Polícia Judiciária não reprime e sim auxilia na repreensão até a condenação ser transitada em julgado. E que a Polícia Administrativa, além de prevenir, também reprime quando emprega a sua força para assegurar a incolumidade das pessoas sem recorrer a decisões judiciais e afins.

A polícia judiciária é também denominada “repressiva”, nome que merece reparo porque ela não “reprime” os delitos, mas auxilia o Poder Judiciário nesse mister. Polícia auxiliar é, porém, a expressão correta. [...] embora não seja denominação corrente nos autores especializados denominamos “polícia mista” ao organismo estatal que acumula ou exerce, sucessiva ou simultaneamente, as duas funções, a “preventiva” e a “repressiva” como é o caso da polícia brasileira em que o mesmo agente previne e reprime LAZZARINI, (apud SILVA JÚNIOR, 2008, p. 32).

Merece ser destacado que no Brasil a Polícia Militar exerce as funções de Polícia administrativa e a Polícia Civil as de Polícia judiciária, ou seja, nenhuma delas pode cumprir a função da outra, culminando assim, em um sistema de “meias Polícias” atuando em um mesmo território.

PRISÃO EM FLAGRANTE

Como foi dito acima, temos duas Polícias que frequentemente estão se encontrado na esfera administrativa e judiciária no Brasil: Polícia Militar e Polícia Civil. Cada uma delas cumpre uma função, como se fosse metade de um ciclo completo. Para exemplificar melhor o encontro dessas corporações cabe falar sobre a prisão em flagrante que é no Brasil o meio pelo qual essas duas corporações mais se encontram.

É a prisão realizada no momento ou um pouco depois do crime ser cometido. Só pode ser praticada em hipóteses descritas em lei e não necessita de uma ordem judicial para tanto. Lima (2011, p. 177), conceitua a prisão em flagrante da seguinte forma:

A expressão “flagrante” deriva do latim “flagrare” (queimar), e “flagrans”, “flagrantis” (ardente, brilhante, resplandecente), que no léxico, significa acalorado, evidente, notório, visível, manifesto. Em linguagem jurídica, flagrante seria uma característica do delito, é a infração que está queimando, ou seja, que está sendo cometida ou acabou de sê-lo, autorizando-se a prisão do agente mesmo sem autorização judicial em virtude da certeza visual do crime. Funciona, pois, como mecanismo de autodefesa da sociedade.

Nas lições de Tavora; Alencar (2011, p. 530) pode ser visto com maior clareza o conceito de prisão em flagrante:

É uma medida restritiva de liberdade, de natureza cautelar e caráter eminentemente administrativo, que não exige ordem escrita do juiz, porque o fato ocorre de inopino (art. 5º, inciso LXI da CF). Permite-se que se faça cessar imediatamente a infração com a prisão do transgressor, em razão da aparente convicção quanto à materialidade e a autoria permitida pelo domínio visual dos fatos.

Segundo o Art. 301 do Código de Processo Penal, “Qualquer do povo poderá e as autoridades Policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”., ou seja, qualquer cidadão, independente do poder de Polícia, poderá dar voz de prisão a um criminoso quando este estiver na prática do ato ilícito. No Brasil, em grande parte das ocorrências quem pratica essa prisão em maior numero é a Polícia Militar, por estar com suas atenções e recursos mais voltados ao “serviço de rua”.

O sujeito passivo poderá ser qualquer pessoa que esteja praticando, ou que acabou de praticar o ato delituoso. Em termos gerais, qualquer pessoa poderá ser presa em flagrante, porém, há exceções constitucionais e legais para essa generalidade. É aquilo que a doutrina chama de imunidades prisionais.

São exemplos de imunidades prisionais: a) diplomatas, que não são submetidos a prisão em flagrante, por força de convenção internacional; b) Presidente da República, conforme art. 86, § 3º, da Constituição Federal; c) Membros do Congresso Nacional, que só podem ser presos por crime inafiançável, conforme estabelece o art. 53, § 2º, da Constituição Federal; d) magistrados e membros do Ministério Público, que somente podem ser presos em flagrante por crime inafiançável, devendo a autoridade fazer a imediata comunicação e apresentação, respectivamente ao Presidente do Tribunal ou ao Procurador Geral; além de outros casos previstos em lei. (COSTA NETO, 2012).

As espécies de flagrante delito estão elencadas no artigo 302 do Código de Processo Penal:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I - está cometendo a infração penal; II - acaba de cometê-la; III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

A doutrina elenca em três os principais tipos de flagrante delito no arcabouço jurídico brasileiro, segue abaixo uma breve explicação sobre cada um deles.

Flagrante Real

É aquele em que o infrator está na consumação do ato criminoso. Consiste na interrupção do crime, quando este está para ser cometido, embora já tenha iniciado os atos de preparação, não se considera que ele foi totalmente consumado, tendo em vista o autor ter sido surpreendido no momento em que ia alcançar o seu objetivo.

Segundo Távora; Alencar (2011, p. 531), essa “é a modalidade que mais se aproxima da origem da palavra flagrante, pois há um vínculo de imediatidade

entre a ocorrência da infração e a realização da prisão”. É importante, também, citar que o flagrante Real, ou Flagrante Próprio, ou ainda, Flagrante Propriamente Dito tem maior peso e concretude no valor probatório, levando em consideração a certeza visual diante do fato criminoso.

Flagrante Imperfeito

O Flagrante Imperfeito, ou Flagrante Irreal, ou ainda, Quase Flagrante, é aquele que está preconizado no inciso III do artigo 302 do Código de Processo Penal. Ocorre quando o criminoso é perseguido após a prática da infração e é pego, sendo de fácil presunção a sua autoria no crime.

A expressão “logo após” compreende todo espaço de tempo que flui entre o acionamento da autoridade Policial, seu comparecimento ao local e a colheita de elementos necessários para o inicio da perseguição ao autor. A doutrina mais abalizada entende que carece de fundamento legal a crença popular de que a prisão em flagrante só pode ser efetuada em até 24 horas após o cometimento do crime. Não havendo solução de continuidade, isto é, se a perseguição não for interrompida, mesmo que demore horas ou dias, havendo êxito na captura do acusado, estaremos diante de flagrante delito. (COSTA NETO, 2012).

O professor Mirabete concorda e amplia os conhecimentos acima

descritos:

Deve-se entender que o “logo após” do dispositivo é o tempo que corre entre a prática do delito e a colheita de informações a respeito da identificação do autor, que passa a ser imediatamente perseguido após essa rápida investigação do autor procedida por Políciais ou particulares. Por isso, se tem entendimento que não importa se a perseguição seja iniciada por pessoas que se encontravam no local ou pela Polícia diante da comunicação telefônica ou radiofônica. Deve-se ter em conta, porém, que tal situação não se confunde com uma demora investigação a respeito do fato (MIRABETE, 2005, p. 403).

Fica evidente que no caso do Flagrante Imperfeito, o criminoso acabou de praticar o ato ilícito e foi perseguido pela Polícia Militar ou por qualquer cidadão transeunte e é encontrado em situação de fácil imputação ao mesmo o fato delituoso.

Flagrante Presumido

A última hipótese elencada no artigo 302 sobre espécies de flagrante é o presumido também denominado Ficto. Segundo o inciso IV do artigo 302, o flagrante presumido ocorre quando o criminoso “é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração”.

Mirabete faz uma conceituação clara e bem definida a respeito do Flagrante Presumido:

É necessário para a caracterização do flagrante presumido que a prisão ocorra “logo depois” do crime. Embora essa expressão, no léxico, seja sinônima de “logo após”, tem-se admitido que há uma situação de fato que admite um maior elastério ao juiz na apreciação da hipótese. Considerando- se o interesse na repressão dos crimes, há maior margem na discricionariedade da apreciação do elemento cronológico quando o agente é encontrado com objetos indicativos do crime, que permite estender o prazo a várias horas, ou considerando-se o problema do repouso noturno, até o dia seguinte (MIRABETE, 2000, p. 405).

Diferentemente do Flagrante Imperfeito, no Flagrante Presumido o lapso temporal é um pouco maior e ainda é necessário haver objetos indicativos do crime para que haja esse tipo de flagrante. Ficando ainda baseado na discricionariedade do juiz o aceite ou não da hipótese desse flagrante.


CAPÍTULO III- DO CICLO COMPLETO DE POLÍCIA

CONCEITO

O Ciclo Completo de Polícia pode ser caracterizado pelo conjunto de ações Políciais com o objetivo de reduzir a violência e levar fatos criminosos ao conhecimento do judiciário. Para Giulian (2002, p.35) Ciclo Completo de Polícia é “toda fase Policial que se inicia com o Policiamento ostensivo (Policial fardado) até o Policiamento de investigação (quando ocorre um crime), que se materializa com Políciais a paisana a fim de realizar a coleta de provas de maneira discreta e sigilosa no intuito de se obter a autoria dos delitos”.

Segundo Pereira (2006, p. 53), “O ciclo completo de polícia se traduz pelo conjunto de atividades Políciais que englobam a prevenção e a repressão dos delitos, por meio de ações de polícia ostensiva e de investigação criminal”. O Ciclo Completo envolve a prevenção, materializada pela farda e viatura caracterizada, bem como por outras atividades de Policiamento ostensivo, que no Brasil fica a cargo da Polícia Militar.

Saindo da prevenção e chegando a repressão, o Ciclo Completo de Polícia envolve as atividades de Polícia judiciária, no momento da condução do inquérito, investigações, diligencias e a transição do Poder Administrativo para o Poder Judiciário, que no Brasil está no rol de competências da Polícia Civil.

MODELO DE POLICIAMENTO ESPANHOL

Nesse item, será trabalhado o modelo de organização Policial espanhol. Não é o objetivo do presente trabalho apresentar e detalhar todo o ordenamento jurídico espanhol no que diz respeito à organização Policial, e sim, demonstrar como o Policiamento espanhol cumpre em grande parte com o ciclo completo de Polícia.

A lei que rege as diferentes corporações de Polícia espanhola é a lei orgânica 2 de 1986. A confecção desta lei obedece ao que foi estabelecido nos artigos 104 e 105 da Constituição Espanhola:

Artículo 104. 1. Las Fuerzas y Cuerpos de seguridad, bajo la dependencia del Gobierno, tendrán como misión proteger el libre ejercicio de los  derechos y libertades y garantizar la seguridad ciudadana. 2. Una ley orgánica determinara las funciones, principios básicos de actuación y estatutos de las Fuerzas y Cuerpos de seguridad. Artículo 105. La ley regulará:a)La audiencia de los ciudadanos, directamente o a través de las organizaciones y asociaciones reconocidas por la ley, en el procedimiento de elaboración de las disposiciones administrativas que les afecten.b)El acceso de los ciudadanos a los archivos y registros administrativos, salvo  en lo que afecte a la seguridade y defensa del Estado, la averiguación de los delitos y la intimidad de las personas.c)El procedimiento a través del  cual deben producirse los actos administrativos, garantizando, cuando proceda, la audiencia del interesado. (CONSTITUIÇÃO ESPANHOLA, 1978).

A divisão na Polícia Espanhola se dá basicamente por regiões e não por funções, como é no Brasil. Existem três tipos de polícia: As que são mantidas pelo governo Espanhol, o que equivaleria à União no Brasil; as que são mantidas pelos territórios autônomos, tais como no País Vasco e Ilhas Canárias e; as que são mantidas pelas comunidades locais, o que se equivaleria às prefeituras no Brasil.

Artículo 2. Son Fuerzas y Cuerpos de Seguridad: a. Las Fuerzas y Cuerpos de Seguridad del Estado dependientes del Gobierno de la nación. b. Los Cuerpos de Policía dependientes de las Comunidades Autónomas. c. Los Cuerpos de Policía dependientes de las Corporaciones Locales. (LEI ORGANICA 2, 1986)

Torna-se imperioso o estudo mais aprofundado das Polícias mantidas pelo Governo Espanhol, tendo em vista serem as Polícias com maior numero de homens e maior abrangência territorial.

3.2.1 Polícias mantidas pelo Estado

Cabe destacar que quando se fala em Polícias mantidas pelo Estado, a expressão ‘Estado’ se refere ao Governo Federal Espanhol, o que equivaleria ao ente federativo União no Brasil. A Lei Organica 2 de 1986 estabelece que duas Polícias serão mantidas pelo Estado: O Corpo Nacional de Polícia e a Guardia Civil Espanhola.

Artículo 9. Las Fuerzas y Cuerpos de Seguridad del Estado ejercen sus funciones en todo el território nacional y están integradas por: a. El Cuerpo Nacional de Policía, que es un instituto armado de naturaleza civil, dependiente del Ministro del Interior. b. La Guardia Civil, que es un instituto armado de naturaleza militar, dependiente del Ministro del Interior, en el desempeño de las funciones que esta Ley le atribuye, y del Ministro de Defensa en el cumplimiento de las misiones de carácter militar que este o el Gobierno le encomienden. En tiempo de guerra y durante el estado de sitio, dependerá exclusivamente del Ministro de Defensa. (LEI ORGANICA 2, 1986)

Essas duas corporações são submissas ao Ministério do Interior espanhol, cabendo ao Ministério a administração geral, direção e a responsabilidade pelas relações de auxilio e colaboração com Polícias locais de outros países conforme o estabelecido em tratados internacionais e outros. (ESPANHA, 1986)

O artigo 11 da Lei 2 1986 traz em seu corpo o rol de funções dessas duas polícias:

Artículo 11. 1. Las Fuerzas y Cuerpos de Seguridad del Estado tienen como misión proteger el libre ejercicio de los derechos y libertades y garantizar la seguridad ciudadana mediante el desempeño de las siguientes funciones: a. Velar por el cumplimiento de las Leyes y disposiciones generales, ejecutando las órdenes que reciban de las autoridades, en el ámbito de sus respectivas competencias. b. Auxiliar y proteger a las personas y asegurar la conservación y custodia de los bienes que se encuentren en situación de peligro por cualquier causa. c. Vigilar y proteger los edificios e instalaciones públicos que lo requieran. d. Velar por la protección y seguridad de altas personalidades. e. Mantener y restablecer, en su caso, el orden y la seguridad ciudadana. f. Prevenir la comisión de actos delictivos. g. Investigar los delitos para descubrir y detener a los presuntos culpables, asegurar los instrumentos, efectos y pruebas del delito, poniéndolos a disposición del juez o tribunal competente y elaborar los informes técnicos y periciales procedentes. h. Captar, recibir y analizar cuantos datos tengan interés para el orden y la Seguridad Pública, y estudiar, planificar y ejecutar los métodos y técnicas de prevención de la delincuencia. i. Colaborar con los servicios de protección civil en los casos de grave riesgo, catástrofe, o calamidad pública, en los términos que se establezcan en la legislación de protección civil. (LEI ORGANICA ANTERIOR 2, 1986).

São de fácil compreensão as características tanto de Polícia Administrativa, como de Polícia Judiciária, no rol de funções das duas corporações. Ou seja, em uma hipótese de flagrante delito por parte da Guardia Civil, não é necessário que a mesma envie o infrator até o Corpo Nacional de Polícia, como acontece no Brasil. Tanto a Guardia Civil como o Corpo Nacional de Polícia são competentes para Prevenir, Fazer Policiamento Ostensivo, Prender, Investigar e remeter ao judiciário todos os crimes por ela evitados ou descobertos.

A única diferença notável e que é de valia para o presente estudo na legislação espanhola entre as duas Polícias se dá na delimitação territorial de suas competências. O 2° paragrafo do referido artigo estabelece que o Corpo Nacional de Polícia atue nas capitais, grandes centros urbanos e onde o governo determinar e a Guardia Civil no restante do território além de fazer o Policiamento no mar territorial:

2. Las funciones señaladas en el párrafo anterior serán ejercidas con  arreglo a la siguiente distribución territorial de competencias: a. Corresponde al Cuerpo Nacional de Policía ejercitar dichas funciones en las capitales de provincia y en los términos municipales y núcleos urbanos que el Gobierno determine. b. La Guardia Civil las ejercerá en el resto del territorio nacional y sumar territorial. (LEI ORGANICA 2, 1986)

Ao analisar rapidamente o modelo de Policiamento espanhol nota-se que o ciclo completo de Polícia está presente na legislação daquele país. O que colabora muito na celeridade do processo penal colaborando para que a Espanha seja um dos países com numero de homicídios abaixo do limite determinado pela ONU, com taxa de 0,64 mortes por cada cem mil habitantes em 2013.

TCO

A legislação penal brasileira foi modificada com o advento da lei N° 9.099 de 1995 que cria os juizados especiais, atendendo a determinação da CF em seu artigo 98, I, onde preconiza a criação de juizados especiais buscando uma prestação jurisdicional mais concisa, célere e próxima do cidadão.

O termo circunstanciado de Ocorrência está previsto na lei 9.099 em seu artigo 69, onde diz que “A autoridade Policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários”.

É necessário trazer um conceito mais claro do que é “Autoridade Policial” tendo em vista a subjetividade da expressão. Lazzarini (2003) sustenta que:

autoridade Policial é um agente administrativo que exerce atividade Policial, tendo o poder de se impor a outrem nos termos da lei, conforme o consenso daqueles mesmos sobre os quais a sua autoridade é exercida, consenso esse que se resume nos poderes que lhe são atribuídos pela mesma lei, emanada do Estado em nome dos concidadãos.

Nessa mesma esteira de pensamento, Kassburg (2006) estabelece que “a autoridade é inerente ao cargo (função) e não à pessoa. Não é competente quem quer, mas quem pode em função de um poder conferido ao cargo e decorrente necessariamente de preceito legal”.

A grande questão que surge na leitura e compreensão do artigo 69 da Lei 9.099 é: A Polícia Militar pode lavrar o TCO em suas viaturas?

Para a Confederação Nacional do Ministério Público “A expressão 'autoridade Policial', prevista no art. 69 da Lei n° 9.099/95, abrange qualquer autoridade pública que tome conhecimento da infração penal no exercício do poder de polícia”. Fazendo a análise desse entendimento da CNMP, é flagrante que a POLÍCIA MILITAR preenche os requisitos que fazem dela uma autoridade Policial.

Alguns estados brasileiros já adotam em seus procedimentos, a confecção do TCO pela Polícia Militar, trazendo mais celeridade à persecução dos crimes de menor potencial ofensivo e maior agilidade na logística Policial, tendo em vista que a POLÍCIA MILITAR não perderá uma viatura de rua para a burocracia da Delegacia e a Polícia Civil poderá concentrar o uso de seus recursos na  investigação de crimes de grande vulto.

Importa ressaltar que no Brasil alguns Estados já elaboram o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) para envio diretamente ao judiciário, são eles: Paraná (pioneiro), Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina, Alagoas e Mato Grosso do Sul, portanto, exercem o ciclo completo de polícia contextualizado nas infrações de menor potencial ofensivo (IMPO). (LIMA; SEABRA; MORAES, 2013)

Segundo o parecer da PGE, de Santa Catarina, “A autoridade Policial a que se refere o parágrafo único do art. 69 da lei 9.099/95 é o Policial civil ou militar, exegese esta orientada pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade prescritos nos arts. 2º e 62 da citada lei e art. 98, I, da Constituição Federal”., cabe ressaltar que sobre essa questão ainda há bastante divergência na doutrina e encontra-se pacificada na jurisprudência.

A legalidade da lavratura do termo circunstanciado por Policial militar foi declarada pela Comissão Nacional de Interpretação da Lei 9.099/95, sob a coordenação da Escola Nacional da Magistratura, presidida pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça Sálvio de Figueiredo Teixeira, assim como, do Colégio Permanente de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil, reunido em Vitória – ES, no ano de 1995. ( FERGITZ)

Tendo em vista o que foi dito a respeito do TCO, fica evidente que a legislação brasileira avançou com o advento da lei 9.099 em sua vertente criminal. Apesar de tal avanço, a lei ainda continua sendo pouco usada em todo o Brasil, sendo que, atualmente, poucos Estados adotam a confecção de TCO pela Polícia Militar, o que ainda tem gerado perda de viaturas em rua e acumulo de inquéritos nas delegacias de Polícia Civil.

PROPOSTAS

Dentre as propostas que modificam de alguma forma a organização Policial brasileira a que mais se destaca é a PEC 102/2011 de autoria do Senador Blairo Maggi. Esta PEC traz em seu corpo alterações no artigo 144 no que diz respeito a piso remuneratório e unificação de Polícias e no artigo 167 permitindo a vinculação de receitas para a segurança pública. A PEC 102 também dispõe sobre detalhes da Polícia unificada, como: carreira, modo de ingresso, cargos, regime jurídico, competências e etc.

No artigo 1° é tratado sobre as mudanças no artigo 144 da CF:

Art. 1º O artigo 144 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 144......................................................................

§ 9º A remuneração dos agentes públicos integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39, assegurado piso nacional a ser fixado em lei federal, que disciplinará fundo nacional, com participação da União, dos Estados e dos municípios, visando a sua suplementação, bem como a vinculação de percentuais do orçamento.

§ 10. É facultado à União, no Distrito Federal e Territórios, e aos estados a adoção de polícia única, no seu respectivo âmbito, cujas atribuições congregam as funções de polícia judiciária, a apuração de infrações penais, de polícia ostensiva, administrativa e a preservação da ordem pública.

§ 11. O Conselho Nacional de Polícia, cuja competência e organização são definidas em lei complementar, presidido por Ministro do Superior Tribunal de Justiça e composto por membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, das polícias estaduais, federal e do Distrito Federal e Territórios, por representantes da Ordem dos Advogados do Brasil e membros da sociedade civil indicados pelo Senado e pela Câmara dos Deputados, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para mandato de dois anos, admitida uma recondução”. (NR) (PEC 102, 2011).

O paragrafo 10 facultaria a União e aos Estados adotarem ou não o modelo de Polícia Única, indicando que essa Polícia seria responsável por praticar os atos tanto de Polícia Administrativa como de Judiciária. O Artigo 2° da PEC trata sobre a mudança no artigo 167 da CF:

Art. 2º O artigo 167 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art.167........................

IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para a manutenção e desenvolvimento do ensino, para as ações de segurança pública e para a realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212, 144, §9º e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;

....................................................(NR)” (PEC 102, 2011).

O artigo 3° estabelece que “A opção pelo modelo de que trata o § 10 do art. 144 da Constituição Federal, deverá observar o disposto nesta emenda constitucional”. É vinculado como modelo único o que é estabelecido nos próximos artigos da PEC.

No artigo 4° é preconizado as seguintes características dessa Polícia única:

Art. 4º. A polícia de que trata o artigo anterior, instituição de natureza civil, instituída por lei como órgão permanente e único em cada ente federativo, essencial à Justiça, subordinada diretamente ao respectivo Governador, de atividade integrada de prevenção e repressão à infração penal, dirigida por membro da própria instituição, organizada com base na hierarquia e disciplina e estruturada em carreiras, ressalvada a competência da polícia federal, destina-se:

  1. – à preservação da ordem pública;
  2. – à polícia ostensiva, administrativa e preventiva; e
  3. – ao exercício privativo da investigação criminal e da atividade de polícia judiciária. (PEC 102, 2011)

Temos nesse projeto uma Polícia que pratica todos os atos do Ciclo Completo de Polícia. Além de fazer prevenção e as atividades de Polícia administrativa, ela cumpre com todas as funções de uma Polícia judiciária, além de se assemelhar em alto nível com a atual Polícia Civil brasileira.

Os parágrafos desse artigo dispõem sobre o modo de ingresso na corporação; a criação dos cargos de Delegado de Polícia, analista de Polícia e perito de Polícia e; abre a possibilidade de ascensão funcional dos analistas e peritos para o cargo de Delegado.

§ 1º. O ingresso como delegado de polícia, carreira jurídica da polícia dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do candidato, bacharelado em direito e aprovação prévia em curso de formação profissional nas áreas preventivas e repressivas da infração penal, ministrado em Academia de Polícia. § 2º. O quadro da Polícia terá em sua composição básica, além da carreira de delegado de polícia, as de analista de polícia da área cartorária, ostensiva e investigativa e de perito de polícia, cujo ingresso é condicionado à aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos e aprovação prévia em curso de formação técnico- profissional nas áreas preventivas e repressivas da infração penal, ministrado em Academia de Polícia, na forma da lei. § 3º. Nos concursos públicos para provimento dos cargos das carreiras de delegado de polícia e de perito de polícia, será permitida a ascensão funcional em percentual das vagas, a ser fixado em lei aos integrantes das carreiras de analista de polícia, que preencherem os requisitos legais. (PEC 102, 2011).

Ainda segundo essa PEC, os oficiais de Polícia Militar se transformariam em Delegados de Polícia, seguindo as regras da nova organização Policial. Por fim o artigo 9° dispõe que essa nova organização Policial seria colocada a disposição da União para eventuais necessidades tais como Estado de Defesa, Sitio e Intervenção Federal além de solicitação dos Estados, Distrito Federal e Territórios.

Art. 9º. A União poderá mobilizar efetivo das polícias unificadas dos Estados e do Distrito Federal e Territórios para emprego em local e tempo determinado nos seguintes casos: I – de decretação de Estado de Defesa, de Sítio ou de intervenção federal; II – por solicitação do governo do Estado ou do Distrito Federal e Territórios. (PEC 102, 2011).

Vale destacar que essa PEC encontra-se parada no Senado Federal aguardando leitura de requerimento de tramitação conjunta. Essa proposta é a mais robusta que se encontra no Legislativo federal brasileiro com maiores transformações e maiores avanços no que diz respeito à organização Policial. Dentre as que foram apresentadas nos últimos anos e foram arquivadas que modificavam a organização Policial brasileira pode-se destacar o PL 6690/02, e as PECs 430/09 e 432/09.


CONCLUSÃO

Com a vinda da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, tem inicio a institucionalização das funções de Polícia. Daquela época até os dias atuais, esta instituição passou por várias situações e cumpriu diversas missões. Serviu como linha de frente na guerra do Paraguai, participou de revoluções e contra revoluções e, por algumas vezes, teve seu fim tentado pelo governo federal. A gloriosa Polícia Militar do Estado de Goiás vem cumprindo seu papel de proteger e servir a população goiana desde os primórdios desse estado. A atual organização Policial brasileira divide o raio de ações das Polícias por funções, cabendo a polícia militar o cumprimento dos atos de Polícia administrativa e a Polícia Civil as funções de Polícia Judiciária.

Nos tempos remotos da sociedade civilizada, vivia-se épocas em que o rei era a lei e que nada podia o limitar. Avançou-se muito em relação a este período tenebroso da sociedade. Jean Jacques Rousseau inaugurou o conceito de contrato social, onde a sociedade abdicava do poder que lhes era direito e o entregava a pessoas capazes de resolver conflitos. O movimento constitucionalista teve papel fundamental na implantação de um Estado, onde os governantes têm seu poder limitado, fazendo com que os cidadãos sejam respeitados em seus direitos. Diante de tal evolução, surgiu o conceito de poder de polícia, que é o ato pelo qual a administração pública impõe um dever de abstenção ao particular com o objetivo de buscar um bem maior para toda a sociedade.

A polícia administrativa é aquela que cumpre o papel de fiscalizar as ruas com o fim de prevenir crimes. Geralmente é utilizada por esse tipo de Polícia a viatura caracterizada, a farda e os dizeres “POLÍCIA”, que ficam bem expostos para gerar sensação de segurança aos transeuntes. Já a polícia judiciária tem, em seu rol de objetivos e funções, a investigação, o sigilo e o andamento de processos para o poder judiciário.

O Ciclo Completo de Polícia compreende todas as funções, tanto de Polícia administrativa como de Polícia judiciária, ou seja, não é necessário que uma Polícia prenda e entregue para outra a jurisdição do preso. A Espanha tem, em sua organização Policial, polícias que são de ciclo completo, tanto a Guarda Civil como o Corpo Nacional de Polícia podem prender, patrulhar, investigar e dirigir inquérito.

Em alguns estados brasileiros o TCO, que é um auto de prisão em flagrante mais detalhado, já pode ser confeccionado pela Polícia Militar, gerando, assim, maior celeridade nas ocorrências e ganho na logística Policial. No congresso nacional,, apenas uma proposta de emenda constitucional merece destaque, que é a 102/11. Essa proposta traz, em seu bojo, a faculdade de os Estados e o Distrito Federal de optarem por uma Polícia única que seria cumpridora do ciclo completo de Polícia.

O Brasil segue, em passos lentos, rumo à modernização da organização Policial. A atual dicotomia das principais polícias no país gera um desgaste institucional desnecessário que tem como consequência a sensação de insegurança por parte dos brasileiros. Não é viável que em toda ocorrência uma viatura de Polícia Militar fique ‘encalhada’ na DP, enquanto sua área fique à mercê da criminalidade.

Em Goiás, a Polícia Militar conta com um déficit de homens elevadíssimo. É necessário que haja entendimento entre as duas corporações para que a Polícia Militar do Estado de Goiás possa confeccionar o TCO. É imprescindivel o fim do jogo politico e de vaidades para que o Policiamento brasileiro seja enxuto e modernizado. O modelo espanhol serve de exemplo para possíveis mudanças na organização brasileira. Não é de interesse desse estudo defender a unificação das Polícias, e sim, que cada Polícia possa, com celeridade, levar suas ocorrências ao poder judiciário. O ciclo completo de Polícia não é a única mudança a ser feita na segurança pública brasileira, mas representaria um grande passo rumo a modernização, sensação de segurança e diminuição da impunidade no Brasil.


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PACHECO, Rodrigo da Paixão; PAIXÃO, Pedro Afonso Santos da. O ciclo completo de polícia: uma solução?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5650, 20 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67963. Acesso em: 28 mar. 2024.