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A relevância do relato da vítima com a Lei Maria da Penha

A relevância do relato da vítima com a Lei Maria da Penha

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Avalia-se qual carga valorativa deve ser dada ao relato da vítima de violência doméstica como meio hábil para sustentar suas alegações, uma vez que, em uma condenação penal, o juiz deve fundamentar a sentença com base nas provas produzidas no interregno da instrução probatória.

“Primeiro levaram os negros

Mas não me importei com isso

Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários

Mas não me importei com isso

Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis

Mas não me importei com isso

Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados

Mas como tenho meu emprego

Também não me importei

Agora estão me levando

Mas já é tarde.

Como eu não me importei com ninguém

Ninguém se importa comigo".

Bertolt Brecht

RESUMO: A violência doméstica e familiar é uma triste realidade que assola milhares de vítimas neste país. Tratam-se de mulheres que, seja pelo apego emocional para com o agressor, ou quiçá devido ao pouco conhecimento da forma como se deve proceder, calam-se diante da situação de vulnerabilidade, discriminação e desigualdade. Neste contexto, com o advento da Lei n.º 11.340/06, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, tem-se que o objetivo da presente monografia que é pormenorizadamente descrever quais as ações afirmativas trazidas pela aludida legislação, que proporciona assistência à mulher desde o momento em que registra a ocorrência policial contra quem a violentou. Além disso, através de reiterados entendimentos jurisprudenciais e estudos de caso, pretende-se demonstrar a relevância dada ao relato da ofendida como meio hábil de sustentar suas alegações, ainda que haja outros meios de prova, como exame de corpo de delito ou testemunhas presenciais. Como conclusão, verifica-se que o relato da ofendida, desde que coerente e bem fundamentado, mostra-se suficiente para fins de embasar eventual condenação criminal em face de seu agressor, corroborando a materialidade e autoria delitiva. Em síntese, este trabalho almeja contribuir para a sensibilização de toda a sociedade, conscientizando as vítimas acerca da necessidade de buscarem a proteção jurisdicional em busca da equidade de gêneros.

Palavras-chave: Violência Doméstica. Lei Maria da Penha. Lei 11.340/06. Palavra da vítima.

SUMÁRIO:1 INTRODUÇÃO. 2 A PROTEÇÃO DADA ÀS MULHERES, NO BRASIL, COM O ADVENTO DA LEI N.º 11.340/06. 2.1 O objetivo da Lei e o combate à violência doméstica e familiar..2.2 A finalidade das medidas protetivas e consequências do seu descumprimento..2.3 O registro de ocorrência policial buscando a proteção jurisdicional.3 O RITO PROCESSUAL DOS CRIMES COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. 3.1 A competência para o julgamento das causas decorrentes de violência doméstica e familiar.  3.2 A audiência de conciliação e a confirmação da representação.. 3.3 A ação penal e os meios de prova da autoria e materialidade..3.4 A ADI n.º 4.424/DF e a vedação da aplicação da Lei n.º 9.099/95.4 A CARGA PROBATÓRIA DO RELATO DA VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR..4.1 Valoração da palavra isolada da vítima no processo penal brasileiro.4.2 Insuficiência probatória e o princípio do in dubio pro reo..4.3 Efeitos da posterior reconciliação entre as partes.4.4 Estudos de caso..4.4.1 Condenação baseada na palavra da vítima..4.4.2 Absolvição com fulcro no princípio do in dubio pro reo.5 CONCLUSÃO..REFERÊNCIAS.ANEXOS.ANEXO A..


1 INTRODUÇÃO

A Lei n.º 11.340/06, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, é considerada um grande avanço no que se refere à luta contra a violência doméstica e familiar. Trata-se de um instrumento de tutela para enfrentar e prevenir a violência de gênero nas relações privadas, tendo entre seus bens tutelados a dignidade da mulher, bem como sua integridade física, moral e material.

Batizada em homenagem à Maria da Penha Maia Fernandes, a legislação tem em vista coibir a sistemática conivência de violência doméstica e familiar (seja ela de cunho físico, psicológico, sexual, patrimonial ou moral), considerando a falta de instrumentos legais para apurar e punir infrações relacionadas, assim como amparar as vítimas.

Antes da sua criação, competia ao Juizado Especial Criminal o processamento e julgamento das contravenções e dos crimes de menor potencial ofensivo, ou seja, delitos cuja pena máxima em abstrato não ultrapasse 02 anos. No entanto, com o advento da Lei 11.340/06, os procedimentos foram alterados, evidenciando-se a intenção de afastar o tratamento da violência doméstica no âmbito da Lei n.º 9.099/95, conforme pode-se verificar no art. 41 da aludida legislação, in verbis: “Aos crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995”.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, inc. I, prevê a igualdade entre homens e mulheres, e, no art. 226, a família como base da sociedade, com proteção do Estado. Por esses motivos, não há como se falar em justiça e igualdade social sem que se erradique a violência e a discriminação contra a mulher, razão pela qual as medidas protetivas criadas a partir do advento da Lei possuem suma importância, sendo providências de caráter cautelar para enfrentar e prevenir a violência em âmbito doméstico e familiar.

Sabe-se que, para embasar uma condenação criminal, a acusação deve se basear em provas aptas ao convencimento do Juiz, destinatário final da prova no processo penal. Nesse sentido, tendo em vista que os crimes de violência doméstica e familiar geralmente ocorrem às escuras (ou seja, na convivência familiar e longe da presença de testemunhas oculares) e, muitas vezes, não deixam vestígios, surge o seguinte questionamento: qual deve ser a carga valorativa dada ao relato da vítima como meio hábil para sustentar suas alegações?

Dessa feita, vislumbra-se que o objetivo geral da presente monografia é analisar a pertinência do depoimento da mulher vítima de violência doméstica e familiar no transcurso do processo penal, explicando a sua relevância para sustentar uma condenação em face do agressor, ainda que, por ventura, esteja desacompanhado de outros meios probatórios.

A pesquisa, com relação à abordagem, adotará o modelo qualitativo, já que possui caráter subjetivo. Nas palavras de Goldenberg (1997, p. 34), “os pesquisadores que adotam a abordagem qualitativa opõem-se ao pressuposto que defende um modelo único de pesquisa para todas as ciências, já que as ciências sociais têm sua especificidade”. Além disso, buscando alcançar a finalidade desejada pelo estudo, utilizou-se do método dedutivo, que parte de argumentos gerais para argumentos particulares nos quais a conclusão está implícita.

Para melhor compreender os objetivos específicos em torno deste trabalho, o primeiro capítulo terá como propósito explicar, além do intuito da Lei Maria da Penha no que diz respeito ao combate à violência em âmbito doméstico e familiar, a maneira como a vítima de agressões poderá requerer a proteção jurisdicional, comparecendo à delegacia de polícia para registrar o boletim de ocorrência e solicitar ao Poder Judiciário a adoção de medidas protetivas de urgência.

No segundo capítulo, propõe-se descrever os aspectos processuais a partir do momento em que são deferidas as medidas de proteção em favor da ofendida, que, posteriormente, terá a oportunidade de confirmar ou renunciar à representação em desfavor de seu agressor, perante o Juiz competente para o julgamento das causas decorrentes de violência doméstica, em audiência preliminar designada especialmente para tal finalidade.

Por fim, no terceiro capítulo, pretende-se explorar, dentre os diferentes meios de prova existentes em âmbito penal, a relevância do relato da vítima para sustentar uma condenação, além de averiguar os efeitos processuais de eventual reconciliação entre as partes e da retratação em Juízo. Ademais, ao final do presente trabalho de monografia, realizaram-se dois estudos de caso práticos, com base em processos criminais regidos sob as disposições da Lei Maria da Penha que tramitaram junto à 2º Vara Judicial da Comarca de Encantado/RS.

O objetivo desta análise não tem a pretensão de esgotar o tema, mas, sim, contribuir com a reflexão acadêmica sobre ele, demonstrando de que maneira as alegações tecidas pelo réu e pela vítima, bem como a (in)existência de outras provas angariadas no decorrer da instrução, podem influenciar diretamente na formação da convicção do magistrado que irá prolatar a sentença penal.


2 A PROTEÇÃO DADA ÀS MULHERES, NO BRASIL, COM O ADVENTO DA LEI N.º 11.340/06

A Lei n.º 11.340/06, comumente conhecida como Lei Maria da Penha, foi promulgada em 07 de agosto de 2006 e tem como objetivo principal a proteção da mulher e a prevenção da violência doméstica e familiar. Acima de tudo, a legislação representa uma tentativa de superar os remanescentes patriarcais na cultura e sociedade brasileira, tendo origem a partir do longo histórico de violência doméstica vivido pela farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que foi vítima de duas tentativas de homicídio cometidas por seu marido, o professor universitário e economista Marco Antonio Heredia Viveiros. Embora as investigações contra o agressor tenham começado no ano de 1983, somente em 2002 é que o réu foi preso, condenado a uma pena de dez anos e seis meses após ter recorrido em liberdade.

A fim de superar o passado histórico de assimetria de poder em relação ao homem, pressupõe-se que haja uma adequada compreensão do princípio da igualdade, de modo que seja reconhecida a vulnerabilidade e fragilidade feminina. Assim, com a criação deste mecanismo especial de proteção através de uma legislação mais rigorosa, o gênero feminino, desde sempre em posição de inferioridade no cenário social brasileiro, ganhou um tratamento diferenciado, de modo que será objetivo do capítulo descrever a proteção dada às mulheres com a criação da Lei n.º 11.340/06: de que forma a vítima pode requerer a proteção jurisdicional - mediante o requerimento de medidas protetivas-, bem como as consequências, para o agressor, do seu descumprimento injustificado.

2.1 O objetivo da Lei e o combate à violência doméstica e familiar

A Lei n.º 11.340/06 foi criada a fim de dar tratamento diferenciado à mulher, visando a protegê-la mediante uma discriminação positiva. Para Fernandes (2015), ela transpôs a violência contra a mulher do âmbito privado ao público ao criar normas jurídicas efetivas que transformam o Direito em uma realidade de justiça. Entretanto, doutrinariamente, argumentava-se que a Lei seria inconstitucional, posto que concederia tratamento legal mais rigoroso aos homens. Conforme explica Bastos (2013), desde o advento da Lei Maria da Penha, ela tem sido alvo de debates e críticas, sobretudo acerca da sua constitucionalidade, eis que feriria, em tese, o princípio da igualdade de gêneros, tratando a mulher como um sexo frágil e merecedor de especial proteção do Estado.

Segundo diz Fernandes (2015, p. 44), “não há inconstitucionalidade. Apesar das ações afirmativas, a mulher ainda é hipossuficiente e os números de feminicídios são alarmantes, o que justifica a discriminação positiva”. Além disso, a própria Constituição Federal de 1988 afasta tais alegações, consubstanciando-se no § 8º do art. 226, que preceitua que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. No entender de Belloque apud Dias (2012, p. 55), “é exatamente para pôr em prática o princípio constitucional da igualdade substancial, que se impõe sejam tratados desigualmente os desiguais”.

A tradicional fórmula genérica de igualdade de “todos” perante a lei não serviu para eliminar a discriminação contra as mulheres. A Constituição Federal de 1988, atenta aos movimentos de valorização da mulher, previu textualmente a igualdade de homens e mulheres em direitos e obrigações. E o reconhecimento dessa igualdade formal foi o primeiro passo, retirando do ordenamento diferenças discriminatórias. Contudo, a efetividade da igualdade exige algo mais (FERNANDES, 2015, p. 41).

Fernandes (2015, p. 40) ainda complementa, sustentando que “no âmbito das relações de gênero e das relações familiares, a Constituição Federal prevê a igualdade entre homens e mulheres (art. 5º, I) e a família como base da sociedade, com proteção do Estado (art. 226)”. Em consonância com o entendimento supracitado, Alferes, Gimenez e Alferes (2016, p. 14) entendem que “o comando positivado no art. 226 da Constituição Federal de 1988 impôs ao legislador infraconstitucional o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher [...]”.

Conforme expõem Nicolitt e Abdala (2015), a Lei Maria da Penha surgiu com a finalidade de superar, ou ao menos diminuir o preconceito e discriminação contra a mulher, trazendo instrumentos de empoderamento do feminismo, tais como as medidas protetivas e a assistência humanizada. Assim dispõe o art. 1º da aludida legislação:

Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

É importante que se esclareça o significado dos termos “feminismo” e “empoderamento feminino”, trazidos nesta monografia, uma vez que ambos são frequentemente confundidos pelo senso comum: o feminismo é um movimento social e político, existente desde o século XIX, que luta pelo acesso aos direitos iguais entre homens e mulheres. Difere do machismo, já que este coloca o gênero masculino em um patamar de superioridade e opressão diante da mulher. O empoderamento feminino, ao seu turno, é um sentimento individual que dá forças às mulheres para que busquem o seu lugar. Em outras palavras, significa dá-las poder e tratá-las como sujeitos ativos de mudança que se comprometem pela luta em favor da equidade.

Acerca da análise acerca do art. 1º da Lei n.º 11.340/06, Bastos (2013) pondera que o dispositivo elenca as quatro principais finalidades da Lei Maria da Penha, quais sejam: criar mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, dispor sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, estabelecer medidas de assistência à mulher e estabelecer medidas de proteção à mulher em situação de violência doméstica e familiar. Conforme explica a autora (2013, p. 92), pode-se afirmar, portanto, “que a Lei Maria da Penha é uma lei multidisciplinar, que tem por principal foco a prevenção, a proteção e a assistência às mulheres que se encontram em situação de violência doméstica e familiar”.

Embora o artigo retro aludido refira-se à “violência doméstica e familiar contra mulher”, Bianchini (2014) explica que o art. 5º, ao seu turno, delimita o objeto de incidência da Lei, preceituando que “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero [...]”. Consoante Fernandes (2015, p. 50), “o conceito de gênero existe em razão das desigualdades históricas, econômicas e sociais entre homens e mulheres e do modo como eles se relacionam, naturalizando um padrão desigual [...]”. Nucci (2014, p. 1.040) faz algumas observações acerca da imprecisão do termo “violência doméstica e familiar”, ponderando que:

Há casos em que a violência contra a mulher ocorre no cenário das relações domésticas, sem contexto familiar, bem como há situações em que se dá no contexto familiar, mas não em relações domésticas. Dever-se-ia considerar, portanto, a alternatividade, mencionando-se violência doméstica ou familiar.

Em outras palavras, toda violência de gênero é uma violência contra a mulher, envolvendo a relação de poder e dominação do homem, mas nem toda a violência contra a mulher é uma violência de gênero. Para melhor exemplificar, Bianchini (2014, p. 31) se utiliza de um exemplo concreto: “mulher é baleada por seu companheiro. Motivo: ela iria delatá‐lo à polícia. Não se aplica a Lei Maria da Penha, pois não há uma questão de gênero”. De acordo com Bastos (2013), existem fatores que influenciam a incidência de violência conjugal, destacando-se dentre eles a fragilidade e baixa autoestima da vítima, a sua dependência econômica do agressor, o sentimento de posse e dominação do homem para com a ofendida, o longo histórico de violência conjugal, etc.

O art. 7º da Lei, ao seu turno, explicita as formas de violência doméstica e familiar, e de acordo com Lima (2015), segundo parte da doutrina, não se exige habitualidade na violência, de modo que a expressão “entre outras” empregada no caput do artigo supracitado deixa claro serem elas um rol meramente exemplificativo:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Bianchini (2014) argumenta que a violência contra a mulher ocorre predominantemente no lar e especialmente em razão de agressões dos maridos e companheiros, o que consequentemente aumenta o fator de risco, já que o agressor tem uma enorme proximidade com a vítima. Neste sentido, sabendo que a violência doméstica e familiar é um problema de saúde pública, o Mapa da Violência do ano de 2015 estimou que o Brasil ocupava a 5º colocação em níveis de feminicídio, dentre um grupo de 83 países com dados homogêneos fornecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em síntese, entende-se que o objetivo da Lei Maria da Penha é, portanto, coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher baseada no gênero. De acordo com o entendimento de Fernandes (2015, p. 42), “a Lei n. 11.340/06 definiu a posição jurídica da vítima e criou esse instrumento de tutela, um sistema interdisciplinar de enfrentamento e prevenção à violência”. Do mesmo modo, Bastos (2013) argumenta que embora a lei não tenha previsto nenhum tipo penal novo, veio a promover um tratamento penal diferenciado aos crimes cometidos no seio da relação doméstica, familiar e afetiva, com vistas a proteger as mulheres em situação de vulnerabilidade.

Ainda que a Lei Maria da Penha tenha surgido para romper esse paradigma de inferioridade, a efetividade da lei fica dificultada pela forma como a vítima, o agressor e a sociedade se portam diante de um ato de violência de gênero em razão de preconceitos e conceitos naturalizados (FERNANDES, 2015, p. 06).

Dias (2013) entende que o verdadeiro alcance da Lei Maria da Penha reside no fato de que a legislação conceitua a violência doméstica de forma alheia à prática delitiva, além de não inibir a concessão de medidas protetivas por parte do juiz e da autoridade policial. Neste sentido, o estudo avaliando a efetividade da Lei n.º 11.340/06, realizado pelo IPEA (2015, p. 32), a fim de comprovar que a Lei Maria da Penha teve impacto positivo na redução de assassinatos e mulheres, assim concluiu:

Consideramos que a LMP afetou o comportamento de agressores e vítimas por três canais: i) aumento do custo da pena para o agressor; ii) aumento do empoderamento e das condições de segurança para que a vítima pudesse denunciar; e iii) aperfeiçoamento dos mecanismos jurisdicionais, possibilitando ao sistema de justiça criminal que atendesse de forma mais efetiva os casos envolvendo violência doméstica. A conjunção dos dois últimos elementos seguiu no sentido de aumentar a probabilidade de condenação. Os três elementos somados fizeram aumentar o custo esperado da punição, com potenciais efeitos para dissuadir a violência doméstica.

Como explica Alferes et al. (2016), a legislação ora discutida é uma ação afirmativa que busca igualdade substantiva decorrente do desnível sociocultural que distingue homens e mulheres. Assim, sabendo que a Lei n.º 11.340/06 trouxe amparo legal para os crimes cometidos em âmbito doméstico, deve-se, portanto, desvendar o que são as medidas protetivas de urgência, de que forma podem ser requeridas pela ofendida junto à Delegacia de Polícia, quais são as consequências do seu deferimento pelo Juiz e, inclusive, do seu descumprimento por parte do agressor, bem como qual a relevância dada ao relato da parte hipossuficiente como forma de comprovar suas alegações.

2.2 A finalidade das medidas protetivas e consequências do seu descumprimento

A Lei Maria da Penha elenca um rol de providências cujo objetivo é dar efetividade ao seu propósito de proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar e combate à impunidade do agressor. São as chamadas “medidas de proteção”, elencadas nos arts. 18 a 24 do Capítulo II da Lei n.º 11.340/06, que dispõe sobre as medidas protetivas de urgência. Cavalcanti apud Bastos (2013) explica que as medidas de proteção são as principais inovações da lei, e possuem cunho preventivo e repressivo, além de caráter penal, extrapenal e administrativo, tratando-se, em síntese, de mecanismos à disposição das mulheres em situação de risco que as possibilitam uma providência jurisdicional imediata antes mesmo de o processo judicial ter início.

Sustenta-se que as medidas protetivas de urgência vieram no contexto de uma série de medidas constituídas em favor da mulher, vítima de violência doméstica, no intuito de resguardá-la de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (NICOLITT E ABDALA, 2015, p. 70).

Lima (2015) sustenta que as medidas protetivas se mostram necessárias para instrumentalizar a eficácia do processo, uma vez que, no curso da ação penal, é comum que ocorram situação nas quais as providências urgentes, tais como as medidas cautelares em comento, sejam imperiosas para assegurar a devida apuração dos fatos e consequente futura execução da sanção que for proferida pelo magistrado, além de garantir a proteção da vítima ameaçada e eventual ressarcimento pelo dano causado pelo delito. Da mesma forma, conforme Dias (2013), as aludidas medidas protetivas têm por objetivo dar efetividade ao seu propósito que é assegurar à mulher o direito a uma vida sem violência. Sabe-se que, muitas vezes, passam-se anos até que a vítima efetivamente rompa o silêncio e vá buscar a proteção do sistema de justiça, sobretudo porque, nas palavras da autora, na maioria dos casos, ela não deseja a punição do agressor, mas, sim, a sua libertação da violência.

Para Teles e Melo (2002, p. 02), “a violência de gênero ou contra a mulher está de tal forma arraigada na cultura humana que se dá de forma cíclica, como um processo regular com fases bem definidas: tensão relacional, violência aberta, arrependimento e lua de mel”. Em outras palavras, trata-se de uma relação de amor e ódio na qual somente haverá uma exibição pública quando a conduta agressiva do parceiro se tornar insuportável.

Logo, no entender de Fernandes (2015), após a agressão, é costumeiro que o homem se arrependa, o que é conhecido como “fase lua de mel”, uma vez que ele chora, pede perdão e promete que não voltará a agir de tal maneira. Embora o arrependimento possa efetivamente ser sincero, a mulher então deixa de tomar qualquer atitude, acreditando em suas palavras e, em contrapartida, buscando razões que possam justificar os acontecimentos. A fase lua de mel pode ser deflagrada com o registro de ocorrência, de modo que, tão logo o homem venha a lhe pedir desculpas, por medo da punição e do abandono, a ofendida acaba por retratar-se diante da autoridade policial, inocentando-o.

Cunha (2007, p. 91) acrescenta a cíclica violência conjugal e dificuldades e esperanças que a vítima enfrenta no decorrer da relação:

Este ciclo da violência conjugal provoca muitas dificuldades nas tomadas de decisão da mulher-vítima, pois nele a mulher vivencia fases dramáticas (a tensão e o ataque violento), que terminam numa fase considerada gratificante (o apaziguamento), na qual a esperança de ter um casamento sem violência a faz acreditar e tentar novamente realizar o projeto de vida tão almejado.

Prevê o art. 18 da Lei n.º 11.340/06 que ao receber o expediente com o pedido da ofendida, o juiz deverá tomar uma das seguintes providências:

Art. 18.  Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:

I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;

II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;

III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.

Em síntese, as medidas protetivas possibilitam à ofendida obter a proteção jurisdicional que, por sua vez, justifica-se pela realidade de violência doméstica e familiar a que são submetidas as mulheres brasileiras. A finalidade de tais medidas de proteção é, portanto, dispensar tratamento desigual às situações de desigualdade, cessando a violência sobre a vítima. Ao agressor poderão as aplicadas, dentre outras, medidas tais como a prestação de alimentos provisórios; afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; proibição de contato com a vítima; proibição de determinadas condutas, etc.

As medidas protetivas podem ser o afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima, a fixação de limite mínimo de distância de que o agressor fica proibido de ultrapassar em relação à vítima e a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, se for o caso. O agressor também pode ser proibido de entrar em contato com a vítima, seus familiares e testemunhas por qualquer meio ou, ainda, deverá obedecer à restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço militar. Outra medida que pode ser aplicada pelo juiz em proteção à mulher vítima de violência é a obrigação de o agressor pagar pensão alimentícia provisional ou alimentos provisórios (CONHEÇA..., 2015, texto digital).

Nos termos do art. 19 da Lei Maria da Penha[1], elas são concedidas pelo juiz e podem ser requeridas pelo Ministério Público ou pela própria vítima, como gênero vulnerável, tanto imediatamente quanto a qualquer momento ao longo do curso de um processo. Além disso, prevê o § 1º do aludido artigo que elas “poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado”. Em outras palavras, significa dizer que a concessão das medidas de proteção pode ser feita inaudita altera parte, desde que tal concessão - de ofício - esteja condicionada à sua urgência, “sendo que a consulta ao Ministério Público ou a audiência das partes comprometeriam a eficácia da medida” (ALFERES et al., 2016, p. 61).

O tempo de duração das medidas protetivas de urgência varia de acordo com o entendimento de cada magistrado e a depender do grau de periculosidade do caso em concreto. Assim foi o entendimento do Relator Desembargador Carlos Augusto Borges, no HC n.º HC 2007.059.08520, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

As medidas protetivas de urgência devem perdurar no tempo enquanto necessárias à proteção da ofendida e inibição do ato agressor. Se as medidas protetivas de proibição de aproximação e de comunicação com a vítima foram deferidas em razão de um histórico de agressões, dentre as quais a última e mais grave, sofrida a facadas, objeto de registro de ocorrência do crime de tentativa de homicídio, nada justifica que, há menos de dois meses da concessão das cautelas, com base nas declarações da vítima de que não tem mais problemas e nem medo do agressor, sejam revogadas as medidas. Se a vítima afirma que o agressor não mais a importunou, é porque a medida se mostrou eficaz, causa de sua manutenção, e não de revogação. Periculum in mora não desconvalescido pelas declarações da vítima. Manutenção da cautelar. Ordem que se denega.

Além disso, consoante o § 3º do art. 19 da Lei n.º 11.340/06, caso entenda necessário à proteção da ofendida, seus familiares ou seu patrimônio, “poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas [...]”. Conforme explica Alferes et al. (2016), as medidas protetivas podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulada, bem como substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia. Outrossim, consoante Nicolitt e Abdala (2015, p. 71), “preenchidos os pressupostos, pode o juiz avaliar a forma de aplicação das medidas, podendo ser substituídas e cumuladas, direcionadas ao agressor (art. 22) ou à ofendida (arts. 9º, § 2º c/c 23)”. Resumidamente, podem elas ser concedidas, revistas, substituídas ou acrescidas tanto na fase inquisitorial quanto processual.

Sobre as providências que a Lei Maria da Penha traz, além das medidas protetivas de urgência previstas nos artigos 22 a 24, Dias (2013) também aduz que outras medidas se encontram esparsas por toda a legislação, igualmente voltadas à proteção da ofendida. A título exemplificativo, pode-se elencar a inclusão da vítima em programas assistenciais, prevista no § 1º do art. 9º da Lei n.º 11.340/06, segundo o qual “o juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal”.

Parte da doutrina e da jurisprudência passada argumentava que o descumprimento de uma ordem judicial de aproximação ou afastamento do lar configurava o crime de desobediência, previsto no art. 330[2], ou ainda, o delito de desobediência à decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito, tipificado no art. 359[3], ambos do Código Penal. Segundo Greco (2009, p. 493), “o núcleo do tipo é o verbo desobedecer, que significa deixar de atender, não cumprir a ordem legal de funcionário público, seja fazendo, ou mesmo deixando de fazer alguma coisa que a lei impunha”. Para a corrente até então adepta a esta ideia, “a determinação judicial consistente em medida protetiva de urgência requer um instrumento coercitivo enérgico, sob pena de ser considerado mero formalismo, levando a lei em comento ao total descrédito da sociedade[4]”.

Dentre os defensores da penalização da tipificação do descumprimento das medidas protetivas, destaca-se Nucci (2012, p. 1.279):

As medidas restritivas, previstas na Lei de Violência Doméstica (art. 22, II, III, Lei 11.340/06), proibindo o marido ou companheiro de se aproximar da mulher ou determinando seu afastamento do lar constituem ordens judiciais. Logo, nesses casos, se descumpridas, acarretam o crime de desobediência (art.330, CP). Não se configura o delito do art. 359, pois a situação de marido ou companheiro não constitui função, atividade, direito, autoridade ou múnus.

Em síntese, a fim de refutar a alegação defensiva de atipicidade delitiva dos agressor preso preventivamente pelo delito de desobediência, o Relator Desembargador Aristides Pedroso de Albuquerque Neto argumentou, na Apelação Crime n.º 70054149042, da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que a prisão preventiva visava a proteger a ofendida de novas agressões, haja vista que descumpridas as medidas protetivas impostas em seu favor, ao passo que o delito de desobediência que fundamentou a segregação cautelar considerava-se consumado do momento em que exercido o direito que foi suspenso ou privado por decisão judicial. 

Por outro lado, em que pesem as diferentes opiniões sobre a temática, com o julgamento do REsp n.º 1374653/MG, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) havia pacificado o entendimento de que o descumprimento da ordem judicial que defere medida protetiva de urgência com base na Lei n.º 11.340/06 não configurava o delito de desobediência, uma vez que, para a sua caracterização, é necessário o descumprimento de ordem judicial e a inexistência de previsão de sanção específica, como a imposição de uma multa, a decretação da prisão preventiva, enfim.

Em razão do receio concreto de reiteração delitiva e visando à garantia da ordem pública, assim vinha se posicionando o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul em casos de descumprimento reiterado das medidas protetivas de urgência impostas pelo Juiz:

HABEAS CORPUS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRISÃO PREVENTIVA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. AUSÊNCIA DE ÓBICE À CUSTÓDIA CAUTELAR. DECISÃO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA. Hipótese em que o paciente descumpriu, reiteradamente, as medidas protetivas de urgência a ele impostas pelo juízo de origem e, por esta razão, foi decretada a prisão preventiva. Decisão que atende aos comandos constitucionais e legais, porquanto refere concretamente as circunstâncias fáticas que evidenciam a necessidade da custódia processual como garantia da ordem pública, efetiva aplicação da lei penal e para proteção da vítima, na forma dos art. 312 e 313, inciso III, ambos do CPP. Além disso, não é possível de exame de provas, de forma pormenorizada, na via estreita do habeas corpus, de sumária cognição. A existência de condições pessoais favoráveis não tem o condão de afastar a decretação da segregação cautelar. A projeção da pena ou do regime a ser fixado em caso de condenação também não justifica a concessão da liberdade provisória, pois a prisão, neste momento, tem natureza cautelar. Medidas cautelares diversas da prisão são insuficientes e inadequadas ao caso. Prisão necessária para resguardar a integridade física e psicológica da vítima. A prisão preventiva não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência, nem se trata de execução antecipada da pena. Art. 5º, LXI, da CRFB. ORDEM DENEGADA. UNÂNIME. (Habeas Corpus N.º 70075057679, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rosaura Marques Borba, Julgado em 28/09/2017).

Após a decisão do REsp supracitado, que vinha defendendo a atipicidade da conduta de descumprir medidas protetivas de urgência, de forma totalmente oposta, criou-se um tipo penal específico para punir a desobediência a decisões judiciais que impõem medidas protetivas, consubstanciado na Lei n.º 13.641/18. Neste sentido, de acordo com o art. 24-A da legislação publicada em 04 de abril de 2018, inserido na seção denominada “Do Crime de Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência”, a pena para quem desobedecer ou descumprir a decisão judicial - seja na esfera cível ou criminal -deferindo as medidas de proteção, é de 03 meses a 02 anos de detenção.

Trata-se, portanto, de crime próprio, cujo sujeito ativo será aquele que deve observar às medidas protetivas decretadas em seu desfavor, em observância à Lei n.º 11.340/06. Além disso, embora se trate uma infração de menor potencial de ofensivo (já que sua pena máxima não ultrapassa 02 anos), o legislador expressamente consignou, no § 2º do artigo em questão, que apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança na hipótese de prisão em flagrante.

Além disso, prevê o § 3º do art. 24-A que “o disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis”. Significa, em outras palavras, que o agressor que desrespeitar as medidas impostas pelo Juiz estará sujeito às penalidades previstas no art. 20 da Lei Maria da Penha, o qual preceitua que “em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial”.

Por fim, o § 3º do art. 24-A dispõe que a caracterização do crime de desobediência não prejudica a aplicação de outras sanções cabíveis em decorrência do descumprimento das medidas protetivas. Com efeito, as medidas protetivas têm caráter progressivo, que pode fazê-las evoluir até a decretação da prisão preventiva. Esta progressividade não é influenciada pelas consequências que o agente possa vir a sofrer em razão da prática do crime.

Trata-se, como se vê, de uma resposta do legislador à lacuna normativa que impedia a punição específica de atos de desobediência relativos a medidas protetivas. São inúmeros os casos em que vítimas de violência doméstica e familiar têm decretada em seu favor uma medida que, na prática, acaba esvaziada porque o agressor simplesmente ignora a ordem judicial. Agora, além das consequências processuais que podem advir do descumprimento, tem-se uma figura criminal específica para garantir a punição do agressor renitente (CUNHA, 2018, texto digital).

Dessa forma, entende-se que caso haja o descumprimento da medida protetiva de urgência, além da possibilidade de decretação da prisão preventiva ao réu (que se constitui em uma medida cautelar que só será decretada em último caso, na forma do art. 282, §§ 4º e 6º, do CPP), após o surgimento da Lei n.º 13.641/18, também será possível que o Ministério Público ofereça denúncia pelo crime tipificado no art. 24-A da Lei supra referida. Assim, “[...] além de responder pelo crime de descumprimento de medida protetiva de urgência, pode, ainda, ser decretada pelo magistrado, desde que presentes os requisitos, a prisão preventiva do descumpridor da medida protetiva de urgência” (BIANCHINI, 2018, texto digital).

Nicolitt e Abdala (2015) asseveram que a prisão preventiva exige um decreto anterior de medidas protetivas e um risco concreto de inexecução da medida por parte do agressor, não sendo possível, contudo, que se descuide do princípio da proporcionalidade, ou seja, a medida antecipada (qual seja, a prisão preventiva) não pode ser mais gravosa que o provimento final.

Neste sentido, veja-se a ementa do Habeas Corpus n.º 70058100520, julgado na data de 12/02/2014 pela Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL NO ÂMBITO DOMÉSTICO. PRISÃO PREVENTIVA. DESCUMPRIMENTO MEDIDAS PROTETIVAS. AUSÊNCIA DE ÓBICE À CUSTÓDIA CAUTELAR. 1. Impetrante sustenta que não existem motivos para a prisão provisória do paciente, o qual se encontra foragido do sistema prisional. Pede a revogação da medida. 2. Prisão preventiva decretada em virtude do descumprimento de medidas protetivas deferidas em ação cautelar de violência doméstica. 3. A fundamentação do decreto preventivo está adequadamente posta, eis que precedido de análise dos requisitos legais e fáticos. 4. A alegação de que o paciente é inocente trata-se de tese que não pode ser aceita no estreito âmbito do writ, que não comporta cotejo probatório, devendo ser esgrimida no decorrer do processo, sob o crivo do contraditório. 5. A existência de condições pessoais favoráveis não se constitui em óbice para a decretação da prisão preventiva. 6. Inexistência de constrangimento ilegal. ORDEM DENEGADA. (Habeas Corpus N.º 70058100520, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Julio Cesar Finger, Julgado em 12/02/2014)

No ponto, é interessante analisar que a partir do advento da Lei n.º 12.403, de 04 de maio de 2011, comumente conhecida como Lei de Prisões, a redação do artigo retro mencionado foi alterada, passando a “excluir a possibilidade do juiz, na fase investigatória, decretar a prisão preventiva do agressor, de ofício” (BASTOS, 2013, p. 140). Conforme dispõe a Lei de Prisões, o art. 311 do Código de Processo Penal, que dispõe sobre a prisão preventiva, passa a vigorar da seguinte forma: "Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício[...]”. No entanto, há entendimentos que discordam de tal alteração, argumentando que é possível que o juiz decrete a prisão domiciliar de ofício, ainda na fase pré-processual, com vistas a proteger a mulher em situação de risco:

Questão controvertida: continua valendo a regra contida na LMP que permite a decretação da prisão preventiva, pelo juiz, de ofício, na fase do inquérito policial (art. 20)? Ou seja, aplica-se a nova regra contida na Lei 12.403/11 (que não mais admite tal situação) ou, por ser, a LMP, norma especial, ela deve prevalecer sobre a regra geral?

Em nosso entendimento, a segunda posição é a mais correta, pois, não obstante ofender o sistema acusatório (já que o juiz acaba por perder a necessária posição equidistante), no momento da ponderação de interesses, há que preponderar a norma de proteção integral à mulher em situação de risco (art. 4º, LMP).

Tal posicionamento é respaldado pelas estatísticas, as quais demonstram o elevadíssimo índice de homicídios, dentre outras violências, praticados por homens cuja vítima mulher mantinha ou manteve com ele uma relação íntima de afeto (BIANCHINI, 2011, texto digital).

Assim, conforme defende Bastos (2013), uma vez presentes os requisitos gerais do art. 312 do Código de Processo Penal, desde que haja o descumprimento das medidas protetivas e fundamento que justifique tal medida, caberá a prisão preventiva do agressor, de modo excepcional, a fim de coagi-lo a cumprir as medidas deferidas pelo juiz.

2.3 O registro de ocorrência policial buscando a proteção jurisdicional

Prevê o art. 10 da Lei Maria da Penha que “na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis”. De acordo com Bastos (2013), o aludido artigo frisa o dever de atendimento imediato pela autoridade policial e seus agentes sempre que uma mulher estiver prestes a sofrer qualquer tipo de violência doméstica e familiar, incumbindo ao Poder Judiciário proceder às diligências elencadas nos artigos seguintes, que preveem medidas assistenciais e providencias a serem tomadas após o registro de ocorrência policial.

No entendimento de Farias (2008), ao deixar de se submeter ao jogo masculino e reclamar seus direitos e proteção igualitária, a mulher põe fim a qualquer tipo de discriminação. Assim, o primeiro passo que deve ser tomado pela vítima é o imediato comparecimento à delegacia de polícia para registrar boletim de ocorrência, ocasião em que a autoridade policial tomará as medidas que preveem o art. 11 da Lei n.º 11.340/06, dentre elas a garantia da proteção policial, o encaminhamento da ofendida ao hospital, o fornecimento de transporte para abrigo ou local seguro, etc.

Uma das grandes novidades da Lei Maria da Penha e admitir as medidas protetivas de urgência no âmbito do Direito das Famílias sejam requeridas pela vítima perante a autoridade policial. A vítima, ao registrar a ocorrência da pratica de violência doméstica, pode requerer separação de corpos, alimentos, vedação de o agressor aproximar-se da vítima e de seus familiares ou que seja ele proibido de frequentar determinados lugares. Essas providencias podem ser requeridas pela parte pessoalmente na polícia Requerida a aplicação de quaisquer dessas medidas protetivas, a autoridade policial deverá formar expediente a sei encaminhado ao juiz (art. 12, III) (DIAS, 2013, p. 80).

Dias (2013) explica que o art. 12 da Lei Maria da Penha prevê que, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro de ocorrência, deverá a autoridade policial, de imediato, adotar três procedimentos: a) lavrar o boletim de ocorrência; b) tomar a termo a representação, no caso de ação pública condicionada à representação; e c) tomar a termo o pedido de medidas protetivas formulado pela vítima, formando o expediente que será posteriormente remetido a juízo.

Art. 12.  Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;

II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;

IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;

V - ouvir o agressor e as testemunhas;

VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;

VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.

Na opinião de Alferes et al. (2016), as providências afetas à autoridade policial acima elencadas, com exceção da prevista no inciso III (que determina a remessa em 48h do expediente apartado ao juiz, contendo o pedido da ofendida de concessão da medida protetiva de urgência), são repetições do que já estaria disposto no Código de Processo Penal, de modo que a Lei Maria da Penha teria se ocupado em repetir disposições já existentes e em pleno vigor, na tentativa de que, de tanto insistir, a norma de proteção se tornasse mais efetiva.

Segundo Bianchini (2014), as atividades que incumbem à autoridade policial estão elencadas nos arts. 10 a 12 da Lei n.º 11.340/06, que fazem parte do Capítulo denominado “Da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar”. Outrossim, conforme acima dito, logo após o registro, ser-lhe-á tomada a representação, que para Bitencourt (2005, p. 335), “é a manifestação de vontade do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo, visando a instauração da ação penal contra seu ofensor.

A representação, em determinadas ações, constitui condição de procedibilidade para que o Ministério Público possa iniciar a ação penal”. De acordo com Fernandes (2015), a representação deverá ser colhida de pronto nas infrações de ação penal pública condicional, não sendo aconselhável que se oriente a vítima a refletir a respeito e retornar em momento posterior. O inquérito policial somente será instaurado após a expressa manifestação de vontade pela vítima, confirmando a representação criminal: “[...] ainda que a vítima tenha registrado cinco, dez, quinze boletins, se não houve a instauração de inquérito policial o agressor figura como primário e de bons antecedentes” (FERNANDES, 2015, p. 210).

Nucci (2012, p. 585-586) defende a tese de prescindibilidade da representação criminal para a instauração do inquérito policial:

Se alguma vantagem houve, está concentrada na ação penal, que passa a ser pública incondicionada, em nossa visão, retornando para a iniciativa do Ministério Público, sem depender da representação. Isto porque o art. 88 da Lei 9.099/95 preceitua que dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves (prevista no caput do art. 129) e lesões culposas (constante do § 6º do mesmo artigo). Ora, a violência doméstica, embora lesão corporal, cuja descrição típica advém do caput, é forma qualificada da lesão, logo, não mais depende de representação da vítima.

Por outro lado, Fernandes (2015) explica que há posicionamentos no sentido de que a opinião das vítimas que se retratam da representação deve ser respeitada, devendo prevalecer o interesse familiar sobre o interesse público de repressão ao delito, eis que a instauração de um processo poderia a vir, inclusive, a afetar a conciliação do casal. Para a doutrinadora, por outro lado, vige a opinião de que a representação transfere à vítima a responsabilidade pela punição do crime: “Ora, se a ofendida não consegue opor-se à própria violência, como poderá ter forças para enfrentar um processo e assumir a responsabilidade por processar ou não o homem que a vitimou?” (FERNANDES, 2015, p. 198).

Assim, a fim de dirimir as diferentes interpretações acerca da aplicação ou não do art. 88 da Lei n.º 9.099/95 às lesões corporais leves e culposas praticadas contra a mulher no âmbito de violência doméstica, foi publicada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a Súmula 542, a qual prevê que “a ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada”. Em outras palavras, entende-se que na hipótese de se tratar do crime de lesões corporais no âmbito de violência doméstica, previsto no § 9º do art. 129 do Código Penal, é prescindível a exigência de representação pela vítima, que tampouco poderá renunciar ou desistir da ação penal, por ser a ação de cunho público e incondicionado.

É forçoso observar que tal restrição à aplicabilidade dos institutos despenalizadores da Lei 9.099/95 só se aplica à mulher vítima de violência de gênero, nos casos previstos pela Lei Maria da Penha, de modo que quando o homem for vítima e lesão corporal leve praticada por sua companheira, por exemplo, apesar da conduta ser enquadrada no mesmo art. 129, § 9º, do Código Penal, não será processada mediante ação penal pública incondicionada, e sim, condicionada à representação da vítima (BASTOS, 2013, p. 160-161). 

Neste sentido, vale frisar o disposto no art. 16 da Lei n.º 11.340/06, segundo o qual “nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida [...], só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público”[5]. O aludido dispositivo faz concluir, conforme explica Alferes et al. (2016), que subsiste a necessidade de representação no caso de delitos dispostos em leis diversas à Lei n.º 9.099/95, tais como o de crime de ameaça (art. 147, caput, do Código Penal) e crimes contra a dignidade sexual (art. 225, caput, do Código Penal).

Resumidamente, feita a comunicação de ocorrência e instauração do inquérito, caso a vítima requeira a adoção de medidas protetivas de urgência, será formado expediente no qual conterá a sua qualificação, a do agressor e a de seus dependentes, assim como, conforme dito, a tomada de sua representação e a sucinta descrição dos fatos e das medidas pleiteadas. “Em síntese, cabe à vítima, segundo seu livre discernimento e após a devida orientação a ser dada pela autoridade policial (art. 11, V), auferir da necessidade das medidas de proteção” (CUNHA E PINTO, 2008, p. 95). Neste sentido, conforme Porto (2007, p. 76):

Convém, pois, proceder-se a uma análise mais detalhada de cada um desses procedimentos atribuídos à autoridade policial, que, em seu conjunto, relacionam-se, basicamente, a dois aspectos preponderantes: a) a conclusão do inquérito policial, eb) a elaboração do pedido da ofendida, direcionado ao juízo, para o deferimento de medidas protetivas de urgência.

Em seguida, o expediente de medidas protetivas é imediatamente remetido à autoridade Judiciária, em expediente próprio e especificamente ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (JVDFM), se existente, ou a uma das Varas Judiciais, acompanhado de todos os documentos eventualmente apresentados pela vítima na Delegacia de Polícia. Dias (2013) explica que a ofendida pode se utilizar da regra de competência prevista no art. 15 da Lei n.º 11.340/06[6], que prevê a possibilidade de escolha do registro de ocorrência no foro do seu domicílio, do domicílio do agressor ou no local onde ocorreu a violência.

É importante salientar que cada caso de violência doméstica pode vir a gerar mais de um processo: um expediente solicitando medidas protetivas, uma ação penal e eventuais ações cíveis.

Registrada a ocorrência perante a autoridade policial, havendo requerimento de concessão de medida protetiva de urgência, o expediente deve ser enviado a juízo no prazo de 48 horas (art. 12, III). Tal providência não obsta a instauração do inquérito policial, que será remetido a juízo em 30 dias. O prazo é de 10 dias se o indiciado estiver preso (CPP, art. 10). Essas demandas não impedem que a vítima intente a demanda cível que entender cabível, quando o fundamento da ação é a violência doméstica (DIAS, 2013, p. 139).

Em 09/11/2017, foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) a Lei n.º 13.505, que acrescenta alguns dispositivos na Lei Maria da Penha, podendo-se destacar, dentre eles, o atendimento policial e pericial especializado, as diretrizes e cuidados que deverão ser adotados para a inquirição da vítima e das testemunhas de crimes de violência doméstica contra a mulher, etc. Contudo, um dos artigos do então Projeto de Lei Complementar (PLC) 07/2017 previa que os delegados de polícia teriam o direito de expedir medidas protetivas em favor das vítimas nos casos de risco, sob a justificativa de que o Poder Judiciário seria lento no deferimento das medidas protetivas, o que foi vetado pelo presidente Michel Temer. Assim dispunha o art. 12-B da aludida Lei:

Art. 12-B. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física e psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de seus dependentes, a autoridade policial, preferencialmente da delegacia de proteção à mulher, poderá aplicar provisoriamente, até deliberação judicial, as medidas protetivas de urgência previstas no inciso III do art. 22 e nos incisos I e II do art. 23 desta Lei, intimando desde logo o agressor.

§ 1º O juiz deverá ser comunicado no prazo de 24 (vinte e quatro) horas e poderá manter ou rever as medidas protetivas aplicadas, ouvido o Ministério Público no mesmo prazo.

§ 2º Não sendo suficientes ou adequadas as medidas protetivas previstas no caput, a autoridade policial representará ao juiz pela aplicação de outras medidas protetivas ou pela decretação da prisão do agressor.

Em suma, o argumento utilizado pelo presidente para justificar o veto à proposta do deputado Sérgio Vidigal reside no fato de que o artigo, ao estabelecer competência não prevista para as polícias civis, violaria aos artigos 2º e 144, § 4º, da Constituição Federal, além de invadirem uma competência afeta ao Poder Judiciário. Assim, a competência para deferir, ampliar ou revogar as medidas protetivas de urgência continua sendo do magistrado, de modo que, conforme dito por Flávia Piovesan (Secretária Especial de Direitos Humanos), “a Polícia Civil não tem estrutura adequada para assumir essa tarefa”.

A Associação dos Delegados de Polícia (ADEPOL), em nota técnica emitida acerca do aludido Projeto de Lei Complementar[7], defendeu que ele não altera ou revoga qualquer dispositivo da Lei Maria da Penha: pelo contrário, o PLC 07/2016 aceleraria o contato entre a vítima e o juiz e garante a aplicação imediata de algumas medidas protetivas diretamente na delegacia de polícia, quando do registro de ocorrência e em caso de urgência. Segundo pontuado, “o que o PLC 07 propõe é que a vítima, em caso de risco iminente, já tenha algumas medidas protetivas deferidas pela delegada de polícia na hora, e que tenha a segurança de que voltando para a casa o agressor não se aproximará dela”.

Por sua vez, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) emitiu nota se manifestando contra a alteração da Lei Maria da Penha e pedindo o seu veto. Após exporem os argumentos pelos quais concluíam pela inconstitucionalidade da proposta, expuseram na íntegra o ofício direcionado ao presidente da República, alegando resumidamente que a “PLC 07/2016 apenas aparentemente traz um avanço, que se inicia com propostas legítimas e com discurso de proteção às mulheres, mas, sub-repticiamente, desfigura o sistema processual de proteção aos direitos fundamentais”.

Destarte, o surgimento da Lei Maria da Penha possibilitou a repressão de vários tipos de violência suscetíveis de serem praticados em âmbito doméstico e familiar, bem como a concessão, à mulher vitimizada, de uma gama abrangente de medidas protetivas, cuja finalidade abordou-se no decorrer deste capítulo. Basta que a ofendida, consciente de que há uma estrutura administrativa prevista na legislação com vistas a acolhê-la, dirija-se a uma unidade policial para registrar o fato criminoso e solicite ao Poder Judiciário que imponha a medida cautelar adequada, a fim de tentar eliminar o perigo e afastar de imediato a situação de risco que a vulnerava física, mental e psicologicamente.

Ademais, caso a vítima, perante o juízo competente para o julgamento das causas decorrentes de violência doméstica e familiar, confirme a intenção de representar criminalmente contra o agressor, ou ainda, nas hipóteses de ação penal pública incondicionada à sua representação, será dado início à ação penal intentada pelo Ministério Público, titular da ação penal pública. Assim, sendo suficientemente comprovadas, no curso da instrução processual, a autoria e materialidade delitiva, pode o réu vir a ser condenado criminalmente, conforme será a seguir melhor explicado.


3 O RITO PROCESSUAL DOS CRIMES COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

A violência doméstica e familiar atinge mulheres de todas as classes sociais, origens, graus de instrução, cores e idades. A agressão contínua, oculta e praticada por pessoas próximas afeta a autoestima e saúde da vítima, fazendo-a resistir e ser conduzida ao silêncio, o que dificulta a persecução penal. Desse modo, este capítulo terá como objetivo principal descrever o rito processual a partir do deferimento das medidas de proteção em favor da vítima de violência doméstica e familiar, examinando as consequências da confirmação da representação criminal e a relevância dos meios de prova existentes no curso da ação penal.

3.1 A competência para o julgamento das causas decorrentes de violência doméstica e familiar

Conforme explicado no capítulo anterior, a Lei Maria da Penha, em seu art. 14, criou os Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFMs), embora não tenha imposto a sua instalação. Desse modo, nos termos do art. 33 da Lei n.º 11.340/06, enquanto não estruturados os referidos Juizados, “foi atribuída competência cível e criminal às Varas Criminais, para onde devem migrar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher” (DIAS, 2013, p. 67). Para Bianchini (2014), os JVDFMs representaram um grande avanço à Lei Maria da Penha, uma vez que, por meio deles, foi possível centralizar em um único procedimento judicial todos os meios para garantir os direitos da mulher que se encontra em situação de violência doméstica e familiar.

Art. 14.  Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.

Entende Dias (2013) que, a fim de que a Lei Maria da Penha fosse plenamente eficaz, o ideal seria que cada Comarca contasse com ao menos um Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, ou ao menos de forma cumulada com outra vara. No entanto, diante da realidade brasileira, sabe-se que não há condições de promover o funcionamento de JVDFMs em todos os lugares, justamente devido ao suporte imprescindível e necessário ao seu funcionamento, qual seja, a necessidade de uma equipe de atendimento multidisciplinar integrada por profissionais especializados na área da saúde (conforme prevê o art. 29 da Lei n.º 11.340/06), bem como curadorias e serviço de assistência judiciária (dispostas no art. 34 da legislação supracitada).

Conforme Bastos (2013), a partir da previsão do art. 1º da Lei Maria da Penha, que dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, o artigo 14 acima colacionado determina que os juizados, com competência cível e criminal, serão órgãos da justiça comum, sendo que podem ser criados no âmbito de cada ente federativo e conforme suas próprias necessidades, de modo que a sua criação seguirá regras de conveniência e possibilidade orçamentária. Outrossim, prevê o art. 33 uma regra de transição caso não haja a criação imediata do juizado: o acúmulo da competência cível e crime às varas criminais no conhecimento e julgamento dos crimes cometidos mediante violência no âmbito doméstico e familiar.

A Lei Maria da Penha não estabelece qualquer correspondência com qualquer infração penal específica tipificada no Código Penal e na Legislação Especial. Assim, toda infração penal praticada no contexto de violência doméstica ou familiar poderá ser julgada pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. (ALFERES et al., 2016, p. 54).

Até o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 19, tópico que será esmiuçado no último item deste capítulo, parte da doutrina questionava a constitucionalidade do art. 33 da Lei n.º 11.340/06, evocando ofensa aos arts. 125, § 1º, e 96, ambos da Constituição Federal de 1988. Segundo a oposição, o dispositivo questionado e retro citado tratava de matéria afeta à organização judiciária, cuja competência seria da justiça estadual. De acordo com Bastos (2013), com o fim de sanar as discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre a validade constitucional da Lei Maria da Penha, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, através Do Advogado-Geral da União, ajuizou a ADC n.º 19, tendo por objeto a discussão dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei n.º 11.340/06):

A ação esboça um histórico de diversas decisões de Tribunais Estaduais – TJ/MS, TJ/RS, TJ/RJ e TJ/MG – que contestam a validade da Lei Maria da Penha, além de alguns enunciados aprovados no III encontro de Juízes de Juizados Especiais Criminais e de Turmas Recursais que contrariam a aplicação da lei (BASTOS, 2013, p. 89).

Dessa forma, para dirimir qualquer controvérsia acerca do assunto, por votação de procedência por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei Maria da Penha. Para a ministra Rosa Weber[8], a Lei n.º 11.340/06 “inaugurou uma nova fase de ações afirmativa em favor da mulher e da sociedade brasileira”, ao passo que o ministro Luiz Fux sustentou que a Lei Maria da Penha está em consonância com a proteção que compete ao Estado dar a cada membro da família, conforme previsto na Constituição Federal. Assim se manifestou o ministro Relator Marco Aurélio, na votação ocorrida em 09 de fevereiro de 2012:

Não há ofensa aos artigos 96, inciso I, alínea “a”, e 125, § 1º, da Carta da República, mediante os quais se confere aos estados a competência para disciplinar a organização judiciária local. A Lei Maria da Penha não implicou a obrigação, mas a faculdade de criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. A cabeça do respectivo artigo 14 prevê que os citados juizados “poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.” De igual maneira, o artigo 29 dispõe que os juizados eventualmente instituídos “poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde”.

Em síntese, Bianchini (2014, p. 223) argumenta que o STF decidiu corretamente, pois “o dispositivo legal não impõe aos Tribunais Estaduais o dever de criar Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, ou seja, não há intromissão na competência dos Estados”. Outrossim, salienta-se que, na hipótese de haver mais de um Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher na Comarca, o inquérito policial deverá ser distribuído ao mesmo juiz que apreciou o requerimento de medidas protetivas, eis que se tornou prevento, nos termos do art. 83 do CPP[9].

A importância dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar reside no fato de que eles possuem competência criminal e cível para o processo, julgamento e execução de causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 14 da Lei n.º 11.340/06). Segundo o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, consubstanciado no REsp nº 1475006/MT, julgado na data de 14/10/2014, como a Lei Maria da Penha não especificou as causas que não se enquadrariam na competência cível, nas hipóteses de medidas protetivas decorrentes de violência doméstica, é possível extrair que se compreendem toda e qualquer causa relacionada a fato que configure violência doméstica ou familiar.

Em outras palavras, se houver pedido de fixação de alimentos provisórios, por exemplo, estes deverão ser apreciados e fixados perante os Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar, em razão da natureza protetiva da Lei Maria da Penha. Faz-se imperioso destacar, contudo, que conforme salientado no voto do ministro relator Moura Ribeiro, na hipótese de se tratarem de Comarcas que não contam com as Varas Especializadas (mas somente criminais), aí sim elas teriam competência apenas para o julgamento de causas criminais, cabendo às Varas Cíveis ou de Família a fixação e julgamento dos alimentos.

Desta forma, além de competência para julgar o agressor criminalmente e determinar a aplicação de medidas protetivas de urgência, os JVDFMs também têm competência para julgar demandas cíveis eventualmente interpostas pela vítima, desde que tenham como fundamento a violência doméstica e familiar sofridas, como por exemplo uma ação de divórcio ou guarda dos filhos. Entretanto, impende salientar que tal posicionamento não é inteiramente aceito, havendo entendimentos divergentes, a exemplo do enunciado 03 do Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (FONAVID), que assim dispõe:

A competência cível dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é restrita às medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, devendo as ações cíveis e as de Direito de Família ser processadas e julgadas pelas varas cíveis e de família, respectivamente.

Especificamente sobre o pedido de medidas protetivas, embora a Lei n.º 11.340/06 não mencione os requisitos para o seu deferimento, pressupõe-se que deva haver risco iminente à integridade física das vítimas de crimes domésticos. Cunha e Batista (2008, p. 121) asseveram que as medidas protetivas “(...) devem preencher os dois pressupostos tradicionalmente apontados pela doutrina, para concessão das medidas cautelares, consistentes no periculum in mora (perigo da demora) e fumus bonis iuris (aparência do bom direito). Assim, possui o Juiz o prazo de até 48 horas para decidir acerca do pleito protetivo, aplicando ao agressor, em caso de deferimento, uma ou mais medidas previstas no art. 22 da Lei Maria da Penha:

Art. 22.  Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.           

Quanto à dificuldade da produção de prova na tutela cautelar, explicam Marioni e Arenhart (2013) que em determinados casos, a urgência da tutela impede que o autor produza a prova das suas alegações, de modo que o juiz deverá decidir com base unicamente em suas alegações. Logo, a impossibilidade de produção de provas, desde que justificada, não constitui óbice para que a jurisdição preste a devida tutela jurisdicional. Neste mesmo sentido, de acordo com Pires (2011, p. 162):

O deferimento das medidas protetivas não depende do interesse da vítima na persecução penal e, uma vez deferidas as medidas, a manutenção de sua vigência, embora transitória, não depende da propositura de eventual ação cível ou penal. As medidas protetivas têm demonstrado que se afiguram eficazes em termos penais de prevenção especial, ao diminuir a probabilidade de reincidência do agressor destinatário da medida e contribuir para a interrupção do ciclo da violência de gênero, trazendo alívio e segurança à vítima.

Especificamente sobre a retirada do agressor do lar, Bianchini (2014) ensina que a mulher agredida nem sempre busca a punição do agressor, mas, sim, a cessação da violência, de modo que o afastamento pode ser uma medida válida, à medida que quebra hábitos cotidianos. Dessa forma, para Dias (2013, p. 84):

Para garantir o fim da violência é possível a saída de qualquer deles da residência comum. Determinado o afastamento do ofensor do domicilio ou do local de convivência com a ofendida (art. 22, II), ela e seus dependentes podem ser reconduzidos ao lar (art. 23, II). Também pode ser autorizada a saída dá mulher da residência comum, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda de filhos e alimentos (art. 23, III).

Outrossim, quanto à relevância das aludidas medidas cautelares, Batista (2009) entende que nelas estão previstas providências que visam a assegurar níveis suportáveis na busca pela solução dos conflitos domésticos e patrimoniais. Além disso, complementando as disposições da Lei, o Código de Processo Civil, em seu art. 497, também dispõe sobre algumas medidas que o magistrado, temendo por algum mal futuro, poderá conceder às vítimas de crimes domésticos, concedendo tutela específica ou determinando providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.

Caso o agressor possua foro privilegiado, no entendimento de Dias (2013), o julgamento da ação será deslocado para o órgão que deverá julgá-lo, haja vista que tal circunstância se sobrepõe à competência do JVDFM. Por fim, acerca da possibilidade de indeferimento das medidas protetivas, a doutrinadora supracitada (2013, p. 83) ensina que “indeferida a medida protetiva pleiteada pela vítima, por meio do procedimento enviado a juízo pela autoridade policial, tal medida não obsta a que a vítima promova ação no âmbito da jurisdição civil, com o mesmo propósito”.

3.2 A audiência de conciliação e a confirmação da representação

Na própria Lei n.º 11.340/06, estão descritos alguns aspectos do processo por violência doméstica, como o art. 16, por exemplo, que prevê a designação de audiência preliminar para a oitiva da vítima que expressamente manifeste o desejo de renunciar ao direito de representação:

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Embora a legislação traga a expressão “renúncia à representação”, para Dias (2013), o correto seria “retratação à representação”, já que renúncia só poderia ocorrer antes do exercício do direito de representação, pois renunciar seria não exercer o direito de representação, ao passo que sem representação, não haverá inquérito policial - nem tampouco o Ministério Publico oferecerá denúncia. Segundo explica Alferes et al. (2016), em que pese o dispositivo fale em renúncia à representação, trata-se de hipótese de retratação à representação, pois se a Lei Maria da Penha fala em audiência a ser designada antes do recebimento da denúncia, significa dizer que a vítima já teria oferecido a representação (já que esta é condição de procedibilidade para o oferecimento da denúncia).

A renúncia consiste em ato unilateral no qual há uma desistência, abdicação do ofendido ou de seu representante legal em relação ao direito de originar uma ação penal privada ou mesmo uma ação penal pública condicionada à representação da vítima. [...] A representação se constitui em autorização indispensável para fins de persecução penal, nas ações penais públicas condicionadas a este instituto processual. Não depende de forma especial, sendo necessária apenas a apuração da vontade da vítima em relação à apuração dos fatos em juízo criminal, tendo ela natureza jurídica objetiva. (CARVALHO, 2014, p. 19).

Cesário (2013, p. 146) ressalta que, desde o advento da Lei Maria da Penha, “muitos embates vêm ocorrendo [...] acerca da necessidade ou não de prévia designação de audiência especial para recebimento da denúncia nos crimes de ação penal pública condicionada a representação que envolva violência doméstica e familiar contra a mulher”. O entendimento de Bianchini (2014, p. 231) é de que o art. 16 exige que a retratação, erroneamente chamada de renúncia, siga um trâmite especial: “: 1º) ser realizada perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, 2º) ocorrer antes do recebimento da denúncia (o prazo normal do CPP, art. 25, é até o oferecimento da denúncia) e 3º ser ouvido o Ministério Público”.

Além disso, segundo Dias (2013, p. 144), “deferida ou não a medida protetiva, apesar de não previsto em Lei, é cabível - e até recomendável que o juiz designe audiência conciliatória, até porque decidiu sem ter ouvido o agressor e o Ministério Público”. Neste sentido, a autora entende que:

A retratação pode ocorrer na audiência realizada no procedimento da medida protetiva. Feito acordo sobre as questões familiares, revelando a vítima que não tem mais interesse na representação, será conduzida a out.ro local, ou o agressor deve ser afastado do recinto. Além do juiz estará presente a vítima, seu defensor e o representando do Ministério Público. Homologada a desistência, será comunicada a autoridade policial para que arquive o inquérito, eis ter ocorrido a extinção da punibilidade (CP, art. 107, VI). Se o inquérito policial já tiver sido remetido a juízo, a renúncia só pode ser aceita até o recebimento da denúncia (DIAS, 2013, p. 115).

Lima (2011) discorda da aplicação do artigo supracitado, aduzindo que ele foi pensado para abolir as chamadas retratações extrajudiciais e tácitas, embora alguns tenham-no utilizado para obrigar a vítima a ratificar a representação já oferecida perante a autoridade policial anteriormente. Além disso, de acordo com Karam (2006), que considera tal audiência desnecessária, ao designá-la, a mulher passa a ser objetivamente inferiorizada, ocupando então uma posição passiva e vitimizadora de alguém incapaz de tomar, por si própria, as decisões.

No que tange à necessidade de obrigatoriamente designar a aludida audiência antes do recebimento da denúncia, parte da Jurisprudência entende que, em se tratando de crimes cuja ação penal pública é condicionada à representação (como o delito de ameaça, por exemplo), bem como considerando a complexidade das relações domésticas e familiares, a prévia realização da solenidade tem por objetivo possibilitar à ofendida retratar-se da representação apresentada contra o ofensor após solvida a controvérsia que mantinha o conflito, sendo a sua não observância causa de eventual nulidade do feito. Neste sentido se manifestou o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em julgamento ocorrido no ano de 2014:

APELAÇÃO CRIMINAL - AMEAÇA - CRIME DE AÇÃO PENAL PUPLICA CONDICIONADA A REPRESENTAÇÃO - AUDIÊNCIA DO ART. 16, DA LEI MARIA DA PENHA - INOCORRÊNCIA - NULIDADE. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata a lei 11.340/2006, é imprescindível a realização da audiência de retratação da vítima, antes do recebimento da denúncia, cabendo ao juiz garantir a sua realização, sob pena de ferir de morte o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CR/1988). V.V.: A realização da audiência prevista no art. 16 da Lei Maria da Penha não é ato obrigatório, devendo a mesma ser designada apenas quando houver alguma manifestação da vítima no sentido de desistir no prosseguimento do feito. (TJ-MG - APR: 10378110014776001 MG, Relator: Cássio Salomé, Data de Julgamento: 12/12/2013, Câmaras Criminais / 7ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 10/01/2014).

Em que pese a divergência acerca da necessidade de designação de audiência preliminar nos casos de crimes que dependam da representação da ofendida, não há quaisquer controvérsias na hipótese de se tratar de ação penal pública incondicionada (como, por exemplo, o crime de lesão praticado contra a mulher no ambiente doméstico), situação em que será desnecessária e prescindível a representação da ofendida, bem como a solenidade em comento. Neste sentido, nos termos do voto do relator Desembargado Ícaro Carvalho de Bem Osório, no julgamento da Apelação Crime n.º 70062731054, ocorrida em 08/10/2015, “a representação da vítima e mesmo a audiência de que trata o artigo 16 da Lei n.º 11.340/2006 são consideradas despiciendas, já que a ação penal pública incondicionada independe da anuência da ofendida para persecução penal”.

Conforme pontua Cesário (2013), aos que atuam diariamente nos Juizados Especiais Criminais e da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, tornou-se costumeira a manifestação das vítimas no sentido de que não desejam dar prosseguimento ao feito, por já terem se conciliado com o agressor ou reatado o relacionamento conjugal. Entretanto, tal manifestação decorre, muitas vezes, da situação de dependência econômico-financeira e emocional da vítima para com o companheiro, o que a faz se sujeitar às agressões sofridas por não possuir condições de obter sua própria independência pessoal.

Por outro lado, a partir do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), firmado no julgamento do HC n.º 109176, a audiência prevista no art. 16 da Lei n.º 11.340/06 não é obrigatória, devendo ser provocada pela vítima, caso assim deseje, antes de recebida a denúncia. Consoante o RMS n.º 34774 do Superior Tribunal de Justiça, “a designação de ofício da referida audiência, sem qualquer manifestação anterior da vítima, contraria o texto legal e impõe à vítima a necessidade de ratificar uma representação já realizada”. 

Carvalho (2014) aduz que o juiz não deve designar a audiência em todos os procedimentos em que couber ação penal privada ou condicionada à representação, mas somente quando o magistrado verificar que a ofendida renunciou ao seu direito de queixa ou representação, ou ainda quando ela se retratar da representação anteriormente ofertada. Ainda, no entender de Souza (2007), ao exigir audiência prévia e específica para confirmar o desejo de representar pela ofendida, o rito processual perde a celeridade processual, sendo demasiadamente burocratizado.

Para a audiência são intimados a vítima e o agressor que podem ou não vir acompanhados de advogado, uma vez que não é exigida pela Lei Maria da Penha a presença de advogado ou defensor na audiência. A juíza avalia e certifica-se do interesse da vítima de permanecer com a medida protetiva, concedida quando do registro da ocorrência policial. A medida protetiva pode ser renovada ou extinta na audiência se a vítima não mais se sentir ameaçada. (THOMÉ, PANICHI, MÄDCHE, SPHOR e VARGAS, 2013, p. 271).

Para Dias (2013), a audiência de conciliação difere da audiência de justificação, que por sua vez, será designada caso não seja formada a convicção da necessidade ou pertinência da medida pleiteada pela mulher perante a autoridade policial. Assim, faculta-se ao juiz que, em vez de indeferir o pleito protetivo e extinguir o procedimento, designe uma audiência de justificação para que a vítima, intimada pessoalmente, compareça, sendo facultada inclusive a oitiva de testemunhas. Nesta audiência[10], designada em momento anterior ao deferimento liminar das medidas protetivas, de acordo com a autora, “o agressor não é nem citado e nem intimado, eis que a audiência é realizada inaudita altera parte”.

Em suma, durante a audiência especial de conciliação, o papel do juiz será assegurar à mulher as condições para preservar sua integridade física e psicológica, de modo que sua manifestação de vontade seja despida de qualquer coação ou ameaça por parte de seu agressor. Na oportunidade, a ofendida poderá dar sua versão dos fatos, manifestando-se quanto ao interesse no prosseguimento do feito, podendo inclusive se conciliar com o agressor e renunciar ao direito de representação, respeitado o prazo decadencial de 06 meses a contar da data do fato ou de quando a vítima tomar conhecimento do autor do crime. 

Na hipótese de se verificar, prima facie, a desnecessidade das medidas protetivas, serão elas revogadas e o expediente será arquivado, conforme o entendimento do relator Desembargador Manuel José Martinez Lucas, quando do julgamento do Habeas Corpus n.º 70050468735, na data de 12/09/2012, pela Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

Assim, entendo que deva haver um equilíbrio na atuação do Poder Judiciário no âmbito das relações domésticas, atuando quando realmente for necessário e não tachando todos os casos como iguais, desde, é lógico, que existam elementos para demonstrar que aquele perigo iminente não mais subsiste. Por fim, não está se dizendo que novas medidas não poderão ser decretadas. Em caso de reiteração das condutas, basta a paciente procurar novamente as autoridades competentes.

Por fim, ao abordar a finalidade da audiência prevista na Lei Maria da Penha, Carvalho (2014) salienta que sua natureza jurídica se equipara a uma justificação com o escopo de ratificação da vontade anteriormente exercida perante a autoridade policial. Consoante explica Dias (2012), isso não significa que a finalidade da audiência de conciliação seja induzir a vítima a desistir da representação, tampouco forçar uma reconciliação do casal; em verdade, o que se busca é, além da preservação da união familiar, a solução de temas como a guarda dos filhos, a regulamentação das visitas, a definição dos alimentos, etc.

3.3 A ação penal e os meios de prova da autoria e materialidade

Para Fernandes (2015, p. 236), “o processo penal criminal, por si só, não é capaz de romper a violência, mas constitui um instrumento de transformação na vida da vítima, do agressor e da conscientização social”. Assim, após o encaminhamento do inquérito ao juízo, desde que haja manifestação da vítima pela representação criminal (nos crimes que dependam da sua vontade, conforme dito, seja em audiência ou diretamente junto à delegacia, ao confeccionar o boletim de ocorrência), o Ministério Público poderá oferecer a denúncia. Conforme Costa Júnior (2011, p. 07):

Recebendo o inquérito policial, e desde que não tenha havido a retratação, o promotor de justiça, avaliando, pelos elementos constantes dos autos, a viabilidade da ação penal, e diante do conceito amplo de representação, firmado pela Lei Maria da Penha, está autorizado a oferecer a denúncia, independentemente de ratificação expressa por parte da ofendida, isto porque entendemos que o seu silêncio implica uma concordância tácita de representação com as medidas até então adotadas contra o seu agressor. Havendo a retratação expressa documentada ou reduzida a termo, cumpre ao órgão ministerial requerer a designação de competente audiência, para os fins do artigo 16 da Lei Maria da Penha.

É importante salientar que o não oferecimento de representação não implica imediatamente em decadência do direito da vítima, conforme prevê o parágrafo único do art. 75 da Lei n.º 9.099/95, que assim dispõe: “O não oferecimento da representação na audiência preliminar não implica decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo previsto em lei”. Em outras palavras, caso a vítima não represente criminalmente contra o réu no prazo decadencial de 06 meses (nos termos do art. 38 do CPP[11]), manifestando o seu desejo pela instauração da ação criminal, será julgada extinta a punibilidade do agressor.

A Lei Maria da Penha não aponta expressamente qual será o rito procedimental a ser seguido nos processos criminais de sua competência. Nesse sentido, o art. 13 da Lei n.º 11.340/06 determina a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal, de modo que deverá ser verificado, em cada caso, o tipo de procedimento aplicável ao processo envolvendo a prática de violência doméstica e familiar. De acordo com Alferes et al. (2016, p. 53), tratando-se de crime que se configure nas circunstâncias para as quais exista procedimento especial previsto no CPP, observa-se esse procedimento. Sobre o tema em comento, Cunha e Pinto (2008, p. 102) sustentam que:

Ante a omissão legal, há que se concluir que a determinação do procedimento dependerá do crime cometido.  São eles:  o procedimento ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a quatro anos e o sumário, para penas inferiores a quatro anos, na atual dicção do artigo 394, incs. I e II, alterado pela Lei 11.719, de 20 de junho de 2008. E o procedimento sumaríssimo, reservado, nos termos do inciso III do mesmo dispositivo, ‘para as infrações penais de menor potencial ofensivo’. A aplicação da Lei 9.099/95 foi afastada pelo artigo 41 da Lei 11.340/2006.  E por último, o ‘procedimento especial’ que, como o nome indica, tem rito especial.

Em suma, Bianchini (2016) entende que pode ser aplicado tanto o procedimento comum quanto o especial. No procedimento comum, utilizar-se-á o procedimento ordinário quando a sanção máxima do crime praticado for igual ou superior a quatro anos, ao passe que o procedimento sumário será destinado aos delitos cuja sanção máxima seja inferior ao aludido patamar. Já o procedimento especial seguirá regras específicas previstas no Código de Processo Penal, como os crimes contra a honra (calúnia, injúria, difamação, etc.), por exemplo, que obedecem à norma prevista no art. 519 do CPP[12].

Para Muccio (2011, p. 835), “tudo que serve, de forma direta ou indireta, para se comprovar a verdade almejada no processo, é meio de prova”. Assim, no que diz respeito aos meios probatórios em âmbito penal, Manzano (2012) refere que a sua finalidade é a formação da convicção do magistrado, criando a certeza suficiente para atingir o convencimento necessário e o maior grau da verdade possível. Os meios de prova, por sua vez, são o modo pelo qual os elementos de prova são obtidos, ou seja, as “provas em espécie”. Eles estão previstos em nosso ordenamento jurídico de forma meramente exemplificativa, e dentre os principais, podem-se elencar: a perícia, a oitiva de testemunhas, documentos, laudo de exame de corpo de delito, etc.

O art. 202 do Código de Processo Penal prevê que “toda pessoa poderá ser testemunha”. Assim, nas palavras de Capez (2007, p. 268), a prova testemunhal consiste “em uma reprodução oral   do   que   se   encontra   na   memória   daqueles que, não sendo parte, presenciaram ou tiveram notícia dos fatos da demanda”. No que diz respeito a quem poderá ser testemunha, preceitua Lopes Jr.. (2016) que não há qualquer restrição ao depoimento dos policiais, que poderão depor sobre fatos que já presenciaram ou de que têm conhecimento, sem nenhum impedimento, desde que tenham participado da operação e elaboração do inquérito policial.

Além disso, prevê o art. 201 do CPP que a ofendida será ouvida sempre que possível, pois conforme aduz Lopes Jr. (2016, p. 115), “é uma importante fonte de informação para o esclarecimento do fato e da autoria”. Outrossim, também prevê o § 1º do aludido artigo que a vítima não poderá se negar a comparecer à solenidade aprazada, sob pena de ser conduzida coercitivamente. Ainda conforme o autor supracitado (2016, p. 376), a ofendida “tampouco pode invocar “direito de silêncio”, pois essa é uma garantia que apenas o imputado possui”. Embora a vítima não seja equiparada à testemunha e tampouco precise prestar compromisso, autores como Nucci (2012, p. 455) defendem que a sua oitiva é obrigatória:

É obrigatória a oitiva da vítima, não só porque o art. 201 do CPP, expressamente, menciona que ela será ouvida sempre que possível, mas também porque, no processo penal, como se sabe, vige o princípio da verdade real. (...) A reforma implantada pelas Leis 11.689/2008 e 11.719/2008 tornou nítida a obrigatoriedade da inquisição do ofendido, em audiência, o que se pode conferir nos arts. 400, 411, 473 e 531 do CPP.

Conforme se depreende da leitura do art. 217 do CPP[13], caso a vítima – ou qualquer outra testemunha – demonstre justificado constrangimento ou temor em depor na frente do réu, o Juiz poderá determinar a sua retirada, a fim de não prejudicar a produção probatória. Mister salientar que neste caso, a inquirição prosseguirá na presença do seu defensor (público ou constituído) que acompanhou todos os atos instrutórios do processo. Neste sentido, além da expressa determinação legal, a matéria encontra precedentes nos Tribunais Superiores:

CRIMINAL. HC. NULIDADES. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INCOMPETÊNCIA RATIONELOCI DO JUÍZO. NULIDADE RELATIVA. PRECLUSÃO. DEVOLUÇÃO DO PRAZO PARADEFESA-PRÉVIA. DEFENSOR INTIMADO. INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIAS.POSSIBILIDADE. RETIRADA DO RÉU DA SALA DE AUDIÊNCIAS. ASSISTÊNCIA DEDATIVO. SURSIS E LEI Nº 9.714/98. OMISSÃO DO ACÓRDÃO. ORDEMPARCIALMENTE CONCEDIDA. I. Não se acolhe alegação de inépcia da denúncia, se a mesma se mostra clara, descrevendo satisfatoriamente o delito e suas circunstâncias. II. A incompetência territorial constitui-se em nulidade relativa, sendo impróprio o reconhecimento de qualquer vício, se não suscitado em tempo oportuno - antes de proferida a sentença - e se ausente a demonstração de prejuízo à defesa. III. Inexiste cerceamento de defesa, pela não-devolução do prazo para a defesa prévia, se, para a sua apresentação, houve a devida intimação do defensor constituído, que deixou transcorrer in albis o prazo. IV. No prazo do art. 499, do CPP, o Julgador pode indeferir, de maneira fundamentada, diligências que considere protelatórias ou desnecessárias. V. Nos termos do art. 217, do CPP, o réu pode ser retirado da sala de audiências, quando constranger o depoimento de testemunhas, sendo irrelevante a circunstância de o réu atuar em causa própria, se o Juiz providenciou a assistência de dativo para o ato. VI. É omisso o acórdão que não examina a possibilidade de suspensão condicional da pena e da incidência da Lei nº 9.714/98, já em vigor quando do julgamento. VII. Ordem concedida em parte para determinar que o Tribunal a quo complemente o julgamento, manifestando-se acerca do sursis e da substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, na forma da Lei nº 9.714/98. (STJ - HC: 11550 SP 1999/0117531-3, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 15/08/2000, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 25/09/2000 p. 117)

Além disso, é importante mencionar as alterações que a Lei n.º 13.505/17 ocasionou na Lei Maria da Penha, sobretudo no que diz respeito à vedação da chamada “revitimização” da vítima em diferentes fases do processo. Segundo ensina o programa “Mulher, viver sem violência”, em suas diretrizes gerais e protocolos de atendimento, “a revitimização no atendimento às mulheres em situação de violência, por vezes, tem sido associada à repetição do relato de violência [...] que pode gerar um processo de traumatização secundária na medida em que, a cada relato, a vivência da violência é reeditada”.

Em síntese, conforme prevê o inciso III do § 1º do art. 10-A, além de serem evitados questionamentos sobre a sua vida privada, não se deve permitir que a ofendida em situação de violência doméstica seja sucessivas vezes ouvida sobre o mesmo fato, uma vez que isso ocasionaria em sofrimento continuado ou repetido:

Art. 10-A. É direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores - preferencialmente do sexo feminino - previamente capacitados.

§ 1º A inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de testemunha de violência doméstica, quando se tratar de crime contra a mulher, obedecerá às seguintes diretrizes:

I - salvaguarda da integridade física, psíquica e emocional da depoente, considerada a sua condição peculiar de pessoa em situação de violência doméstica e familiar;

II - garantia de que, em nenhuma hipótese, a mulher em situação de violência doméstica e familiar, familiares e testemunhas terão contato direto com investigados ou suspeitos e pessoas a eles relacionadas;

III - não revitimização da depoente, evitando sucessivas inquirições sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo, bem como questionamentos sobre a vida privada.

Por sua vez, a prova pericial consiste na “diligência realizada ou executada por peritos, a fim   de   que   se   esclareçam   ou   se   evidenciem   certos   fatos” (SILVA, 2002, p. 602). Significa, em outras palavras, a pesquisa, o exame e a verificação da veracidade ou realidade dos pontos controvertidos no processo, podendo ser requisitada tanto pela autoridade policial quanto pelas partes ou pelo juiz, de ofício. Segundo Marques (1997, p. 121), “alguns exames feitos pelos técnicos poderão ser de natureza diversa, tais como exames laboratoriais, grafotécnicos, de insanidade mental, dos instrumentos utilizados no crime, do local do crime etc.”.

Já conforme ensina Nucci (2012, p. 326), o exame de corpo de delito “é a verificação da prova da existência do crime, feita por peritos, diretamente, ou por intermédio de outras evidências, quando os vestígios, ainda que materiais, desapareceram. O corpo de delito é a materialidade do crime, isto é, a prova da sua existência”. Para Lopes Jr. (2016, p. 357), “somente em situações excepcionais, em que o exame direto é impossível de ser realizado, por haverem desaparecido os vestígios, é que se pode lançar mão do exame indireto (prova testemunhal, filmagens, gravações etc.) nos termos do art. 167 do CPP”.

Contudo, em se tratando de crimes cometidos em âmbito doméstico e familiar, o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul é unânime no sentido de que ele é prescindível. Ademais, Lima (2015) argumenta que o exame de corpo de delito também não é condição sine qua non para o oferecimento da denúncia, com exceção de algumas hipóteses (tais como em crimes envolvendo drogas, por exemplo).

APELAÇÃO. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO SIMPLES TENTADO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA DO ANIMUS FURANDI DO AGENTE. DESCLASSIFICAÇÃO DO FATO PARA O DELITO DE LESÂO CORPORAL LEVE MANTIDA. AUSÊNCIA DE PROCEDIBILIDADE POR FALTA DE REPRESENTAÇÃO. DECADÊNCIA. DESCABIMENTO. SENTENÇA MANTIDA. I. Inexistindo prova inconcussa e estreme de dúvidas acerca do animus furandi do acusado, imperiosa a manutenção da sentença que desclassificou o fato para lesão corporal leve praticada contra uma das vítimas, que confirmou em juízo ter sido agredida pelo acusado. Ofensa à integridade física que por sua natureza (leve) pode não deixar vestígios, sendo, no caso, prescindível o exame de corpo de delito, uma vez que a materialidade do crime restou amplamente comprovada pela prova oral produzida durante a instrução judicial, que dá conta de que a ofendida desmaiou após ser atingida por um chute na cabeça, desferido pelo denunciado. II. É sabido que a ação penal decorrente do crime de lesões corporais leves é condicionada à representação do ofendido, a teor do art. 88 da Lei n° 9.099/95, contudo tal condição de procedibilidade da ação penal pública condicionada - dispensa rigor formal, bastando que a parte demonstre seu interesse de que seja apurada e processada a infração penal. In casu, a vítima logo após o fato, acompanhou a autoridade que deteve o acusado à delegacia de polícia, onde efetuou o registro da ocorrência de tentativa de roubo e prestou depoimento. De conseqüência, restou plenamente evidenciada a manifestação de vontade, no prazo legal, de ver instaurada a persecução penal. APELO DO MP DESPROVIDO. APELO DA DEFESA DESPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70060666609, Quinta Câmara Criminal - Regime de Exceção, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Luiz John dos Santos, Julgado em 08/06/2016).

A justificativa reside no fato de que muitos crimes dos crimes regidos pela Lei n.º 11.340/06 não deixam vestígios, como é o caso da ameaça (art. 147, caput, do Código Penal), por exemplo, de modo que a sua materialidade delitiva será comprovada por outros meios de prova, sobretudo pela prova oral produzida em juízo, por vezes lastreada unicamente no relato da ofendida. Outrossim, prevê o § 3º do art. 22 da Lei n.º 11.340/06 que “serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde”, o que significa dizer que a materialidade delitiva será consubstanciada, na ausência do exame de corpo de delito, por boletins de atendimento ambulatoriais e fichas de atendimento médico hospitalares.

A título exemplificativo, pode-se elencar a decisão monocrática do Superior Tribunal de Justiça, proferida pelo ministro relator Nefi Cordeiro no HC n.º 295.979/RS, na qual frisou que “mitiga-se a indispensabilidade do exame de corpo de delito direto, prevista no art. 158 do CPP[14]”. No entanto, Cunha e Pinto (2008) discordam de tal entendimento, registrando que embora os laudos ou prontuários médicos bastem para o ferimento das medidas protetivas de urgência ou instauração do inquérito policial, é necessário que se atenda ao disposto no artigo supracitado para embasar e justificar uma condenação, ou seja, deve-se elaborar o respectivo exame de corpo de delito.

3.4 A ADI n.º 4.424/DF e a vedação da aplicação da Lei n.º 9.099/95

A Lei Maria da Penha trouxe uma grande mudança no ordenamento jurídico ao criar mecanismos que coibiram a violência doméstica e familiar contra a mulher. Em seu art. 41, a legislação expressamente afasta a incidência da Lei dos Juizados Especiais ao dispor que “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995”. Alferes et al. (2016) explica que, em tese, a restrição da aplicação da Lei dos Juizados Especiais Criminais aplicar-se-ia somente aos crimes, ficando excluídas as contravenções penais, de modo que a própria constitucionalidade do artigo supracitado veio a ser posteriormente debatida pelo STF, por ocasião do julgamento da ADC n.º 19.

No entanto, os arts. 12, inciso I, e 16, da Lei n.º 11.340/06, que versam sobre o procedimento da representação e renúncia, geraram incertezas, uma vez que, conforme Souza (2007), a legislação era omissa no tocante à natureza da ação penal para processar o crime de lesões corporais leves, esculpido no §9º do art. 129 do Código Penal. Dessa forma, a discussão acerca da incidência ou não da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n.º 9.099/95), com o consequente afastamento dos institutos despenalizadores, culminou no surgimento de duas correntes de pensamento distintas: alguns autores acreditavam que a ação penal era pública condicionada à representação da vítima, ao passo que outros defendiam a natureza incondicionada da ação, ou seja, a possibilidade de o Ministério Público dar início à ação penal independentemente da manifestação de vontade da ofendida.

[...] A prevalecer o entendimento de que o art. 41 da LMP afasta completamente a aplicação dos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/95) e, via de consequência, faz desaparecer a necessidade de representação para os crimes de lesão corporal leve (cuja exigência encontra‐se insculpida no seu art. 89), a Lei Maria da Penha não deveria fazer qualquer menção ao instituto da representação (que é o que ocorre nos dois outros dispositivos impugnados: art. 12, I, e 16). Daí, a confusão (BIANCHINI, 2014, p. 255).

De um lado, doutrinadores como Cavalcanti (2007) se posicionavam justificando que, com o advento da Lei n.º 11.340/06, foi vedada a aplicação da Lei dos Juizados Especiais Criminais aos crimes perpetrados contra a mulher no âmbito familiar e doméstico, de modo que, desde que praticados neste contexto, a ação penal do crime de lesões corporais leves volta a ser pública incondicionada à representação da vítima quando do registro de ocorrência policial. “Para quem sustenta essa posição, as referências legais sobre a representação e a possibilidade de renúncia dizem tão-só aos delitos que exigem a iniciativa da vítima para o desencadeamento da ação penal, como nos delitos contra a liberdade sexual [...]” (DIAS, 2012, p. 118). A título exemplificativo, Lima explica (2011, p. 279):

Para que não sobrassem dúvidas, a LMP aumentou a pena do crime de lesão qualificado pela violência doméstica (art. 129, §9º, CP). Dessa forma, mesmo que o art. 88 não tivesse sido revogado – e foi – não pode ser considerada “leve” uma lesão qualificada pela violência doméstica, pois o critério médico-legal original do Código Penal só se refere às denominadas lesões graves dos parágrafos anteriores (§1º, §2º e §3º). Assim, em nenhuma hipótese deve ser exigida representação das vítimas do sexo feminino.

Ao seu turno, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), através do REsp 1097042/DF, julgado em 24 de fevereiro de 2011, havia firmado entendimento contrário, no sentido de que a Lei Maria da Penha não alteraria a ação penal nos crimes de lesões corporais leves, que por sua vez, continuava sendo pública e condicionada à representação, tal qual previsto no art. 88 da Lei n.º 9.099/95. A inaplicabilidade da Lei n.º 9.099/95, conforme a decisão, somente diria respeito aos institutos despenalizadores da legislação, tais quais a composição civil, a transação penal e a suspensão condicional do processo.

Ao encontro de tal posicionamento ia o entendimento de Dias (2013), que sustentava que o desencadeamento das providenciais policiais e judiciais, nos delitos de ação pública condicionada à representação, mesmo que cometidos em âmbito doméstico, dependeriam da representação da ofendida perante a autoridade policial, por ocasião do registro de ocorrência. Segundo a autora, considerando que por ocasião da lavratura do boletim da ocorrência, a autoridade policial toma a representação da ofendida a termo, bem como sabendo que é admitida, antes do recebimento da denúncia, a “renúncia à representação”, não teria sentido se a ação penal fosse pública incondicionada. Da mesma forma, para Souza (2007, p. 95):

O crime de lesão corporal leve seria de ação pública condicionada à representação, ou seja, para a efetiva punição desse crime era necessária a representação da vítima, conforme os ditames do artigo 16 da referida lei, sendo essa uma condição específica para a futura ação penal e para instauração do inquérito, sem essa representação a polícia e o Ministério Público não estão autorizados a agir.

De qualquer forma, a partir do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.424/DF, ajuizada pelo Procurador Geral da República em 07 de junho de 2010, o entendimento da redação do art. 41 da Lei n.º 11.340/06 foi pacificado. O objetivo da aludida ADI era buscar uma interpretação conforme a Constituição Federal dos arts. 12, inciso I, 16 e 41 da Lei n.º 11.340/06, corroborando a não aplicação da Lei n.º 9.099/95 a nenhum crime que tenha sido cometido no âmbito da Lei Maria da Penha, incluindo o de lesões corporais leves e culposas. Veja-se excerto extraído do voto do Ministro Luiz Fux:

Do mesmo modo, os delitos de lesão corporal leve e culposa domésticos contra a mulher independem de representação da ofendida, processando-se mediante ação penal pública incondicionada. O condicionamento da ação penal à representação da mulher se revela um obstáculo à efetivação do direito fundamental à proteção da sua inviolabilidade física e moral, atingindo, em última análise, a dignidade humana feminina. Tenha-se em mente que a Carta Magna dirige a atuação do legislador na matéria, por incidência do art. 5º, XLI (“a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”) e do art. 226, § 8º (“O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”).

Conforme ensina Bastos (2013), a corrente majoritária da Corte acompanhou o voto do relator, ministro Marco Aurélio, no sentido de que aos artigos 12 (inciso I), 16 e 41, da Lei Maria da Penha, deve ser afastada a aplicação de qualquer dos dispositivos da Lei n.º 9.099/95. Basicamente, não se aplica a aludida legislação aos casos de violência doméstica e familiar, razão pela qual, nos crimes de lesões corporais leves contra a mulher, no âmbito de suas relações domésticas, familiares e afetivas, a ação penal será pública incondicionada, ressalvada a necessidade de representação aos crimes versados em leis diversas à n.º 9.099/95.

Bianchini (2014) explica que, para o STF, a confusão em torno dos artigos questionados era apenas aparente, pois embora eles façam referência ao termo “representação”, continuam válidos aos crimes que a exigem (a exemplo do crime de estupro), de modo que aos crimes cuja ação penal dependa da representação da vítima continuam válidos os artigos acima aludidos. Entretanto, a autora também refere que deve ser tomado um cuidado especial, uma vez que a decisão diz respeito à natureza incondicionada da ação nos casos de lesões corporais leves de crimes que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher (conforme arts. 5º e 7º da Lei n.º 11.340/06), permanecendo a exigência da representação às demais situações.

Neste sentido se manifesta a recente Jurisprudência do Tribunal de Justiça Gaúcho, ao efetivamente enfatizar que a as agressões físicas praticadas no âmbito doméstico são processadas mediante ação penal pública incondicionada, pouco importando a extensão da lesão e abarcando inclusive as vias de fato:

APELAÇÃO. CONTRAVENÇÃO PENAL. VIAS DE FATO. MARIA DA PENHA. AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO. EXTINÇÃO DA PÚNIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL. Em se tratando de ação penal pública incondicionada, irrelevante a ausência de representação ou eventual desinteresse da vítima na responsabilização criminal do réu. Além disso, o plenário do STF, no julgamento da ADI nº 4.424 e da ADC nº 19, afastou a incidência do art. 16 da Lei 11.340/2006 e assentou a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão, praticado contra a mulher no ambiente doméstico, desimportando a extensão da agressão, o que evidentemente inclui as vias de fato. Recurso provido. (Apelação Crime Nº 70072534548, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jucelana Lurdes Pereira dos Santos, Julgado em 05/04/2017)

Em síntese, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, o art. 41 da Lei n.º 11.340/06 deixa clara a vedação da aplicação da Lei n.º 9.099/95, in totum, às hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher, alcançando qualquer prática delituosa contra a mulher, inclusive as vias de fato. Assim, tal qual pontuou a ministra Rosa Weber “admitir   o   condicionamento   da   ação   pública   à   representação da ofendida, nos casos de lesões corporais leves, nega o espírito da Lei Maria da Penha”, de modo que em se tratando de crime de lesões corporais praticadas no âmbito doméstico (qualquer que seja a sua extensão), a ação penal será sempre pública incondicionada, sem possibilidade de retratação da vítima, nos termos da Súmula 542 do Superior Tribunal de Justiça[15].

Dessa feita, conclui-se que, caso a vítima manifeste interesse em representar criminalmente contra o agressor, instaurar-se-á a ação penal pública condicionada, movida pelo Ministério Público, dando-se início à instrução processual, momento em que serão angariadas as devidas provas a fim de comprovar a autoria e materialidade delitiva. Resta, portanto, averiguar o grau de relevância que será conferido ao relato da própria ofendida, bem como se o seu depoimento, por si só, pode constituir meio de prova hábil para embasar uma condenação criminal, ainda que esteja desacompanhado de outras provas.


4 A CARGA PROBATÓRIA DO RELATO DA VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

O depoimento da ofendida consiste no seu relato dos fatos que deram origem à denúncia oferecida pelo Ministério Público. Via de regra, entende-se que a sua palavra – de forma isolada – não pode ser utilizada como única prova para embasar um juízo condenatório. Em suma, o objetivo deste capítulo será explorar a importância dada ao depoimento da vítima nas infrações regidas pelas disposições da Lei Maria da Penha, averiguando os efeitos processuais da insuficiência probatória, de eventual conciliação entre as partes e da vítima que, quando ouvida em Juízo, inocenta o réu.

4.1 Valoração da palavra isolada da vítima no processo penal brasileiro

O processo penal está intimamente ligado à atividade probatória, com vistas a alcançar a efetiva prestação jurisdicional. Para Magno (2012, p. 421), “a atividade probatória assume relevantíssima importância no processo, pois é a partir dela que o juiz poderá aplicar a lei ao caso concreto”. Dessa forma, dispõe o art. 155 do Código de Processo Penal que:

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. 

Pode-se dizer, portanto, que a finalidade das provas produzidas no decorrer da instrução probatória é, basicamente, buscar a verdade processual, a que o magistrado deverá ser ater na hora de proferir uma sentença. De acordo com Nucci (2016, p. 309), “a verdade processual emerge durante a lide, podendo corresponder à realidade ou não, embora seja com base nela que o magistrado deve proferir sua decisão”. Outrossim, ainda consoante Magno (2012, p. 436), “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação [...]”. Assim, não estando o juiz vinculado a qualquer prova produzir, deverá ele “[...] formar sua convicção livremente, após a análise percuciente dos elementos coligidos aos autos”.

A vítima não pode ser considerada testemunha (uma vez que seu relato seja colhido sem o dever de “dizer a verdade”), embora suas alegações constituam meio de prova. Demercian e Maluly (2011) referem que a ofendida não presta o compromisso de dizer a verdade e, por isso, não pratica o crime de falso testemunho, razão pela qual suas declarações devem ser apreciadas com reserva, uma vez que sua narrativa tende a carregar tendenciosidade. Além disso, conforme ensina Nucci (2012, p. 396):

Por certo que a vítima não pode ser considerada testemunha. As razões são várias: a) a vítima está situada, propositadamente, em capítulo destacado daquele que é destinado às testemunhas; b) ela não presta compromisso de dizer a verdade, como se nota pela simples leitura do caput do art. 201; c) o texto legal menciona que a vítima é ouvida  em  “declarações”,  não  prestando,  pois, depoimento (testemunho); d) o ofendido é perguntado sobre quem seja o autor do crime ou quem “presuma ser”(uma suposição e não uma certeza), o que é incompatível com um relato objetivo de pessoa que, efetivamente, sabe dos fatos e de sua autoria, como ocorre com a testemunha (art. 203, CPP); e) deve-se destacar que a vítima é perguntada sobre as provas que possa indicar, isto é, toma a postura de autêntica parte no processo, auxiliando o juiz e a acusação a conseguir mais dados contra o acusado; f) a vítima tem interesse na condenação do réu, na medida em que pode, com isso, obter mais facilmente a reparação civil do dano (art. 63, CPP).

No que diz respeito à valoração das provas produzidas nos autos, Alferes et al. (2016, p. 51) salienta que “deve-se ter sempre em mente não só a proteção da vítima, que muitas vezes sofre a violência isolada, sem qualquer testemunha, mas os princípios constitucionais, ou constitucionais processuais penais”. Da mesma forma é o posicionamento de Lopes Jr. (2016, p. 377), ao tecer considerações acerca do valor probatório da palavra da ofendida:

Deve-se considerar, inicialmente, que a vítima está contaminada pelo “caso penal”, pois dele fez parte. Isso acarreta interesses (diretos) nos mais diversos sentidos, tanto para beneficiar o acusado (por medo, por exemplo) como também para prejudicar um inocente (vingança, pelos mais diferentes motivos). Para além desse comprometimento material, em termos processuais, a vítima não presta compromisso de dizer a verdade (abrindo-se a porta para que minta impunemente).

Os dois autores supracitados concordam tão somente no que diz respeito ao fato de que a vítima possua fundo comprometimento com os fatos, e que sua fala deva ser analisada com cautela. Nucci (2012) conclui que a palavra da ofendida pode sim escorar um decreto condenatório, ainda que isolada, desde que resistente e harmônica com as demais circunstâncias angariadas no decorrer da instrução processual. Lopes Jr. (2016), por sua vez, argumenta que a ausência de motivos que indiquem a existência de falsa imputação por parte da ofendida, bem como o cotejo com o restante do conjunto probatório, ainda que frágil, têm sido aceitos pelos Tribunais para embasar uma sentença de condenação.

Alferes et al. (2016) pontua que as regras de processo, via de regra, não podem ser subvertidas, ou seja, não se pode inverter a premissa de presunção de inocência e atribuir especial valor à versão da vítima. Entretanto, em âmbito de violência doméstica, quando a sua palavra se mostrar firme, coerente e harmônica com o contexto probatório, assume importância apta a comprovar a materialidade e autoria delitiva. Lopes Jr., por sua vez, assevera que, embora a vítima faça parte do caso penal e por ele esteja “contaminada”, devem ser feitas duas ressalvas no que diz respeito aos crimes contra o patrimônio – cometidos com violência ou grave ameaça – e crimes sexuais:

Nesses casos, considerando que tais crimes são praticados – majoritariamente – às escondidas, na mais absoluta clandestinidade, pouco resta em termos de prova do que a palavra da vítima e, eventualmente, a apreensão dos objetos com o réu (no caso dos crimes patrimoniais), ou a identificação do material genético (nos crimes sexuais) (LOPES JR., 2016, p. 377).

Ao seu turno, o entendimento majoritário da jurisprudência atual (citando-se, como exemplo, o julgamento da Apelação Crime nº 70075976134, na Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RS) é no sentido de que, em crimes envolvendo violência doméstica e familiar, devido à natureza da infração, a narrativa da vítima possui valor especial, pois tais delitos são geralmente praticados no recinto privado e sem a presença de quaisquer outras testemunhas. Conforme salientado pelo relator Desembargador Rinez da Trindade, no julgamento da Apelação Crime n.º 70075350934, ocorrido em 13 de dezembro de 2017, “sabe-se que, em situações de violência doméstica, à palavra da vítima é atribuído especial valor, sobretudo quando aliado aos demais elementos de prova colhidos nos autos, sendo suficiente para ensejar um juízo condenatório”.

APELAÇÃO CRIME. VIAS DE FATO. ART. 21, DO DECRETO-LEI Nº 3.688/1941. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. CONDENAÇÃO MANTIDA. I - Na esteira do entendimento desta Corte, não há que se falar em aplicação do princípio da insignificância em infrações penais praticadas com violência ou grave ameaça à pessoa. II - Materialidade e autoria delitiva consubstanciada no registro de ocorrência, bem como na prova oral. A prova da autoria, embora sucinta, não comporta dúvida. III - Nos delitos de violência doméstica e familiar, alcança relevo a palavra da vítima, que deve ser considerada e constitui elemento suficiente de prova quando verossímil, coerente e razoável no contexto, especialmente se amparada em outros elementos probatórios. PRELIMINAR AFASTADA. RECURSO DEFENSIVO DESPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70073620502, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 19/10/2017)

Ainda no mesmo sentido, veja-se:

APELAÇÃO CRIME. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL. AMEAÇA. PROVA ROBUSTA. PALAVRA DA VÍTIMA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONTRAVENÇÃO DE VIAS DE FATO. IMPOSSIBILIDADE. ATIPICIDADE DA CONDUTA. INOCORRÊNCIA. 1. Consabido que a palavra da vítima assume especial relevância no contexto de violência doméstica, ainda mais quando amparada por outros elementos, no caso, a prova testemunhal, o auto de exame de corpo de delito, bem como a confissão parcial do réu, no tocante à lesão corporal, admitindo ter desferido três "coices" nas pernas da vítima. Assim, não há falar em escassez probatória para ensejar a condenação do acusado. 2. A pretensão defensiva subsidiária, de desclassificação para a contravenção penal de vias de fato, não merece acolhimento. In casu, a agressão praticada pelo acusado gerou lesão na vítima, conforme se depreende do auto de exame de corpo de delito. Demonstrada, portanto, a existência da lesão sofrida, deve ser mantida a condenação, nos termos da sentença. 3. Quanto ao pedido de atipicidade do delito de ameaça, a alegação de que a ameaça não intimidou a vítima não merece prosperar. O delito restou consubstanciado, pois demonstrado o temor da ofendida, uma vez que representou contra o acusado. Ainda, o fato de Rosangela não recordar os exatos termos empregados na ameaça não se presta a esmaecer seu relato, tampouco o temor sentido. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70074245838, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jayme Weingartner Neto, Julgado em 18/10/2017)

Dentre os doutrinadores que também seguem essa corrente, destaca-se Nucci (2012), que sustenta que a palavra da vítima, mesmo que isolada e sem demais testemunhas para confirmá-la, pode embasar uma condenação criminal, desde que esteja em sintonia com as demais circunstâncias colhidas no decorrer da instrução probatória.

APELAÇÃO CRIME. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. AMEAÇA. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. ATIPICIDADE DO DELITO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. PREQUESTIONAMENTO. Não há que se falar em insuficiência probatória a ensejar absolvição, pois, estando demonstradas a materialidade e a autoria do delito pelos coerentes relatos da vítima, corroborados pela prova testemunhal, imperativo o juízo condenatório. Em se tratando de fatos relativos à Lei Maria da Penha, a palavra da ofendida assume especial relevância probatória, sendo suficiente, se coerente, para ensejar a condenação. O delito de ameaça, por se tratar de crime formal, consuma-se independente do resultado, devendo, todavia, ser comprovado o temor da vítima, o que, in casu, vem demonstrado. Conforme termos do art. 44, inciso I, do CP, a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos não se afigura possível, haja vista ter sido o delito cometido com grave ameaça. Prequestionados os arts. 44, inciso I e 147, caput, ambos do Código Penal e o art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal RECURSO DEFENSIVO IMPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70071684484, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rosaura Marques Borba, Julgado em 11/04/2017)

Em outras palavras, desde que o relato da ofendida se mantenha firme e coerente, indo ao encontro daquilo que foi informado perante a autoridade policial anteriormente, pode a sua palavra isolada ser considerada suficiente para embasar uma condenação criminal, corroborando a autoria e materialidade delitiva. A Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Kenarik Boujikian, em artigo escrito em 27/11/2013 acerca da credibilidade da palavra da vítima como prova de violência sexual, manifestou-se no sentido de que, desde que não possua qualquer vício que possa maculá-la, a palavra da ofendida possui valor exponencial:

Os processos de crimes sexuais, sabidamente praticados de forma clandestina – pois a violação da dignidade da mulher geralmente ocorre em locais fechados, sem possibilidade de presença de testemunhas -, têm na palavra da vítima a viga mestra. Por certo ela não está isenta dos requisitos de verossimilidade, coerência e plausibilidade. Mas, nestes delitos, a declaração coerente da vítima deve ter valor decisivo.

Por certo que a prova pericial tem grande relevo, mas nem todos os crimes sexuais deixam vestígio. Nestas situações, a maior atenção deve ser voltada para as declarações da vítima e, caso ela tenha fornecido dados coesos e harmônicos, não há razão alguma para afastar de credibilidade referida prova (BOUJIKIAN, 2013, texto digital).

Segundo Ishida (2010), na hipótese de um crime de estupro (art. 213, caput, do Código Penal), por exemplo, a materialidade do tipo penal poderá ser comprovada por exame de corpo de delito; no entanto, caso não realizado ou não constatado, admite-se a palavra da vítima como meio de prova, sendo que no caso específico, caberá ao juiz sopesar a credibilidade do relato da ofendida molestada. Neste mesmo sentido é o posicionamento de Delmanto (2010), que sustenta que o relato da vítima é a viga mestra das provas, de modo que suas imputações, desde que firmes e seguras, podem dar sustento à condenação do agressor.

Sabe-se que, contudo, é “muito comum que o acusado, para demonstrar sua inocência, torne a vítima alvo de sua defesa, tentando desmerecê-la. Aliás, [...] o ofendido é quase sempre objeto de avaliação no processo criminal, pois o seu comportamento influi na análise de responsabilidade do réu” (FERNANDES, 1995, p. 215). Em outras palavras, conforme ponderado por Fernandes (2015), a vítima se torna objeto de prova em muitos processos, de modo que é apontada pela defesa como alguém descontrolada, ciumenta e desestruturada, sendo a conduta do agressor justificada e atribuída à responsabilidade da vítima.

4.2 Insuficiência probatória e o princípio do in dubio pro reo

A insuficiência probatória representa um dos principais motivos que conduzem à absolvição do réu. A título exemplificativo, uma das hipóteses que podem fundamentar a decisão absolutória é a inexistência de outras provas que deem credibilidade ao relato da vítima, de modo que finda a instrução processual, este acaba por restar este isolado nos autos (e muitas vezes de forma conflitante com a negativa do acusado).

No caso do estudo realizado na presente monografia, a absolvição do réu foi pautada especificamente na inexistência de prova da autoria delitiva, justamente devido às incongruências entre os depoimentos ouvidos em juízo. Alferes et al. (2016, p. 51) explica que, quando “a palavra da ofendida mostrar-se isolada, não encontrando respaldo nos demais elementos probatórios existentes nos autos, ou com relevantes divergências”. Neste sentido, para Gomes et al. (2016, p. 159), “a ausência ou insuficiência de prova constituem os fatores mais recorrentes na justificação do arquivamento dos processos por violência doméstica. Sobressaem, neste domínio, a prova testemunhal e a prova pericial”.

Gravíssimo erro é cometido por numerosa doutrina (e rançosa jurisprudência), ao afirmar que à defesa incumbe a prova de uma alegada excludente. Nada mais equivocado. A carga do acusador é de provar o alegado; logo, demonstrar que alguém (autoria) praticou um crime (fato típico, ilícito e culpável). Isso significa que incumbe ao acusador provar a presença de todos os elementos que integram a tipicidade, a ilicitude e culpabilidade e, logicamente, a inexistência das causas da jurisdição (LOPES JR., 2016, p. 190).

De outra banda, existem correntes que discordam da especial relevância dada à palavra da ofendida como fundamento para a condenação, defendendo a ideia de que a condenação baseada na simples palavra da vítima seria uma inversão do ônus da prova em favor da defesa e, consequentemente, uma contradição à garantia constitucional prevista no inc. LVII do art. 5º da Constituição Federal de 1988. Para Cavalcanti (2014, texto digital), “sustentar uma condenação tão somente com a palavra da vítima é algo idêntico a tratar o acusado como culpado pelo crime, pois o ônus de provar por parte da acusação torna-se algo absolutamente descartável”.

Além disso, de acordo com o entendimento do autor no que se refere à aparente pulverização do princípio do in dubio pro reo, “a Lei Maria da Penha é uma norma processual penal infraconstitucional, não sendo nenhuma exceção à regra no que toca à observância dos princípios constitucionais, devendo, do mesmo modo que outras normas da mesma estatura, respeitar a mesma sistemática acusatória delineada mais acima”. Esta posição sustenta que a palavra da ofendida sempre conterá uma carga emocional, de modo que sua “a falta de credibilidade poderá, portanto, conduzir absolvição do acusado, ao passo que a verossimilhança de suas palavras será decisiva para um decreto condenatório” (GRECO, 2010, p. 473). Nesse mesmo sentido, Manzano (2012) alega que, embora mereça maior credibilidade, a palavra da vítima, isolada, não pode servir para alicerçar uma sentença condenatória.

No que diz respeito à possibilidade de eventual insuficiência probatória conduzir à absolvição do acusado, o voto da Desembargadora Nilsoni de Freitas na Apelação Crime n.º 20140310250943, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, julgada em 18 de fevereiro de 2016, se posicionou afirmando que “no sistema processual penal brasileiro, vige o princípio do in dúbio pro reo, segundo o qual a dúvida sempre deve ser empregada em favor do denunciado”. Outrossim, sustentou que se as provas coligidas aos autos se mostrarem duvidosas e insuficientes, o direito de liberdade do indivíduo deve prevalecer em detrimento ao direito de punir do Estado. Por fim, conclui referindo que “ainda que a palavra da vítima tenha especial relevo, mormente em casos de agressões ocorridas no ambiente familiar, é necessário que seja corroborada na fase judicial por outros elementos de prova”.

Neste sentido, transcrevem-se abaixo ementas de decisões recentes do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul no tocante à insuficiência probatória, as quais reformaram condenações proferidas em 1º grau de jurisdição, absolvendo o réu:

APELAÇÃO CRIME. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LEI MARIA DA PENHA. VIAS DE FATO. ART. 21 DA LCP. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA REFORMADA. Falecendo os autos de prova segura e conclusiva acerca da materialidade e autoria delitivas, impositiva a absolvição do réu, na esteira do princípio do in dúbio pro reo. Hipótese em que a vítima não confirmou as agressões relatadas na polícia, limitando-se a referir que o acusado jogou uma mochila em sua direção, mas sem esclarecer se foi atingida ou não, conduta que não basta para caracterizar a contravenção em comento. RECURSO PROVIDO PARA ABSOLVER O RÉU. (Apelação Crime Nº 70072644255, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Julgado em 18/12/2017)

RECURSO DE APELAÇÃO. CONTRAVENÇÃO PENAL. VIAS DE FATO. INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA. SENTENÇA CONDENATÓRIA REFORMADA. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. Remanesce dúvida quanto ao dolo do acusado, na medida em que a própria vítima afirma que foi atingida "sem querer". Assim, imperiosa a absolvição do acusado, com base no princípio do in dubio pro reo. APELO PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70071425797, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bernadete Coutinho Friedrich, Julgado em 27/09/2017)

Outra hipótese que pode vir a conduzir a não condenação do suposto agressor são as versões divergentes apresentadas pela vítima na fase inquisitorial e judicial, bem como diferenças entre os depoimentos prestados pela ofendida e acusado, quando ouvidos e inquiridos acerca dos fatos alegadamente ocorridos. Citando-se como exemplo o julgamento da Apelação Crime n.

º 70073758021, julgada pela Oitava Câmara Criminal em 31/01/2018, verifica-se que a absolvição do réu em 1º grau foi mantida, sendo negado o seguimento ao apelo ministerial sob o argumento de que ambos (réu e vítima) teriam confirmado que as supostas agressões se desencadearam “no calor de um desentendimento”.

A controvérsia no expediente in casu cingia-se a quem teria dato início às agressões, uma vez que o réu alegava ter empurrado a ofendida para se defender de um ataque, ao passo que esta referiu ter sido empurrada sem que tivesse investido qualquer ataque contra o acusado. No entanto, em que pese tenha sido frisado pelo ministro relator Desembargador Dálvio Leite Dias Teixeira que a palavra da vítima possui especial valor probante em delitos de violência doméstica, “no caso concreto, as versões discordantes apresentadas pela lesada nas fases inquisitorial e judicial dão lugar a severa dúvida acerca das circunstâncias em que se desenrolaram os fatos”.

Em suma, assim fundamentou o seu voto, mantendo a absolvição do acusado com fulcro no art. 386, inciso VI, do Código de Processo Penal[16]:

Assim, tenho que a vacilante narrativa vitimária, in casu, não se reveste da necessária força probante para afastar a plausível tese defensiva de que o apelante teria agido em legítima defesa, sobretudo porque a análise global da prova permite depreender que o contexto em que praticada a conduta era belicoso, inflamado, ainda, pela alteração dos ânimos em razão da alegada ingestão de bebida alcoólica por ambos. E como bem referido pelo Juízo a quo, embora a defesa também não tenha logrado comprovar plenamente a presença da excludente de ilicitude, a dúvida, em razão dos contornos particulares do caso, deve favorecer o réu.

Sendo assim, a prova carreada deixa dúvidas a respeito de quem, de fato, teria iniciado ou perpetrado as agressões, informação essencial à elucidação do feito, não se podendo afirmar, com a indispensável certeza, se o réu empurrou a companheira no sofá com vistas a agredi-la ou se, visando rechaçar uma investida da ofendida, terminou por afastá-la com um empurrão.

Diante do exposto, portanto, a dúvida quanto à presença da excludente de ilicitude pela legítima defesa mostra-se efetivamente insuperável, o que revela a insuficiência de elementos a amparar o decreto de condenação pretendida pelo órgão ministerial.

Incidentes, no caso, portanto, os postulados constitucionais da presunção de inocência e da reserva legal em sua maior expressão, ao fundarem a absolvição do acusado, pela aplicação da máxima in dubio pro reo, em razão da fundada dúvida acerca da existência da excludente de ilicitude de legítima defesa.

Com essas considerações, deve ser mantida a absolvição do réu, mas por fundamento diverso, com base no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal.  

No processo penal, não há distribuição da carga probatória, estando ela nas mãos do acusador. Em outras palavras, conforme explicado por Lopes Jr. (2016, p. 298), “a partir do momento em que o imputado é presumidamente inocente, não lhe incumbe provar absolutamente nada. Existe uma presunção que deve ser destruída pelo acusador, sem que o réu [...] tenha qualquer dever de contribuir nessa desconstrução”. A garantia da presunção de inocência está prevista no inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal de 1988, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, além de também estar estampado no art. XI da Declaração Universal dos Direitos Humanos[17], promulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU) no ano de 1948.

Assim ensina Lopes Jr. (2016, p. 299):

Ao lado da presunção de inocência, como critério pragmático de solução da incerteza (dúvida) judicial, o princípio do in dubio pro reo corrobora a atribuição da carga probatória ao acusador e reforça a regra de julgamento (não condenar o réu sem que sua culpabilidade tenha sido suficientemente demonstrada). A única certeza exigida pelo processo penal refere-se à prova da autoria e da materialidade, necessárias para que se prolate uma sentença condenatória. Do contrário, em não sendo alcançado esse grau de convencimento (e liberação de cargas), a absolvição é imperativa. Isso porque, ao estar a inocência assistida pelo postulado de sua presunção, até prova em contrário, essa prova contrária deve aportá-la quem nega sua existência, ao formular a acusação. Trata-se de estrita observância ao nulla accusatio sine probatione.

Havendo dúvida acerca da materialidade ou autoria do fato delituoso descrito na denúncia imputada ao réu, deve prevalecer a presunção de inocência, haja vista que “não se pode admitir que diante de um juízo de incerteza e fundada dúvida, alguém possa ser condenado e submetido   às agruras do cárcere” (Apelação Criminal n.º 0033935-38.2010.8.19.0014, da 1º Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, julgada em 17 de dezembro de 2013). Dessa forma, consoante a fundamentação do relator Desembargador Marcus Basílio, “faltando às provas a imprescindível certeza quanto à prática do fato descrito na denúncia e a culpabilidade do agente [...], a solução legal leva à absolvição”.  

4.3 Efeitos da posterior reconciliação entre as partes

Não é incomum que o casal, durante a fase de investigação ou ao longo do processo criminal, reconcilie-se ou resolva a desavença existente. Neste sentido, Amico (2007) entende que, na hipótese de haver uma reconciliação no curso da ação penal, o registro de ocorrência e ação penal anteriormente instaurados virá a ser mais um problema que irá provocar uma nova ruptura na vida conjugal. Além disso, o entendimento da Cartilha Da Lei Maria Da Penha (2013, p. 20) é de que a reconciliação do casal não impede o prosseguimento da ação penal anteriormente instaurada:

Com a Lei Maria da Penha ficou mais difícil a mulher perdoar seu agressor. Antes da lei entrar em vigor, era muito comum a mulher agredida perdoar seu agressor, bem como este voltar a agredir a vítima, quando esta retirava a “queixa” das agressões sofridas. Assim, se formava um círculo vicioso, com o homem agredindo a mulher, a mulher perdoando o agressor, que voltava a agredir a mulher, que muitas vezes o perdoava de novo. Hoje, a reconciliação da vítima com seu agressor não resulta na extinção das ações penais decorrentes de violência doméstica e familiar. O agressor poderá ser condenado pela agressão à mulher com quem se reconciliou e voltou a se relacionar e a conviver.

Trata-se, em suma, de alegação que vai ao encontro do posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4.424, na qual a Corte decidiu que a ação penal relativa à lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é incondicionada à representação, ou seja, independe de qualquer manifestação por parte da vítima. No mesmo viés se manifesta o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), em recente julgamento da Terceira Câmara Criminal acerca do juízo de procedência da ação na hipótese de as partes se reconciliarem:

APELAÇÃO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÕES CORPORAIS. RECONCILIAÇÃO DAS PARTES QUE NÃO IMPEDE O JUÍZO DE PROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO. PENA. 1. Está pacificado no âmbito dos Tribunais Superiores que a ação penal nos casos de lesões corporais praticadas no âmbito das relações domésticas, ainda que leves ou culposas, é pública incondicionada. Destarte, a reconciliação do casal não impede o juízo de procedência da pretensão acusatória deduzida pelo Ministério Público. Questão penal que transpassa o interesse privado dos envolvidos, nos casos de violência de gênero perpetrada no âmbito das relações domésticas. Precedentes. 2. No caso concreto, o conjunto probatório é convergente a demonstrar a existência do fato, sua materialidade e sua autoria. Confissão do acusado corroborada pela narrativa da ofendida e pela prova pericial. Condenação confirmada. 3. Adequada a fixação da pena em patamar pouco acima do mínimo legal, em razão da reprovabilidade da conduta, demonstrada essa pela desproporcionalidade entre o motivo da agressão e a conduta do acusado. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70075027862, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Miguel Achutti Blattes, Julgado em 18/10/2017).           

Também merece destaque o voto do Desembargador Rinez da Trindade, na Apelação Criminal n.º 70074351164, julgada pela 3º Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) em 18 de outubro de 2017, no qual argumentou-se que “extinguir a punibilidade do acusado diante da reconciliação do casal seria desvirtuar e afrontar por via transversa decisão proferida pelo Supremo em controle concentrado de constitucionalidade, que ostenta eficácia vinculante erga omnes, devendo ser respeitada”. Resumidamente, a ementa do referido julgamento deixa claro que, dada à natureza incondicionada da ação, torna-se irrelevante a conciliação do casal no curso da ação, o que também é reafirmado por Fernandes (2015, p. 134), ao enfatizar que “ante a gravidade e cronicidade dessa violência, não se pode afirmar que a conciliação do casal resolve a questão, sob pena de se perpetuar a violação de direitos da mulher”.

O posicionamento de Silveira (2011, texto digital), promotora de justiça da Promotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Belo Horizonte, é contrário ao arquivamento do processo em caso de conciliação das partes. Segundo ela expõe, embora a conciliação tenha aspecto positivo, no caso de lesões corporais ou ameaça, o trâmite processual deve chegar até o final mesmo quando a vítima comparecer dando notícias de sua reconciliação com o agressor, a fim de evitar que ele seja tão somente mais um expediente arquivado à espera da próxima agressão:

Vale ressaltar sempre o aspecto positivo da reconciliação. A justiça pode ter um papel de grande importância neste processo de libertação da mulher e fortalecimento da família. Entendemos que, no caso de lesão corporal ou ameaça, deve o processo criminal chegar ao seu final, mesmo que a vítima compareça para dar a notícia da reconciliação com o agressor. Não quer o Ministério Público que o agressor seja apenas condenado e cumpra pena de prisão, mas com a continuidade do processo, até seu final, há a possibilidade de absolvição pela fragilidade das provas, ou mesmo a condenação do acusado. Nestes casos, por hipótese, em que as lesões são leves ou se trata de ameaça, pode haver a condenação, com a consequente substituição condicional da pena corporal, inclusive podendo uma das condições a serem impostas implicarem na frequência do agressor a grupos de apoio e de fortalecimento e valorização da mulher e da família. Há exemplos vários de grupos que atuam neste sentido, que já deram um resultado bastante satisfatório atuando frente aos casos de violência doméstica, ainda sob a competência dos Juizados Especiais. 

Fernandes (2015, p. 136) pontua que “não processar o agressor em prol de uma transação penal é ignorar os danos da conduta do agente, não só para a mulher, como também para os filhos, em razão da repetição do padrão apreendido, e para a sociedade”. De acordo com a autora, a violência é sempre violência e desta forma deve ser tratada, uma vez que há muito a violência doméstica e familiar deixou de ser um problema de âmbito privado, passando a ser uma questão de ordem pública, de modo que rotular esta violência como “infração de menor potencial ofensivo” seria apoiar a conduta do agressor.

Em suma, no que diz respeito às razões pelas quais a ofendida viria a desistir da persecução criminal contra o réu, Fernandes (2014, texto digital) defende que são vários os fatos que conduzem ao silêncio da vítima, dentre eles a exposição de sua vida privada, a crença de que o parceiro irá mudar (fase conhecida como “lua de mel”), o medo de reviver o trauma, a revitimização, enfim:

É certo que a vítima retoma o relacionamento com o parceiro em razão do sentimento dúbio de amor e ódio, mas também pela falta de compreensão ou fragilidade. Contudo, essa reconciliação não significa em absoluta ausência de risco de morte. À pergunta “por que a vítima retoma o relacionamento com o parceiro” podemos responder: porque desconhece o risco de morte e não consegue reagir. Por isso, deve ser ouvida, acolhida e encaminhada. Ainda que esteja presa às amarras da violência, a informação pode surgir para a vítima como um sonho de liberdade.

Há, por outro lado, pensadores que defendem a conciliação entre o casal, como Saliba (2006, texto digital), segundo o qual “a conversa entre as partes é sem dúvida alguma o único e eficaz caminho para se combater a violência, não se apresentando a punição mais severa como forma de resolução dos conflitos”. Conforme ensina Karam (2006), ao acusar da prática de um crime e ameaçar o parceiro da mulher com uma pena privativa de liberdade, mesmo contra a sua vontade, estar-se-ia subtraindo da ofendida o direito de se relacionar livremente com a pessoa por ela escolhida. Em outras palavras, significa que lhe está sendo negado o direito à liberdade que é titular, tratando-lhe como se fosse uma “coisa” submetida à vontade do Estado, que pretende saber o que é melhor à vítima. Ademais, mister salientar o ponto de vista de Celmer e Azevedo (2007, p. 15):

Não há como pretender que prossiga a ação penal mesmo que tenha o juiz ou obtido a reconciliação do casal ou homologado a separação, com definição de alimentos, partilha de   bens, guarda de filhos e visitas. Às claras que a possibilidade de trancamento do inquérito policial em muito facilitará a composição dos conflitos envolvendo as questões de Direito de Família, que são bem mais relevantes do que a imposição de pena criminal ao agressor. A possibilidade de dispor da representação revela formas através das quais as mulheres podem exercer poder na relação com os companheiros.   

Dias (2012) explica que ao realizar a denúncia juntamente à delegacia de polícia, a vítima busca o apoio do Poder Judiciário com o fim de fazer cessar a agressão contínua, embora não seja a sua intenção, na maioria dos casos, fazer com que o agressor seja condenado criminalmente. Assim, conforme pontuado por Cunha e Pinto (2008, p. 130), “legislações muito rígidas desestimulam as mulheres agredidas a denunciarem seus agressores e registrarem suas queixas”, uma vez que o medo de que o esposo/companheiro, muitas vezes único provedor do núcleo familiar, seja condenado à pena de prisão, acaba vindo a contribuir com a impunidade.

Os arts. 29 e 30 da Lei n.º 11.340/06 preveem a criação de uma equipe de atendimento multidisciplinar, integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde, os quais oferecerão subsídios ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, através de laudos, desenvolvimento de trabalhos de orientação, etc., voltados à ofendida, ao agressor, aos familiares e às crianças e adolescentes. Segundo Bastos (2013, p. 149), a equipe multidisciplinar é “essencial para orientar o magistrado nas decisões mais complexas que envolvam questões atinentes a áreas de conhecimento diversas”.       

Art. 29.  Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.

Art. 30.  Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes.

Em atenção à tal previsão, Junior (2016, texto digital) sugere uma interpretação extensiva da proposta, legitimando a equipe da área da psicologia a se manifestar acerca da imposição de medidas protetivas, ou ainda, permitindo-a que entreviste o agressor e vítima para poder elaborar uma avaliação de forma segura acerca da conveniência no reatamento da convivência do casal, acaso noticiada. Conforme explica, é obrigação da Justiça buscar uma solução adequada ao casal e sua prole, conhecendo não apenas o fato principal ensejador da agressão que veio a motivar o processo criminal, mas também as circunstâncias favoráveis que se deram posteriormente, as quais foram suficientes para melhorar o relacionamento entre vítima e companheiro, apagando a avença existente:

É importante e oportuna tal providência porque, distante da realidade processual, que tem o objetivo de seguir o devido processo legal, irá retratar o reconhecimento do eventual erro por parte do agressor, seu firme propósito no reatamento da relação e a vontade do casal em reconstruir a vida em comum, agora com maturidade para tanto, haja vista que o relacionamento entre as pessoas nem sempre vem lacrado com o selo da certeza da indissolubilidade e da convivência pacífica. Resultando bem sucedida a tentativa, o profissional relatará o atendimento ao juiz que, por sua vez, ouvirá as partes e definirá a situação processual, sem aplicação da pena, ou mesmo a previsão de uma suspensão condicional do processo (JUNIOR, 2016, texto digital).

Por fim, frise-se que, tal qual consigna Alferes et al. (2016), verifica-se que em muitos casos ainda não há Juizados específicos de violência doméstica ou familiar contra a mulher, razão pela qual vêm surgimento parcerias com organizações não governamentais, instituições de ensino privado ou pública, bem como outras esferas federativas. Isso se justifica, haja vista que o Poder Judiciário nem sempre terá condições orçamentárias, de recursos humanos, enfim, para manter uma equipe interprofissional ou interdisciplinar de forma eficiente, de modo que, quer seja mantida e organizada pelo Poder Judiciário ou com parcerias, a existência da aludida equipe, com vista a compreender a complexidade dos fatos e prevenir outros atos de violência doméstica, torna-se essencial.

4.4 Estudos de caso

O presente estudo de caso foi feito mediante a análise minuciosa de dois processos criminais, regidos sob as normas da Lei n.º 11.340/06, que tramitaram junto à 2º Vara Judicial da Comarca de Encantado. A divulgação das informações obtidas foi autorizada pelo Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito Clóvis Frank Kellermann Junior, após a expedição de ofício pela Universidade do Vale do Taquari (UNIVATES), conforme documento que consta em anexo. Além disso, considerando que se tratam de processos que correram sob segredo de justiça, bem como a fim de preservar a integridade e intimidade de ambas as partes, foram utilizados nomes fictícios no decorrer da narrativa.

4.4.1 Condenação baseada na palavra da vítima

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ofereceu denúncia contra JOÃO, imputando-lhe as sanções do art. 147, caput, do Código Penal, com a incidência da Lei n.º 11.340/06, pela prática, em tese, dos fatos delituosos ocorridos na data de 14 de outubro de 2015, na cidade de Encantado/RS.

Segundo narra a denúncia, na data dos fatos, o acusado teria ameaçado, por meio de gestos, de causar mal injusto e grave às vítimas MARIA e MARIAZINHA. Na oportunidade, a vítima MARIA teria pedido que o acusado não usasse drogas no banheiro da residência, pois queria dar banho nas suas filhas, sendo uma delas a vítima MARIAZINHA. Por esta razão, o acusado teria as ameaçado de morte ao sair do banheiro, dizendo à primeira vítima que ela podia ir “dar parte” se quisesse, mas que iria matá-la.

Considerando as disposições do art. 41 da Lei n.º 11.340/06, o Ministério Público deixou de oferecer a proposta de suspensão condicional do processo ao acusado.

O acusado foi preso em flagrante, sendo sua segregação cautelar convertida em prisão preventiva pelo Juízo.

A denúncia foi recebida em 12/11/2015 e o réu foi citado, apresentando resposta à acusação por intermédio da Defensoria Pública, ocasião em que alegou que o ônus probatório é exclusivo do Ministério Público. Em suma, reservou-se ao direito de exercitar a ampla defesa após a instrução criminal.

Não havendo hipóteses para a absolvição sumária, prosseguiu-se com a instrução regular, sendo designada audiência de instrução e julgamento. Na oportunidade, a primeira vítima foi inquirida e o réu foi interrogado. Na mesma oportunidade, o Juiz revogou a prisão preventiva de JOÃO.

Ultimada a instrução, os debates orais foram convertidos em alegações escritas. Em sede de memoriais, o Ministério Público requereu a procedência da denúncia, com o fito de condenar o acusado às sanções capituladas à peça inicial, pois suficientemente confirmadas a materialidade e autoria delitiva.

A Defesa técnica, a seu turno, requereu a absolvição do acusado, de vez que não comprovada a autoria e materialidade delitiva, postulando pela improcedência da ação penal, com fulcro no art. 386, inc. VII, do CPP.

Foram os autos conclusos para sentença, que foi prolatada em 17/08/2016.

Após o relatório dos atos praticados no decorrer da instrução, o magistrado consignou que o processo transcorreu regularmente, não havendo vícios ou nulidades a serem saneados, razão pela qual passou de imediato à análise do mérito.

De imediato, o magistrado consignou que tanto a existência do fato quanto a autoria delitiva restaram comprovadas pelo registro de ocorrência policial, pelo termo de declarações perante a autoridade policial, bem como pela prova oral colhida em juízo. A seguir, resumidamente transcreveu o que disseram as partes ouvidas durante a solenidade anteriormente aprazada:

A vítima MARIA disse que na data dos fatos, o acusado estava bastante drogado e usando entorpecentes no banheiro da residência, na presença das crianças. Sobre o incidente descrito na denúncia, disse que estava tentando dar banho em seus filhos, quando o acusado JOÃO apareceu e, ao pedir-lhe que saísse do banheiro, ameaçou-a, bem como a seus filhos, de morte. Embora negue ter sido agredida na ocasião, confirma ter sentido medo e temido por sua integridade física.

O réu JOÃO, por sua vez, confirmou que na data delituosa, estava embriagado e drogado, mas não lembra se chegou a ameaçar a vítima e tampouco sua filha. Ao final do interrogatório, comprometeu-se a manter distância da vítima e a não a procurar novamente.

Neste sentido, conforme salientado pelo magistrado, empregou-se maior valoração e relevância à palavra da vítima, que se mostrou segura e coaduna desde a fase policial até a data da audiência. Assim, em razão da embriaguez e drogadição do acusado, ele teria proferido ameaças de morte em desfavor de sua companheira na época, por motivo injustificável e de maneira desarrazoada.

Ademais, também foi afastada a tese de insuficiência probatória levantada pela Defesa do acusado, uma vez que as declarações da vítima foram descritas pormenorizadamente, além de o próprio réu ter confirmado que fazia uso de drogas e bebida alcoólica na época, com o que sequer lembrava se havia efetivamente ameaçado as vítimas.

Por todo o exposto, considerando que o delito de ameaça surtiu efeito intimidatório na vítima, causando-lhe grande temor, foi julgada procedente a denúncia, condenando JOÃO às sanções do art. 147, caput, do Código Penal, com a incidência da Lei n.º 11.340/06.

Por ocasião da dosimetria da pena, considerando as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, em especial os antecedentes criminais e as circunstâncias do crime, fixou-se a pena base em 03 (três) meses de detenção. Em seguida, a pena foi exasperada em 01 (um) mês, considerando a agravante de reincidência, restando então provisoriamente fixada em 04 (quatro) meses de detenção, os quais foram tornados definitivos ante a ausência de majorantes ou minorantes.

Fixou-se o regime inicial semiaberto para início de cumprimento da pena, em razão da reincidência, com fulcro no § 3º do art. 33 do Código Penal.

Considerando que o crime foi cometido com violência à pessoa, nos termos do inciso I do art. 44 do Código Penal, não foi possível proceder à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Da mesma forma, em razão da reincidência, o magistrado deixou de conceder ao réu o benefício da suspensão condicional do processo previsto no art. 77, inciso II, do Código Penal.

Ao final, determinou-se a comunicação às vítimas da decisão proferida, na forma do artigo 201, § 2º, do Código de Processo Penal, deixando-se de fixar valor mínimo para a indenização, a teor do art. 387, inciso IV, do CPP, eis que o acusado não se defendeu de tal questão, além de não haver pedido específico na inicial.

Foi concedido ao réu o direito de apelar em liberdade, eis que nesta condição respondeu o processo. Outrossim, concedeu-se o benefício da gratuidade judiciária, isentando-os do pagamento das custas processuais.

O réu constituiu defensor e interpôs recurso de apelação, postulando a absolvição do acusado ante a insuficiência probatória. O aludido recurso foi desprovido, sendo a pena, de ofício, minorada para 01 (um) mês e 15 (quinze) dias de detenção, em regime inicial semiaberto.

Impende salientar que o motivo pelo qual a audiência prevista no art. 16 da Lei n.º 11.340/06 não foi realizada se deu ao fato de que a vítima não requereu a concessão de medidas protetivas, limitando-se a registrar um boletim de ocorrência e prestar as devidas declarações perante a autoridade policial, após a prisão em flagrante de seu companheiro. Dessa forma, considerando que o art. 41 da Lei n.º 11.340/06 afasta expressamente a aplicação das disposições da Lei n.º 9.099/95, o Ministério Público, na condição de titular da ação penal, prontamente ofereceu a denúncia, já que a vítima destacou a intenção de representar criminalmente contra o réu.

Neste sentido, ante o caráter procedência da sentença penal prolatada pelo magistrado, verifica-se que foram corroboradas as alegações tecidas na presente monografia, uma vez que, conforme visto no presente estudo de caso, a materialidade delitiva foi devidamente comprovada tanto pelo boletim de ocorrência policial registrado pela vítima, quanto pelo auto de prisão em flagrante posteriormente homologado pelo juízo. A autoria delitiva, ao seu turno, também foi devidamente demonstrada pela prova oral colhida, sobretudo em audiência de instrução e julgamento.

Com efeito, vê-se que a palavra da vítima, desde que se mostre verossimilhante e harmônica no decorrer da instrução processual, assume crucial importância e pode efetivamente sustentar uma condenação criminal. No mesmo sentido é o pensamento do autor Lopes Jr (2016, p. 378), segundo o qual “a palavra coerente e harmônica da vítima, bem como a ausência de motivos que indicassem a existência de falsa imputação, cotejada com o restante do conjunto probatório, têm sido aceitas pelos tribunais brasileiros para legitimar uma sentença condenatória”.

Na hipótese ora estudada, mesmo inexistindo demais testemunhas presenciais (o que é costumeiro em delitos desta natureza), e muito embora o réu tenha dito que não lembrava de ter praticado o crime a ele imputado, foi dada maior relevância à palavra da ofendida, que narrou com detalhes os acontecimentos ocorridos em 14/10/2015 e descritos na peça acusatória.

Frise-se que, para o reconhecimento do delito de ameaça, é necessário que se constante o efetivo temor da vítima diante de uma ameaça de mal injusto e grave. Neste caso, o mal injusto consistiu em ameaças de morte após a vítima, sua então companheira, ter pedido ao acusado que saísse do banheiro e não usasse drogas dentro de casa e na frente das crianças. Assim, nota-se claramente que MARIA se sentiu atemorizada diante da reação e ameaças proferidas pelo réu, tendo inclusive expressamente salientado que temeu, na ocasião, por sua integridade física.

O crime ora analisado – art. 147, caput, do Código Penal - é de natureza pública condicionada à representação da vítima, e, portanto, assim como as ações penais privadas, dependem da provocação da vítima, que deverá expressamente manifestar o interesse em representar criminalmente contra o acusado dentro do prazo decadencial previsto na lei. Logo, na hipótese, de acordo com o art. 16 da Lei n.º 11.340/06, a ofendida poderia “renunciar à representação” até o recebimento da denúncia, de modo que, recebida a peça acusatória pelo magistrado, não caberia mais qualquer manifestação posterior pelo arquivamento, independentemente de eventual reconciliação das partes.

Por outro lado, na hipótese de se tratar de um crime de ação penal pública incondicionada à representação (como uma lesão corporal, por exemplo), Dias (2012) ensina que, ainda que a reconciliação do casal venha a demonstrar uma tentativa de “retirar a queixa”, a instauração do inquérito e o desencadeamento automático da ação penal desempenham um papel pedagógico. Desse modo, assim como acima elucidado, mesmo que as partes houvessem se reconciliado após o recebimento da denúncia pelo magistrado, considerando que a infração foi cometida no âmbito doméstico, tal situação se mostraria irrelevante para fins penais (na forma dos arts. 102 do Código Penal e 25 do Código de Processo Penal), ou seja: não viria a tornar o fato atípico, tampouco extinguir a punibilidade ou considerar lícito o comportamento do acusado.

4.4.2 Absolvição com fulcro no princípio do in dubio pro reo

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ofereceu denúncia contra ANDRÉ, imputando-lhe as sanções dos arts. 147, caput, e 129, § 9º, ambos do Código Penal, com a incidência da Lei n.º 11.340/06, pela prática, em tese, dos fatos delituosos ocorridos na data de 14 de maio de 2014, na cidade de Encantado/RS.

Segundo a peça acusatória, ANDRÉ teria causado à vítima, sua então ex-companheira, lesões corporais leves consistentes em “uma mancha de coloração violácea na região bipalpebral esquerda e uma mancha hiperemiada no bulbo ocular esquerdo”, o que foi atestado pelo Auto de Exame de Corpo de Delito realizado. Além disso, nas mesmas circunstâncias de tempo e local, o autor do fato também teria a ameaçado de causar mal injusto e grave, dizendo que “iria matá-la caso ela não ficasse com ele”.

Considerando as disposições do art. 41 da Lei n.º 11.340/06, o Ministério Público deixou de oferecer a proposta de suspensão condicional do processo ao acusado.

A denúncia foi recebida em 07/10/2014 e o réu foi citado, apresentando resposta à acusação por intermédio da Defensoria Pública, ocasião em que alegou que o ônus probatório é exclusivo do Ministério Público. Em suma, reservou-se ao direito de exercitar a ampla defesa após a instrução criminal.

Não havendo hipóteses para a absolvição sumária, prosseguiu-se com a instrução regular, sendo designada audiência de instrução e julgamento. Na oportunidade, a vítima foi inquirida e o réu foi interrogado.

Ultimada a instrução, os debates orais foram convertidos em alegações escritas. Em sede de memoriais, o Ministério Público requereu a procedência da denúncia, com o fito de condenar o acusado às sanções previstas nos arts. 147, caput, e 129, § 9º, do Código Penal, de vez que confirmadas a materialidade e autoria delitiva.

Ao seu turno, a Defesa técnica requereu a absolvição de ANDRÉ, com fulcro nos incisos II, V, VI ou VII do art. 386 do Código de Processo Penal. No mérito, reportou-se à insuficiência probatória e requereu, em caso de condenação, a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 129 do Código Penal, devido à violenta emoção que acometeu o acusado quando da ocorrência do delito.

Foram os autos conclusos para sentença, que foi prolatada em 20/07/2016.

Após o relatório dos atos praticados no decorrer da instrução, o magistrado consignou que o processo transcorreu regularmente, não havendo vícios ou nulidades a serem saneados, razão pela qual passou de imediato à análise do mérito.

De imediato, o magistrado registrou que a pretensão acusatória contida na peça inicial não merecia prosperar, uma vez que existia dúvida insanável acerca da autoria delitiva dos fatos imputados ao réu. A título exemplificativo, transcreveu resumidamente os depoimentos tecidos pelas partes ouvidas:

A sedizente ofendida SABRINA, quando ouvida em juízo, disse que estava saindo de seu emprego quando o acusado apareceu de carro e pediu para que conversassem. Alega a vítima que se recusou, mas que ao insistir e entrar no veículo, o réu teria começado a agredi-la. Ainda, comentou que na época dos fatos, o casal já estava separado, e que ele sempre a ameaçou no decorrer da relação. Quanto ao motivo pelo qual se dera a desavença, explicou que ocorreu porque ela estava com um novo parceiro, o que deixou o acusado raivoso. Ao final, reafirmou ter sido ameaçada de morte pelo réu, o que a deixou com grande temor, levando-a a considerar a mudança para outra cidade.

Quando interrogado, o réu ANDRÉ prontamente negou a prática dos fatos, confirmando apenas que convidou a vítima para entrar em seu carro, mas que jamais a agrediu e que foi ela quem lhe ligou para que conversassem. Disse que na época o casal já estava separado, e que o novo companheiro da vítima usava drogas em frente aos filhos do casal, além de batê-la, tendo sido ele quem causou os machucados em SABRINA. Por fim, confirmou que o casal veio a relatar o relacionamento posteriormente, mas que a ofendida constantemente registra ocorrências na Delegacia de Polícia após qualquer discussão.

Após a análise da prova oral colhida, o juiz destacou que não havia dúvidas quanto às agressões em prejuízo da vítima, em especial devido ao exame de corpo de delito realizado. No entanto, a divergência pairava no que tange à autoria das aludidas lesões, já que o acusado as imputou ao atual companheiro de SABRINA, enquanto esta o responsabilizou pelo ocorrido.

Além disso, conforme exposto pelo magistrado, foram constatadas algumas divergências no termo de ocorrência registrado pela vítima perante a seara inquisitorial: naquela ocasião, ela teria informado que foi empurrada para dentro do veículo, e não que teria “entrado espontaneamente após insistência do réu para que conversassem”. Ao seu turno, o depoimento do acusado se mostrou coerente, crível e cristalino em ambas as oportunidades.

Por tais razões, verificou-se a existência de duas versões nitidamente antagônicas sobre os mesmos fatos, além de inexistirem testemunhas presenciais para valorar a palavra de ambas as partes envolvidas.

Especificamente quanto ao delito de ameaça, também foi dito que, embora se trate de crime formal e prescinda do real intento do agente de dar cumprimento à promessa de causação do mal, não restou devidamente comprovado o temor supostamente infundido à ofendida (que inclusive veio a relatar o relacionamento com o réu após os ocorridos, o que faz presumir que as ameaças não tenham surtido real caráter intimidatório).

Assim, o juiz considerou insuficientes as provas dos autos para amparar um édito condenatório, e embora a palavra da vítima mereça maior destaque nos delitos regidos pela Lei n.º 11.340/06, não foi possível valorar um testemunho sobre o outro, sendo ambos perfeitamente plausíveis. Correndo a presunção de inocência em desfavor do acusado, tornou-se impositiva a sua absolvição, com fulcro no princípio basilar do in dubio pro reo.     

O dispositivo, portanto, julgou improcedente a denúncia quanto às sanções previstas nos arts. 147, caput, e 129, § 9º, ambos do Código Penal, absolvendo o réu ANDRÉ, com fulcro no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Desta forma, constata-se que se a palavra da vítima, no caso ora estudado, mostrou-se duvidosa e contaminada por diversas incongruências desde a fase inquisitorial, o que enfraqueceu o valor da prova. O acusado, por sua vez, sustentou sua versão de forma uníssona do início ao fim, explicando de forma crível e plausível a sequência de acontecimentos que teriam levado a suposta ofendida a lhe imputar os crimes descritos na peça acusatória.

Embora sabido que o valor probatório do depoimento da ofendida, em crimes afetos à Lei Maria da Penha, seja reconhecido, o seu relato não é absoluto, e uma vez existente a dúvida insanável, impõe-se a absolvição do réu pelo princípio do in dubio pro reo. Consoante ensina Nucci (2016, p. 656), “[...] se o juiz não possui provas sólidas para a formação do seu convencimento, sem poder indicá-las na fundamentação da sua sentença, o melhor caminho é a absolvição”. Neste sentido, Lopes Jr. (2016, p. 35) também pontua que “é importante recordar que, no processo penal, a carga da prova está inteiramente nas mãos do acusador, não só porque a primeira afirmação é feita por ele na peça acusatória, mas também porque o réu está protegido pela presunção de inocência”.

Importante destacar que, nos termos do art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal de 1988, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Nas palavras de Lenza (2013), isso significa que o réu só poderá vir a ser considerado culpado quando não mais cabíveis recursos contra a sentença condenatória.

A presunção de inocência impõe um verdadeiro dever de tratamento (na medida em que exige que o réu seja tratado como inocente), que atua em duas dimensões: interna ao processo e exterior a ele. Na dimensão interna, é um dever de tratamento imposto – inicialmente – ao juiz, determinando que a carga da prova seja inteiramente do acusador (pois, se o réu é inocente, não precisa provar nada) e que a dúvida conduza inexoravelmente à absolvição; ainda na dimensão interna, implica severas restrições ao (ab)uso das prisões cautelares (como prender alguém que não foi definitivamente condenado?). Externamente ao processo, a presunção de inocência exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização (precoce) do réu. Significa dizer que a presunção de inocência (e também as garantias constitucionais da imagem, dignidade e privacidade) deve ser utilizada como verdadeiros limites democráticos à abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial. O bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da presunção de inocência. (LOPES JR., 2016, p. 79).

Portanto, em atenção à presunção de inocência, bem como ao princípio do devido processo legal, igualmente esculpido no art. 5º, inc. LIV[18], da Constituição Federal de 1988, que prevê um procedimento previsto em lei para a apuração de toda a espécie de crime, pode-se dizer que, “não havendo, pois, prova suficiente da prática do crime, a absolvição deverá ser a única opção, sob pena de ser infringido o princípio do in dubio pro reo” (GRECO, 2010, p. 360). 

Frise-se que, conforme já salientado, as aludidas lesões causadas à ofendida foram suficientemente comprovadas, mas a sua autoria não (havendo diferentes relatos imputando a terceiros a responsabilidade pelo crime praticado). Da mesma forma, o bem protegido tutelado no crime de ameaça também não foi abalado, ou seja, não foi minimamente demonstrado, pelos depoimentos prestados pela ofendida, o temor e a crença de que algo de mal poderia lhe acontecer, de modo a lhe abalar a tranquilidade e a própria segurança.

Por fim, merece ser feita uma breve comparação dos depoimentos prestados pelos réus em ambos os processos analisados: no primeiro caso, no qual o réu JOÃO restou condenado às sanções do art. 147, caput, do Código Penal, o autor do fato expressamente assumiu que, à data dos fatos, estava embriagado e sob o efeito de substâncias ilícitas, de modo que não lembra ao certo se cometeu o delito a ele imputado. No segundo caso, por sua vez, o acusado negou prontamente o cometimento do fato delituoso, trazendo um álibi seguro dos acontecimentos, o que motivou a sua posterior absolvição.

Desta forma, em consonância com a lógica do in dubio pro reo, ao analisar o conjunto probatório, o magistrado optou pela absolvição do réu ANDRÉ pela ausência de provas suficientes para a condenação (art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal), enquanto que, na primeira hipótese, a vítima e o réu apresentaram depoimentos coerentes, sendo que o próprio acusado assumiu que não lembrava com precisão dos acontecimentos, dando maior credibilidade à palavra da ofendida.


5 CONCLUSÃO

A Lei n.º 11.340/06, intitulada Lei Maria da Penha, é uma legislação que teve respaldo nas lutas do movimento feminista, e foi criada com a finalidade de combater e prevenir os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Ela garante mecanismos especiais às vítimas, dentre elas as chamadas medidas de proteção (art. 22), que incluem o afastamento do agressor do lar, a proibição de aproximação ou contato, além de, excepcionalmente, a possibilidade de prisão em flagrante mesmo para infrações com penas mais brandas, etc.

Além disso, não bastassem os crimes abarcados pela Lei nº 11.340/06 não serem mais considerados de menor potencial ofensivo (saindo da competência dos Juizados Especiais Criminais), o agressor que desrespeitar a decisão judicial deferindo a concessão de medidas de proteção pode vir a responder pelo tipo penal recentemente inserido no art. 24-A da aludida Lei, qual seja, “descumprimento de medida protetiva de urgência”, cuja pena é de 03 meses a 02 anos de detenção.

O objetivo da presente monografia foi, no primeiro momento, descrever de forma pormenorizada de que forma as mulheres podem obter a proteção jurisdicional, uma vez que é sabido que, muitas vezes, as vítimas de tais infrações se calam diante da situação de vulnerabilidade que vivenciam dentro de casa, justamente por não saberem como proceder, acreditando que não há solução para aquela realidade de violência a que estão submetidas. Neste sentido, procurou-se demonstrar que mediante o simples registro de ocorrência policial e manifestação solicitando a concessão de medidas protetivas, a ofendida pode obter uma providência que tente fazer cessar a situação de risco.

Outrossim, também foram abordadas as hipóteses de retratação da representação, bem como a sua prescindibilidade nos casos dos crimes de ação penal pública incondicionada. Conforme dito, em delitos que dependem de representação da vítima, na hipótese de reconciliação do casal ou simplesmente desinteresse, pela vítima, em processá-lo criminalmente, poderá ela, perante o Juiz e em solenidade designada para tal finalidade, solicitar a revogação das medidas de proteção e o arquivamento do feito. De outra banda, mesma sorte não ocorre aos crimes dos quais resultem lesões corporais, tendo sido pacificado, através da Súmula 542 do Superior Tribunal de Justiça, que nestas hipóteses, não poderá a vítima renunciar ou desistir da ação penal.

No segundo capítulo, o principal foco foi o rito processual dos crimes e contravenções com violência doméstica e familiar, sendo inicialmente averiguada a competência para processamento e julgamento de tais causas, que caberá às Varas Criminais enquanto não estruturados os Juizados Especiais da Violência Doméstica e Familiar, nos termos do art. 33 da Lei nº 11.340/06. Ademais, algumas considerações acerca dos requisitos para a concessão das medidas protetivas foram tecidas, bem como as providências que o juiz, após decidir sobre o pleito protetivo, pode vir a tomar, embasadas no art. 22 da aludida legislação.

Em seguida, passou-se à explanação sobre o deslinde do feito após a manifestação da vítima ratificando a intenção de representação criminal em face de seu agressor. Então, explicou-se o rito processual a ser seguido, qual a conduta a ser tomada pelo Ministério Público, bem como os diferentes tipos de provas que podem vir a ser produzidas para fins de demonstrar, de forma suficiente, a autoria e materialidade delitiva (dentre elas a prova pericial, consubstanciada principalmente no exame de corpo de delito e em boletins de atendimentos ambulatoriais).

O último capítulo foi pautado exclusivamente na relevância dada à palavra da vítima para fins de sustentar eventual condenação do réu pela infração que lhe está sendo imputada. Neste sentido, primeiramente, analisou-se a valoração que é dada à sua palavra, de forma isolada, no processo penal brasileiro, colacionando as diferentes opiniões de doutrinadores acerca da importância do relato da ofendida como meio de prova. Ademais, verificou-se também que, na hipótese de o seu depoimento ser incongruente e contraditório, não encontrando respaldo nas demais provas angariadas no transcurso da instrução processual, pode o magistrado absolver o réu, sobretudo pautado na flagrante insuficiência probatória e no princípio basilar do in dubio pro reo.

Após, também se salientou que, ainda que as partes se reconciliem no decorrer da ação penal (ou seja, depois do oferecimento da denúncia pelo Ministério Público), tal condição não tem o condão de extinguir a punibilidade do agressor e tampouco ocasiona o arquivamento do processo muito embora tal realidade seja contestada por diversos doutrinadores, os quais entendem que a conversa entre as partes seria o único caminho eficaz para combater a violência.

Por fim, com a finalidade de demonstrar, de forma prática, de que forma são fundamentadas as sentenças judiciais em delitos nos quais incidem as disposições da Lei n.º 11.340/06, com a autorização do Juiz de Direito, Dr. Clóvis Frank Kellermann Junior, obteve-se acesso a diferentes processos criminais que tramitaram junto à 2º Vara Judicial da Comarca de Encantado/RS, podendo ser observado o trâmite que o expediente teve a partir do boletim de ocorrência policial até a respectiva prolação do dispositivo sentencial.

Dessa forma, elaboraram-se dois estudos de caso, verificando que, no primeiro, o réu foi condenado pela prática do crime de ameaça (art. 147, caput, do Código Penal), sobretudo porque o relato da vítima foi coerente e consistente desde o registro de ocorrência, ao passo que o acusado, quando interrogado, expressamente consignou que na época dos fatos era alcoólatra e dependente químico, de modo que não lembrava se havia, de fato, ameaçado à então companheira.

No segundo caso, por sua vez, o juiz – após a exaustiva análise das provas reunidas no processo - optou pela absolvição do acusado, que respondia aos crimes de ameaça (art. 147, caput, do Código Penal) e lesões corporais em âmbito doméstico (art. 129, § 9º, do Código Penal). Neste caso, pautou-se o magistrado nas incongruências do depoimento da ofendida, em contrapartida à negativa do réu, que apresentou um álibi coerente sobre os fatos que lhe eram imputados.

O problema central sobre o qual se fundou este trabalho era averiguar qual deveria ser a carga valorativa dada ao relato da vítima como meio hábil para sustentar suas alegações, uma vez que, em uma condenação penal, o juiz deve fundamentar a sentença com base nas provas produzidas no interregno da instrução probatória. Neste sentido, demonstrou-se e concluiu-se, através de farta análise doutrinária e jurisprudencial, que a palavra da vítima assume especial relevância probatória, sendo – quando segura e bem fundamentada – suficiente para comprovar a autoria e materialidade delitiva e sustentar uma condenação criminal. Isso se deve principalmente ao fato de que, nas infrações envolvendo violência doméstica contra a mulher, sua palavra tem valor probante diferenciado, mormente quando corroborada pelos demais elementos de prova contidos nos autos da ação penal.

Dessa forma, percebe-se que a Lei Maria da Penha, com seus quase doze anos de existência, representa uma grande conquista e um avanço no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, possibilitando-a que busque o amparo do Estado, a quem incumbe lhe proteger, adotando as medidas de proteção e assistência necessários para tanto.

Ainda há muito a ser alcançado em vistas do reconhecimento da igualdade das mulheres perante os homens, uma vez que elas são histórica e culturalmente vítimas de preconceito e de formas veladas de distinção e tratamento inferiorizado. Entretanto, diante das preocupações crescentes em busca de uma maior conscientização quanto à luta contra a discriminação de gênero, aumentam gradativamente as esperanças de que as mulheres consigam, enfim, gozar plenamente de seus direitos e deveres próprios de sua qualidade de pessoa humana.


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Notas

[1] Art. 19 da Lei n.º 11.340/06: As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

[2] Art. 330 do Código Penal - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.

[3] Art. 359 do Código Penal - Exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ou privado por decisão judicial:

Pena - detenção, de três meses a dois anos, ou multa.

[4]Apelação Crime n.º 70059898965, da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gaspar Marques Batista, Julgado em 28/08/2014.

[5] Conforme ensina Bastos (2013, p. 133), “renúncia é uma forma de extinção da punibilidade que em nada se relaciona com a representação criminal, cujo exercício apenas se esgota com o decurso de prazo decadencial”. A diferença entre os termos “renúncia” e retratação” será melhor abordada no capítulo subsequente.

[6]Art. 15 da Lei n.º 11.340/06. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, o Juizado:

I - do seu domicílio ou de sua residência;

II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;

III - do domicílio do agressor.

[7] FÓRUM Nacional dos Delegados de Polícia. Quem tem dor tem pressa – PLC 07/2016. Disponível em: <http://www.adepol.com.br/images/documentos/nota-tecnica-pl072016_1.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2018.

[8] ADC 19: dispositivos da Lei Maria da Penha são constitucionais. Notícias STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=199845>. Acesso em: 31 jan. 2018.

[9] Art. 83 do Código de Processo Penal: Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa (arts. 70, § 3o, 71, 72, § 2o, e 78, II, c).

[10] A audiência de justificação estava expressamente prevista no art. 804 do Código de Processo Civil de 1973, segundo o qual: “É lícito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torna-la ineficaz; caso em que poderá determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer.”

[11] Art. 38 do Código de Processo Penal: Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá no direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29, do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.

[12] Art. 519 do Código de Processo Penal - No processo por crime de calúnia ou injúria, para o qual não haja outra forma estabelecida em lei especial, observar-se-á o disposto nos Capítulos I e III, Titulo I, deste Livro, com as modificações constantes dos artigos seguintes.

[13] Art. 217 do Código de Processo Penal: Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.

[14] Art. 158 do Código de Processo Penal - Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado

[15] Súmula 542 do Superior Tribunal de Justiça: “A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada”.

[16]  Art. 386 do Código de Processo Penal: O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

[...] VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;

[17] Art. XI da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente, até que a culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

[18] Art. 5º, inc.  LIV, da Constituição Federal de 1988— Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Luísa. A relevância do relato da vítima com a Lei Maria da Penha. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5790, 9 maio 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67992. Acesso em: 28 mar. 2024.