Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/68107
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O instituto da delação premiada e sua validação constitucional

O instituto da delação premiada e sua validação constitucional

Publicado em . Elaborado em .

Que a delação premiada é ferramenta extraordinária e útil para o combate às organizações criminosas, não há dúvida. Mas, afinal, é, ou não, constitucional?

Resumo: O presente trabalho tem por fim responder ao seguinte problema: a delação premiada respeita os princípios constitucionais das partes no processo judicial? A justificativa se trata de o presente tema ser atual e utilizado em investigações policiais. Será abordado o conceito do instituto e benefícios concedidos ao delator, bem como a presença do instituto em várias leis do ordenamento jurídico brasileiro. Por fim, será exposto o conflito entre a delação premiada e princípios constitucionais nas fases do processo, discutindo quais direitos fundamentais não são observados no uso do instituto. Apesar de muitas críticas, o instituto ajuda a combater a corrupção, pois em caso de sua ausência, muitas informações não seriam descobertas e punições deixariam de ser realizadas contra criminosos poderosos.

Palavras-chave: Corrupção; delação premiada; organizações criminosas.


1. INTRODUÇÃO

O Estado vem buscando diversas formas de minimizar o impacto negativo que as organizações criminosas causam, tanto para a sociedade quanto para seus cidadãos, danos que são sofridos e sentidos por um país. Ocorre que o Estado, quer por falência de suas instituições, quer pela efetividade evolutiva das organizações criminosas, não consegue, por si só, descobrir e incriminar, de forma exemplar, os delinquentes que se associam para transigir a lei. Mas, mesmo com todas as limitações que todos observam, o Estado sempre está na busca de soluções para promover o bem de todos.

E um dos meios encontrado para tentar conter a expansão da criminalidade organizada, e também justificativa do presente trabalho, é o instituto da delação premiada, que será aqui estudado, analisando a sua adequação ante o ordenamento jurídico brasileiro, sob a ótica de sua constitucionalidade, especificamente, quanto aos princípios ligados ao devido processo legal.

Justifica-se o estudo do instituto da delação premiada na situação em que o Estado se utiliza da traição de alguém para se obter uma eficiente investigação criminal, economizando tempo e dinheiro. Por outro lado, o criminoso é o principal interessado em receber os benefícios oferecidos pela delação, e por isso, a partir do momento em que ele sabe que não há mais escapatória de uma possível condenação, agarra-se a qualquer forma de ajuda que possa minorar ou até excluir sua pena aplicada, podendo com essa atitude, inclusive, prejudicar pessoas inocentes.

Já a delação premiada deve ser estudada pela sua importância, por se encontrar positivada no Brasil, dispersa em leis esparsas, necessitando que se examine se estas leis que tratam da delação premiada são efetivas e quais suas características na aplicação do instituto.

O objetivo principal deste trabalho é abordar a forma que se encontra a delação premiada nas leis, bem como os aspectos constitucionais que o instituto vai de encontro, analisando o conflito envolvido entre princípios constitucionais. A pesquisa utilizada é por intermédio bibliográfico. São três os capítulos deste trabalho. No primeiro serão abordados o conceito e principais características da delação premiada. Já no segundo serão listadas as leis que tratam da delação premiada no ordenamento jurídico brasileiro. E o último tratará da análise da constitucionalidade desse instituto.


2. ASPECTOS GERAIS DA DELAÇÃO PREMIADA

Neste capítulo será apresentado o conceito de delação premiada, com caracterização feita pela Doutrina, a fim de buscar suas características mais marcantes, que a faz ser um instituto diferenciado, qual o seu intuito, peculiaridades, meios cabíveis e as implicações legais que resultam de sua aplicação com relação à pena do delator.

No mundo de hoje, as nações precisam enfrentar muitos problemas que surgem em decorrência do crime organizado, sendo que estes problemas são parecidos com o que os países têm que lidar. “Das assombrações contemporâneas, mostram-se particularmente evidentes o narcotráfico, em geral vinculado à atuação de organizações criminosas, e o terrorismo”. (CARVALHO, 2009, p. 69).

2.1 Conceito da delação premiada

A Doutrina aborda muitos conceitos sobre a delação premiada.  (JESUS, 2005, <http//jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7551>), “delação é a incriminação de terceiro, realizada por um suspeito, investigado, indiciado ou réu, no bojo de seu interrogatório (ou em outro ato).”.

A possibilidade que tem o participante ou associado de ato criminoso de ter sua pena reduzida ou até mesmo extinta, mediante a denúncia de seus comparsas às autoridades, permitindo o desmantelamento do bando ou quadrilha, ou ainda facilitando a libertação do sequestrado, possível no caso do crime de extorsão mediante sequestro cometido em concurso de agentes. (BOLDT, 2005, <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7196>).

Em outras palavras, a delação pura e simples é a situação em que uma pessoa chega perante a autoridade judiciária ou policial e narra um fato criminoso nos exatos termos em que o delito ocorreu sem ter interesse algum processual, ou melhor, sem esperar um benefício imediato por sua conduta, como uma prestação de serviço para a sociedade. A delação não significa a desistência voluntária de quem delatou, em que o agente desiste de prosseguir na execução do crime, da mesma forma que o arrependimento eficaz, situação em que impede que o resultado se produza, e, muito menos com o arrependimento posterior, em sede do qual, sem violência ou grave ameaça, após a execução, o agente repara o dano ou restitui a coisa.        

Nas hipóteses acima, o agente não tem o auxílio de terceiros na empreitada criminosa. Também não deve ser confundida a delação premiada com o instituto da confissão espontânea, tendo em vista que nesta o agente confessa a sua participação no ato delituoso, sem a incriminação de outra pessoa. Neste passo, outra definição acerca da delação premiada, “[...] aquela incentivada pelo legislador, que premia o delator, concedendo-lhe benefícios (redução de pena, perdão judicial, aplicação de regime penitenciário brando etc.)”. (JESUS, 2005, p. 43).

O instituto consiste no fato de o criminoso, de forma voluntária - sendo que a vontade deve vir de seu íntimo - assumir sua culpa, entregando os demais comparsas da conduta delituosa à autoridade judiciária ou policial, obtendo, assim, o delator, os benefícios previstos pelo instituto. “Quando se realiza o interrogatório de um co-réu [sic] e este, além de admitir a prática do fato criminoso de qual está sendo acusado, vai além e envolve outra pessoa, atribuindo-lhe algum tipo de conduta criminosa, referente à mesma imputação, ocorre a delação”. (NUCCI, 1999, p. 213). De estar presente a exigência de que o delator também tenha participado da mesma conduta delituosa atribuída aos seus comparsas delatados, pois caso o delator não tenha participado da conduta delituosa, seu depoimento passará de testemunha ou informante que presenciou fatos criminosos.

A colaboração do delator deve ser efetiva, e que as informações prestadas devem ser eficientes e suficientes para desmantelar e elucidar a trama criminosa. Como colaboração efetiva deve ser incluída pelo menos a declaração de culpa do delator para a obtenção dos benefícios da delação, já que ele não pode negar os fatos que o são imputados, pois, desta forma, não estará auxiliando efetivamente com a investigação e o esclarecimento da infração penal.

Na situação em que o delator é coautor ou coparticipador, é possível que a delação premiada seja utilizada como exceção, sendo aplicada somente nos crimes em que ele tenha interesse processual direto para elucidar o caso. E esse entendimento é bom, pois ampliar as possibilidades de abrangência desse instituto para outros crimes elencados no Código Penal, em que o delator agiria somente como informante, poderia trazer uma situação em que o Estado não tivesse mais o interesse em investigar, bastando que prenda um integrante da quadrilha que saiba de todo funcionamento da organização criminosa, e em seguida, aquele faça delação dos comparsas em atos que tenha presenciado.


3. PREVISÃO DA DELAÇÃO PREMIADA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

No Brasil a delação premiada, apesar de possuir previsão legislativa desde o século XVII, quando a colônia estava sob o poder da Espanha, o instituto deixou de existir em 1830, revogada pelo Código Criminal do Império, só retornando ao ordenamento jurídico 160 anos depois, a partir do ano de 1990, com a instituição da lei nº 8.072/90 (Lei de crimes hediondos) que prevê a concessão de prêmio ao réu-delator.

Além da citada lei, o ordenamento comporta o instituto da delação premiada em normas dispersas, que tratam diferentes temas, que são: Decreto-Lei nº 2.848/40 (Código Penal Brasileiro), Lei nº 7.492/86 (Lei de crimes do colarinho branco), Lei nº 8.137/90 (Lei de crimes contra ordem tributária), Lei nº 9.034/95 (Lei de prevenção ao crime organizado), Lei nº 9.613/98 (Lei contra a lavagem de dinheiro), Lei nº 9.807/99 (Lei de proteção à testemunha e à vítima de crime) e Lei nº 11.343/06 (Lei antitóxico).

Como já dito, as referidas normas abordam mecanismos distintos para que o delator se beneficie do prêmio, portanto não há um padrão no tratamento do instituto da delação premiada. Apesar disto, tal mecanismo é de grande importância no combate à criminalidade, sendo esta a finalidade com que o legislador veio a desenvolver as leis acima mencionadas. Com isto, se tem uma ideia das diferentes formas com que a delação premiada é prevista na legislação brasileira.

3.1 Leis dos crimes do colarinho branco e dos crimes contra a ordem tributária

Apesar de abordarem crimes diversos, a lei que versa sobre os crimes contra o sistema financeiro nacional, mais conhecida como crimes do colarinho branco, e a lei de crimes de ordem tributária, ambas tiveram o instituto da delação premiada alterados pela Lei nº 9.080/95 e possuem texto normativo comparado.

Quanto a Lei nº 7.492/86, que versa sobre os crimes contra o sistema financeiro nacional (crimes do clarinho branco), busca identificar um tipo de criminoso distinto, que possui poderes diretivos e econômicos. Por esse motivo, foi intitulada pela doutrina de crimes do colarinho branco.

Como se sabe, alcançar criminosos dessa estirpe não é tarefa das mais fáceis, pois possuem muito dinheiro e influência. Com essa consciência, a Lei nº 9.080/95 introduziu na norma o instituto da delação premiada, com vistas a facilitar a elucidação de crimes envolvendo controladores e administradores de instituições financeiras e similares, na forma disposta no artigo 25, parágrafo 2º, da Lei nº 7.492/86, disposto em Brasil (2016).  

No que concerne à lei de crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, o legislador editou a Lei nº 8.137/90, que definem os crimes contra a ordem tributária, a ordem econômica e contra relações de consumo. O artigo 16, parágrafo único dessa lei, faz referência ao instituto da delação premiada. O que se verifica é que em ambas as leis a delação premiada é tratado de forma idêntica, bem como a tratam como “confissão espontânea”.

Assim, em caso de crimes cometidos em quadrilha ou com mais de dois agentes, sendo um deles coautor ou partícipe que traga elucidação de toda a rede de delitos à autoridade competente, ainda que não impeça a realização dos crimes, resulta em prêmio para o delator. Além do mais, a lei exige a confissão espontânea do agente para que o prêmio seja efetivado, e nesse ponto específico, as leis que versam sobre o instituto da delação premiada não guardam o mesmo significado para explicar a forma com o que o acusado decide auxiliar a justiça, pois ora se exige espontaneidade, ora voluntariedade. No caso das duas leis aqui abordadas, a exigência é a mesa, pois além da espontaneidade há a figura da confissão, enquanto que em outras a simples cooperação garante o prêmio.

3.2 Lei contra o crime organizado

Diante da situação em que as organizações criminosas estão cada vez mais utilizando estrutura complexa quanto à hierarquia e ao modus operandi, o legislador brasileiro editou a Lei nº 9.034/95, com o intento de criar mecanismos de repressão ao crime organizado, sendo incluído o instituto da delação premiada, visando utilizá-lo para facilitar a aplicação da lei penal contra os envolvidos. Não se pode esquecer que as instituições criminosas são dotadas de grande força e que a delação é bastante eficaz para combatê-las. Nesse caminho, dispõe o artigo 6º que, “nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a 2/3 (dois terços), quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria.” (BRASIL, 2016, p. 1.598).

Do texto do dispositivo legal acima, verifica-se que a delação premiada só alcança o agente que tiver tomado parte da organização criminosa e que de forma espontânea delate seus comparsas. Apesar de semelhantes, a espontaneidade distingue-se de colaboração voluntária, sendo dois institutos diferentes:

Voluntário é o ato produzido por vontade livre e consciente do sujeito, ainda que sugerido por terceiros, mas sem qualquer espécie de coação física ou psicológica. Ato espontâneo, por sua vez, constitui aquele resultante da mesma vontade livre e consciente, cuja iniciativa foi pessoal, isto é, sem qualquer tipo de sugestão por parte de outras pessoas. (JESUS, 2005, <http//jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7551>).

Essa diferença elencada é muito importante, pois outros dispositivos legais que dispõem sobre a delação premiada não exigem a espontaneidade. Mas nesta lei, para a concessão do prêmio delatório não importa a causa que levou o agente a denunciar seus comparsas, mas é imprescindível que o ato tenha sido espontâneo.

Ademais, o prêmio concedido pela delação premiada não se restringe a delação dos crimes praticados pela organização, mas também pela revelação da própria instituição criminosa, tendo em vista que o intuito de constituir uma organização criminosa já constitui delito. Assim, na elucidação da própria organização criminosa, uma transgressão penal já está previamente presente. Portanto, diferente do que ocorre com parágrafo único do artigo 8º da Lei 8.072/90 (lei dos crimes hediondos), a lei contra o crime organizado não exige o desmantelamento da organização, bastando que o delator aponte ou exponha a existência de violações penais, bem como que indique os comparsas que tomaram parte dela. Nesta lei há limite temporal para a cooperação do agente, por isso a delação poderá ocorrer em qualquer fase, desde o inquérito até após o trânsito em julgado da condenação. Neste último caso, o prêmio será concedido através da Vara das Execuções Penais.

Já a Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas) trouxe em seu texto a possibilidade da delação premiada em dois artigos, 41 e 49. Conforme em Brasil (2016), na presente lei, a forma de colaboração do delator exigida é a voluntária, sendo o objetivo da delação ser a identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e a recuperação total ou parcial do produto do crime. O benefício delatório previsto se restringe a redução de um a dois terços da pena, não há mais previsão de sobrestamento da pena, tampouco a possibilidade de acordo entre o representante do Ministério Público e o indiciado, como previsto anteriormente na Lei nº 10.409/02 (antiga de lei de tóxicos). No que tange o artigo 49, a lei revogadora remete as hipóteses previstas nos artigos 33, caput e § 1º e 34 a 37 da lei, passíveis do prêmio da delação, à proteção prevista na lei de proteção às testemunhas, conforme em Brasil (2016).

3.3 Leis dos crimes hediondos e do crime de extorsão mediante sequestro

A Constituição Federal de 1988 trouxe a previsão dos crimes hediondos no inciso XLIII, do artigo 5º, deixando a cargo de lei infraconstitucional a definição dos tipos penais que se enquadrariam nesse instituto e os parâmetros para sua configuração. Diante disso, o legislador editou a Lei nº 8.072/90.

Em seu artigo 1º, da Lei nº 8.072/90, relaciona de forma taxativa os crimes, tanto consumados quanto tentados, considerados hediondos. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº 80.886, corroborou a constitucionalidade desse artigo:

A Lei 8.072/90, que dispõe sobre os crimes hediondos, atendeu ao comando constitucional. Considerou o tráfico ilícito de entorpecentes como insuscetível dos benefícios da anistia, graça e indulto (art. 2º, II). E, ainda, não possibilitou a concessão de fiança ou liberdade provisória (art. 2º, II). A jurisprudência do Tribunal reconhece a constitucionalidade desse artigo. (BRASIL, 2001, <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000100041&base=baseAcordaos>).      

O teor da decisão acima demonstra a gravidade que o legislador atribuiu àqueles crimes. Atentando-se a isso, o parágrafo único do artigo 8º, da Lei de Crimes Hediondos, introduziu o instituto da delação premiada, que vinha sendo adotado no exterior para combater o crime, que prevê a redução da pena de um a dois terços para o participante ou associado que possibilite o desmantelamento do bando ou da quadrilha, por intermédio de denúncia às autoridades. Por isso o instituto da delação premiada é grande atrativo para o delator indicar quem são seus comparsas, contribuindo para a solução do crime e auxiliando com a justiça.

O conceito do desmantelamento de uma quadrilha é um problema que deve ser analisado pela jurisprudência, avaliando-se o caso concreto para determinar se ocorreu ou não o desfazimento da quadrilha ou bando (JESUS, 1990). Porém, nem sempre se necessita algum tipo de pronunciamento jurisdicional, em se tratando de quadrilha ou de bando, tendo em vista que se a delação alcançar efetivamente a separação do grupo, afetando-o de modo que seus objetivos criminosos sejam frustrados, ocorrerá seu desmantelamento.

Por outro caminho, a redação do artigo 7º da Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) incluiu um parágrafo ao artigo 159 do Código Penal, posteriormente modificado pela Lei nº 9.269/96, informando que o delito deveria ser cometido por um bando ou quadrilha para ensejar o direito ao prêmio da delação. A referida modificação inovou e substituiu os termos bando ou quadrilha por concurso de pessoas e coautor por concorrente, bastando que o delator tenha se reunido com, no mínimo, outra pessoa para a prática do delito.

No Código Penal, em seu parágrafo 4º do artigo 159 (extorsão mediante sequestro), “se o crime é cometido em concurso, o concorrente que denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”. (BRASIL, 2016, p. 542). Deste dispositivo se tem a ideia que a delação premiada é uma causa de diminuição de pena ao delator que tenha atuado em quaisquer das posições subjetivas do crime extorsão mediante sequestro consumado e que realize a delação voluntariamente. Quanto à eficácia da delação, deve-se entender que o prêmio está ligado à libertação eficaz do sequestrado (vítima), bem como que a integridade física dele esteja preservada. Assim observa-se que o instituto da delação prevista no Código Penal, visa favorecer a libertação do sequestrado e imputar a devida punição aos demais concorrentes que continuaram na transgressão penal.

Em ambos dispositivos acima, pode figurar, num mesmo caso concreto, o instituo; o § 4º do artigo 159 do Código Penal pode ser cumulado com o parágrafo único do artigo 8º da Lei 8.072/90 (Lei dos crimes hediondos), já que as citadas previsões comportam objetivos diversos: a libertação do sequestrado e o desmantelamento da quadrilha ou bando. Em caso de as informações prestadas pelo delator às autoridades possibilitarem a libertação do sequestrado, bem como o desfazimento da quadrilha ou bando, sua pena privativa de liberdade final, deverá ser considerado ambos os prêmios ao delator, caso reconhecido o concurso material entre os dois delitos.

3.4 Lei contra a lavagem de dinheiro

Como já dito, as organizações criminosas são dotadas de complexidade e visam auferir lucros gigantescos com suas atividades ilegais. Não há dúvidas que a Lei contra lavagem de dinheiro está intimamente ligada ao combate do crime organizado.

O crime organizado, mercê de suas atividades ilícitas (tráfico de drogas, contrabando de armas, extorsão, prostituição, etc.), dispõe de fundos colossais, mas, inutilizáveis enquanto possam deixar pistas de sua origem. Da necessidade de ocultar e reinvestir as ingentes fortunas obtidas, ora para financiar novas atividades criminosas, ora para a aquisição de bens diversos, surge a lavagem de dinheiro com o fim último de evitar o descobrimento da cadeia criminal e a identificação de seus autores. (CALLEGARI, 2004, p. 55).

Um conceito deste crime de fácil compreensão é “lavagem de dinheiro poderia ser definida como método pelo qual um indivíduo ou uma Organização Criminosa processa os ganhos financeiros obtidos com atividades ilegais, buscando trazer a sua aparência de obtidos licitamente”. (MENDRONI, 2001, p.481). É um mecanismo usado pelos criminosos, organizados ou não, para transformar os recursos advindos da criminalidade em bens/posses supostamente legais. Porém, a eficácia da lavagem de dinheiro depreende da colaboração de outros indivíduos, por exemplo, os ligados ao governo ou às instituições financeiras, bem como pode ocorrer por meio de negócios de fachadas.

Como se observa, o problema da lavagem de dinheiro envolve pessoas que dificilmente seriam descobertas através de investigações criminais sem a delação premiada. Desse modo, o legislador, estabeleceu no artigo 1º, parágrafo 5º, da Lei nº 9.613/98 (lei da lavagem de dinheiro), a delação premiada.

A norma supramencionada trouxe inovação, tendo em vista que não restringiu o prêmio à redução da pena, mas apresenta prêmios bem mais atrativos do que outras leis esparsas, como a aplicação da pena em regime aberto e a não aplicação de pena. Para a concessão do prêmio, é necessário, além da prática do crime, que o delator tenha participação ativa no crime como autor, coautor ou partícipe e que haja uma relação de causa-efeito entre a colaboração do agente e o esclarecimento da infração e de sua autoria ou o resgate dos objetos do crime. Aqui novamente se exige a espontaneidade da cooperação, ou seja, que o agente delate de forma eficaz seus comparsas por vontade livre, consciente e por iniciativa própria e não de terceiros. Em decorrência da espontaneidade, o prêmio não pode ser concedido de ofício pelo juiz, por isso é necessária a provocação do Poder Judiciário para a eficácia da delação.

3.5 Lei de proteção às vítimas, às testemunhas e aos delatores de crimes

A delação premiada foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro com a finalidade de elucidar crimes de difícil solução. Tal situação compromete a segurança do delator ou de sua família, ante as ações vingativas pelos comparsas delatados. Além disso, prevalece a lei do silêncio, de que as vítimas e testemunhas temem represálias de criminosos.

Nessa situação, foi editada a Lei nº 9.807/99, denominada Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas, com a intenção de resguardar vítimas, testemunhas e réus delatores; sujeitos submetidos a riscos por colaborarem na elucidação de fatos criminosos. Mas não há a possibilidade de ocorrer a delação de forma anônima, como ocorre com as vítimas e testemunhas, deixando os réus colaboradores mais expostos aos riscos de represália pelos seus comparsas.

Diante disso, a referida norma, além de disciplinar o instituto da delação, estabeleceu, no artigo 15, parágrafos 1º e 3º, importantes medidas de segurança e de proteção à integridade física dos réus colaboradores. Em Brasil (2016), a delação premiada está prevista no artigo 14 da lei, podendo ser concedida ao reincidente, bem como o perdão judicial, se exigindo a voluntariedade do delator, já distinguida da espontaneidade anteriormente, vez que o ato praticado deve surgir da vontade consciente e livre, ainda que por sugestão de terceiros, mas sem coação psicológica ou física, desde que efetiva. Ademais, o legislador indicou os marcos temporais para se fazer a delação, pois após o trânsito em julgado de sentença condenatória não há prêmio da delação, diferentemente de outras aplicações em leis. Além do mais, o artigo não restringe os crimes em que o instituto possa ser utilizado, sendo possível do delator contribuir esclarecer qualquer tipo de crime.


4. DELAÇÃO PREMIADA E SUA CONSTITUCIONALIDADE

O presente capítulo é o objetivo principal deste estudo. Tal verificação é indispensável para que se saiba se esse instituto encontra guarita no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente no âmbito do direito processual constitucional na vertente da tutela constitucional do processo que “[...] é matéria atinente à teoria geral do processo [...] em sua dúplice configuração: a) direito de acesso à justiça (ou direito de ação e de defesa); b) direito ao processo (ou garantias do devido processo legal).” (CINTRA, 2010, p. 86).

Mas a delação premiada também exprime a ideia de que o estado foi ineficiente e a investigação pode ser abreviada, bastando, para isso, o Estado obter auxílio, com a oferta de um prêmio ao delator, que é diretamente interessado no desfecho do processo, por um sistema de trocas. E a discussão sobre a constitucionalidade processual criminal da delação premiada ganha principal interesse, porque “[...] se de um lado há a ideia [sic] de trazer um indivíduo acusado de um crime a atuar como auxiliar da justiça na punição de seus co-autores [sic], por outro lado há um ataque aos princípios fundamentais sobre os quais se estrutura o Estado Democrático de Direito”. (TASSE, 2006, p. 270).

4.1 A moral e a moralidade administrativa na delação premiada

A moral pode ser conceituada como “um conjunto de normas e regras destinadas a regular as relações dos indivíduos de uma comunidade social dada”. (VASQUÉS, 1969, p. 25). A delação, que possui um cunho de traição, por quebrar o vínculo de confiança entre o denunciante e o denunciado, é vista na sociedade como algo imoral, ao passo que muitos doutrinadores também não vêm com bons olhos o instituto, sendo que não seria justo dar um novo emprego, identidade ou domicílio de um delator.

Mas o direito é valorativo, podendo comportar diversos entendimentos e a racionalidade, apesar de balizar vários valores humanos, não é por si só um elemento que justifica uma imposição limitativa ao direito, e nesse mesmo sentido há o entendimento de que existe um mínimo ético necessário à vida em sociedade onde é exigido que as relações humanas sejam adaptadas às normas jurídicas e às normas morais.

De outra banda, outra parte da doutrina permite certa flexibilização da aplicação da moral, apesar de a delação premiada, que apresenta um conteúdo moral suspeito, pode ser aceita em um determinado ordenamento jurídico, bastando para isso, entender que a moral, aplicada ao mundo real, deve ser adequada às necessidades humanas.

A delação premiada está baseada “[...] na mais pura ética e moral e ainda, é de essência puramente pedagógica, pois ensina que não há nada de mal em se arrepender de erros passados, bem como em tentar reparar ofensas feitas à sociedade [...]”. (GUIDI, 2006, p. 22-23).

Em virtude de o instituto da delação premiada beneficiar o Estado, deve-se lembrar o princípio da moralidade administrativa, previsto na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 37, caput, o qual informa que todas as esferas da administração pública obedecerão, dentre outros princípios, ao da moralidade para a tomada de suas decisões. Mas não é só a administração pública que deve seguir e respeitar este princípio, e sim também o particular ao se relacionar com o Estado, e o ato administrativo “não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto [...]”. (MEIRELLES, 2009, p. 90).

Existem os que defendem que a delação premiada é revestida de imoralidade, pela quebra da confiança, desagregando a sociedade a ordem constitucional instituída. Mas não levaram em conta que a própria investigação criminal, por muitas vezes, é iniciada por uma delação advinda de qualquer pessoa do povo, conforme autorização disposta no Código de Processo Penal em seu artigo 5º, parágrafo 3º. Tal direito é a figura do “delatio criminis”, em sede da qual, qualquer do povo, na condição de membro da sociedade (ameaçada ou lesada pelo crime), colabora com as autoridades públicas, fornecendo informações sobre um delito. Aqui está um fato de que o Estado se utiliza da delação como meio para se iniciar um processo criminal.

As distinções existentes entre a delação premiada e a delatio criminis residem no fato de aquela exigir que o agente assuma sua culpa pela infração penal e de que será concedido um benefício penal pela efetiva colaboração. Mas existe quem defenda que não se pode aceitar que o Estado incentive a prática de atos imorais, dentre os quais se insere a delação, como forma de atenuar ou excluir a pena de envolvidos na prática de certas infrações penais, assim como que feita a delação por qualquer um, é imoral não sendo bem vista pela sociedade e muito menos pelo delatado.

Ademais, em Brasil (2016), há no ordenamento jurídico a obrigação da delação prevista no artigo 116 da Lei nº 8.112 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União), que foi instituído com o dever do servidor público de transmitir ao superior qualquer tipo de irregularidade que tiver ciência em razão do cargo; em caso de descumprimento, estará o servidor público sujeito à penalidade administrativa de advertência respondendo também pelo crime de condescendência criminosa, que está assim tipificado no Código Penal, em seu artigo 320.

Conforme visto, a legislação brasileira considera como moralmente correta a delação feita por um funcionário público por ser relevante à administração pública. E para o Estado é difícil aceitar a delação como sendo algo imoral, pois se utiliza deste instituto tanto para proteger a sociedade quanto para apurar irregularidades dentro de suas repartições.

4.2 Respeito à dignidade da pessoa humana na delação premiada

A discussão da moralidade da delação premiada abre o questionamento quanto ao respeito da dignidade da pessoa humana, pois, a delação não inclui socialmente o criminoso, já que valoriza a traição, tratando o homem como coisa que negocia com sua própria torpeza, reduzindo o delator como um mero meio de prova com um preço a se pagar que é a redução da própria pena. E essa negociação feita pelo Estado é amoral, ferindo o fundamento constitucional do respeito à dignidade da pessoa humana, visto que a delação é a busca da verdade através da barganha da liberdade do delator.

Já em outro caminho, “a delação, por si só, ensejaria o despertar sobre aquele que ‘praticou a má ação de um sentimento de arrependimento e de reversão da postura de colisão com os valores negados com a ação ilícita”. (AZEVEDO, 1999, p. 06). Assim sendo, a delação é uma forma de o agente criminoso reparar os danos já causados à sociedade, agindo assim pelo direito e fazendo jus ao benefício previsto na legislação que trata da delação premiada.

A dignidade da pessoa humana constitui-se em “um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais [...]”. (MORAES, 2009, p. 22).

Ao permitir que o agente criminoso delate seus comparsas, o Estado está limitando a abrangência do fundamento da dignidade da pessoa humana. Mas, essa limitação ocorre de forma restrita e excepcional, já que na delação premiada, que se trata de uma situação extraordinária, não é incentivado a denunciação pelo Estado, pois nem todos os indivíduos são aptos a delatar, visto ser exigida do delator a participação na conduta criminosa e também que ele voluntariamente assuma sua culpa, exigências essas que, por si sós, reduzem a atuação desse instituto.

O instituto da delação premiada a todo o momento coloca em xeque a dignidade da pessoa humana, pois, o agente criminoso, que delata os outros comparsas, em virtude de seu arrependimento, passa a trair a si próprio, pois ele denega o objetivo original de sua conduta que é a criminalidade, “[...] passando a aceitar o castigo a que esteja sujeito e fica insatisfeito consigo mesmo pela violação da lei, estando disposto a não mais fazê-lo, bem como de reparar o dano causado assumindo posição de colaboração para com o Estado”. (GUIDI, 2006, p. 150).

Na delação premiada, o delator está em busca de algo mais valioso, não se apegando nos riscos de sua conduta ao delatar, permitindo assim relativizar eventual perda da dignidade humana. Dessa forma, o delator arrependido, utiliza-se da delação visando auxiliar o Estado na elucidação dos fatos, privilegiando a justiça acima de qualquer outro sentimento.

4.3 Devido processo legal na delação premiada

Em Brasil (2016), a Constituição Federal de 1988 no artigo 5º, incisos LIV e LV, assegura aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, garantindo ainda que nenhum indivíduo tenha sua liberdade privada sem o devido processo legal. Este direito fundamental amplo aborda várias garantias constitucionais, que asseguram às partes de um processo o exercício de seus direitos e faculdades processuais, bem como para o correto exercício da jurisdição (dizer o direito).

4.3.1 Sigilo na delação premiada X o princípio da publicidade

 Como lembra Guidi (2006), durante as investigações preliminares na fase judicial, o delatado não pode ter conhecimento da delação para evitar que ele intimide testemunhas, destrua provas e vestígios. Em razão disto, para se preservar o delator, o acordo não pode constar no processo ou ser utilizado como prova no mesmo.

 Mas impedir que o delatado tenha acesso ao acordo de delação, além de infringir os princípios da ampla defesa e do contraditório, viola o princípio da publicidade, que garante a todos que os atos administrativos sejam públicos e que os agentes públicos, o juiz que preside o processo no caso da delação premiada, tenham seus atos fiscalizados por toda a sociedade.

Todavia, o sigilo dos atos processuais da delação premiada encontra suporte na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso LX, o qual diz que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. (BRASIL, 2016, p. 27). E neste mesmo artigo, no inciso XXXIII, traz os casos as informações são restringidas, “[...] ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. (BRASIL, 2016, p. 26).

No caso da delação premiada ocorre uma colisão de direitos fundamentais, onde por um lado está a publicidade dos atos processuais e por outro a possibilidade do sigilo dos acordos de delação, com possível violação da ampla defesa e do contraditório do delatado.

Moraes (2009) lembra que o conflito de dois ou mais direitos ou garantias fundamentais deve ser resolvido evitando-se que ocorra a inaplicabilidade completa de todos eles, devendo ser proporcionalmente reduzida a abrangência de cada um dos direitos ou garantias em desacordo para que a interpretação da Constituição esteja em concordância com o correto sentido de seus princípios. Dessa forma os bens jurídicos devem ser coordenados e combinados para que se chegue a uma harmonização da aplicação da Constituição Federal.

Manter o sigilo temporário da delação premiada traz várias situações que Moraes (2009) aborda, como dar efetividade às diligências nas investigações preliminares é importante para a segurança do delator, garante também a defesa da intimidade do delatado, pois, a divulgação prematura de uma denúncia falsa, sem a devida confirmação, pode acabar com a honra de uma pessoa, violando para ela o fundamento da dignidade da pessoa humana e o direito fundamental à integridade da imagem, sendo esses tutelados constitucionalmente.

Outro ponto controverso é o fato de o acordo de delação premiada ter o sigilo decretado, tornando-o inacessível ao delatado, violando, assim, o exercício da ampla defesa do acusado, pois inexiste a possibilidade de se defender, e contraditar, o que não está a ele acessível. Esse aspecto é importante, pois, o delatado se defende de fatos que estão no processo, sendo impedido tão somente de ter acesso ao acordo de delação que tão somente importa ao delator. E independentemente do conteúdo desse tratado, caso ele não venha ao processo e não seja contraditado, não poderá esse acordo ser utilizado como meio de prova em desfavor do delatado.

Tal situação está prevista na Constituição Federal no artigo 93, inciso IX, que exige que todas as decisões judiciais sejam fundamentadas, sob pena de nulidade (BRASIL, 2016, p. 38). Portanto, caso o juiz fundamente a sentença condenatória com base em um documento secreto, deverá esta ser anulada pela violação do princípio da publicidade. O delatado demonstrando eventual prejuízo causado pelo conteúdo sigiloso existente no acordo de delação, pode requerer ao Poder Judiciário para que esse seja afastado, pois é obvio que o sigilo da delação premiada não possui força suficiente para superar o princípio constitucional da garantia da ampla defesa.

4.3.2 Direito ao silêncio na delação premiada

Em Brasil (2016), a Constituição Federal institui no artigo 5º, inciso LXIII, que o preso tem o direito de permanecer em silêncio, pela aplicação do princípio da não autoincriminação, dando a ele a garantia de não gerar provas contra si próprio. Ocorre que na delação premiada, uma das exigências é a de que o delator assuma sua culpa, relativamente aos crimes que pretende delatar. E “[...] não há que se negar que, diante da possibilidade de obtenção do prêmio estatal, o indivíduo tem sua liberdade vulnerada, restando compelido a cooperar com o desenvolvimento da atividade empreendida pelo Estado.” (CARVALHO, 2009, p. 114). Então, ao se firmar o acordo de delação, não deverá ser omitido do delator a informação que a delação deve ser livre e consciente existindo para ele o direito de permanecer em silêncio, esclarecido por advogado ou autoridade de que não tem o dever de cooperar.

Junto a isso, deverá ser esclarecido ao delator que o auxílio tem que ser efetivo, que para a concessão do benefício da delação premiada, posteriormente, o magistrado analisará o real auxílio da delação para a instrução processual, bem como a inclusão do delator em programa de proteção. O acordo deve ser submetido à homologação judicial para que se verifique a inexistência de qualquer vício que o macule.

A inobservância desses esclarecimentos gera nulidade processual, devendo ser excluídas do processo todas as provas anteriores que foram obtidas com a delação, e também as provas posteriores dela derivadas. Portanto, o acusado ao delatar tem duas possibilidades: manter-se em silêncio ou auxiliar nas investigações; e, optando por essa última, determina para ele a renúncia ao direito de não se autoincriminar, mas, abre-se para ele o direito de receber dos benefícios atrelados à delação premiada.

Carvalho (2009) ensina que o princípio da não autoincriminação prepondera sobre o acordo de delação premiada, já que o delator, que também é coautor do delito delatado, durante o interrogatório pode não confirmar o teor da delação, invocando seu o direito ao silêncio. Tal atitude é possível, pois, a renúncia a esse direito no acordo de delação não é absoluta, pois se trata de direito fundamental amparado pela Constituição Federal.


5. CONCLUSÃO

Conforme demonstrado, o instituto da delação premiada já vem sendo utilizado no Brasil há anos, sem grandes mudanças em sua conceituação e em sua aplicação.

Ocorre que, a delação premiada não observa princípios constitucionais aplicados nos processos, além de transmitir essência que é imbuída de uma moralidade suspeita por trazer o espírito da traição, situação que diversos pensadores afirmam que esse instituto não deve ser utilizado pelas autoridades judiciárias.

Mas o que foi visto é que o instituto é utilizado para facilitar as investigações criminais. E aqui, no Brasil, várias leis foram incorporadas para permitir que a delação premiada seja aplicada de forma a combater a criminalidade, em especial, a corrupção.

Neste trabalho, a delação premiada foi analisada quanto ao seu conceito e principais características no modo de sua aplicação e consequências para o delator, bem como sua constitucionalidade no devido processo legal penal ante princípios constitucionais do sigilo processual do instituto, do princípio da publicidade dos atos processuais e do direito ao silêncio que o delator possui.

E de toda essa análise, pode-se concluir que o instituto da delação premiada, apesar de caracterizar a traição e imoralidade, não pode ser afastado da legislação brasileira, pois sua inconstitucionalidade não prevalece. Em todas as teorias, contra e a favor do instituto, são muito bem justificadas, jurídica e logicamente, e nenhuma delas consegue afastar a aplicabilidade da delação premiada, pois é um instrumento utilizado na busca de um bem maior para a sociedade brasileira que é o combate à criminalidade, evidenciando proteção da sociedade em desfavor do indivíduo.

Diante do exposto, a delação premiada deve ser aceita, ante a constitucionalidade, como uma ferramenta extraordinária e útil para o combate das organizações criminosas, e as eventuais inconstitucionalidades devem ser analisadas no caso concreto de forma individualizada, e em caso de abusos e ao não cumprimento da lei, ser afastada a aplicação do instituto caso comprovado que em uma situação específica foram violados direitos constitucionais importantes do indivíduo e da aplicação da justiça.


REFERÊNCIAS

AZEVEDO, David Teixeira de. A Colaboração Premiada num Direito Ético. In: Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo: IBCCrim, ano 7, n. 83, out. 1999. 

BRASIL. Vade Mecum Saraiva. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

________. Supremo Tribunal Federal. Penal. Processual Penal. Habeas Corpus n. HC 80.886, Relator: Ministro Nelson Jobim, Brasília, DF, 22 de maio de 2001. DJ de 14-6-02. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/ jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000100041&base=baseAcordaos>. Acesso em 24 set. 2016.  

CALLEGARI, André Luís. Imputações objetivas: lavagem de dinheiro e outros temas de direito penal. 2. ed. rev. Ampl. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2004. 

CARVALHO, Natália Oliveira de. A delação premiada no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 26. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010.

GUIDI, José Alexandre Marson. Delação Premiada no combate ao crime organizado. São Paulo: Lemos & Cruz: 2006. 

JESUS, Damásio Evangelista de. Anotações à Lei 8.072/90: Fascículos de Ciências Penais. n. 4, Porto Alegre: Forense, 1990.

_______. Estágio atual da “delação premiada” no Direito Penal brasileiro. Disponível em: <http//jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7551>. Acesso em: 23 set. 2016.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 

MENDRONI, Marcelo Batlouni. Tópicos essenciais da lavagem de dinheiro. Revista dos Tribunais, ano 90. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 787, maio 2001, p. 481.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2009. 

NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no processo penal. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

TASSE, Adel El. Delação Premiada: Novo passo para um procedimento medieval. In: Ciências Penais - Revista da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano. 3, p. 269-283, jul./dez. 2006.

VASQUÉS, Adolfo Sánchez. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969. 


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRIEDRICH, Ricardo Werner. O instituto da delação premiada e sua validação constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5587, 18 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68107. Acesso em: 26 abr. 2024.