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Processo penal de emergência: O emprego da prisão preventiva como método para obtenção de delações premiadas na Operação Lava Jato

Processo penal de emergência: O emprego da prisão preventiva como método para obtenção de delações premiadas na Operação Lava Jato

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O emprego da prisão preventiva para obter a confissão do investigado não é revestido de legalidade, mas tão somente adotado como prática inquisitiva.

RESUMO: Trata o presente estudo do uso desenfreado da delação premiada na Operação Lava Jato, que visa a assegurar a recuperação de bens e valores da administração pública. Frise-se que o instituto da delação premiada, influenciado pela cultura emergencial, acabou sendo, muitas vezes, condicionado à prisão preventiva na aludida operação. Tem-se como hipótese central o pensamento no sentido de alguns dos fundamentos e requisitos utilizados pelos magistrados ao decretarem prisões preventivas dos investigados na aludida operação com o fito de impulsionar o instituto da delação premiada, violaram os ditames constitucionais e os pilares axiológicos do processo penal. Para a concretização da pesquisa foram utilizados os métodos argumentativos e diáletico, recorrendo-se, no campo das técnicas, teses de mestrado, artigos científicos, além de análise de decisões judiciais. Concluiu-se que, de fato, algumas das prisões preventivas decretadas no curso da aludida operação não obedeceram aos métodos de interpretação, ensejando de tal forma o arbítrio e o ativismo judicial, além de ferir os direitos e garantias fundamentais do acusado.

Palavras-Chave: Delação Premiada. Processo Penal. Prisão Preventiva. Cultura Emergencial. Ativismo judicial


1 INTRODUÇÃO

A delação premiada tem sido utilizada de forma frequente na Operação Lava Jato. Trata-se de um instituto, no qual um autor denuncia à autoridade competente outros corréus, a fim de melhorar sua condição no processo e também auxiliar no desvendamento do crime. No entanto, este instituto tem sido alvo de diversas críticas por parte da doutrina e da jurisprudência, posto que seu uso indiscriminado na aludida operação acaba sendo condicionado, muitas vezes, à prisão preventiva.

O estudo versa, portanto, sobre o uso reiterado da prisão preventiva para impulsionar delações premiadas dos investigados na Operação Lava Jato. Nesse passo, o que se intenta analisar é se a obtenção da delação premiada quando o investigado está em cárcere atende ou não às exigências do garantismo penal. Ressalte-se que, para a realização da pesquisa foi feita uma revisão bibliográfica e jurisprudencial, logo se utilizou de obras, artigos científicos, revistas jurídicas, além de análise de decisões judiciais

Assim, objetivando-se organizar este trabalho em conformidade com o objetivo proposto, dividir-se-á a sua estrutura, a fim de melhor expor os principais aspectos que compõem o tema. Inicialmente, para o desenvolvimento do tema, é necessário discorrer sobre o panorama do instituto da delação premiada, seu conceito, breve histórico e seu valor probatório. Em seguida, será abordado acerca dos requisitos da delação premiada na Lei de Crimes Organizados. É necessário, ainda, o estudo das principais correntes doutrinárias a respeito do instituto da delação premiada, destacando a lição de Fauzi Chouckr que diferencia a emergência na seara penal da seara constitucional, os estudos de Luigi Ferrajoli e Eugenio Raúl Zaffaroni, no qual enfatizam que o instituto da delação premiada é influenciado pela cultura emergencial.

Finalmente, almejando a plena assimilação do problema, analisam-se as decisões que decretaram as prisões de alguns dos investigados na sobredita operação, na qual demonstram que o Estado, muitas vezes, procura buscar a eficiência e o êxito da persecução penal em prejuízo dos direitos e garantias fundamentais. Será verificado nesse capítulo que alguns dos fundamentos utilizados para decretar a prisão preventiva dos acusados, Marcelo Odebrecht e Eike Batista, na Operação Lava Jato entraram em desarmonia com o direito fundamental da presunção de inocência previsto no art.5º, inciso LVII da Carta Magna. Nessa mesma oportunidade, será abordado acerca dos métodos de interpretação, que melhor se adeque a um processo jurisdicional democrático de modo a evitar decisões judiciais de posturas arbitrárias.


2 O INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA

Neste capítulo, irá ser abordado primeiramente acerca do conceito da delação premiada e suas distinções conceituais, demonstrando que esse instituto tem como fito suprir a deficiência do Estado em combater o crime organizado. Logo após, será demonstrado a sua evolução histórica e, por fim, o seu valor probatório, consistindo no meio de prova fundado nas declarações do delator.

2.1 Conceito e distinções conceituais

A delação premiada é tida como instituto novo no contexto do ordenamento jurídico nacional, tratando-se de uma fonte de prova no processo penal brasileiro. Saliente-se que a expressão delação é oriunda do latim delatione e significa “denunciar, revelar (crime ou delito); acusar como autor de crime ou delito, deixar perceber; denunciar como culpado; denunciar-se como culpado, acusar-se” (FERREIRA, 1999, p.617). Marcos Paulo Dutra Santos (2017, p.99) afirma que a delação premiada é um plus em relação confissão, pois, àquela traz informações além de admitir o fato delituoso.

É de bom alvitre mencionar que o instituto da delação premiada não se confunde com a colaboração premiada, posto que nesta não há uma delação. A colaboração premiada é mais ampla, no momento em que o colaborador na investigação assume a culpa sem incriminar o outro, existindo assim, a figura do colaborador. A partir do instante que o investigado admite a sua culpa e incrimina o terceiro, estar-se-á diante da delação premiada (GOMES, 2010, p.45).

Nesse diapasão, cumpre destacar que, na delação premiada, busca-se identificar os membros da organização criminosa, para que possibilite a cessação da atividade ilícita. Já na colaboração premiada, a finalidade é a indicação onde a vítima pode ser encontrada como afirma, o Procurador da República, Leandro Bastos Nunes (2017). Alguns doutrinadores, como Rejane Alves de Arruda e Gustavo de Meringhi (2013, p.73), aduzem que delação e colaboração podem ser sinônimos para fins didáticos.

Luiz Flávio Gomes (2005, p.18) leciona acerca da eticidade que envolve os institutos supramencionados. O autor aduz que, na colaboração premiada, não há questionamento ético e quanto ao instituto da delação, este pode implicar na traição. Nessa linha lógica, Augusto Jobim de Amaral e Ricardo Jacobsen (2017, p.7) reconhecem que a premiação da delação premiada é simplesmente querer transmitir valores negativos. Enfatizam que esse instituto configura como uma chantagem meramente institucionalizada.

Segundo Walter Barbosa Bittar (2011, p.1), o sobredito instituto pode ter dois significados nas ciências penais. No primeiro momento, a delação, no sentido de denunciar, significa o conhecimento por parte da autoridade policial acerca do fato delituoso, assim o delator não teria nenhuma relação com o fato criminoso. Do outro vértice, tem o significado de revelar, no dado instante em que o acusado admite a sua responsabilidade por um ou mais delitos, acompanhada da ajuda dos investigadores para o conhecimento do mundo criminal a que pertencia.

Frise-se que a doutrina e a jurisprudência reconhecem a confissão do delator como prova legítima desde que submetida ao princípio do contraditório e a ampla defesa e tenha suporte em outras provas. Este instituto caracteriza-se de forma contratual, de modo que elenca obrigações de cada parte: de um lado o Parquet, no qual oferece uma penalização mais branda pela colaboração do acusado, do outro lado o acusado, o qual fica obrigado a falar a verdade e a renunciar o seu direito ao silêncio e auto-incriminação.

No que tange à natureza do supracitado instituto, Marcelo Batlouni Mendroni (2016, p.151) aduz que decorre da aplicação do princípio do consenso, no qual consiste que as partes entrem em consenso a respeito da situação jurídica do acusado. O autor leciona, ainda, que consiste em uma forma de “barganha’’, uma vez que os agentes públicos ficam por lei autorizados a realizarem acordos com os suspeitos.

2.2 Breve histórico

O instituto da delação premiada, embora seja um novel legislativo, encontra previsão no Livro Quinto, Título CXVI, das Ordenações Filipinas, na qual, oferecia vantagens penais àqueles que cometiam delitos, por meio de informações prestadas às autoridades penais com escopo de levar a prisão de outrem (BARRA, 2010, p.272). Assim, conforme destacam Ana Flávia e José Reinaldo (2012, p.160), caso o indíviduo indicasse o culpado, àquele receberia o perdão e um autêntico prêmio.

O legislador nacional teve como inspiração a legislação premial italiana, tendo em vista que, desde a década de 70 e principalmente no final da década de 80, a Itália versou sobre a possibilidade de concessão de vantagens para os acusados que forneciam informações às autoridades competentes, confessando a autoria do fato criminoso, bem como indicando coautores e propiciando provas desconhecidas. Frise-se que o método utilizado nessa época era de tortura para que assim obtesse a verdade do investigado, sendo tal ato, visto como uma espécie de jogo (BARRA, 2010, p.272).

Nessa linha lógica, frise-se que o instituto da delação premiada teve origem no direito brasileiro no art. 7º, da Lei n.8.072/90 – Lei de Crimes Hediondos, oportunidade na qual o legislador determinou a inserção do §4º ao art. 159 do Código Penal. Conforme lição de Damásio de Jesus (1993), a colaboração premiada não era muito utilizada e tratava-se de um instrumento falido, posto que, não havia regras que visavam à proteção do réu colaborador. Diante disso, foram adotados métodos a fim de estimular a cooperação dos investigados em delatar os seus companheiros.

Nessa toada, saliente-se que houve a difusão do supramencionado instituto em diversas legislações, tendo sido modificado ao longo dos anos como forma de combater de forma eficiente diversos crimes, mais notadamente o crime organizado. Eduardo Araújo (2003, p.48) aduz que essa modificação das ferramentas de colheita de provas é de acordo com o avanço da tecnologia e com o comportamento assumido pelas organizações criminosas.

Consoante aduz Marcelo Batlouni Mendroni (2016, p.153), há leis variadas que dispõem acerca da aplicação do instituto da delação premiada: A Lei nº 12.850/13 (dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal), a Lei nº 9.034/95 (dispõe sobre a utilização dos meios operacionais para a prevenção e represão de ações praticadas por organizações criminosas), a Lei nº 9.613/98 (dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores), a Lei nº 9.807/99 (estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção as vitímas e testemunhas ameaçadas), a Lei nº 8.072/90 (dispõe sobre crimes hediondos), a Lei nº 8.137/90 (define crimes contra a ordem tributária e contra as relações de consumo), a Lei nº 7.492/86 e por fim a Lei nº 9.269/96 (extorsão mediante sequestro).

Nessa toada, frise-se que estas leis possuem distinções para que o investigado receba os benefícios do aludido instituto. No entanto, essas leis possuem requisitos em comum: a efetividade da colaboração, participação do delator na prática da infração, colaboração voluntária. Assim, tendo em vista essa evolução legislativa, cumpre mencionar que o legislador está se preocupando cada vez mais em combater a criminalidade, em especial o crime organizado. Esse instituto da delação premiada assegura o interesse das partes e da persecução penal de forma simultânea, de modo que a acusação receba informações que vão além da admissão do fato delituoso.

2.3 O valor probatório da Delação Premiada

 O instrumento da delação premiada, como forma de obter a confissão espontânea do acusado, configura uma fonte de prova no processo penal brasileiro. Esse meio de prova fundado nas declarações do co-imputado para garantir a efetividade da persecução penal é considerado pela doutrina e jurisprudência uma prova legítima (VALDEZ, 2009, p.176).

A declaração dos co-imputados na fase preliminar deve ser analisada no âmbito de sua valoração, fator preponderante para a decisão. Nessa senda, cabe elucidar acerca do princípio da unidade da prova, a fim de compreender a sua importância no direito processual penal, tem-se que o aludido princípio expõe que uma vez produzida a prova, esta passa integrar todo o processo, pouco importando quem a produziu. A aplicação do princípio da unidade da prova tem a função de formar a convicção do juiz, na qual aprecia-se indícios, contra indícios e elementosde provas.

Segundo Marcelo Batlouni Mendroni (2016, p.152) ''a delação não pode ser considerada um acordo, visto que, envolve uma decisão judicial, ou seja, por uma ''terceira parte'', que não participa da negociação''. A situação da revelação das informações existe entre o acusado e o promotor de justiça e, com a expressa anuência deste, sendo assim, a decisão final caberá ao juiz, por conceder ou não algum benefício como troca. Nesse trilho, é necessário pontuar que as provas da acusação devem ser capazes de superar a presunção de inocência do acusado, premissa que demonstra que o órgão estatal deve se ater à dignidade do cidadão, respeitando a liberdade e a segurança (VALDEZ, 2009, p.186). 

Para que esta prova seja disciplinada no processo penal, torna-se necessário que seja induvidosa e segura. Caso esta prova não seja legítima, o acusado deverá ser absolvido. Assim, a prova da culpabillidade deve ser qualificada de forma que nenhuma condenação será proferida se a prova for insegura e duvidosa, respeitando assim o principio da presunção de inocência conhecido como princípio-garantia. Daí se extrai a ideia de que não pode imputar responsabilidade penal à alguem com base apenas na delação premiada. (VALDEZ, 2009, p. 186). Augusto Jobim de Amaral e Ricardo Jacobsen (2017, p.6) afirmam que o instituto da delação premiada possui um enorme custo de enunciação. O que se quer dizer acerca deste custo é que a confissão do delator acaba reforçando a relação de submissão ao poder punitivo.

Observa-se que o art. 5, inciso 16 da Lei nº 12.850/2013 considera a confissão do delator como meio de obtenção de prova. Entretanto, saliente-se que a condenação baseada apenas em afirmação do delator é insuficiente para a condenação, violando o princípio da presunção de inocência previsto expressamente no artigo 5º, inciso LVII, da CF/88. Por esse aspecto, revela-se notório mencionar que caso a condenação do delatado apenas se baseie em declarações do colaborador, deverá àquele ser absolvido diante da ausência de provas irrefutáveis da autoria do delito.

Neste passo, revela-se imperioso ressaltar que alguns autores como Adalberto José Aranha (2003, p.133) toleram a delação premiada como meio de prova se estiver em harmonia com o contexto probatório. Em sentido contrário, Mittermayer (1996, p.195), aduz que os delatores, buscam benefícios e incriminam inocentes. Assim, elucida:

tem-se visto criminosos que, desesperados por conhecerem que não podem escapar à pena, se esforçam em arrastar outros cidadões para o abismo em que caem; outros denunciam cúmplices, alias, inocentes, só para afastar a suspeita dos que realmente tomaram parte no delito, ou para tornar o processo mais complicado, ou porque esperam obter tratamento menos gravosos, comprometendo pessoas em altas posições.

O juiz ao homologar o acordo de delação premiada, deverá atentar-se ao fato de que a delação é uma ''traição'', tendo em vista que, o delator poderá discorrer sobre fatos inverídicos para que assim consiga obter vantagens. Assim, o juiz deve verificar se há existência de vícios, sejam de consentimento ou coação, caso existam, deverá tornar nulo o aludido acordo. Nessa vertente, Eduardo Araújo da Silva (2003, p.145) aponta que o juiz, na valoração do instituto como prova levará em conta a combinação dos fatores de que o acusado não possui compromisso com a verdade e, ocupa a situação de beneficiário processual para alcançar benefícios processuais.

Nessa toada, cumpre frisar que as delações premiadas que são falsas ocorrem em pouquíssimos casos, posto que, caso o delator apresente uma versão falsa ou mentirosa poderá praticar outros crimes, como por exemplo, a Denunciação caluniosa, prevista no art. 339 do Código penal e a calúnia prevista no artigo 338 do mesmo Código. Inclusive, pode ocorrer o próprio afastamento do benefício e o agravamento da pena do delator pela reprovabilidade da conduta, bem como a sua periculosidade.

A delação premiada utilizada como prova será submetida aos princípios do contraditório e da ampla defesa, a exemplo disso temos o interrogatório judicial, que permite a formulação de quesitos pelos advogados dos coacusados (MESSA; CARNEIRO, 2012, p.215). Estes princípios poderão ser vislumbrados tanto na frase pré-processual quanto no curso do processo, oportunidade, na qual, o delatado terá a oportunidade de contradizer as informações que são trazidas pelo delator, ou seja, trata-se de um método de comprovação da verdade. Atesta-se esta maneira de pensar com a leitura do excerto doravante transcrito do habeas corpus n°. 162451 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) da 6ª Turma:

Embora o interrogatório mantenha seu escopo eminentemente como meio de defesa, quando envolve a acusação ou participação de outro denunciado, cria a possibilidade à defesa do litisconsorte passivo realizar reperguntas, assegurando a ampla defesa e a participação ativa do acusado no interrogatório dos corréus. 2. Não há que se confundir, nessa situação, o corréu com testemunha

A nova redação do art. 188 do CPP, dada pela Lei 10.792/2003, admitiu que as partes poderão formular perguntas ao interrogando, após o interrogatório judicial, respeitando assim o princípio do contraditório. Nessa toada, frise-se que antes desta inovação, a delação premiada era reduzida a termo e sequer era respeitado o princípio do contraditório, posto que, tratava-se de uma documentação da realização de um ato unilateral. Conforme leciona Antonio Scarance Fernandes (2007, p.295):

quando, nas constituições, se assegura a ampla defesa, entende-se que, para observância desse comando, deve a proteção derivada da cláusula constitucional abranger o direito à defesa técnica durante todo o processo e o direito à autodefesa. Colocam-se ambos em posição de diversidade e complementaridade. A defesa técnica, para ser ampla como exige o texto constitucional, apresenta-se ao processo como defesa necessária, indeclinável, plena e efetiva.

 Cumpre ressaltar que o colaborador numa ação penal promovida contra o delatado, ocupa a posição processual de testemunha, que deverá prestar compromisso com a verdade. Caso o colaborador, esteja na qualidade de comparsa, àquele deverá ser possuidor da garantia da não autoincriminação. Nesta última hipótese, a Suprema Corte, no voto do arestro do Habeas Corpus de n. 84.517-7 SP, tendo como relator o Ministro Sepúlveda, pacificou o entendimento de que a delação premiada do do co-réu é inadmissível para lastrear a condenação do delatado.

Registre-se que, caso o acusado renuncie o seu direito ao silêncio para obter os benefícios advindos do supramencionado instituto, estaria violando o devido processo legal. O art.4º, § 14 da Lei de Crimes Organizados (LCO) dispõe que: “Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade’’. Nesta renúncia ao princípio da autoincriminação, o delator deve ter supervisão de seu patrono conforme reza o artigo 4º, § 15 da LCO e pode exercer o direito de retratação (VALDEZ, 2009).

Assim, ao renunciar o direito ao silêncio, o delator irá depor judicialmente, oportunidade em que deverá confirmar suas declarações para receber as benesses da delação premiada. Nesse derradeiro, o delator deve responder as perguntas que lhe são direcionadas, tendo em vista que renunciou o seu direito de permanecer calado, no entanto, não poderá estar em compromisso de dizer a verdade, posto que, possui interesse no processo.

Caso o delator recuse a responder as perguntas feitas pela defesa, o magistrado irá analisar se os quesitos possuem relação com o objeto de apuração. Constatado que há esta relação, àquele concluirá que deverá retirar os efeitos advindos da delação premiada e ao respectivo prêmio do delator. Nessa toada, caso o juiz verifique que o delatado não responde a todas as perguntas formuladas pela defesa, maior será a possibilidade de produzir provas para conferir eficácia probatória da delação premiada (VALDEZ, 2009).

Desta sorte, torna-se imperioso ressaltar que conforme dispõe o artigo 155 do Código de Processo Penal, há a admissão do sistema da persuasão racional na apreciação de prova pelo magistrado. Assim, a convicção do juiz dar-se-á pelo contexto probatório, que deverá ser observado o princípio do contraditório e da ampla defesa. É de ser registrado que, o delatado no procedimento administrativo submete-se ao contraditório diferido, posto que, neste aludido procedimento, o delatado pode tomar conhecimentos acerca das informações que foram prestados pelo delator. Com isso, poderá empreender esforços para ocultar provas, intimidar testemunhas e inclusive destruir vestígios (VALDEZ, 2009).

De acordo com o até aqui trazido, permite-se sustentar que a colaboração premiada não pode ser considerada como prova absoluta, ou seja, não pode caracterizar uma inversão do ônus da prova até porque implicaria formar uma presunção de culpabilidade. Assim, o magistrado deve apreciar o seu convencimento acerca da credibilidade da declaração do delator e não poderá limitar-se aos aspectos internos da delação, devendo, portanto, a confissão deve ter suporte em circunstâncias, fatos ou dados externos seguros.


3 A LEI DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E OS REQUISITOS DA DELAÇÃO PREMIADA

 A Lei nº 9.897/99 foi a primeira a falar sobre a organização criminosa. Sendo alterada seis anos depois pela Lei 10.217/2001, que dispõe acerca dos meios para prevenir e repreender as ações que são praticadas por organizações criminosas (MASSON; MARÇAL, 2017, p.36). Antônio Scarance Fernandes (1995, p.3) aduziu que o motivo para revogação da Lei de nº 9.897/99 foi justamente pelo fato de não ter contemplado à definição da organização criminosa, além de não estabelecer quais seriam os comportamentos da organização criminosa.

Luiz Luisi (2002, p.24) aduziu que a Lei 10.217/2001 também desrespeitou os princípios da taxatividade e da legalidade, posto que, usou a expressão “organização criminosa” de forma genérica. Logo depois foi criada a Lei 12.694/12, oportunidade na qual o legislador trouxe o conceito de organização criminosa. Em 2013, foi criada a Lei 12.850, momento em que o legislador reveu o conceito de organização criminos, adotando-se também os meios processuais. (SANCHES, 2013, p.14).

A Lei 12.850/2013 prevê nos artigos 4º a 7º, o instituto da Colaboração Premiada. Trata-se de um acordo entre a autoridade policial ou o membro do Parquet e o investigado, para que este último, receba o perdão judicial ou até mesmo a redução da sua pena caso auxilie as autoridades judiciárias na obtenção de provas, evitando que crimes sejam concretizados. Frise-se que no artigo 3º, a colaboração premiada tem natureza jurídica de meio especial de obtenção de prova, no qual o acordo é reduzido a termo para que haja a homologação judicial (art. 4.º, §§ 6.º e 7.º, da LCO) conforme afirmam Cleber Masson e Vinícius Marçal (2017, p. 149).

Eugênio Pacelli (2014, p.856-857) aduz que as regras do artigo 4º da supramencionada Lei só podem ser aplicadas ao crime de organização criminosa. Já Renato Brasileiro (2014, p.530-531) adota o entendimento de que não se pode negar a concessão dos benefícios previstos pela Lei 12.850/13, sob pena de tirar o efeito da colaboração premiada. Os prêmios legais previstos na Lei de Crime Organizado são: o perdão judicial; redução da pena privativa de liberdade em até dois terços; redução da pena até a metade, caso a colaboração for poste rior à sentença; progressão de regime; substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos; não oferecimento de denúncia caso o colaborador não tenha sido líder de organização criminosa (MASSON; MARÇAL, 2017, p.159).

Cabe elucidar que para concessão de tais benefícios é necessário que o magistrado analise os requisitos que são: circunstâncias subjetivas e objetivas favoráveis, eficácia da colaboração e a voluntariedade. Veja-se que este último requisito indica que as declarações feitas pelo delator devem ser espontâneas, jamais podendo ser coagido. Mário Rogério Sobrinho (2009, p.49) aduz que se a colaboração for espontânea, o colaborador não pode ser coagido a contribuir para a descoberta dos fatos. Caso haja excessos para que se obtenha as declarações do delator implicará na ilicitude da prova.

Lênio Streck (2006) enfatiza que se for utilizada a prisão preventiva para forçar a delação premiada, automaticamente estará ferindo a presunção de inocência do acusado, posto que, não se pode inverter o ônus da prova.  Ademais, cabe elucidar a lição de Rafaela Alban e Sébastian Borges (2017, p.353) acerca da voluntariedade do sobredito instituto:

a ideia de voluntariedade para a delação é absolutamente incompatível com a prisão do colaborador, já que o Estado não pode se valer de instrumentos constritivos da aliberdade humana para obter a delação premiada, tampouco forçar, em completa violação ao princípio do “nemo tenetur se detegere”, alguém a se autocriminar.

Luiz Flávio Gomes e Raúl Cervini (1997, p.168) aduzem que há uma diferença entre o conceito de voluntariedade e de espontaneidade. Nesta, a iniciativa de praticar a colaboração premiada decorre do próprio agente, já naquela não se exige que seja do próprio agente. Ressalte-se que na espontaneidade, o delator não precisa estar arrependido. Frise-se que não pode ser qualquer delação premiada que autoriza o recebimento dos benefícios do aludido instituto, tem que ser eficaz de forma que se descubra as infrações penais e a sua autoria.

Cabe elucidar as lições de Antonio Henrique Graciano Suxberger e Gabriela Starling Jorge Vieira de Mello (2017, p.16), no qual enfatizam que a prisão preventiva utilizada como método para obter a delação premiada do investigado, retira a possibilidade de este ter alguma possibilidade de escolha, posto que, o seu objetivo é simplesmente recuperar a sua liberdade. Ressalte-se que a restrição de liberdade do individuo acaba configurando uma coação, violando de tal maneira o artigo 4º, caput, da Lei 12.850/2013.

Quanto ao requisito das circunstâncias subjetivas e objetivas que é previsto no art.4, §1º, exige-se que o magistrado analise a personalidade do delator, a natureza, a gravidade, circunstância e, por fim, a eficácia da colaboração. Nessa senda, àquele devará analisar o comportamento habitual do delator, investigar a sua história. Saliente-se que não se torna necessário que o investigado possua bons antecedentes e seja primário, mas se possuir esses requisitos, a colaboração terá plena eficácia conforme afirmam Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto (2013, p.47).

Por fim, o requisito da eficácia da colaboração que consiste na eficácia da colaboração, em que o delator auxiliará as autoridades judiciárias para auxiliar no desvendamento do crime. Saliente-se que o delator terá que comparecer as diligências investigativas quando for solicitado (SOBRINHO, 2009, p.49).  Neste requisito, o delator deve colaborar de forma que esteja à disposição das autoridades competentes para elucidar todos os fatos investigativos.

A Lei impõe no seu artigo 4º que haja: I - a identificação dos demais coautores da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa. III – a prevenção de ações penais decorrentes das atividades da organização criminosa. O legislador entende que com essa prevenção, haveria uma redução de crimes; IV – recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas por organizações criminosas. Ao final, o inciso V que consiste na localização de eventual vítima com sua integridade física preservada.


4 PROCESSO PENAL DE EMERGÊNCIA: O EMPREGO DA PRISÃO PREVENTIVA COMO MÉTODO PARA OBTENÇÃO DE DELAÇÕES PREMIADAS NA OPERAÇÃO LAVA JATO

A Operação Lava Jato foi deflagrada no ano de 2014 pela polícia federal na cidade de Curitiba, sendo investigadas diversas organizações criminosas coordenadas por doleiros, os quais são investigados por lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro nacional. Na aludida operação, o Ministério Público Federal obteve provas de um grande esquema criminoso que envolveu a Petrobrás por aproximadamente 10 anos e grandes empreiteiras, que pagavam propinas a vários executivos e principalmente agentes públicos.

De acordo com as informações retiradas do site oficial da Operação Lava Jato criado pelo Ministério Público Federal, o nome da operação originou-se do uso de uma rede de combustíveis e lava jato de automóveis para mobilizar recursos ilícitos pertencentes às organizações criminosas. Nesse cenário, frise-se que houve até o presente ano, a decretação de 79 prisões preventivas e 71 acordos de colaboração premiada.

Será abordado inicialmente neste capítulo acerca da delação premiada como legislação de emergência. Logo após será demonstrado algumas prisões preventivas decretadas no curso da Operação Lava Jato, dentre elas a de Marcelo Bahia Odebrecht e Eike Batista. Permite-se aludir que os magistrados ao decretarem as prisões preventivas dos aludidos empresários sequer obedeceram aos pressupostos e os fundamentos daquelas. Essa inobservância entra em desarmonia com os métodos de interpretação que exige toda a decisão judicial, são esses métodos que norteiam o magistrado, para que este não decida conforme com a sua subjetividade, mas de acordo com os ditames constitucionais, justamente para que não propicie o arbítrio e o ativismo judicial.

4.1 A DELAÇÃO PREMIADA COMO LEGISLAÇÃO DE EMERGÊNCIA

De acordo com Fauzi Hassan Chouckr (2002, p.1) a ideia de emergência, encontra-se inevitavelmente atrelada a de urgência, e, de certa maneira, a de crise. Trata-se de um fenômeno que “desestabiliza o status quo ante, colocando em xeque os padrões normais de comportamento e a consequente possibilidade de manutenção das estruturas’’

Nesse sentido, pode-se dizer que a emergência está necessariamente vinculada a necessidade de uma resposta imediata. Salienta, ainda, Fauzi Chouckr (2002, p.1) a importância de diferenciar a emergência do campo penal do campo constitucional. Isto porque, consoante o autor, as medidas emergênciais presentes no âmbito constitucional estão previstas expressamente na Carta Magna, consistindo em medidas excepcionais a serem adotadas com o intuito de manter ou até mesmo reestabelecer a ordem em momentos de anormalidade.

Em relação à emergência na seara penal, Chouckr (2002, p.1) afirma que se infiltra no seio cultural da normalidade com evidente prejuízo desta. Essa emergência trata-se de um verdadeiro estado de fato, no momento em que o estado adota medidas extraordinárias devido ao aumento da criminalidade. Fauzi Chouckr (2002, p.01-02) define a emergência penal da seguinte maneira:

emergência vai significar aquilo que foge dos padrões tradicionais de tratamento pelo sistema repressivo, constituindo um subsistema de derrogação dos cânones culturais empregados na normalidade. Num certo sentido a criminologia contemporânea dá guarida a esse subsistema, colocando-o na escala mais elevada de gravidade criminosa a justificar a adoção de mecanismos excepcionais a combatê-la, embora sempre defenda o modelo de “estado”.

Feita essas considerações cabe pontuar que o instituto da delação premiada é considerado uma uma medida emergencial, devido a sua excepcionalidade em atender ao clamor público. Nessa vertente, Alberto Silva Franco (1994, p.10) pontua que o controle penal desempenha uma função simbólica, posto que, a intervenção penal, nos tempos hodiernos, não tem mais como fito tutelar os bens jurídicos considerados essenciais.

Assim, reconhece-se que o supramencionado instituto viola o sistema acusatório, a partir do momento que o juiz homologa confissões e delações, ampliando assim o número de culpáveis para impulsionar a máquina persecutória. Essa afronta ao processo penal democrático sacrifica garantias individuais, formas e procedimentos, como se a punição fosse o único caminho. É de se ver, portanto, que no instituto da delação premiada há inserção de instrumentos oriundos de uma legislação de emergência, ensejando o endurecimento da legislação processual penal. Nesse particular, cabe frisar o ensinamento de Luigi Ferrajoli acerca dessa legislação de emergência (2002, p. 487):

[...] a prática da negociação e do escambo entre confissão e delação de um lado e impunidade ou redução de pena de outro sempre foi uma tentação recorrente na história do direito penal, seja da legislação e mais ainda da jurisdição, pela tendência dos juízes, e sobretudo dos inquiridores, de fazer uso de algum modo de seu poder de disposição para obter a colaboração dos imputados contra eles mesmos. A única maneira de erradicá-la seria a absoluta vedação legal, o que a longo prazo acabaria por se tornar uma regra de deontologia profissional dos magistrados, de negociar qualquer relevância penal ao comportamento processual do imputado, também aos fins da determinação judiciária da pena dentro dos limites legais.

Na lição de Eugenio Raúl Zaffaroni (1996, p. 61), no que concerne a ineficiência do estado em sua persecução penal:

a impunidade de agentes encobertos e dos chamados 'arrependidos' constitui uma séria lesão à eticidade do estado, ou seja, o princípio que forma parte essencial do estado de direito. [...] o estado está se valendo da cooperação de um delinquente, comprada ao preço de sua impunidade de se 'fazer justiça', o que o direito penal liberal repugna desde os tempos de Beccaria.

Assim, tendo em vista os esclarecimentos do que se entende da delação premiada como legislação de emergência, Eugenio Raúl Zaffaroni (1998, p.617.) acrescenta que a solução dada através dessa legislação não resolve o problema do combate às organizações criminosas, pois tem como intuito somente proporcionar aos cidadãos a sensação de que tende a resolvê-lo. Essa inflação de normas penais e processuais penais pauta-se no discurso de manutenção de segurança e reestabelecimento da ordem, todavia, o que se vê na prática é a utilização de um conceito sombrio e vago (CHOUCKR, 2002, p.51).

Essa emergência repressiva coloca o sistema penal no caminho do autoritarismo, consistindo em uma forma de controle próprio dos estados absolutos e avessa ao estado de direito (FERRAJOLI, 2002, p.87). Ferrajoli aduz que a resposta a esta crise de legitimidade e inefetividade do sistema penal seria a criação de um sistema penal garantista, no qual implica na utilização de métodos alternativos da justiça penal para defesa dos direitos humanos.

Destarte, a importância de estudar acerca do instituto da delação premiada justamente porque é influenciado pela cultura emergencial, o que certifica que há uma hipertrofia do Estado Penal. Essa inserção da legislação de emergência na seara penal, denota a ideia de que há um prejuízo efetivo dos direitos e garantias fundamentais com o intuito de apresentar o direito penal como solução única e eficaz no combate a criminalidade.

4.2 CASO MARCELO ODEBRECHT

A decisão interlocutória proferida pelo Juiz Sergio Moro, que decretou a prisão preventiva de Marcelo Odebrecht (Pedido de Busca e Apreensão Criminal nº 5024251­72.2015.4.04.7000/PR, evento 8), não observou o pressuposto da prisão preventiva: o fumus comissi delicti, que consiste na plausibilidade de que um crime foi cometido pelo imputado. A inobservância desse pressuposto, enseja a violação do princípio da proporcionalidade, que exige que toda a decisão deva ser adequada e fundamentada para a proteção dos bens jurídicos considerados relevantes, conforme demonstrará a seguir:

Na Odebrecht, os principais executivos envolvidos seriam Rogério Santos de Araújo, Márcio Fária da Silva, Cesar Ramos Rocha, Alexandrino de Salles Ramos de Alencar e Marcelo Bahia Odebrecht.

Considerando a duração do esquema criminoso, pelo menos desde 2004, a dimensão bilionária dos contratos obtidos com os crimes junto a Petrobrás e o valor milionário das propinas pagas aos dirigentes da Petrobrás, parece inviável que ele fosse desconhecido dos Presidentes das duas empreiteiras, Marcelo Bahia Odebrecht e Otávio Marques de Azevedo.

Além disso, há provas e fatos específicos que os relacionam aos crimes, como a aludida mensagem eletrônica enviada a Marcelo Bahia Odebrecht sobre sobrepreços em contratos de sonda e a ligação entre Otávio Marques de Azevedo e Fernando Soares, um dos operadores do pagamento de propinas. (grifo nosso).

 Nessa seada, revela-se notório destacar que a decisão que decretou a prisão preventiva de Marcelo Odebrecht fora baseada na teoria domínio do fato. Essa teoria, formulada por Welzel (ROXIN, 2000, p.85), demonstra que o efetivo domínio final do fato é que constitui o critério essencial do domínio do fato e não a vaga vontade do autor. Isso quer dizer que os cúmplices possuem domínio sobre a sua participação e não sobre o fato integral e, quanto ao autor, este é quem executa sua resolução visando um fim.

Logo após a teoria formulada por Welzel, Claus Roxin (2000, p.155 e ss) a desenha, aduzindo que, a partir de diretrizes, tais quais: autoria mediata, imediata e coautoria procurar-se-á estabelecer quando haverá ou não o domínio do fato. Nessa vertente, exsurge das constatações do autor que na autoria mediata, uma organização verticalmente estruturada poderá emitir uma ordem, cujo comportamento será entregue aos executores. Frise-se que esta teoria não foi utilizada de forma adequada no caso em tela, posto que, houve a inexistência de comprovação fática ao atribuir a responsabilidade a Marcelo Odebrecht. Veja-se que esta teoria, nesta operação, foi trabalhada baseada no domínio da organização e não baseada no domínio da vontade, no qual o indíviduo não realiza a ação, mas demonstra a vontade de quem realiza a ação.

  Além de não atender o requisito do fumus comissi delicti, há um trecho da mesma decisão, em que o juiz supramencionado não atendeu o periculum libertatis, que consiste no risco que decorre do estado de liberdade do sujeito passivo, em face do risco á ordem pública, ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal:

há presença de risco à ordem pública. Na assim denominada Operação Lavajato, este Juízo tem cotidiamente se deparado com um quadro, em cognição sumária, de corrupção e lavagem de

dinheiro sistêmicas. Em um contexto de criminalidade desenvolvida de forma habitual, profissional e sofisticada, não há como não reconhecer a presença de risco à ordem pública, sendo a prisão preventiva, infelizmente, necessária para interromper o ciclo delitivo. O risco em concreto de reiteração é evidente. Apesar da Petrobrás ter proibido as empreiteiras de celebrarem novos contratos, há diversos contratos em execução. Segundo informações colhidas pela Polícia Federal constantes no Relatório de Análise de Material nº 154 (evento1, anexo 22, 1-8), e no Relatório de Análise de Material nº 133 (evento 1, anexo30, 1-3), estariam ativos, pela Odebrecht. (..) A prisão cautelar é o único remédio apto a quebrar a aludida "regra do jogo". (grifo nosso).

Frise-se que a presença do Periculum Libertatis é imprescindível, até porque o perigo gerado pela liberdade do acusado deve ser concreto, com um suporte fático probatório suficiente para decretar a prisão cautelar, jamais podendo ser fruto de deduções. Afigura-se notar que a decretação da prisão preventiva do aludido empresário na sobredita operação visa exclusivamente a garantir a ordem pública e a ordem econômica, rompendo com o princípio da legalidade, justamente porque se trata de um conceito indefinido, vago e amplo. Deste modo, surgem decisões injustas e ilegítimas que desrespeitam os direitos fundamentais.

A utilização do fundamento da garantia da ordem pública e da ordem econômica para manter provisioriamente o acusado em cárcere, viola o princípio da presunção de inocência, até porque àqueles fundamentos não tutelam a pretensão satisfativa, mas assumem contornos de uma pena antecipada com base em juízo de culpabilidade já formado. Cabe frisar que o juiz ao decretar a prisão preventiva do investigado deve ter prudência, posto que, quando decretada o preso provisório não irá saber por quanto tempo ficará em cárcere. É cediço que sua custódia protrairá enquanto não surgir uma decisão judicial que revogue a medida constritiva que fora decretada. Nessa linha lógica, cumpre elucidar o posicionamento de Rogério Schietti (2006, p.16) acerca da prisão preventiva:

Como negar que o preso provisório muitas vezes se vê em situação até pior em relação ao preso definitivo? Enquanto este último goza de vários direitos como, por exemplo, direito ao trabalho, ao estudo, ao lazer (banho de sol, atividades esportivas etc), tendo, ainda, possibilidade de saídas temporárias e outros benefícios previstos na Lei de Execuções Penais, o preso provisório é geralmente mantido em locais absolutamente impróprios, não separados, como exigido por lei, dos presos que cumprem penas, muitos dos quais extremamente agressivos. Isso implica um suplemento mortificante à pena, o qual não é decorrência natural e objetiva da própria privação da liberdade.

 Conforme lição de Odone Saguiné (2003, p.115) a prisão preventiva decretada para garantir a ordem pública é utilizada como forma de prevenção geral. Essa teoria da prevenção geral possui a finalidade de atender as demandas sociais, trazendo uma sensação de equilíbrio para os cidadãos. Fernanda Ravazzano (2016) elucida que àquela teoria não pode ser utilizada para manter a prisão preventiva. Note-se que após a decretação da prisão preventiva pelo juizo a quo, Marcelo Bahia Odebrecht e outros executivos do Grupo Odebrecht celebraram o acordo de delação premiada com a Procuradoria Geral da República, oportunidade na qual foi homologado pelo STF, dispondo o seguinte:

A voluntariedade do acordo foi reafirmada pelo colaborador no depoimento ja mencionado, prestado judicialmente na presença e corn anuencia de seus advogados, conforme demonstra a mídia juntada aos autos. (…) Sob esse aspecto, o conjunto das cláusulas do acorda guarda harmonia corn a Constituiçăo e as leis, com exceçăo da expressăo "renúncia" a garantia contra a autoincriminaçăo e ao direito ao silêncio, constante no título VI do acordo.

Veja-se que o Ministro do Supremo Tribunal Federal aduziu que houve a renúncia do direito ao silêncio, a autoincriminação, porém homologou por entender que, no caso em tela, houve voluntariedade do delator e legitimidade das provas apresentadas pelo Ministério Público Federal. Revela-se necessário destacar que esta homologação do Supremo Tribunal Federal sequer obedeceu a voluntariedade, a regularidadade e a legalidade do acordo de delação premiada prevista na Lei 12.850/13. Saliente-se que essa delação premiada do aludido empresário não poderia ter sido obtida através de pressão, posto que, com esse método está desrespeitando os requisitos da prisão preventiva, que estão previstos no artigo 213 do Código de Processo Penal. Cezar Roberto Bitencourt (2017) demonstra que a liberdade e a voluntariedade são pressupostos de validade do aludido instituto.

Nessa seada, a decretação da prisão preventiva não pode estar condicionada à colaboração premiada, posto que, estaria violando o processo penal democrático transmudando-se em um verdadeiro processo penal emergencial. Fernanda Ravazzano (2016) explica que a prisão para delatar configura-se uma nova espécie de prisão cautelar, até porque o magistrado utiliza-se do fundamento da garantia da ordem pública ou da conveniência da instrução criminal até que o investigado delate outros corréus. Enfatizou, ainda, que em uma audiência pública, o Procurador da República Deltan Dallagnol acentuou acerca da relevância de obtenções das delações premiadas quando os investigados estão em cárcere, posto que, adotando tal medida, haveria uma maior expansão das investigações.

Veja-se que, a partir do momento que o magistrado consente com a prisão preventiva para obter a colaboração premiada do investigado, acaba desrespeitando seus deveres como magistrado, passando a atuar como um juiz-promotor, perdendo de tal forma a sua imparcialidade. Nessa linha lógica, cumpre frisar que a decretação da prisão preventiva de Marcelo Odebrecht propiciou o ativismo judicial. Esse ativismo, conforme Elival da Silva Ramos (2010, p.116-117) tem sido relacionado com a exacerbação de poderes dos juízes, que invadem de forma indevida as esferas de outros poderes Executivo e Legislativo, sendo visto como um comportamento deletério para a democracia e para a separação de poderes.

Assim, caso o juiz interprete o texto normativo e traga significados novos e argumentos extrajuridícos de modo que afaste da letra da lei, estar-se-á diante do ativismo judicial. Esse papel do poder judiciário como criador de normas jurídicas, no qual decorre do pós-positivismo, deve ser evitado, posto que, com esta proibição asseguraria que as decisões políticas sejam discutidas por quem tem legitimidade democrática. Mauro Capelleti (1993, p.73), aduz que a criatividade constitui um fator inevitável da função jurisdicional, e que existem razões para o desenvolvimento de tal criatividade. No seu modo de pensar, compreende que, caso os juízes assumam um papel acentuadamente criativo, sua função jurisdicional acaba se igualando à legistativa, e os juízes invadem o domínio do poder legislativo.

É de bom alvitre mencionar que Capelleti (1993, p.82) admite que existem debilidades e “enfermidades” práticas nas atividades jurisdicionais. Essas debilidades, consistem na dificuldade de informação, que faz com que haja um obstáculo de um pleno acesso ao direito; a eficácia retroativa das decisões que muitas vezes acaba tendo conflito com os valores da certeza e da previsibilidade e por fim, a terceira debilidade consiste na incompetência institucional da magistratura para agir como força criadora do direito. O autor informa, ainda, que para a criação do direito é necessário instrumentos que não estão à disposição do tribunal e que os juízes não têm possibilidade de desenvolver uma obra criativa, posto que, esta atividade não se limita às leis e precedentes, envolvendo problemas complexos.

 Em uma entrevista para a Revista caasp, da Caixa assistência dos advogados de São paulo, o professor Lênio Streck afirmou que o ativismo judicial é um mal para a democracia, visto que, a moral e a política se sobrepõem ao direito. Ele afirma que o que está sendo observado atualmente, principalmente na operação lava jato, é que o direito acabou sofrendo ataques de moral e da política e quando o juiz substitui o legislador adota uma atitude comportamentalista, tornando-se um juiz ético-político-moral. Assim, compreende-se que este papel criativo dos juízes de forma acentuada, pode acabar interferindo no equilíbrio democrático entre os poderes. É cediço que esse desequilibrio pode ser visualizado quando o poder judiciário invade a competência do poder legislativo para resolver conflitos normativos e conflitos de interesses, conduta esta que deve ser vedada na magistratura.

Percebe-se que a prisão cautelar não se mostrou uma medida adequada, no caso em tela, posto que a utilização da custódia como forma de que as autoridades recuperem os ativos que foram desviados pelo empresário, viola os ditames constitucionais. Frise-se que a prisão somente poderá ser utilizada em casos excepcionais, quando outras medidas idôneas para proteção dos bens e direitos e interesses perseguidos pelo processo penal mostrassem insuficientes. Observe-se que na aludida operação, é mais viável engessar no patrimônio do acusado, bloqueando as suas contas do que o prender, até porque adotando esta medida iria impossibilitar qualquer possibilidade de fuga e não ensejaria um imenso custo social e individual para o investigado (AURY, 2014, p.682).

4.3 Caso Eike Batista

Levando-se em conta a decisão da custódia preventiva de Marcelo Bahia Odebrecht, cumpre também mencionar a decisão da decretação da prisão preventiva de Eike batista, a qual foi proferida em 13.01.2017 nos processos 0501024-41.2017.4.02.5101 e 0501027-93.2017.4.02.5101 pelo Juiz Federal Marcelo da Costa Bretas. O empresário foi acusado de pagar proprina no valor de R$ 16,5 (dezesseis milhões e quinhentos mil doláres) ao ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral:           

(…). Este representado compareceu ao MPF/RJ e, perante os Procuradores da República da Força Tarefa da Lava Jato neste Estado. (…) aparentemente, de acordo com esclarecimentos e conclusões apresentados pelo MPF, o investigado Eike Batista não disse a verdade em seu depoimento perante o MPF, o que, confirmando as suspeitas iniciais, reforça a tese de seu maior envolvimento com a Organização Criminosa (ORCRIM), (…). Aliás, ainda do âmbito da investigação conduzida pelos Procuradores da Força Tarefa da Lava Jato no Estado do Paraná, o representado Eike Batista também já havia se apresentado a pretexto de esclarecer o suposto repasse irregular da quantia de 5 (cinco) milhões de reais (relacionado a pessoas ali acusadas - Mônica Moura, João Santana e Guido Mantega). (grifo nosso).

Veja-se que o juiz ao fundamentar estar decisão, trouxe fato estranho ao processo. O elemento estranho consiste no momento em que o juiz primevo destaca que o aludido empresário declarou o seu envolvimento com Mônica Moura, João Santana e Guido Mantega, sendo que tal fato não tem relação com o processo que decretou a prisão preventiva de Eike Batista. Nessa seada, note-se que além do que foi posto, houve ausência de requisitos legais para o decreto da prisão preventiva, posto que, não restou demonstrado que Eike Batista, empresário reconhecido, apresentaria risco à ordem pública e a instrução criminal ao ser posto em liberdade, senão vejamos:

(…) no entendimento do órgão ministerial, com o qual, concordo, aparentemente se constata uma iniciativa dos envolvidos para enganar as autoridades que investigavam a operação da ORCRIM, com o nítido interesse de obstrução de justiça, a justificar a necessidade de sua custódia cautelar para gantia da instrução criminal. (…) também são desfavoráveis a este investigado, Eike Batista, as circunstâncias fáticas relatadas pelos colaboradores Renato Chebar e Marcelo Chebar, as quais surgem, e confirmam suspeitas iniciais, uma atividade por parte do representado Eike Batista, dentre outros, para obstruir o curso das investigações, como antes esclarecido. (…). Diante de tais constatações, bem como pela representatividade de Eike Batista no cenário empresarial do Brasil, parece sensato supor que este investigado ocupe papel de grande relevo na ORCRIM descrita, e que se encontra envolvido em ilícitos criminais de expressivo volume monetário, sendo de rigor, pois, o deferimento da medida cautelar extrema requerida (prisão preventiva – artigo 311 e ss. CPP). (grifo nosso).

Percebe-se que, o magistrado sequer demonstrou o periculum libertatis ao decretar a prisão preventiva de Eike Batista, simplesmente limitou-se a reproduzir dispositivos legais, sem uma criteriosa análise do caso concreto, trazendo a ideia de que a motivação é aparente, servindo para qualquer situação posta em julgamento. Veja-se que essa falta de análise do caso concreto pelo magistrado desrespeita o art. 93, inciso IX da Constituição Federal, o qual exige que todas as decisões dos órgãos do poder judiciário deverão ser fundamentadas sob pena de nulidade.

Nesse trilho, o Procurador da República, Leandro Bastos Nunes (2017), elucidou que a decisão do magistrado que decretou a prisão preventiva de Eike Batista tem relevância, justamente para se evitar a continuidade dos atos lesivos ao patrimônio público. Afirma que a organização criminosa tem causado efeitos deletérios aos direitos fundamentais, o que enseja a prevalência do garantismo penal integral. Esse garantismo, consoante demonstra o autor, deve tutelar não apenas o direito do acusado, mas a segurança da sociedade consoante ordena o artigo 6º da Constituição Federal.

Diante da explanação do Procurador, Leandro Bastos Nunes, é necessário compreender que, nos tempos hodiernos, o processo penal é visto como teoria dos jogos, conforme elucida Alexandre Morais da Rosa (2015, p.28). Esse exercício do jogo demonstra que as decisões são tomadas para além da razão, ou seja, os resultados processuais dependem da interação das estratégias e não somente da postura dos jogadores. O processo penal transformou-se em verdadeiro processo penal inquisitivo, no qual permitiu-se jogadas ilícitas, ferindo de tal forma os princípios processuais penais. Alexandre, (2015, p.40) leciona, ainda, que essa guerra processual busca simplesmente o confronto e também a vitória, sem ao menos leva em conta os custos. Com base nisso, é importante lembrar que essa crença dos aplicadores da lei em querer buscar as punições e trazer a sensação de segurança colide com as garantias processuais.

Nessa linha lógica, cumpre destacar a lição de Lênio Luiz Streck (2006. p.56) no qual pontua que o magistrado deve especificar os fatos que norteiam a sua decisão, sendo incabível dizer qualquer coisa sobre o texto legal. Streck (2013. p. 117) aduz que a justiça não depende da opinião pessoal dos juízes, até porque o sentido da lei advém de uma interssubjetividade e não do sentimento do indíviduo isolado. Assim, mostra-se inadmissível que o magistrado ao decretar a prisão preventiva repita termos legais, devendo analisar o caso em concreto.

Carlos Maxilimiano (2011, p.103) aduz que o magistrado ao buscar o sentido de uma norma deve ater-se aos métodos interpretativos: gramatical, lógico, histórico, sistemático e teleológico. Esses métodos levam o aplicador da lei a justificar a sua decisão judicial, de tal forma, que deverão ser evitadas, meras impressões ou avaliações de cunho pessoal. Convém deixar assente que, a fundamentação judicial deve apresentar os seguintes requisitos: a integridade, dialeticidade, correção e racionalidade. Em relação ao requisito da integridade, entende-se que o direito deve ser estuturado por um conjunto coerente de princípios sobre justiça, equidade e por fim, o processo legal adjetivo. Já a dialeticidade significa que o procedimento deve ser realizado através do contraditório para que influencie o convencimento judicial.

No que tange ao requisito correção, este significa que deve haver uma relação entre os dados presentes no processo e os elementos considerados na decisão. Para Robert Alexy (2005, p.311): “o conceito de correção não pressupõe que exista uma resposta correta para cada pergunta prática. A resposta correta única tem muito mais o caráter de um objetivo a ser perseguido’’. Por fim, a racionalidade, significa que toda a decisão judicial não pode ter contradições, de tal forma que haja relação entre fundamentação e decisão. Caso esses requisitos não sejam observados, a decisão judicial será anulada, posto que, a Constituição Federal ordena que não haja fundamentações vagas sem uma criteriosa análise do caso concreto.

Assim, o magistrado ao fundamentar a sua decisão deve decidir de forma justa e adequada. Nesse sentido, há uma necessidade de engajamento em valores éticos e nas exigências de interpretações, que possuem consonância com os princípios do direito, com ênfase na integridade. Para Ronald Dworkin (1999, p.217), as proposições jurídicas quando são verdadeiras oferecem uma melhor interpretação construtiva em prol da comunidade. O autor ensina que o direito da integridade pede para que o magistrado que tenha interpretado um material com sucesso, continue interpretando.

Para Gademer (2011, p.79), “O juiz não apenas aplica a lei em concreto, mas colabora ele mesmo, através de sua sentença, para a evolução do direito”. Nesse sentido, o autor traz a ideia de que o intérprete-juiz não deve reproduzir, mas saber compreender e aplicar a norma no caso concreto. Assim, frise-se que na medida que o intérprete da lei adeque as suas decisões aos postulados constitucionais acaba resultando no respeito a democracia, afastando assim da arbitrariedade. (STRECK, 2011.p.13)

Levando-se em conta o que foi observado, compreende-se que as decretações das prisões preventivas no curso da Operação Lava jato partiram de um ato de vontade do magistrado, situação que legitima o arbítrio e o ativismo judicial. É notório que toda decisão judicial deve estar limitada às fontes e aos princípios interpretativos para que respeite o devido processo legal, não podendo estar restrito a subjetividade do julgador.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O emprego da prisão preventiva como forma de obter a delação premiada acaba configurando uma medida emergencial, posto que viola o sistema garantista penal. É importante, por assim dizer, que a prisão preventiva não pode ser usada como forma de cerceamento de defesa, é necessário que se respeitem os princípios axiológicos do processo penal, verificando-se os pressupostos e notadamente o fundamento da prisão preventiva com base no fumus comissi delicti e o periculum libertatis. Ressalte-se que o magistrado ao fundamentar a sua decisão deve decidir de forma justa e adequada, guiando-se pelos valores e princípios da constituição e principalmente pelos métodos de interpretação, de modo a evitar meras impressões. Caso o magistrado não atenda esses métodos, dará margem ao ativismo judicial.

Saliente-se que diante da lentidão e ineficácia do sistema judiciário em combater a criminalidade organizada, o judiciário cada vez mais tem dado preferência as medidas emergenciais, mais notadamente a delação premiada ao invés de adotar medidas que não violem o sistema acusatório criminal. Além disso, muito tem se discutido de que o emprego da delação premiada acaba ocasionando violação ao princípio da presunção de inocência, direito ao silêncio e o compromisso de dizer a verdade.

Efetivamente, a Carta Magna de 1988 considera ilegítima a violação desses princípios e alguns doutrinadores vislumbram que o emprego da prisão preventiva como forma de obter a delação premiada, acaba tendo contornos de verdadeira pena antecipada, violando o devido processo legal.  A prisão preventiva deve ser utilizada para garantir o eficaz funcionamento da persecução penal e não para fins diversos sob pena de violar os direitos fundamentais. Deste modo, não configura legítimo o fundamento de que a garantia da ordem pública é por si só, suficiente para a decretação da prisão preventiva; faz-se necessária a verificação de outras circunstâncias.

Diante disso, note-se que os poderes públicos atendendo o clamor social se veem compelidos a dar uma resposta efetiva, criando leis mais duras e eficientes, que advêm da política expansionista. Nessa toada, as garantias processuais penais acabam sendo colocadas em xeque como forma de combater, de qualquer modo, a organização criminosa. Por fim, diante dessas considerações, o emprego da prisão preventiva para obter a confissão do investigado não é revestido de legalidade, mas tão somente adotado como prática inquisitiva.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SÁ, Ioni Carine Cavalcante. Processo penal de emergência: O emprego da prisão preventiva como método para obtenção de delações premiadas na Operação Lava Jato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5525, 17 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68322. Acesso em: 19 abr. 2024.