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A privatização do Anhembi e a gestão do turismo na cidade de São Paulo

A privatização do Anhembi e a gestão do turismo na cidade de São Paulo

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No afã de privatizar uma empresa estatal, a Administração se viu sem um órgão ou entidade responsável pelo turismo da cidade. Criou-se uma Secretaria de Turismo, mas a eficiência da gestão no setor e o destino da empresa privatizada são uma incógnita.

Recentemente, o Prefeito de São Paulo, Bruno Covas sancionou a Lei 16.974, de 23 de agosto de 2018, que dispõe sobre a reorganização da Administração Pública Direta do Município. O respectivo projeto de lei fora enviado à Câmara Municipal pela própria Prefeitura, após o Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos da ADI 2117355-07.2017.8.26.0000, declarar inconstitucional o Decreto Municipal 57.576/17, expedido pelo seu antecessor João Dória no dia de sua posse como Prefeito, por reconhecer que a criação e a extinção de órgãos públicos constituem matéria sob reserva legal. Uma das novidades na nova estrutura da Administração Pública Paulistana é a criação da Secretaria Municipal de Turismo, que assumirá o papel ora desempenhado pela São Paulo Turismo S.A. (SPTuris), em processo de privatização.

Como se sabe, a atividade administrativa pode ser prestada de duas formas: centralizada e descentralizada. A centralização administrativa ocorre quando o Estado executa suas tarefas diretamente, por meio de órgãos da sua Administração Direta, ao passo que na descentralização administrativa, o Estado transfere a execução dessas atividades a particulares ou a outras pessoas jurídicas, de direito público ou privado. Quando a delegação é feita por contrato ou ato administrativo, aparecem os concessionários e os permissionários de serviços públicos; quando é a lei que cria as entidades, surge a Administração Indireta (Carvalho Filho, 2011, p. 419). Dentre as entidades da Administração Indireta, se situa a SPTuris, uma companhia de capital aberto, com 97% das ações de titularidade do Município de São Paulo.

Importante ainda ressaltar que a sociedade de economia mista, como a SPTuris, realiza em seu nome, por sua conta e risco, serviço público ou atividade econômica, suscetíveis de produzir renda e lucro, que o Município reputa de relevante interesse coletivo. "O objetivo dessa descentralização administrativa é o de utilizar o modelo empresarial privado seja para melhorar atendimento aos usuários do serviço público ou para maior rendimento na exploração da atividade econômica. Além disso, a sociedade de economia mista permite a captação de capitais privados, assim como a colaboração desse setor na direção da empresa." (Meirelles, 2017, p. 414). Conciliando a estrutura de empresa privada privada com objetivos de interesse público, ela é regulada pelo direito privado, ao mesmo tempo em que adentra no domínio do direito público. Situada a SPTuris na organização administrativa, passa-se às considerações do tema.

Desde a campanha eleitoral de 2016, a chapa que se sagrou vitoriosa no pleito propunha um amplo programa de desestatizações, que incluía a "privatização do Anhembi", a fim de desonerar a Prefeitura dos encargos de sua manutenção e concentrar suas ações nas áreas prioritárias, como saúde e educação. A palavra "Anhembi" costuma ser associado ora à SPTuris, ora ao seu maior ativo, o Anhembi Parque, formado pelo Polo Esportivo e Cultural Grande Otelo (Sambódromo), pelo Palácio das Convenções e pelo Pavilhão de Exposições, o que não raras vezes se confundem.

De fato, ainda em 2016, o então Prefeito eleito declarou que pretendia fatiá-lo em três partes para acelerar o processo de venda, o que dava a entender que se tratava de mera alienação de ativo da SPTuris, preservando à empresa estatal as atribuições relacionadas a organização de eventos e execução de políticas públicas de turismo. Contudo, em março de 2017 (sob novo governo), a Prefeitura decide alienar as próprias ações que detém na SPTuris, fazendo com que o novo controlador da empresa tenha também poder sobre o Anhembi como um todo.

O projeto político escolhido por eleitores de São Paulo é aquele em que se acredita na menor burocracia administrativa e na maior eficiência da iniciativa privada como meios indispensáveis para a satisfação das necessidades coletivas. É um resgate do modelo estadunidense e britânico do gerencialismo puro, em que prevalece o ângulo meramente economicista (cortar custos, como fim último) e o desconhecimento da especificidade do setor público (Abrucio, 1997, p. 11), que parece se popularizar num contexto de escassez de recursos públicos e avanço de uma ideologia privatizante.

Nessa toada, a administração do então Prefeito João Dória logrou aprovar o Plano Municipal de Desestatização, instituído pela Lei Municipal 16.703/17, e incluiu diversos bens e serviços no programa de desestatização, como equipamentos esportivos (Estádio do Pacaembu e Autódromo de Interlagos), mercados, parques e serviço funerário. Em alguns casos, optou-se pela concessão e, em outros, pela privatização, mas sempre sob o discurso oficial de economia de recursos públicos. Curiosamente, ao mesmo tempo em que pretende desburocratizar a máquina administrativa, o Executivo criou uma Secretaria própria, a Secretaria Municipal de Desestatização e Parcerias, e, a partir da reestruturação da São Paulo Negócios S.A. - passou a se chamar São Paulo Parcerias S.A. com a função de desenvolver projetos de concessão e privatização -, criou um novo ente da Administração Indireta, uma agência de promoção de investimentos denominada São Paulo Negócios.

A história da SPTuris remonta a cinco décadas. Entre os anos 50 e 60, o Brasil experimentava fase de desenvolvimento da indústria e o sucesso das feiras industriais, inspiradas nos Estados Unidos e trazidas por Caio de Alcântara Machado, tornou insuficiente o espaço do Pavilhão Internacional, no Parque do Ibirapuera. O criador das feiras industriais de negócios no país, então, teve, em 1967, um terreno às margens do Rio Tietê concedido pela Prefeitura de São Paulo, onde, com apoio financeiro de várias empresas, foi construído um parque de eventos, inaugurado em 1970 e administrado pelo Centro Interamericano de Feiras e Salões S.A., mais tarde chamado de Anhembi S.A. A participação do Município de São Paulo crescia: primeiro, ao conceder o terreno; depois, celebrando convênio com a empresa administradora, referendado pela Lei Municipal 7.685/71; e, finalmente, adquirindo seu controle acionário, nos termos da Lei Municipal 8.180/74. A empresa fundada por Alcântara Machado passou a ser estatal e denominada Paulistur S.A., em seguida Anhembi Turismo e Eventos da Cidade de São Paulo S.A. e, desde 2005, São Paulo Turismo S.A.

Na mesma época das feiras industriais, era discussão recorrente no Brasil soluções aos problemas apresentados pelo modelo da Administração burocrática, como a ineficiência, a autorreferência e a incapacidade de voltar-se para o serviço aos cidadãos vistos como clientes. O modelo da Administração gerencial foi a resposta encontrada e a pretendida reforma do aparelho do Estado passou a ser orientada pelos valores da eficiência e da qualidade dos serviços públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial das organizações. O Decreto-lei 200/67 constituiu um marco na tentativa de superação da rigidez burocrática, por meio do qual realizou-se transferência de atividades para autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, a fim de obter maior dinamismo operacional por meio da descentralização funcional. O paradigma gerencial da época, compatível com o monopólio estatal na área produtiva de bens e serviços, orientou a expansão da Administração Indireta, com o objetivo de flexibilizar a máquina administrativa e atribuir maior operacionalidade às atividades econômicas.

A SPTuris surgiu no momento em que a intervenção estatal representava a política estrutural destinada a suprir limitações do setor privado, ocupando espaços vazios, e não com o propósito de disputar um mercado. O modelo empresarial da entidade estatal gestora do complexo do Anhembi se coadunava com a ideia de flexibilidade e eficiência operacional defendida pela reforma do aparelho do Estado concebida pelo Decreto-lei 200/67. Por anos, o local foi praticamente a única referência de feiras e eventos na cidade de São Paulo, uma importante fonte de receitas para a Municipalidade.

Num contexto em que as empresas estatais, que outrora realizavam lucros monopolistas e os investiam, foram aos poucos vendo esse papel se esgotar, ao mesmo tempo que sua operação se demonstrava ineficiente ao adotar os padrões burocráticos de administração (Bresser Pereira, 1997, p. 13), afirma-se hoje que, com o surgimento, neste mercado até então restrito, de fortes concorrentes, oferecendo estrutura mais moderna, o Anhembi Parque tornou-se apenas uma alternativa ultrapassada, mantida com recursos públicos para se sustentar, e uma gestão por um ente privado seria a solução para cobrir um suposto déficits operacionais sem precisar drenar recursos orçamentários. Há, todavia, dois pontos comumente esquecidos nessa narrativa.

A primeira observação é que, em toda empresa estatal está embutido um interesse público que justificou sua criação. O complexo do Anhembi sempre despertou interesse da Prefeitura de São Paulo e se esta chegou a tal ponto de adquirir controle acionário da empresa administradora e estatizá-la, era porque reconhecia sua pujança para a população paulistana. Feiras de negócios são oportunidades importantíssimas para que empreendedores possam conhecer novas tecnologias e novos insumos, firmar parcerias, conhecer novos clientes e estabelecer uma rede de contatos fundamental para o sucesso e a continuidade de suas atividades empresariais, o que se traduzia em maior circulação de bens e serviços, maior arrecadação tributária e maior empregabilidade e qualidade de vida das pessoas.

Embora, à primeira vista, possa se cuidar de uma atividade rentável e, ao mesmo tempo, de interesse da cidade neste caso, a regra é a de que empresas estatais não podem agir com a mesma lógica maximizadora das empresas privadas e quando a maximização de lucros e objetivos típicos de política pública forem conflitantes, estes serão prioritários, em detrimento daquela. Mesmo quando estatais se tornam competidoras com empresas privadas, sua missão pública não é suplantada pelo objetivo do lucro, devendo "conduzir seus negócios no sentido de impor padrões de comportamento socialmente desejáveis dos demais concorrentes, buscando equilibrar o mercado mediante o aumento da produção ou a redução de preços, sempre dentro de limites razoáveis, de modo a impedir a realização de ganhos extraordinários" (Pinto Júnior, 2010, pp. 54-5).

É certo que o surgimento de inovações tecnológicas e de modelos gerenciais mais flexíveis tornou obsoleta a estrutura burocrática da empresa estatal, reduzindo sua eficiência e competitividade e não atendendo mais às expectativas criadas na reforma do aparelho do Estado implantada pelo Decreto-lei 200/67, bem como a dificuldade de adaptação ao novo modelo de economia globalizada e a exposição a ingerências políticas comprometedoras do desempenho empresarial se tornam patentes, que ajudam a explicar a perda da atuação empreendedora do Estado (Pinto Júnior, 2010, p. 53).

Evidências empíricas e trabalhos acadêmicos indicaram que a adoção da boas práticas de governança corporativa reflete positivamente na gestão da companhia e na melhoria de seu desempenho financeiro, apresentando-se, desse modo, como meio necessário para se buscar a desejada eficiência das empresas estatais, sem a necessidade de se renunciar à missão pública que deve orientar sua atuação. Nesse sentido, a edição da Lei Federal 13.303, de 30 de junho de 2016 (Lei das Estatais), constituiu um importante marco para conferir às empresas públicas e às sociedades de economia mista maior credibilidade à administração da coisa pública, com o foco primordial na implementação das melhores práticas de governança já adotadas pelo setor privado, por meio da implementação de controles necessários para uma melhor transparência na sua gestão. Na capital paulista, essa moderna modelagem jurídica já foi regulamentada pelo Decreto Municipal 58.093, de 21 de fevereiro de 2018.

Isso significa que a empresa estatal não precisa, nem deve abdicar sua missão pública e operar rigorosamente como uma empresa privada, eliminando sua feição publicista. A própria Constituição Federal preceitua que a atividade econômica stricto sensu desempenhada pelo Estado depende da presença de relevante interesse coletivo ou motivo de segurança nacional (art. 173, caput), conduzindo à compreensão de que a empresa estatal não pode se guiar exclusivamente pelos impulsos de mercado e de forma desvinculada do interesse público que lhe é peculiar. A Lei Federal 6.404/76 reconhece a existência de um interesse público específico na sociedade de economia mista (art. 238).

A Lei Federal 13.303/16 também impõe o dever ao Poder Público de "exercer o poder de controle no interesse da companhia, respeitado o interesse público que justificou sua criação" (art. 4º, § 1º). Não se trata de subordinar incondicionalmente a finalidade lucrativa à realização de missão pública, nem libertar a empresa estatal para gerar ilimitadamente valor a seus acionistas, pois ela também deve ter capacidade financeira para implementar as políticas públicas compreendidas no seu objeto. "A preocupação com a preservação da empresa não é incompatível com operações estruturalmente deficitárias ou investimentos sem taxa de retorno suficiente para cobrir os custos de captação, desde que compensada por outros negócios superavitários" (Pinto Júnior, 2010, p. 474).

A segunda observação é a de que a SPTuris não se resume ao Anhembi Parque e desempenha papéis hoje que não lhe cabiam nos tempos de Alcântara Machado. A empresa presta hoje importantes serviços públicos para a cidade de São Paulo. Enquanto empresa de eventos, é contratada pela própria Prefeitura de São Paulo - a preços abaixados dos cobrados pelo mercado - para organização, apoio, contratação de fornecedores e fiscalização de grandes eventos, como Carnaval, Virada Cultural, Marcha para Jesus, Parada do Orgulho LGBT, Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1 e Réveillon na Paulista, atraindo público de todo o Brasil, além de outros eventos de lazer e de negócios, conferências e congressos de interesse da Municipalidade.

Tais contratos de prestação de serviços não raras vezes são confundidos com recursos financeiros que o ente controlador aplica para pagamento de pessoal ou de custeio em geral e de capital da ente controlada, levando a uma superestimativa de despesas que ela geraria ao erário. A SPTuris, ao contrário das demais empresas estatais do Município de São Paulo, não é uma estatal dependente, ou seja, suas despesas são suportadas pela rentabilidade de suas atividades econômicas e apenas recebe recursos da Prefeitura na condição de prestadora de serviços contratada pela Prefeitura, como em qualquer outra relação contratual.

Não bastassem os eventos que, por si só, atraem grande contingente de turistas, a SPTuris tem outra importante função para o desenvolvimento desta cidade como polo turístico nacional. Preconiza a Lei Municipal 11.198/92 que cabe ao Município de São Paulo promover o turismo como fator de desenvolvimento social, econômico e cultural, através do Plano de Turismo Municipal (PLATUM), que tem por objetivo formular a política municipal de turismo, visando criar condições para o incremento e o desenvolvimento da atividade turística na cidade. A política municipal de turismo compreende todas as iniciativas ligadas à indústria do turismo, sejam originárias do setor privado ou público, isoladas ou coordenadas entre si, desde que reconhecido seu interesse para o desenvolvimento social, econômico e cultural do Município, e sua implementação depende do crivo do Conselho Municipal de Turismo (COMTUR), órgão deliberativo, consultivo e de assessoramento do PLATUM e responsável pela conjunção de esforços entre o Poder Público e a sociedade civil. Nos termos da lei, a execução da política municipal de turismo cabe à SPTuris, cujos trabalhos desenvolvidos renderam prêmios e reconhecimentos para a cidade, como 5º melhor destino brasileiro (Trip Advisor – 2016), principal destino da América do Sul até 2017 (Global Destination Cities Index, 2016), cidade que mais recebe eventos internacionais no Brasil (ICCA – International Congress and Convention Association), marca de cidade mais valiosa do país (Superbrands Brasil, 2013), 1º destaque latino-americano e entre os BRICS em competitividade global até 2025 (Economist Intelligence Unit, 2013), entre outros.

O turismo é um fator de desenvolvimento social e econômico reconhecido pela Constituição Federal (art. 180). É insofismável que o deslocamento de pessoas para lugares que lhe proporcionem especial atração de beleza, lazer, divertimento, comodidades e repouso tem extrema importância econômica ao Poder Público (Silva, 2018, p. 406). Mas também se presta à efetividade de direitos fundamentais. Assim, a importância do fenômeno turístico gera a necessidade de uma política nacional de turismo, contemplado pela Lei Federal 11.771/08, que, dentre outras coisas, impõe à União o planejamento, desenvolvimento e estímulo ao setor turístico (art. 1º), e determina que entre os objetivos estão a inclusão pelo acesso ao turismo e a inclusão pela distribuição de renda (art. 5º, I e II). Em nível municipal, a Lei Orgânica do Município de São Paulo (art. 164) e a Lei Municipal 11.198/92 (art. 3º), como se viu, também reconhecem o turismo como instrumento de realização de uma gama de direitos econômicos, culturais e sociais.

Ainda que a menção legislativa se refira a direitos classificados como de segunda geração, é assente na doutrina que direitos humanos se caracterizam pela indivisibilidade e pela interdependência, pelo que não se pode fruir direitos sociais, culturais e econômicos sem a realização de direitos civis e políticos, e vice-versa (Weis, 2006, p. 118). A atuação do Poder Público nesse campo não pode se resumir a uma mera abordagem econômica; o legislador impõe que ela seja orientada para superação de desigualdades sociais, valorização do patrimônio cultural e artístico, preservação do meio ambiente, difusão de conhecimentos, criação de uma rede de serviços públicos adequados e satisfatórios, com vistas para a realização plena do ser humano.

Não obstante a relevância que o tema traz para a geração de receitas e a concretização de direitos fundamentais, priorizou-se, inicialmente, a aprovação de projeto de lei que autorizava a alienação da participação societária detida pelo Município de São Paulo na SPTuris, resultando na promulgação da Lei Municipal 16.766, de 20 de dezembro de 2017. A par de importantes questões que a privatização comumente suscita, a lei era coerente com a filosofia de enxugamento da máquina administrativa adotada pelo então Prefeito, mas deixava sem definição qual órgão ou entidade que assumiria a formulação e a execução de políticas públicas de turismo. Não se pode esperar que logo a iniciativa privada, movida pelo interesse do lucro, faça suas vezes e, de uma hora para outra, resolva atuar em prol do interesse público, sendo difícil supor que o futuro controlador da SPTuris, sem qualquer compromisso com a coletividade, aceitaria a assunção de um encargo dessa natureza pela sua controlada.

Não havia garantia de quem pudesse suceder a SPTuris após consumada a privatização até a edição da Lei Municipal 16.974/18: "Art. 26. A Secretaria Municipal de Turismo – SMTUR, que ora fica criada, tem por finalidade formular e executar a política, a promoção e exploração do turismo e atividades afins no Município, executar e promover o apoio e/ou patrocínio a projetos ou eventos de interesse social, turístico, cultural, religioso e outros similares, bem como realizar eventos e executar atividades compatíveis e correlatas com a sua área de atuação".

Se, por um lado, a Prefeitura de São Paulo deu a resposta de que o turismo não será abandonado, por outro, contraria a ideia de combater o suposto gigantismo do Estado, tal como apregoado no projeto político vencedor no pleito de 2016, substituindo uma empresa estatal, com procedimentos operacionais mais flexíveis e práticas de governança corporativa em vias de incorporação, por um órgão da Administração Direta e toda sua estrutura burocrática. Ademais, a eficiência também poderá restar comprometida, já que se substituirá um corpo funcional com expertise e experiência na área por um pessoal inteiramente novo, que fatalmente carecerá - ao menos inicialmente - de capacitação para o desempenho de suas atribuições.

Não menos importante é o destino dos empregados da SPTuris - em sua grande maioria, concursados. Se a privatização, por si só, sempre gerou temor em relação a demissões, num cenário em que, sob discurso de geração de empregos, busca-se afrouxar a garantia de emprego de trabalhadores, como fizeram as Leis Federais 13.429/17 (Lei da Terceirização) e 13.467/17 (Reforma Trabalhista), o risco é maior ainda. Convém somar ainda a Lei Municipal 16.886, de 4 de maio de 2018, segundo a qual, o potencial construtivo da Zona de Ocupação Especial do Anhembi passa de 1 milhão de metros quadrados (previsto no art. 169, I, da Lei Municipal 16.402/16 - Plano Diretor Estratégico) para 1,7 milhão, facilitando a verticalização da área e tornando-a mais atrativa ao mercado imobiliário. Tal implica dizer que o futuro interessado e adquirente do controle acionário da SPTuris dificilmente terá o perfil de quem seguirá explorando o Anhembi Parque ou oferecendo serviços de organização de eventos diversos, mas sim priorizará investimentos imobiliários no local, o que tornará o atual quadro pessoal praticamente descartável. E sem o devido reconhecimento a quem tanto contribuiu para o desenvolvimento turístico da cidade.

Compreende-se mal o papel das empresas estatais e a frustração da equivocada expectativa de que pudessem agir com a mesma eficiência das empresas privadas atingiu a SPTuris, cuja iminente perda já se faz sentir. Espera-se, evidentemente, que o turismo na cidade de São Paulo continue galgando posições de destaque e reconhecimento internacional, dessa vez pela Secretaria Municipal de Turismo, criada pela Lei Municipal 16.974/18. A Prefeitura de São Paulo não poderia renunciar a uma atribuição tão importante, seja por decorrer da previsão constitucional; seja por atrair turistas, movimentar economia e arrecadar recursos ao erário; seja por constituir um instrumento de concretização de direitos fundamentais, como pareceu quando da publicação da Lei Municipal 16.766/17. Todavia, o rumo tomado até agora, com a substituição de uma empresa estatal e pessoal detentora de know-how, pela adoção de tradicional estrutura burocrática e admissão de novo pessoal, faz pairar dúvidas sobre o acerto para o setor turístico da privatização, sobretudo diante do risco de um enorme custo social, que engrossará as já longas fileiras do desemprego no país.


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Autor

  • Renato Takashi Igarashi

    Procurador Legislativo da Câmara Municipal de São Paulo. Especialista em Direito Municipal pela Escola Paulista de Direito e bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

IGARASHI, Renato Takashi. A privatização do Anhembi e a gestão do turismo na cidade de São Paulo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5553, 14 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68569. Acesso em: 29 mar. 2024.