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A execução de ofício e a prescrição intercorrente na reforma trabalhista

A execução de ofício e a prescrição intercorrente na reforma trabalhista

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Com a Reforma, a CLT passou a proibir os juízes de impulsionar de ofício as execuções trabalhistas e oficializou a aplicação da prescrição intercorrente ao processo. Entenda quais as repercussões disso, sobretudo quando se trata de parte exequente hipossuficiente.

1. Introdução

Ao recontar a história de um povo, qualquer livro subdivide-se em capítulos baseados nas eras mais importantes vividas por uma nação, nos fatos históricos marcantes ou nos governos que, para o bem ou para o mal, alteram o curso da vida daqueles que a ele se submetem.

A história não é lembrada por fatos que não ultrapassam os limites da normalidade, mas pelos fatos que levam a sociedade ao pódio ou reduzem-na à condição de fracassada.

A história retrata não só os acertos e sucessos de um povo, mas também, os erros por ele cometidos e as mazelas de seus governantes, numa eterna tentativa de que as gerações vindouras não os repitam.

Os dias hodiernos, mais especificamente os anos de 2016 a 2018, com certeza, abrirão um novo capítulo da história brasileira, pois o governo do Presidente Michel Temer, que iniciou-se pautado sobre a premissa de “colocar o Brasil nos trilhos”, vem trabalhando incansavelmente em reformas legislativas delicadas e até mesmo impopulares, sob a alegação de que são estritamente necessárias à superação de crise financeira e retomada do crescimento econômico do país, bem como à geração de mais empregos.

Dentre as várias reformas angariadas, destaca-se a reforma trabalhista, aprovada por meio da Lei nº 13.467, de 13 de Julho de 2017, que impõe inúmeras alterações tanto ao direito material como ao direito processual trabalhista.

No presente artigo de revisão, pretende-se analisar, por meio de pesquisa bibliográfica, a problemática jurídica que circunda dois pontos da reforma trabalhista, quais sejam: primeiro, a proibição imposta aos juízes do trabalho e aos presidentes dos tribunais trabalhistas de promoverem a execução de ofício nas demandas em que as partes estejam representadas por advogados (Art. 878 da CLT); segundo, o modelo de prescrição intercorrente proposto pelo legislador para as demandas judiciais laborais (Art. 11-A da CLT).

Questiona-se se tais alterações no direito processual trabalhista afrontam aos princípios da vedação ao retrocesso social, do impulso oficial e ao princípio e garantia constitucional da razoável duração do processo.

Questiona-se, também, se tais alterações tornaram o sistema executório no âmbito da justiça laboral mais ineficiente e suscetível a fraudes à execução, prejudicando o recebimento do crédito obreiro, de natureza alimentar, e, conseguintemente, deixando de assegurar direitos fundamentais.

Questiona-se, por fim, se as alterações ora analisadas são compatíveis com a CLT e com a Constituição Federal e com as demais disposições da legislação infraconstitucional, em especial aquelas constantes na Consolidação das Leis do Trabalho.

Objetiva-se, com a presente pesquisa, elucidar as mudanças apresentadas pelo legislador e angariar melhor intelecção acerca dos temas ora trazidos em debate, constatando se há compatibilidade deles com os princípios que regem o direito brasileiro e com as normas vigentes no país.

Far-se-á, primeiramente, uma análise acerca do princípio da proibição ao retrocesso social, conhecido por efeito “cliquet”, que assegura aos jurisdicionados a segurança jurídica ao proibir que direitos fundamentais já previstos e garantidos sejam suprimidos do ordenamento jurídico por decisões estatais arbitrárias.

Será analisado, em seguida, o princípio e garantia constitucional da efetividade na prestação jurisdicional, também conhecido como princípio da razoável duração do processo, segundo o qual a prestação jurisdicional não deve ser tão demorada a ponto de fazer perecer o direito ou a pretensão daquele o persegue.

Também será feito um breve estudo acerca da evolução histórica da execução judicial de dívidas civis, desde sua incidência sobre o próprio corpo do devedor até o modelo atual em que ela restringe-se ao seu patrimônio.

O princípio do impulso oficial, também chamado de princípio inquisitivo, por seu turno, será objeto de estudo analisando-se as previsões dele no ordenamento jurídico brasileiro, sua aplicabilidade e sua correspondência com o princípio da inércia jurisdicional. Far-se-á, ademais, um estudo acerca da forma como, historicamente, a execução trabalhista foi impulsionada no Brasil.

Outro ponto a ser abordado no presente artigo diz respeito à visível contradição trazida ao ordenamento jurídico pela nova redação do art. 878 da Consolidação das Leis do Trabalho, dada pela Lei nº 13.467/2017, uma vez que parece incompatível com o art. 114, VIII da Constituição Federal de 1988, com outros dispositivos da legislação infraconstitucional e com a jurisprudência pátria.

A prescrição intercorrente, prevista no Art. 11-A da Consolidação das Leis do Trabalho, incluído pela Lei nº 13.467/2017, por sua vez, será analisada a fim de se verificar sua compatibilidade, à luz da doutrina e da jurisprudência, com o Direito Processual do Trabalho. Verificar-se-á, outrossim, as consequências e efeitos do Art. 11-A à prestação jurisdicional e ao deslinde das ações no âmbito da Justiça do Trabalho.

Por fim, a proibição da execução de ofício será analisada em conjunto com a prescrição intercorrente, de modo a se verificar os efeitos trazidos pela reforma trabalhista à persecução do crédito obreiro e à efetividade da prestação jurisdicional.

A abordagem do tema justifica-se pela urgente necessidade de analisar as mudanças impostas ao ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 13.467/2017, uma vez que as alterações ao direito material do trabalho vem sendo amplamente divulgadas pela mídia brasileira e discutidas nos ambientes acadêmicos, no entanto, pouco se atenta a sociedade às mudanças impostas ao direito processual, tão quão importante, vez que de nada adianta direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico se os instrumentos para assegurá-los forem ineficazes.


2. O efeito cliquet: nunca retroceder

O alpinismo está entre os esportes mais árduos praticados pelo ser humano. Alpinistas profissionais percorrem milhares de quilômetros para chegarem a montanhas mais e mais desafiadoras. Os mais audaciosos não hesitam em gastar fortunas para chegar ao Monte Everest no Nepal, por exemplo, considerado a montanha de maior altitude (8.516 metros acima do nível do mar), um trunfo para a carreira de um alpinista.

Seja no Monte Everest, seja em outro de menor altitude e menor complexidade para um escalador, em determinados pontos da escalada o alpinista percebe que já não é mais possível retroceder. A única solução é subir. Não há mais espaço para desistências ou descidas, sob pena de colocar em risco a própria vida. No alpinismo, isso é chamado de efeito “cliquet”.

No âmbito jurídico, a expressão efeito “cliquet” é tomada de empréstimo para designar um ponto no avanço na garantia dos direitos fundamentais em que se torna impossível o retrocesso. A expressão está intimamente ligada ao princípio da vedação ao retrocesso. (GARCIA, 2014).

Em uma sociedade, necessário se faz que seja garantida a segurança jurídica nas relações entre o povo e o Estado, de forma que cada indivíduo possa viver em tranquilidade e não seja surpreendido com decisões que, de repente, o desampare de direitos e garantias fundamentais.

Visando justamente a segurança jurídica e a garantia dos direitos fundamentais, juristas tem defendido a tese do efeito “cliquet”, ou seja, o princípio da vedação ao retrocesso social.

Esse princípio, embora já discutido no direito alemão e italiano, teve como importante marco o julgamento do Tribunal Constitucional Português que decidiu pela inconstitucionalidade de uma lei que, na prática, extinguia o Serviço Nacional de Saúde do País. A inconstitucionalidade material da lei foi defendida, naquela ocasião, sob o argumento de que, uma vez reconhecido constitucionalmente e garantido o direito à saúde, o Estado não mais poderia deixar de prestar essa assistência à sociedade, sendo-lhe exigíveis prestações positivas com fins de garantia do referido direito fundamental. (FILETI, 2014).

Alcançado determinado grau de garantia dos direitos sociais, eles passam a ser, concomitantemente, uma garantia institucional e um direito subjetivo, tornando inconstitucionais quaisquer medidas estatais tendentes à anulação, revogação ou aniquilação deles. (CANOTILHO, 2002, p.336 apud GARCIA, 2014).

Os direitos sociais têm caráter vinculativo, imperativo e exigem do Estado positivação de normas que vinculem os órgãos estatais e possibilitem a concretização das normas programáticas previstas na Constituição, sendo vedado o retrocesso, conforme ensina José Afonso da Silva, considerado pioneiro no reconhecimento desse princípio no direito brasileiro. (SILVA, 2007, p. 319 apud FILETI, 2014).

Nenhuma organização ou norma internacional dita de forma rígida quais os direitos fundamentais devem ser assegurados por um Estado soberano. Como regra geral, cada país é livre para decidir quais direitos e garantias serão assegurados à população. É livre, também, para definir os limites da prestação estatal.

Aliás, o poder constituinte originário é classificado pela doutrina majoritária como inicial, incondicionado e ilimitado, ou seja, em regra, não está condicionado ou limitado a nenhuma outra norma jurídica, seja ela nacional ou internacional. (BULOS, 2014, p. 401).

Todavia, pelo princípio ora analisado, uma vez assegurado pelo Estado um direito ou garantia fundamental, torna-se impossível, por meio de reforma constitucional ou legislação infraconstitucional, suprimi-los do ordenamento jurídico, sob pena de tais normas serem eivadas de inconstitucionalidade material.


3. INJUSTA JUSTIÇA TARDIA

Tempo é dinheiro, diz um dito da sabedoria popular. Deveras, a noção abstrata de tempo, estudada tanto nas ciências exatas quanto nas ciências humanas, é de preciosidade comparável ao próprio dinheiro.

No curso de um processo judicial, o tempo pode levar a decisões injustas, se demasiadamente precoce, ou pode fazer perecer o direito se demasiadamente tardio, tornando-se inócua a decisão reconhecedora do direito pretendido.

As reclamações nos corredores dos tribunais pátrios são incansáveis, sendo as mais corriqueiras delas, sem dúvida, aquelas relacionadas à morosidade da prestação jurisdicional.

Sem embargo, segundo Schlette (1999, p.13 apud SOUSA, 2014), “as queixas com relação ao tempo de duração dos processos judiciais devem ser tão antigas como a própria justiça”. Portanto, não é um problema moderno, tampouco exclusivo da justiça brasileira. Razão disso, grande é o clamor do povo, dos juristas e dos aplicadores do direito para que a justiça seja mais célere na prestação jurisdicional.

Nesse sentido, a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, ocorrida na cidade de Roma no ano de 1950, consignou que “toda pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente, num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, instituído por lei (...).”.

Na mesma linha segue o Art. 8 do Pacto de São José da Costa Rica ao dispor que:

Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (Convenção americana sobre direitos humanos, 1969).

Percebe-se, por conseguinte, que o direito de celeridade processual é de tão grande importância que mereceu destaque até mesmo nas convenções internacionais voltadas aos direitos humanos.

Consoantemente, a emenda constitucional 45/2004 inseriu ao Art. 5º da Constituição Federal o inciso LXXVIII, que consagrou o princípio da razoável duração do processo, ou princípio da efetividade na prestação jurisdicional, como uma garantia fundamental ao dispor que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Caminhando no mesmo sentido, o Código de Processo Civil de 2015 prevê em seu Art. 139, II, que o “juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe velar pela duração razoável do processo.”.

Seja dito de passagem que, ainda em 1921, Rui Barbosa, em profético discurso que virou o livro Oração aos Moços, disse que “a justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta.” (BARBOSA, 1999, p. 39).

Portanto, sendo a razoável duração do processo uma garantia constitucional, faz-se mister que os tribunais brasileiros busquem meios de assegurá-la e que os legisladores trabalhem por normas processuais livres de embaraços, sob pena do fumus boni juris esvair-se, deixando para trás pessoas órfãs da tutela jurisdicional e inúteis papéis esquecidos nas estantes e gavetas dos juízes.


4. Evolução histórica da execução: do corpo ao patrimônio

A lei das XII tábuas, escrita no ano 450 a.C dispunha que aquele que era condenado ou confessava uma dívida perante um magistrado teria 30 dias para pagar. Se esgotado tal prazo sem pagamento, o devedor deveria ser coercitivamente conduzido à presença do juiz, que determinava a entrega dele, amarrado com correntes de até 15 libras, ao credor. O devedor ficaria então preso sob a custódia do credor por 60 dias, durante os quais era levado a feiras na cidade, onde se proclamava em alta voz o valor da dívida. Não aparecendo fiador, permitia-se aos credores repartirem o corpo do devedor em tantos pedaços quantos fossem os credores ou, se preferissem, poderiam vendê-lo como escravo a um estrangeiro (TÁBUA III, 450 a.C, nº 4-9 apud MARTINS, 2015, p.764).

Percebe-se que a execução judicial, diferentemente do modelo atual, era muito mais rigorosa com os devedores, uma vez que incidia sobre o próprio corpo do devedor ou de seus parentes.

A bíblia sagrada, por exemplo, no livro de II Reis, capítulo 4, conta a história de uma viúva que pede socorro ao profeta Eliseu dizendo: “meu marido, teu servo, morreu; e tu sabes que o teu servo temia ao Senhor; e veio o credor a levar-me os meus dois filhos para serem servos.”. Tal passagem bíblica exemplifica que, à época, não só o devedor respondia pela dívida, mas, do mesmo modo, seus parentes após a sua morte. Caso os familiares do devedor não possuíssem patrimônio para saldar a dívida, também respondiam com o próprio corpo, podendo até mesmo se tornarem escravos como forma de pagamento.

Felizmente, o direito moderno evoluiu. No Brasil, a execução civil de dívida limita-se ao patrimônio do devedor, não se estendendo aos parentes, salvo, conforme o Art. 1.997 do Código Civil, em hipóteses de morte, caso em que a dívida pode ser cobrada dos herdeiros, desde que sejam respeitados os limites da herança.

No sentido comum da palavra executar é realizar, cumprir, levar a efeito. Já no sentido jurídico, a expressão conserva a mesma ideia, porém, uma vez nascida a obrigação, seja por ajuste de vontades entre particulares ou por sentença judicial, deve ser cumprida até que se atinja a efetivação do comando sentencial que a reconheceu ou o fim para o qual a sentença foi criada. (PINTO, 2014, p. 23)

Schiavi (2014, p. 966), por sua vez, ensina que "a sentença não voluntariamente cumprida dá ensejo a uma outra atividade jurisdicional, destinada à satisfação da obrigação consagrada em um título que tem força executiva, (...) que se denomina execução forçada."

Conclui-se, assim, que execução consiste em atos do Estado-Juiz para dar efetividade ao cumprimento de suas decisões, de forma que os direitos reconhecidos sejam efetivamente assegurados ao seu detentor (credor) por meio de interferência judicial no patrimônio do devedor, ainda que contra sua vontade e seus interesses.


5. Impulso oficial: direito DO jurisdicionado E dever do magistrado

O princípio do impulso oficial, também conhecido como princípio inquisitivo, tem previsão no Código de Processo Civil de 2015, que prevê, já em seu Art. 2º, que “o processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial.”. Essa previsão resguarda obediência ao princípio da inércia jurisdicional e, ao mesmo tempo, confere ao juiz o poder-dever de impulsionar a marcha processual por iniciativa própria.

No Código de Processo Civil de 1973, tal previsão constava no Art. 262, no capítulo I do Título VI daquele diploma, que tratava especificamente sobre a formação do processo. Com o advento do novo Código de Processo Civil, em 2015, o legislador a trouxe para dentro do capítulo I, livro I, colocando-a nas normas fundamentais do processo civil e, por conseguinte, conferindo mais destaque ao princípio do impulso oficial.

Para Leite (2016, p. 84), “após o ajuizamento da ação, o juiz assume o dever de prestar a jurisdição de acordo com os poderes que o ordenamento jurídico lhe confere.”. A Consolidação das Leis do Trabalho, no Art. 765, confere aos Juízes e Tribunais do Trabalho ampla liberdade na direção do processo, impondo-lhes o dever de dar andamento rápido às causas, sendo-lhes permitido determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.

Tais disposições estão umbilicalmente ligadas à garantia constitucional da efetividade na prestação jurisdicional, prevista no Art. 5ª, inc. LXXVIII, princípio já perscrutado no tópico três do presente artigo.

Portanto, são desarrazoadas as alegações de que o princípio inquisitivo é incompatível com o princípio da inércia da jurisdição, uma vez que, diferentemente das normas, que são comandos definidos, os princípios, de caráter mais abstrato, são requisitos de otimização da aplicabilidade do direito. (ALEXY, 2000, p. 294 apud HORA, 2010).

Não há que se falar, portanto, em exclusão de um para aplicação de outro. É obrigação dos aplicadores do direito e dos legisladores ponderá-los e interpretá-los de maneira sistêmica, aplicando-os da forma mais adequada ao caso concreto ou à norma a ser criada.

Logo, o princípio da inércia da jurisdição deixa de ter rígida observância quando o jurisdicionado efetivamente provoca o Poder Judiciário por meio de ação, quando passa a ter direito a uma prestação jurisdicional justa, célere e eficaz - dever do Estado, que confere aos juízes o poder-dever de “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial”, conforme dispõe o Art. 139, inc. IV do Código de Processo Civil.


6. Impulso da execução trabalhista no Brasil

Ao longo da história, a Justiça do Trabalho no Brasil, com amparo no princípio inquisitivo, deteve poderes para iniciar e impulsionar as execuções decorrentes do descumprimento de suas sentenças, uma conquista histórica justificável pela nobre natureza do direito violado: as verbas alimentícias; bem como a hipossuficiência do trabalhador.

O impulso oficial da execução trabalhista estava amparado na antiga redação do Art. 878 da CLT:

Art. 878 - A execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio Juiz ou Presidente ou Tribunal competente, nos termos do Art. anterior Parágrafo único - Quando se tratar de decisão dos Tribunais Regionais, a execução poderá ser promovida pela Procuradoria da Justiça do Trabalho. (Redação alterada pela Lei 13.467, de 2017)

Em razão dessa autonomia conferida pela lei aos juízes do trabalho, a execução no âmbito da justiça laboral detinha ampla atuação oficial, não sendo necessário, em regra, que as partes, especialmente a parte credora, indicassem passo a passo os caminhos da marcha executória.

Os juízes, por meio de diversas ferramentas desenvolvidas, buscavam dar efetividade ao cumprimento de suas sentenças efetuando bloqueios, penhoras e até mesmo desconsideração da personalidade jurídica das empresas executadas independentemente de requerimento.

Destarte, buscava-se, de maneira célere, sanar a crise de satisfação do credor, dado que a crise de certeza já fora sanada por meio do processo sincrético de conhecimento, não restando dúvidas acerca do direito pleiteado.

Tal realidade, no entanto, foi alterada pela Lei 13.467 de 2017, conhecida popularmente como reforma trabalhista, porquanto foi alterado o texto do Art. 878 da CLT, passando a constar a seguinte redação:

Art. 878.  A execução será promovida pelas partes, permitida a execução de ofício pelo juiz ou pelo Presidente do Tribunal apenas nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado. Parágrafo único (Revogado). 

Por conseguinte, observa-se que a novidade da nova lei circunda a impossibilidade do impulso judicial do processo de execução, transferindo tal responsabilidade às partes.

Não obstante, verifica-se que a nova regra não inovou o ordenamento jurídico, uma vez que a execução, no âmbito da justiça comum, sempre foi promovida pelas partes, sendo a execução de ofício exceção e não regra geral como se via no âmbito da Justiça do Trabalho.

Entretanto, a peculiaridade da execução de ofício, no âmbito da justiça laboral, encontrava amparo na necessidade fundamental de dar celeridade e efetividade à persecução do credito de natureza alimentar.

Aliás, o crédito trabalhista tem sido colocado como privilegiadíssimo em relação aos demais pela doutrina e jurisprudência pátria. O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou, inclusive, que, em que pese a Lei de Execuções Fiscais e o Código Tributário Nacional parecerem colocar os créditos tributários em preferência absoluta sobre os demais, ele é antecedido, na habilitação de credores ante uma falência ou recuperação judicial, pelos créditos decorrentes de acidente de trabalho e dos demais créditos dos empregados da empresa falida ou recuperanda. Na ocasião, o ministro Luiz Fux afirmou que "o crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for a natureza ou o tempo da constituição deste, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho.". (STJ, 2002 apud DONOSO, 2009).

A nova legislação mitigou o princípio do impulso oficial em face do princípio da inércia, ao arrepio da natureza alimentar e privilegiada no crédito obreiro, igualando as execuções trabalhistas às execuções que perseguem créditos não ou menos privilegiados. Tal alteração parece favorecer o devedor e transfere ao credor, quase sempre hipossuficiente, a árdua obrigação de promover a execução.

Muito embora o exposto, há escritores que discordam desse entendimento. Por exemplo, Cleber (2017, p. 425) afirma que embora seja mais cômodo para a parte que o juiz inicie de ofício a execução, a nova regra do Art. 878 da CLT não compromete a celeridade e a razoável duração do processo, uma vez que basta que a parte requeira expressamente o início do cumprimento da sentença.

Questiona-se a tese do escritor supracitado, uma vez que o verbo usado pela nova lei é ‘promover’, diferente dos verbos ‘iniciar’ ou ‘requerer’ usados pelo Código de Processo Civil ao dispor no Art. 513, §1º que o comprimento de sentença iniciar-se-á por meio de requerimento da parte credora.

Pela literal redação do Art. 878 da CLT, a execução dever ser promovida pelas partes, não simplesmente iniciada. Ou seja, não basta simplesmente que o credor requeira o cumprimento da sentença, mas que efetivamente promova a execução indicando bens e fornecendo meios hábeis ao prosseguimento da marcha executória até a satisfação do seu crédito. 


7. contradição: execução de ofício das parcelas previdenciárias

A Constituição Federal de 1988 prevê no Art.114, VIII, que compete à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças que proferir. Em consonância com essa previsão constitucional está o Art. 876, Parágrafo Único, da CLT, que também prevê a execução de ofício das contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças trabalhistas.

Surge então uma dissonância entre tais previsões e a nova redação do Art. 878 da CLT, uma vez que o fato gerador das contribuições previdenciárias é a prestação de serviços, à luz do Art. 43, §2º da Lei 8.121/91, ou seja, elas decorrem justamente da remuneração percebida pelo trabalhador.

Quando uma sentença judicial reconhece verbas trabalhistas devidas, a contribuição previdenciária é consequência desse reconhecimento, não o contrário. Entende-se que as contribuições previdenciárias são verbas assessórias em relação à verba principal, ou seja, o crédito obreiro.

Evidencia-se, por consequência, a contradição da reforma trabalhista em relação à Constituição Federal e a própria Consolidação das Leis do Trabalho, uma vez que não se faz inteligível que um juiz, ao se deparar com um cálculo de liquidação de sentença, separe as contribuições previdenciárias de um lado e o crédito do exequente de outro para executar de ofício aquelas e esperar o impulso da parte para executar esse.

Nesse caso, ficaria preterido o crédito principal, de natureza alimentar, em relação ao crédito acessório, de natureza tributária, destoando inclusive do já mencionado entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que o crédito tributário é antecedido pelos créditos decorrentes de acidente de trabalho e dos demais créditos trabalhistas.

Corroborando a visão de incompatibilidade constitucional da nova redação do art. 878 da CLT, os autores Delgado & Delgado (2017, p. 353) afirmam que “a literalidade dos textos legais analisados entra em choque com outros dispositivos firmes da Constituição da República (art. 52, LXXVTII), da própria CLT (art. 765) e do Código de Processo Civil (arts. 22, 82, 15 e 139, IV).”

Segundo Delgado & Delgado (2017, p. 355), “não há como, na Ciência e na Técnica, se calcular o acessório (montantes de contribuições sociais e de imposto de renda) sem se produzir, anteriormente - ou de maneira concomitante - o cômputo das parcelas principais”.

Por esta perspectiva, conclui-se que o Art. 878 da CLT é incompatível com o Art. 114, VIII, da Constituição Federal, com a legislação infraconstitucional e com a jurisprudência pátria, posto que, na prática forense, não se faz possível o cumprimento de sua literalidade sem ferir os dispositivos constitucionais, legais e os entendimentos jurisprudenciais mencionados.


8. Prescrição intercorrente: perda dA pretensão PELO CREDOR E direito do devedor

Entende-se por prescrição "a exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa para sua pretensão ou ação. Serve à segurança e à paz públicas, para limite temporal à eficácia das pretensões e das ações.". (MIRANDA, 2000, p. 181).

Por sua vez, Martins (2015, p. 308) ensina que "consiste a prescrição na perda da pretensão ao direito, em virtude da inércia de seu titular no decorrer de certo período. A prescrição nasce no momento em que ocorre a violação ao direito (actio nata).".

Por muito tempo, muitos autores afirmavam que a prescrição consistia na perda do direito de ação. Tal conceito foi questionado e superado, uma vez que a prescrição não é causa impeditiva do direito de ação, mas uma prejudicial de mérito. Passou-se então a adotar no direito brasileiro a ideia de prescrição como a perda da pretensão ao direito, entendimento confirmado pelo Código Civil de 2002, que trouxe em seu Art. 189 a afirmação de que, uma vez violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição.

Por seu turno, a prescrição intercorrente, objeto de estudo no presente artigo, é definida por Alvim (2006, p. 34) como aquela "relacionada ao desaparecimento a proteção ativa, no curso do processo, (...) que se verifica pela inércia continuada e ininterrupta (...) por seguimento temporal àquele em que ocorre a prescrição em dada hipótese.".

Pode-se resumir, em outras palavras, que a prescrição intercorrente consiste na perda da pretensão ao direito ocorrida no curso do processo em razão de inércia do autor em impulsionar o feito, ficando paralisado por demasiado tempo.

O instituto da prescrição intercorrente é típico do Direito Processual Civil, sendo que antes da Lei 13.467 de 2017 não havia previsão expressa na CLT acerca da sua aplicação ao Processo do Trabalho, não obstante o Art. 884, §1º da CLT afirmar que é matéria oponível em embargos à execução as alegações de cumprimento da decisão ou acordo, quitação ou prescrição da dívida. Para alguns juristas, tal previsão é um posicionamento expresso da CLT acerca da possibilidade da prescrição intercorrente no processo do trabalho.

Os juristas que defendiam a aplicação da prescrição intercorrente ao processo do trabalho com base no Art. 884, §1º da CLT, baseavam-se na lógica processual de que a prescrição nele prevista deve ser, necessariamente, a prescrição intercorrente, uma vez que a prescrição quinquenal para reclamar créditos trabalhistas e a prescrição bienal para propositura de ação, previstas no Art. 7º, inc. XXIX da Constituição Federal e no Art. 11 da CLT, são matérias prejudiciais de mérito que devem ser arguidas no processo de conhecimento, não na fase de execução em sede de embargos.  

Apesar disso, sem consenso, longa discussão travou-se no mundo jurídico - seja na doutrina, seja na jurisprudência - acerca da aplicação da prescrição intercorrente no âmbito das demandas trabalhistas.

O Supremo Tribunal Federal editou a súmula 327, datada de 13/12/1963, em que admitiu a prescrição intercorrente no processo do trabalho. Em 1980, em entendimento contrário, o Tribunal Superior do Trabalho se posicionou pela inaplicabilidade da prescrição intercorrente nos processos laborais, conforme sua súmula 114. Para o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Alexandre Agra Belmonte, "todas as partes são responsáveis pelo andamento da execução, não sendo razoável punir o credor pela paralisação do processo de execução". (TST, 2013).

Duas súmulas com disposições contrárias passaram a vigorar concomitantemente no ordenamento jurídico, sem que houvesse consenso acerca de qual delas seria compatível com a Constituição Federal de 1988.

Divididos, alguns magistrados seguiram o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho e outros optaram por seguir o entendimento do Supremo Tribunal Federal, adotando, para isso, o rito previsto no Art. 40 da Lei de Execução Fiscal.

Dispõe o referido rito que o magistrado, não localizando o devedor ou encontrando bens sobre os quais possa recair penhora, deve suspender a ação por um ano, com vista à Fazenda Pública, durante o qual não corre prescrição. Decorrido o prazo e persistindo o fracasso da execução, o juiz deve determinar o arquivamento dos autos até que seja encontrado o devedor ou os bens, sendo que, da decisão de arquivamento, conta-se o prazo prescricional - quinquenal por força do Decreto nº 20.910/1932.

Os juízes que entendiam pela incidência da prescrição intercorrente ao processo do trabalho seguiam o rito da Lei de Execuções Fiscais supramencionado por força do Art. 889 da CLT, segundo o qual “os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal são subsidiariamente aplicáveis aos trâmites e incidentes do processo da execução trabalhista.”. Dessa forma, o lapso temporal para a ocorrência da prescrição intercorrente na justiça do trabalho era de aproximadamente seis anos de paralisação do processo por execução frustrada.

A reforma trabalhista, por meio do Art. 11-A da CLT, trouxe um novo modelo de prescrição intercorrente em que basta a inércia do exequente em cumprir determinação judicial, no curso da execução, para que se inicie a fluência do prazo prescricional de dois anos.

A novidade processual colocou um fim à divergência doutrinária e jurisprudencial acerca do tema, resguardando a segurança jurídica às partes e assegurando a equidade ao evitar decisões divergentes a casos semelhantes, situações corriqueiramente vistas nos tribunais trabalhistas quando a questão era deixada a cargo do entendimento de cada magistrado.

O Art. 11-A da Consolidação das Leis do Trabalho, por meio da prescrição intercorrente, equacionou a proteção ao crédito trabalhista e a segurança jurídica das partes, evitando que uma execução eterna ou demasiadamente longa assoberbe a Justiça do Trabalho e prejudique a prestação jurisdicional. (CLEBER, 2017, p. 51).

Deveras, é importante efeito da prescrição intercorrente o fim a execuções infrutíferas, eternas e dispendiosas ao erário. Não é juridicamente razoável que uma execução, frustrada em razão da real impossibilidade de pagamento pelo devedor, seja impulsionada “ad eternum” ou fique parada por seis anos, de forma dispendiosa ao erário, violando a segurança jurídica do executado e retirando-lhe a oportunidade de se recuperar economicamente; à parte o fato de que o assoberbamento da Justiça do Trabalho por demasiado número de processos em trâmite claramente prejudica outros jurisdicionados com real chance de êxito no recebimento da prestação jurisdicional.

A dificuldade financeira de alguns devedores é uma realidade que deve ser ponderada no âmbito jurídico. Tanto é assim que o Art. 805 do Código de Processo Civil assegurou ao executado o direito de ver a execução movida contra si ser realizada pelo modo que lhe é menos gravoso.

Sendo o devedor pessoa física, uma execução movida por tempo indefinido pode gerar danos, inclusive, aos seus direitos da personalidade e à sua dignidade como pessoa humana.

Quanto ao prazo fixado pelo Art. 11-A da CLT, entende-se razoável e proporcional, haja vista o prazo prescricional para propositura de ação trabalhista ser também bienal, conforme o Art. 7º, inc. XXIX da Constituição Federal e o Art. 11 da Consolidação das Leis do Trabalho. Como já mencionado neste artigo, Alvim (2006, p. 34), ao conceituar prescrição intercorrente, ensina que o prazo para sua ocorrência deve ser o prazo prescricional da hipótese.

Portanto, é razoável que dívidas trabalhistas estejam sujeitas à prescrição, ainda que durante o curso do processo judicial - no mesmo prazo prescricional para propositura da ação, instituto amparado pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade e compatível com o ordenamento jurídico, perfazendo-se um direito do devedor quando o credor deixa de cumprir obrigações processuais, implicando paralisação do processo executório por tempo demasiado, ou tornar-se comprovadamente frustrada a execução por real ausência de bens do devedor.


9. Proibição da execução de ofício e prescrição intercorrente: uma frustrante combinação

Diversos autores, mesmo antes da reforma trabalhista, já questionavam a dificuldade de satisfação do crédito obreiro no âmbito da justiça laboral. Por exemplo, Schiavi (2014, p. 964) enfatiza que muitos credores trabalhistas, mesmo tendo um título executivo judicial, enfrentam verdadeiro calvário para ver seu crédito satisfeito. Isso pelo fato de que muitos executados, mesmo tendo patrimônio para saldarem suas dívidas, preferem “apostar na burocracia processual e deixar para adimplir o crédito somente quando se esgotar a última forma de impugnação.”. O autor ressalta que “neste triste cenário, a cada dia mais o Processo do Trabalho carece de instrumentos processuais eficazes que lhe façam realizar a promessa da efetividade da legislação social.”

Percebe-se que a reforma trabalhista veio de encontro ao clamor do escritor supracitado, já que avanços, conquistas históricas e institutos jurídicos eficazes à execução foram retirados do Direito Processual do Trabalho, tornando mais dificultosa a garantia de direitos dos trabalhadores, facilitando a fraude à execução e a protelação processual. Em muitos casos, ela inviabilizará o recebimento de créditos dos trabalhadores.

Afirma Rodrigues (2017, p. 317), assim como Schiavi, que, mesmo com a antiga possibilidade de execução trabalhista de ofício, o recebimento dos créditos obreiros pelos exequentes já era difícil, seja pela inexistência de bens patrimoniais no devedor, seja “pelas artimanhas levianas criadas pelos executados para se furtarem ao adimplemento das suas dívidas”. O autor assegura que, “com a transferência da obrigação exclusivamente para as partes, com toda certeza o número de execuções frustradas aumentará ainda mais.”.

Por fim, Rodrigues (2017, p. 318) ainda chama a atenção para o fato de não haver justificativa jurídica para se fazer distinção entre o exequente que exerce a capacidade postulatória pessoalmente (“jus postulandi”) e aquele que a exerce por meio de mandato outorgado a um advogado, uma vez que o crédito que se busca satisfazer, em ambos os casos, é da mesma natureza alimentar.

Para Delgado & Delgado (2017, p. 51), “a nova lei gera diversos incidentes processuais novos que, em seu conjunto, comprometerão o princípio constitucional da eficiência, da celeridade e da efetividade da prestação jurisdicional.”

Antes mesmo de aprovada, a Lei nº 13.467 de 2017, Teixeira (2017) também criticou as alterações concernentes à proibição da execução de ofício, alegando que, mesmo não havendo alterações nos direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal, para nada servirão se, ao executá-los, desaparecerem na névoa da legislação branda.

Destarte, a prescrição intercorrente não é incompatível com o processo do trabalho, porém, combinada com a proibição da execução de ofício, ela se torna, recorrendo-se aos ditos populares, a "cereja do bolo" de um sistema tendente à ineficácia das execuções e à frustração do recebimento do crédito obreiro, quase sempre pautado em direitos constitucionais fundamentais lesionados e já reconhecidos pelo Estado em sentença transitada em julgado.

Caso o exequente e seu advogado não sejam capazes de realizar uma investigação patrimonial contra o devedor e, como é muito comum na prática forense, não tenham conhecimento da existência e da utilidade das inúmeras e poderosas ferramentas disponíveis ao juízo para tal finalidade, ficarão impossibilitados de promover a execução, ficando fatalmente sujeitos ao decurso do prazo prescricional, que culminará na extinção da obrigação de pagar fixada no édito condenatório e inviabilizará, em definitivo, a prestação jurisdicional.


10. Conclusão

Ante todo o estudado, pode-se concluir, com relação aos pontos da reforma trabalhista analisados, que a nova redação dada pela Lei nº 13.467 de 13 de Julho de 2017 ao artigo 878 da Consolidação das Leis do Trabalho não guarda consonância com os princípios gerais do direito e com os princípios específicos do direito processual.

Configura retrocesso social a proibição imposta aos magistrados e Tribunais do Trabalho para que não impulsionem de ofício as execuções trabalhistas cujos exequentes são assistidos por advogados, com afronta direta ao princípio da equidade e ao princípio da efetividade na prestação jurisdicional, previstos no Art. 5º caput e inc. LXXVIII da Constituição Federal.

Ademais, a referida proibição é afronta ao princípio do impulso oficial já consolidado na legislação pátria, como se pode observar no Art. 2º, no Art. 139, inc. IV do Código de Processo Civil de 2015 e no Art. 765 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Por outra perspectiva, o Art. 878 da Consolidação das Leis do Trabalho é incompatível com o Art. 114, VIII, da Constituição Federal, que prevê a competência da Justiça do Trabalho de executar de ofício as contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças, uma vez que não se figura razoável perseguir o crédito tributário acessório sem antes satisfazer o crédito obreiro principal, privilegiado por sua própria natureza.

A prescrição intercorrente, por sua vez, mostrou-se compatível com o processo do trabalho, sendo a prescrição um direito que deve ser assegurado ao devedor, ainda que em durante o curso do processo judicial, seja pela sua segurança jurídica, seja pelos motivos sociais e econômicos de permitir-lhe a recuperação financeira e, quando pessoa física, garantir-lhe o direito à dignidade como pessoa humana.

Porém, apesar de o instituto da prescrição intercorrente encontrar-se amparado pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade e ser compatível com o ordenamento jurídico e com o processo do trabalho, ao associar-se à proibição aos magistrados de impulsionarem a execução “ex officio”, contribui a um sistema tendente à ineficácia das execuções e à frustração do recebimento do crédito obreiro.

Isso devido ao fato de que, uma vez dificultado o processo executório e transferida toda sua responsabilidade à parte exequente, por vezes hipossuficiente na relação processual, o prazo prescricional será fácil e fatalmente alcançado, inviabilizando, em definitivo, a prestação jurisdicional.

Para solução da problemática jurídica abordada no presente artigo, espera-se que os Tribunais, por meio do controle de constitucionalidade, afastem a nova redação do Art. 878 da Consolidação das Leis do Trabalho ou, por meio da hermenêutica jurídica, deem a ele interpretação sistemática, sociológica e extensiva, afastando sua aplicabilidade da literalidade gramatical para que a prestação jurisdicional atenda aos anseios da sociedade de celeridade e efetividade. Caso contrário, mais e mais se ouvirá de frustrados jurisdicionados o antigo bordão incansavelmente repetido pelos corredores dos prédios da justiça brasileira: “ganhei, mas não levei!”.


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Autor

  • Lucas de Souza Rodrigues

    Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Projeção, Taguatinga - Distrito Federal. Técnico Judiciário no Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Atualmente, exerce função comissionada de Assistente de Juiz no Gabinete dos Juízes da 4ª Vara do Trabalho de Taguatinga-DF. Pós-graduando em Direito do Trabalho pela UDF - Universidade do Distrito Federal / Universidade Cruzeiro do Sul.

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