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Recuperação judicial como instrumento de superação de momentos de crise financeira

Recuperação judicial como instrumento de superação de momentos de crise financeira

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O salvamento de uma empresa não se dá apenas pela conveniência dos credores e do devedor. A análise de sua viabilidade deve contemplar as perspectivas econômica, financeira e social.

SUMÁRIO: 1 Considerações iniciais 2 Ordem econômica brasileira 3 As crises empresárias: realidade econômica e sistema jurídico 4 A lei de recuperação judicial e sua importância 5 Desafios da recuperação judicial 6 Jurisprudência 7 Caso concreto 8 Considerações Finais. Referências. Anexos.

RESUMO: O presente trabalho tem como escopo verificar a incongruência na regulação da recuperação judicial que se estabelece entre as diretrizes e os objetivos da Lei 11.101/2005 e o reduzido número de sociedades empresárias que se beneficiam do instituto em toda a completude. A aplicação do instituto da recuperação judicial ainda não atingiu a atualidade econômica brasileira no que se concebe de tratamento jurídico das crises empresariais, haja vista que a errônea presunção do risco de mercado, ou melhor, de insegurança de não recebimento dos créditos em face da instabilidade do mercado econômico, vestígio do problema que recaía sobre o falido, inibe a absorção dos objetivos da recuperação judicial, especificamente o de manutenção da empresa. Configura-se, portanto, apontar os termos e o sentido do paradoxo, considerada a realidade social e econômica brasileira. Por fim, será demonstrada uma análise jurisprudencial e um caso concreto de recuperação judicial, concluindo pela sua relevância, ao viabilizar a superação da situação da crise econômica financeira. Utiliza-se como método de abordagem o dedutivo e como método de procedimento o bibliográfico e o jurisprudencial.

Palavras-chave: Ordem econômica. Recuperação Judicial. Lei 11.101/05.


1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Constituição da República, ao enumerar os direitos fundamentais inerentes a todo cidadão, estabeleceu o direito à propriedade privada e à livre iniciativa. Qualquer homem ou mulher, independente de sua origem ou posição social, pode empreender e buscar uma melhor condição financeira.

Como Mario Ghindini observa, a empresa deve ser salvaguardada e defendida, por se tratar de um organismo produtivo de importância fundamental, enquanto “constitui o único instrumento de produção de (efetiva) riqueza; constitui o instrumento fundamental de ocupação e de distribuição de riqueza; constitui um centro de propulsão do progresso, também cultural, da sociedade.” (GHIDINI, Mario. 1978).

O que se observa, portanto, é que a empresa não objetiva satisfazer apenas ao empresário. Vários são os interesses atrelados ao empreendimento particular, como o interesse do trabalhador, do fisco, do consumidor e da comunidade em geral. Quando uma empresa atua de maneira responsável, toda a sociedade se beneficia.

Para preservar a empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica, o legislador presenteia o sistema jurídico brasileiro com a edição da Lei 11.101/2005, dita Lei de Falência e de Recuperação de Empresas. No artigo 47 dessa lei, está expresso seu objetivo primeiro, que é viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, para assim promover a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Entretanto, é possível identificar um paradoxo existente entre os fins dessa lei, e o baixo número de sociedades empresárias que se beneficiam do instituto em sua totalidade. Desde 2009, as empresas brasileiras, tanto as multinacionais quanto as de menor porte, têm sentido as repercussões advindas da crise financeira mundial. Situações como sucessivas demissões de empregados, cancelamento ou adiamento de negócios e dificuldades na exportação de seus produtos, têm atingido todo o sistema da economia de mercado.

De acordo com Indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações, em 2016, foram requeridos 1.863 pedidos de recuperações judiciais, 44,8% a mais do que o registrado em 2015. O resultado é o maior para o acumulado do ano desde 2006, após a entrada em vigor da Nova Lei de Falências (junho/2005). Em 2015, foram 1.287 ocorrências contra 828 em 2014.

Por mais que o número de pedidos de recuperação judicial tenha sido crescente nos últimos anos, observa-se um grande número de empresas que não utilizam desse importante instrumento. Em vez disso, acabam sofrendo um processo de falência, ou tornando-se irregulares perante o fisco e perante os credores. Deixam de produzir e circular bens e serviços que muitas das vezes poderiam beneficiar inúmeros consumidores.

A presente pesquisa procurar analisar de que forma o setor empresarial pode se organizar, com vistas a sobreviver no mercado de trabalho e superar situações de crise econômico-financeira, bem como demonstrar a viabilidade política, financeira e social, por parte do Estado, em aceitar e incentivar essas práticas recuperatórias.


ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA

Como um dos fundamentos da Ordem Econômica, o princípio da livre iniciativa é de suma importância para o reconhecimento do direito constitucional de explorar as atividades empresariais e a garantia do regular funcionamento das estruturas do livre mercado.

A livre iniciativa foi uma opção do constituinte de 1988, tida tanto como valor da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, IV) quanto como fundamento da ordem econômica nacional (CF, art. 170). Consoante ensinamento que encontra maior respaldo no texto constitucional, a liberdade de iniciativa, como valor do Estado Democrático de Direito, deve ser entendida de forma ampla, não somente na seara econômica. Há, igualmente, de ser compreendida como vetor interpretativo das demais normas sobre a Economia. Dessa escolha constitucional, depreende-se que a opção foi pelo modelo econômico capitalista de mercado.

[...]

Embora seja a livre iniciativa o princípio regente da matéria, como todos os demais, não pode ser compreendido como absoluto, o que é ressaltado pela teoria constitucional contemporânea. Observando o específico contexto da Constituição, é-nos já permitido inferir a relatividade do conceito. No mencionado art. 170, caput, constitui, igualmente, fundamento da ordem econômica a "valorização do trabalho humano", que, evidentemente, há de ser compatibilizada com a livre iniciativa. Ademais, deve ter por finalidade assegurar "existência digna, conforme os ditames da justiça social". Este valor social permeia a Carta Constitucional e não pode ser olvidado no entendimento da livre iniciativa. (MORO, 2007, p. 221)

Ademais, a doutrina tem se debruçado com afinco sobre a análise da função social da propriedade. Afinal, é notória a importância da empresa para a coletividade e o consequente reconhecimento dessa posição pela legislação.

A empresa não se confunde com o empresário, seu titular. É o instrumento de trabalho dele e termina por desempenhar relevante papel social e econômico, na medida em que gera empregos, produz e faz circular bens e serviços, urbaniza seus arredores, gera tributos, entre outras atribuições. Assim, a empresa acaba se tornando um instrumento que atende ao interesse da coletividade e, por isso, passa a ter proteção mais ampla. (CHAGAS, 2017, p. 1.081)

Segundo Mario Ghidini (1978, p. 77), “a empresa é um organismo produtivo de fundamental importância social; essa deve ser salvaguardada e defendida, enquanto: constitui o único instrumento de produção de (efetiva) riqueza; constitui o instrumento fundamental de ocupação e de distribuição de riqueza...”.

A empresa pode ser desenvolvida por pessoas físicas ou por pessoas jurídicas. Se quem exerce a atividade empresarial é pessoa física ou natural, será considerado empresário individual. Se quem o faz é uma pessoa jurídica, será uma sociedade empresária. Quanto à empresa permanece válida, a máxima, no sentido de que a empresa é objeto, e não sujeito de direitos.

O exercício empresarial é responsável pela geração de empregos, pelo recolhimento de tributos (sustento da economia) e, ainda, movimenta a economia (compra e venda de bens e prestação de serviço). Assim, a função social é alcançada quando, além de cumprir esses objetivos, a empresa observa a solidariedade (CF/88, art. 3º, inc. I), promove a justiça social (CF/88, art. 170, caput), livre iniciativa (CF/88, art. 170, caput e art. 1º, inc. IV), busca de pleno emprego (CF/88, art. 170, inc. VIII), redução das desigualdades sociais (CF/88, art. 170, inc. VII), valor social do trabalho (CF/88, art. 1º, inc. IV), dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, inc. III), observe os valores ambientais (CDC, art. 51, inc. XIV), dentre outros princípios constitucionais e infraconstitucionais.

Em razão desse papel ímpar que as empresas desempenham, a sua extinção em situações de dificuldade econômico-financeira, passou a ser vista como última ratio, enquanto a recuperação judicial opera como remédio preventivo.

A ação de recuperação judicial tem por meta sanear a situação gerada pela crise econômico-financeira da empresa devedora. Nela, o devedor postula um tratamento especial, justificável, para remover a crise econômico-financeira de que padece a sua empresa. Seu objetivo primeiro mediato é a salvação da atividade empresarial em risco e seu objetivo imediato é a satisfação, ainda que atípica, dos credores, dos empregados, do Poder Público e, também, dos consumidores. (JÚNIOR, 2012, p.637)

O princípio da preservação da empresa foi positivado pelo legislador no artigo 47 da Lei n. 11.101/2005, dada a sua grande importância. O princípio também está implícito na Constituição, no artigo 170, caput, ao prever uma ordem econômica fundada na livre iniciativa e na valorização do trabalho humano, pois para tanto, é importante a manutenção das empresas Ademais, outros princípios são pautados pela recuperação judicial além da conservação e função social da empresa, como a dignidade da pessoa humana e valorização do trabalho; segurança jurídica e efetividade do direito, de acordo com o artigo 47.

Pesquisas recentes na Inglaterra e na Espanha retratam a realidade dos demais países europeus e, de resto, todo o mundo, dão conta das seguintes causas de crise da empresa: falta ou deficiente competitividade; reduzida produtividade por empregado; empresas de pequeno porte sem escala para rivalizar em um mercado globalizado; pouca capacidade exportadora; falta de controle financeiro; gestão inadequada; elevada estrutura de custos; mudança da demanda; inexistência ou insuficiência da política de marketing; projetos de expansão e aprimoramento frustrados; aquisições, incorporações, fusões e cisões fracassadas, entre outros (ESTADÃO, 2017).

Fábio Ulhoa Coelho já adverte que o Judiciário deve ser criterioso ao definir quais empresas merecem ser recuperadas, visto que é a sociedade brasileira que arca, em última instância, com os custos da recuperação.

Em outros termos, somente as empresas viáveis devem ser objeto de recuperação judicial (ou mesmo a extrajudicial). Para que se justifique o sacrifício da sociedade brasileira presente, em maior ou menor extensão, em qualquer recuperação de empresa não deriva de solução de mercado, o empresário que a postula deve se mostrar digno do benefício. Deve mostrar, em outras palavras, que tem condições de devolver à sociedade brasileira, se e quando recuperado, pelo menos parte o sacrifício feito para salvá-la. (COELHO, 2015, p. 419)

O atual contexto econômico que essas empresas brasileiras se encontram, faz com que seja salutar a discussão do instituto da recuperação judicial. Cabe ressaltar que o que pode levar a insubsistência ou desequilibro econômico são o passivo tributário, o passivo trabalhista, a gestão de imobilizado deficiente, a concentração de gestão na matriz, aspectos familiares influenciadores na direção, má gestão de pessoal, os contratos bancários e refinanciamento, a ausência de planejamento tributário. Vale mencionar como exemplo, a operadora de telefonia OI, que registrou o maior valor já protocolado no país, que inclui R$ 65,4 bilhões em dívidas.

“O aprofundamento da recessão econômica em 2016 atingiu de forma significativa o consumo das famílias, seja pela elevação do desemprego, seja pelo encarecimento do crédito. Assim, o comércio foi o setor econômico que acabou sofrendo mais intensamente a redução do consumo, provocando dificuldades financeiras às empresas deste setor”, destaca a Serasa.

A operadora de telefonia Oi pediu recuperação judicial nesta segunda-feira (20). No total, a empresa incluiu R$ 65,4 bilhões em dívidas no processo. “O total dos créditos com pessoas não controladas pela Oi listados nos documentos protocolados com o pedido de recuperação judicial soma, nesta data, aproximadamente R$ 65,4 bilhões”, disse a empresa em fato relevante ao mercado.

É o maior pedido de recuperação judicial já protocolado no Brasil, sendo que o recorde anterior pertencia à OGX, do empresário Eike Batista, que declarou à Justiça ter dívidas de R$ 11,2 bilhões em 2013. (Gazeta do Povo. 2016).


AS CRISES EMPRESÁRIAS: REALIDADE ECONÔMICA E SISTEMA JURÍDICO

Diversas ocorrências podem suscitar as crises empresariais, que variam desde contratempos de gestão, assuntos relacionados à inserção no mercado até os efeitos de adversidades econômicas que atingem todo o âmbito econômico.

No cenário brasileiro, o qual é acoplado por pequenas e médias empresas, não é de se espantar a questão vinculada à crise empresarial. A crise acontece em virtude de certa subcapitalização e da maximização de financiamento da atividade empresarial, por meio de linhas de crédito de alto custo. A insuficiência de financiamento do exercício empresarial pode desempenhar função imprescindível na coibição e no desencadeamento de crises empresariais. Vale ressaltar que na economia capitalista a função do sistema de crédito é o de prover recursos financeiros para alavancar a atividade empresarial (COELHO, 2005).

Com o intuito de promover a atividade empresarial podem ser utilizadas diversas fontes de crédito, com diversos graus de risco. Dependendo da conjuntura econômica pode ser devidamente eficaz o financiamento junto a fornecedores de matérias-primas e serviços. A aquisição de produtos e serviços no mercado com períodos condizentes ao ciclo de produção ou de comercialização institui uma fonte de financiamento de risco e custos reduzidos. Outra fonte de financiamento de custo parcialmente baixo é o mercado de ações. Para aquelas empresas competentes em articular um sistema de governança e de transparência, a projeção de ações no mercado pode ser louvável para o financiamento de projetos empresariais durante o tempo que obrigam uma soma considerável de capital (OLIVEIRA, 2010).

Nesse diapasão, a procura de financiamento junto ao sistema de crédito pode ser frutífera desde que obtidos os recursos por intermédio de taxas de juros reduzidas o que somente acaba sendo possível em empréstimos de longo prazo. A ameaça de endividamento eleva na proporção que a empresa necessita de financiamento de curto prazo direcionado para o acréscimo de fluxo de caixa e não para o desenvolvimento de projetos ou da própria atividade industrial ou mercantil, nos moldes do doutrinador Fabio Ulhôa Coelho (2005).

Durante a historicidade da economia de mercado, a conjectura do funcionamento do sistema de crédito foi de dar alicerce à atividade empresarial de produção de bens e serviços. No entanto, com a solidificação do neoliberalismo e da globalização financeira, o fluxo de financeirização da economia se sobrepôs a atividade empresarial propriamente dita.

A conhecida crise de 2008/2009, que porventura causa ainda efeitos na economia de muitos países, como países europeus e o Estados Unidos, também atingiu a economia brasileira, sendo esses alvos desse paradoxo de prevalência da financeirização sobre produção de bens e serviços que, de certa maneira, reorienta o capitalismo. Ademais, inclusive é notório que a atual crise econômica mundial é oriunda do modo como articulado o sistema de crédito (CHAGAS, 2017).

A desregulamentação dos mercados financeiros e a ampliação do crédito ao consumo não se apresentou sustentável ao passar do tempo e a instabilidade resultante obrigou a inversão de fundos públicos para salvaguardar o sistema de crédito do colapso, com resultados inesperados para o conjunto da economia de mercado globalizado. O corolário da crise é o decaimento de investimentos na atividade empresarial que obstou a retomada do crescimento econômico nos países desenvolvidos e nas economias periféricas como no caso do Brasil.

A minimização de capitais é patente no ramo empresarial e pode impedir o incremento de produção ou, até mesmo, direcionar a crises que podem desaguar na recuperação judicial (COELHO, 2005).


A LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E A SUA IMPORTÂNCIA

O ordenamento jurídico ganhou em 09 de fevereiro de 2005 uma nova lei denominada popularmente como Lei de Falências (LF), a qual foi posterior ao Decreto-Lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945 que já estava obsoleto em relação à atual ordem econômica e à própria realidade do país, protestando a sociedade por uma nova legislação falimentar. Tal lei modificou excessivamente o processo de falência ao cambiar o instrumento da concordata pela recuperação judicial ou extrajudicial permitindo, assim, a reestruturação da empresa em crise em prol de toda sociedade.

Com a aparição dessa atual e vigente legislação falimentar, o Brasil passou a ser considerado um país oportuno para investimentos estrangeiros, em virtude da instituição da recuperação judicial e de um processo falimentar mais célere e mais eficiente, estabelecendo maiores possibilidades de reembolso dos créditos, e da perspectiva de redução no tempo de tramitação dos processos judiciais. O objetivo primordial dessa lei é a conservação da atividade empresarial, independentemente da figura de seu titular, o empresário. Contudo, para conseguir esse fim, a lei deve se ater a proteção e o incremento ao mercado de crédito, definindo este como sólido e atuante, porque sem capital não tem como uma sociedade empresarial reassumir suas atividades comerciais (PERIN JUNIOR, 2009, p. 03).

Conquanto a atual Lei 11.101/2005 tenha modernizado o cenário - ao listar como preceitos norteadores a saída do mercado das empresas e dos empresários não passíveis de recuperação e a restrição do custo do crédito do Brasil, reduzindo os juros e o risco, devido às mudanças implementadas em seus dispositivos legais, no sentido de eleger maiores garantias aos credores, especialmente às instituições financeiras, abordando a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária -, ela contém alguns dispositivos incongruentes com os ditames da Carta Magna de 1988.

O primeiro artigo de lei falencial disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, não inserindo a sociedade simples. Dessa maneira, pressupõe a não aplicabilidade da recuperação judicial de empresas como a sociedade simples, sendo que a sociedade simples não aparece naquele rol que estipula quais entidades poderão usufrui da lei, textualmente prevista no Código Civil (artigo 997), indicando, de certo modo, que o legislador escolheu por não permitir que a sociedade simples se valha da Lei 11.101/05 (CHAGAS, 2017).

Segundo expõe CHAGAS que:

“O aspecto textual do artigo 1º da Lei 11.101/05 carece de acepção sistemática e teleológica, sobretudo em relação aos princípios constitucionais alusivos. Sob outra perspectiva, prevê a necessidade de se resguardar, outrossim, a sociedade não empresarial. Ademais, o princípio da igualdade é dirigido ao legislador ordinário, contando que o artigo 1º da Lei 11.101/05 deve ser recepcionado com reservas, na medida em que atinge frontalmente o princípio da proporcionalidade (ou da razoabilidade, ou da proibição de excessos)” (CHAGAS, 2017).

Além do mais, a lei programou uma distinção descabida ao discernir a empresa da sociedade simples e, considerando que a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado da República alegou razões não jurídicas com o propósito de distanciar a sociedade simples do parâmetro da lei que rege a falência e a recuperação do devedor em crise. É obvio que uma sociedade simples que possa passar por uma crise financeira econômica fugaz pode se amparar nos dispositivos legais previstos na Lei 11.101/05, com intenção de soerguimento e reaparição efetivo ao mercado (LOBO, 2005).

Em contrapartida, o segundo artigo determina que àquelas entidades que não poderão se valer, a precipuamente, das normas dessa lei, sendo que a recuperação judicial é deveras importante para outras sociedades, porque em ocorrência de omissão a despeito da resolução de relativo apontamento, as normas da sociedade simples devem ser utilizadas (artigo 1053, parágrafo único, por exemplo). Essas entidades não previstas na lei, como a sociedade simples serão amparadas pelo regramento específico do Código de Processo Civil (insolvência, conforme artigo 748), sendo que o artigo 786 de tal diploma faz categórica menção às sociedades civis, independendo de sua forma. Porém, tal regramento improvavelmente é aplicável na prática.

Por outro ângulo, as instituições financeiras estão sujeitas ao regramento com previsão na Lei 6.024/74, a priori, e poderá a liquidação extrajudicial ser transfigurada de forma efetiva em processo falimentar, sendo suficiente que liquidante compreenda que a questão é de requerimento judicial para a decretação da falência e assim agir (COELHO, 2005).

A Lei 11.101/2005 fez relativa ou nenhuma diferenciação entre falências feitas exclusivamente à remota lei de 1945 e àquelas falências que, inevitavelmente, submeterão ao regramento jurídico instaurado a partir de 09 de junho de 2005. Outro dispositivo legal amparado de inconstitucionalidade é exatamente o artigo 192, parágrafo primeiro da lei de 2005. De forma sucinta, é vedada pela lei 11.101/05 a possibilidade de concessão de concordata suspensiva nos processos falimentares que tramitam sob a égide da lei falencial de 1945, podendo o Síndico arguir a alienação dos bens da massa falida logo que finalizada a arrecadação, não ficando adstrito à formação do quadro geral de credores e a conclusão do inquérito judicial.

A lei falimentar 11.101/2005 uniu universos jurídicos completamente diferentes de forma análoga como o instituto da concordata suspensiva. Ademais, apontou que mesmos nos processos iniciados antes de junho de 2005 haverá a aplicação da alienação imediata de ativos, independentemente da formação de quadro geral de credores. Por mais que a prática se corrobore que a concordata suspensiva muitas vezes não era observada nos casos concretos, tal fato não dava ensejo a coibir o direito de o devedor se utilizar do mecanismo jurídico (ABUD, 2017).

Outro dispositivo inconstitucional é a aplicação do procedimento especifico da falência iniciada e com decretação da falência pregressa a junho de 2005, sendo que a ab-rogada lei de 1945 preveja a possibilidade de antecipada alienação de ativos, em caso de dilapidação, deterioração, guarda dispendiosa etc., sobrelevando que a lei vigente não poderia, nem pode, regular procedimento já em curso, ou mesmo prejudicar as fases processuais de falência.

De acordo com os novos ditames legais, o regramento jurídico começa por remodelar a nomenclatura dos institutos falenciais, não coexistindo mais a aplicação da concordata (suspensiva da falência, ou preventiva) e destacando a recuperação (judicial, extrajudicial ou aquela destinada às microempresas ou empresas de pequeno porte), para os que buscarem a tutela estatal para a busca do soerguimento e para aqueles que são retirados do mercado a contar de junho de 2005, quando entrou em vigência a Lei 11.105/20052 (ABUD, 2017).

Fábio Ulhôa Coelho bem esclarece que:

“Um desejável plano de recuperação não é somente dado como garantia absoluta de reerguimento da empresa em crise, como também vai depender de fatores macroeconômicos globais ou nacionais, acirramento da concorrência no segmento de mercado em causa ou até mesmo de imperícia na sua execução pode promover a reorganização pretendida. Não obstante, um plano fajuto é garantia total insucesso na recuperação judicial” (COELHO, 2005).

A premissa imprescindível para que a nova medida de recuperação da empresa seja efetiva e atinja os objetivos almejados– até mesmo a contribuição no embate contra a maximização do desemprego – é a austeridade e solidez do plano de reorganização. O crédito, na sociedade contemporânea, representa a efetiva possibilidade de os variados atores sociais associe ao processo econômico, porque estimula a produção e o consumo, isto é, reaviva a circulação econômica de bens e serviços (CHAGAS, 2017).

A recuperação judicial é concebida como um efetivo instrumento de supedâneo de conservação dá serviço empresarial, assentando que a sua função econômico-social seja assegurada e mantida. Em alternativa, os bancos precisam encontrar ferramentas eficientes para a recuperação de seus créditos. Assim, é o caso da propriedade fiduciária, resultante da alienação fiduciária em garantia, que consiste na transferência feita pelo devedor ao credor da propriedade resolúvel, em se tratando de bens móveis infungíveis (art. 1361, do Código Civil – CC), ou de bens imóveis (art. 22 e ss., da Lei 9514/97, Lei da Propriedade Fiduciária – LPF). Ditos créditos, hodiernamente, não se submetem a recuperação (art. 49, parágrafo 2°, da LRF), para se defender de forma mais eficiente à recuperação pelos bancos de seus créditos.

A recuperação judicial almeja avultar as oportunidades de o agente financeiro reaver seu crédito. A ordem econômica deve estar voltada para um capitalismo que prega pela alta capacidade de criar, dominar e transformar a natureza e que, por consequência, suscitar para uma diversidade de melhoramentos do empreendedor e do consumidor. Porém, a penúria do crédito direciona a rediscussão de variados temas, como a estabilidade do sistema financeiro, o reduto do devedor, a relevância de aparatos eficientes para que ele seja restaurado diante das situações de inadimplência, entre outras circunstâncias (CHAGAS, 2017).

O centro da recuperação judicial está diante do inadimplemento. As restrições ao crédito para operações comerciais e para o consumo tendem ser equilibradas entre a produção de riquezas materiais e a promoção da estabilidade, da confiança, com o intuito do soerguimento da empresa. Tais circunstâncias devem ser levadas em conta sob uma inspeção jurídica para a realização e a recuperação do crédito num ambiente de crise, sendo que a sustentabilidade e crise são vocábulos contrapostos, paralelas que nunca se encontrarão com previsão detida e coerente da Lei 11.105/05. Impende ressaltar que a empresa se responsabiliza socialmente, tanto na no amparo para o crescimento da economia, bem como em desvelar pela qualidade de vida da comunidade da qual está inserida (COELHO, 2005).


DESAFIOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

O Brasil não apresenta um contexto histórico promissor no que tange às recuperações no plano judicial, apesar dos progressos impostos com a Lei n. 11.101/05. Ressalta-se que essa lei é um instrumento jurídico de intenções; sua eficácia irá depender dos operadores da justiça, das partes envolvidas e, inquestionavelmente de uma mutação cultural e política (COELHO, 2005).

Apesar de a Lei Nº. 11.101/05 LRE fornecer mais rapidez e eficiência aos processos judiciais, os quais eram demasiadamente burocráticos postergando o curso dos procedimentos, é essencial também para a integral efetividade da lei, que o Poder Público seja promova a instauração de programas de revitalização das empresas nacionais; políticas empresariais com o intuito de orientar, guiar os rumos das empresas que estão abrindo as portas para o mercado e, que na maior parte das vezes têm em seus quadros ex-funcionários de grandes corporações, que são capazes de enfrentar o mercado competitivo, tornam-se legítimos empreendedores (CHAGAS, 2017).

O legislador notou que as empresas nacionais estavam sendo vendidas para grandes corporações estrangeiras e, até mesmo sendo removidas do mercado, via processo de falência, constatando que muitas dessas empresas fecham as portas não por ausência de patrimônio, mas por ausência de recursos financeiros para elidir um simplório requerimento de falência que não exigia um quantum mínimo para a propositura de tal demanda (ABUD, 2017).

Segundo análise do SERASA, após a configuração da Lei nº. 11.101/05, o número de solicitações de recuperações judiciais, a priori, não foi aparentemente modificado. Tal episódio se consubstancia em três fatores: primeiro, a maior participação dos credores tende a coibir pedidos de recuperação desnecessários; segundo, o atual procedimento por ser mais complexo gerou dúvidas; e terceiro, a regulamentação de acordos extrajudiciais possibilitou que as firmas se reorganizassem sem os custos judiciais.

Para Fábio Ulhôa Coelho (2009):

“A alusão de evitar a crise definitiva irreversível que, consequentemente desembocará na falência, o empresário (controlador, diretor, administrador, sócio ou acionista) deve se precaver, e se ater a presença de alguns prenúncios de aviso do que possa ocasionar, bem como observar seus credores, os quais também poderão detectar a crise que bate à porta do devedor, como ainda alertar quanto às direções dos negócios. Vale frisar acerca da incumbência dos proprietários de ter vasta visão sobre a crise, cabendo uma satisfatória resolução dos obstáculos ocasionalmente familiares, estando que as medidas a serem tomadas, mormente, estão sob seu controle” (COELHO, 2005).

O empresário carece de uma colocação eminentemente preventiva, amparado por profissionais habilidosos a fim de detectar eventual crise e não permitir que tome proporções irreparáveis, de modo que inexoravelmente ocorre em relação às empresas nacionais. Com isso, uma dinâmica gestão da empresa, uma visão estratégica e preventiva, uma presunção de escassez e de necessidade desde o instante em que tomam o poder das responsabilidades inerentes ao negócio é fundamental para coibir eventual crise, e sendo o caso, pedir o amparo estatal a tempo de acudir a atividade desenvolvida (OLIVEIRA, 2010).

Conforme Oliveira (2017) aponta “o empresário ao verificar que seus ativos não demarcam razoável preço no mercado, ou que a clientela se exauriu, esse deverá estabelecer medidas enérgicas a fim de atenuar os prejuízos advindos”. Ademais, observando que a empresa está se descapitalizando, sendo alternativa a venda de bens do ativo permanente, ou mesmo sendo obrigada reiteradamente a requerer empréstimos bancários, a juros elevados; quando os credores detectam que os balanços contábeis do devedor não expressam a realidade da empresa; quando os próprios credores começam a debater a conduta da empresa, dentre outras hipóteses, também é um concreto indicio de uma eventual crise.

Nesses casos, a empresa poderá estar plenamente em crise, competindo ao próprio mercado assessorá-la, quando possível, muito embora resta evidenciado que apenas o próprio devedor possui legitimidade para pedir a recuperação judicial, como também os credores, ao observar o ínfimo indício de crise, podem solucionar os percalços econômicos, que certamente será de grande feito para a manutenção da empresa em ávida produção, ou até mesmo oferecer de forma não menos efetiva para que a falência seja decretada.

A resposta de mercado, isto posto, poderá ser a mais correta e consentânea com a realidade, especialmente quando o credor detectar a crise do devedor, na justa medida em que a recuperação judicial só poderá ser requerida pela própria empresa ou empresário, sendo evidente que a crise da empresa, principalmente a crise fatal, atinge, e muito, a toda a sociedade brasileira, pois os reflexos de tal crise espalham efeitos bastante nocivos a todas as pessoas, em especial aos consumidores e aos trabalhadores. Existe também a preocupação quando a entidade perpassa estágios delicados e sua crise ainda tem alguma salvação via Estado (ABUD, 2017).

Dessa maneira, a solicitação de recuperação judicial é devida, com certeza, ao fato de que a empresa passa por uma específica crise financeira e não dispõe de valências financeiras suficientes para honrar dívidas livres e anteriormente assumidas pelo devedor. A crise financeira demonstra rígidas e transparentes raízes na ausência de liquidez da empresa deficitária para honrar os compromissos (ABU, 2017).

Em conformidade com a regra do artigo 49, §3º, da Lei 11.101/05, muito embora a instituição financeira seja exigida a não acionar judicialmente em face do devedor pelo período de 180 (cento e oitenta) dias, a contar do despacho inicial proferido na recuperação (artigo 6º, §4º), nada menos improvável que a própria lei abra rumo efetivo e rápido para a propositura de ações reintegratórias e de busca e apreensão de bens, que realmente são céleres, atingindo frontalmente os princípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal substantivo, sendo que, na maioria das vezes, são ajuizadas em benesse das grandes instituições financeiras que possuem capital financeiro, e que desempenham suas atividades no Brasil.

Nesse contexto, raramente pode notar a implantação de mecanismos jurídicos econômicos, em sede de reorganização judicial da empresa, se determinados credores são, notoriamente, esquecidos, e trafegam em via livre na procura dos bens que lhes foram entregues em garantia pelo devedor. Subtende-se que dificilmente uma empresa que se debata com uma crise possuirá sorte de manter-se no mercado, satisfazendo integralmente seus compromissos; seguindo o plano de recuperação judicial e ainda com sustentabilidade (CHAGAS, 2017).

Ademais, a Lei 11.101/05 é muito mais exigente em relação aos requisitos para que o devedor possa requerer os proventos da recuperação judicial. Além de tais requisitos, devidamente expressos nos artigos 48 e 51 dessa mesma lei, poderão ainda ser avaliados outros requisitos, são rotulados como éticos, e em ocasião o intérprete considere como válidos. Então, é inegável que é um processo burocrático e que não é qualquer empresa em crise que poderá utilizar da recuperação judicial, sendo quem essa lei postula severas obrigações ao devedor em crise (ABUD, 2017).

Ocorrendo a determinação pelo magistrado para o início do processamento da recuperação judicial, o devedor estará sujeito a cumprir certas obrigações, e dificilmente terá ânimo para atinar-se a todas as demais que giram em sua contabilidade. Com isso, o plano de recuperação, caso seja sóbrio, consistente e devidamente consentâneo com a realidade, será o mais relevante manuscrito da pós-reorganização, constando nele os principais objetivos da empresa com o fito de reorganização. A empresa deverá prestar atenção na sua atividade diária e naquilo que se pactuou diante o juiz da causa.

Dessa maneira, posteriormente a distribuição da solicitação de recuperação judicial, o devedor não poderá, em nenhuma hipótese, alienar ou onerar seu patrimônio, ou mesmo direitos de seu ativo permanente, sob pena de falência. Evidente que a interpretação sistemática do artigo 66 da lei expõe um desfecho indelével, podendo suceder a venda de ativos caso o comitê de credores aceite, isso quando houver o comitê. Em caso contrário, o fato deve ser considerado pelo administrador judicial e decidido pelo juiz, resumindo em contratempos para a empresa em crise, que não poderá utilizar do patrimônio existente, haja vista que esse é a garantia de todos os credores.

Não se perdura a ideia de que a empresa em crise terá condições salutares de cumprir suas obrigações diárias; honrar os compromissos assumidos com credores posteriores ao favor legal; cumprir com todas as obrigações assumidas e ainda ter sustentabilidade. São situações que dificilmente chegarão a um mesmo ponto, de modo que a empresa tem o poder-dever de evitar a crise, buscando manter-se no mercado competitivo de uma forma tendente a cumprir seu objeto social (CHAGAS, 2017).

É imperioso disseminar o instituto da recuperação judicial no Brasil, às várias sociedades empresárias que acabam por encerrar suas atividades empresárias, ou por desconhecerem o instituto em tela, ou por desmitificarem à nova Lei 11.101/2005, sendo que o mercado ainda pouco se influenciou pelo instituto de recuperação judicial, apesar de toda a estrutura que o envolve. Assentando-se ainda na noção perpassa da concordata, onde a fraude era notória e degenerativa, cominando em uma desilusão hipotética empregada ao atual instituto.

Por fim, enquanto as empresas almejarem apenas a lucratividade, sem se atinar para as outras referências que translucidam a atividade empresarial, e correndo riscos para que o faturamento só maximinize, inexistirá lei no ordenamento jurídico passível de conceder amparo a uma empresa em crise, não possivelmente irreversível (ABUD, 2017).


JURISPRUDÊNCIA

A jurisprudência demonstrada a seguir é um exemplo de aplicabilidade da nova Lei de Falência tendo em vista a busca pela preservação da Empresa, isto é, a função social da empresa. Nas pesquisas realizadas no sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de Minas Gerais constatam-se diversos casos em que se preconiza pela Recuperação da Empresa em vez de uma imediata falência, pois o impacto desta é muito grave para todos os envolvidos.

EMENTA: RECUPERAÇÃO DE EMPRESA - NOVA LEI Nº 11.101/2005 PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA – EXEGESE DA LEI QUE NÃO DEVE SER ESTRITA NEM LITERAL, MAS TELEOLÓGICA. A nova lei nº 11.101/2005 veio dar ênfase ao princípio da preservação da empresa, de modo a propiciar a sua interpretação não literal, mas teleológica. Permite-se a dilação do prazo previsto no artigo 6º, § 4º da Lei 11.101/2005, se comprovado nos autos motivos justificáveis, como a demora na publicação dos atos processuais e a morosidade processual, não imputável à recuperanda, mas a fatos outros, inclusive imputáveis aos próprios credores. (Agravo de Instrumento Cv 1.0024.12.332391-7/004/0644567-79.2013.8.13.0000. Relator(a) Des.(a) Vanessa Verdolim Hudson Andrade. Órgão Julgador / Câmara Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA CÍVEL. Súmula: NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. Comarca de Origem: Belo Horizonte . Data de Julgamento: 15/04/2014. Data da publicação da súmula: 24/04/2014).

O STJ tem firmado o entendimento sempre em prol da empresa e da sua sobrevivência, com fundamento no princípio da preservação da empresa, apontando não ser razoável autorizar a quebra de uma empresa com base na impontualidade no pagamento de dívida de pequeno valor (STJ, BENETI, Sidnei. Recurso Especial N° 805.624).

Vale citar as palavras do mestre italiano Cesare Vivante, referidas por Celso Marcelo de Oliveira, na obra Comentários à lei de falências e de recuperação de empresas:

Antes da nova lei, sucedia frequentemente aplicar-se o complexo e dispendioso processo de falência a pequenos estabelecimentos condenados à impotência da sua originária miséria, obrigados a sucumbir a débitos cuja totalidade não excede a uns milhares de liras. O resultado destas miseráveis falências era penoso: um ativo insuficiente para cobrir as despesas do processo; uma pequena massa de credores a que as formalidades judiciais tiravam, depois de os terem estorvado com alguns enfados, o pouco que ainda existia no patrimônio do falido; um pobre desgraçado atormentado com o processo de bancarrota por não ter escriturado regularmente os livros prescritos, que muitas vezes não eram necessários ao giro do seu estabelecimento. A nova lei procura impedir estes tristes resultados na sua segunda parte, que regula a liquidação coletiva das pequenas empresas [...]. (OLIVEIRA, Celso Marcelo. Ob. Cit., p. 189).


CASO CONCRETO

Os credores da antiga OGX de Eike Batista aprovaram o plano de recuperação judicial da companhia, sete meses após a petroleira ter entrado com pedido de recuperação da empresa na Justiça. Eike Batista deixa de ser o controlador e a petroleira reestruturada está avaliada em cerca de US$ 1,5 bilhão (cerca de R$ 3,4 bilhões) e tem produção de 14 mil barris de petróleo por dia. A votação, realizada em assembleia no prédio da antiga Bolsa de Valores do Rio, reuniu mais de 200 credores e durou menos de uma hora (ESTADÃO 2017).

O plano de recuperação judicial foi aprovado por credores que possuem 90,42% dos créditos e que representam 81,59% do total na votação por cabeça. Pela lei de recuperação judicial, o plano tem de ser aprovado, cumulativamente, por mais de 50% dos credores, considerando o volume do crédito e o número por cabeça de votos. Tal votação mostra a adesão dos credores e a continuidade da companhia, bem como o plano ainda está pendente de homologação judicial (ESTADÃO, 2017).

Pelo desenho da estrutura acionária da nova empresa, Eike Batista, que hoje tem pouco mais de 50% de participação na petroleira, terá sua participação minimizada a 5,02%. Como pessoa física, terá apenas uma ação e o empresário deve continuar na presidência do Conselho de Administração da OGPar até a assembleia em que passará a companhia ao novo controlador, denotou Ricardo Knoepfelmacher, sócio da Angra Partners, responsável pela reestruturação do Grupo EBX.

Além do mais, os atuais acionistas ficarão com 4,98%. O restante estará nas mãos de credores: 42% com o grupo que já aplicaram US$ 125 milhões na empresa; 23% com credores que participarão de mais duas parcelas de empréstimos, que somam US$ 90 milhões. Os detentores de títulos, que contam com a maior parte da dívida da OGPar, integram o acordo do primeiro aporte e participarão do segundo. Os demais 25% equivalem à conversão da dívida atual de US$ 5,8 bilhões em ações da nova companhia. Estão incluídos aí fornecedores, a OSX, empresa do ramo naval do grupo, e donos de títulos. Na abertura da assembleia, uma parcela dos pequenos credores pleiteou permissão para entrar no grupo que já garantiu aporte à empresa. A OGPar negou o pedido. Eles podem entrar na Justiça e procrastinar o processo, afirma o advogado Eduardo Munhoz, do escritório Mattos Filho, que cuida da recuperação ao lado do escritório Sergio Bermudes (ESTADÃO, 2016).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atual Lei 11.101/2005, no que tange à recuperação judicial da empresa, é, indubitavelmente, um progresso na ordem jurídica brasileira, pois visa a reorganização da empresa a superar seu momento de crise, possibilitando o seu soerguimento, bem como conceder a provisão da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos desejos dos credores, proporcionando assim, sua conservação, resguardando sua função social e o fomento da atividade econômica.

O processo de recuperação judicial vem como subterfúgio de sanar as necessidades das empresas com adversidades, de forma transparente, além de conceder tratamento adequado aos credores, ensejando o apoio da continuidade da atividade empresarial. De fato, demonstra uma ascensão na execução coletiva, convertendo num alicerce na liquidação de ativos para ressarcir os credores, que unem forças para revigorar a empresa e seus créditos.

Nesse diapasão, averigua-se que o Brasil começa a dar os passos iniciais em direção ao processo de tratamento das dificuldades empresariais, as quais surgem de distintas maneiras. Alguns contextos críticos ainda acabam por não causar a ruína da empresa, não simbolizando, entretanto, que a mesma esteja em estado irreversível, podendo-se coibir e vedar o processo de desencadeamento da crise, intercedendo num planejamento através da solução por meio da intervenção judicial para impedir uma futura liquidação de bens.

Salienta-se, a precisão inicial da viabilidade econômico-financeira que detém papel fundamental no deferimento da recuperação judicial, destacando que a empresa demonstre os requisitos de relevância social para sua recuperação; volume do ativo superior ao do passivo; conter mão-de-obra e tecnologia empregada; período de vida da empresa e o seu porte econômico. A empresa, contudo, que não tiver esses requisitos necessários não poderá utilizar-se do instituto da nova lei de falências.

Em suma, a estima em salvaguardar uma empresa decorre da preponderância de sua viabilidade, não se restringindo somente às conveniências dos credores e do devedor, mas, sobremodo da coletividade, ou melhor, a viabilidade deve ser constatada sob a visão econômica, financeira e social.


REFERÊNCIAS

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REPERCUSSÃO SOCIAL E JURÍDICA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Maria Laura de Melo. Recuperação judicial como instrumento de superação de momentos de crise financeira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5833, 21 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69113. Acesso em: 27 abr. 2024.