Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/6912
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Sujeitos dos atos de improbidade

reflexões

Sujeitos dos atos de improbidade: reflexões

Publicado em . Elaborado em .

Basta um breve passar de olhos por sobre a Lei nº 8.429/2002 para constatar que o microssistema pátrio de combate à improbidade tem como epicentro estrutural a noção de agente público.

Sumário:1. Contextualização do tema. 2. Sujeitos Passivos dos Atos de Improbidade. 2.1. Entidade que Receba Subvenção, Benefício ou Incentivo, Fiscal ou Creditício, de Órgão Público. 2.1.1. Terceiro Setor. 2.2. A Noção de Entidades Custeadas pelo Erário. 2.2.1. Empresas Estatais Dependentes. 2.2.2. Sindicatos. 2.2.3. Conselhos de Fiscalização do Exercício Profissional. 2.2.4. Partidos Políticos. 3. Sujeitos Ativos dos Atos de Improbidade. 3.1. Agentes Políticos. 3.2. Agentes Particulares Colaboradores. 3.2.1. Árbitros. 3.2.2. Delegatários das Serventias do Registro Público. 3.3. Servidores Públicos. 3.3.1. Agentes de Fato. 3.4. Agentes meramente Particulares. 4. Terceiros. 4.1. Pessoas Jurídicas. Epílogo.


1. Contextualização do tema

Basta um breve passar de olhos por sobre a Lei nº 8.429, de 2 de Junho de 2002, para se constatar que o microssistema pátrio de combate à improbidade, na forma em que concebido e delineado, tem como epicentro estrutural a noção de agente público.

Além de o ato de improbidade ser necessariamente praticado por um agente público (art. 2º), esse designativo erige-se como elo de ligação à incidência desse microssistema na esfera jurídica de terceiros (art. 3º), indica o procedimento a ser seguido na fase pré-processual de apuração dos atos de improbidade, que variará conforme o regime jurídico a que esteja sujeito (art. 14, § 3º), e influi diretamente na definição do respectivo lapso prescricional, quer seja quanto à sua situação jurídica, quer seja em relação à situação jurídica de terceiros que tenham concorrido para a prática do ato (art. 23).

Tratando-se de conceito indiscutivelmente polissêmico e que ainda não logrou êxito em alcançar um discurso argumentativo uniforme na lei, na doutrina e na jurisprudência, andou bem o legislador ao delimitar os seus contornos e tornar incontroversas as categorias que se enquadram sob sua epígrafe.

O direito sancionador, como é fácil intuir, pressupõe a individualização, prévia e extreme de dúvidas, dos destinatários em potencial das normas proibitivas implícitas na tipologia legal e das respectivas sanções cominadas, o que é mero consectário da vasta estrutura principilógica do texto constitucional (v.g.: os princípios do Estado de Direito, da legalidade e da segurança jurídica).

Como veremos, é igualmente digna de encômios a iniciativa de estender a incidência da Lei de Improbidade aos agentes que, apesar do estreito contato mantido com o Poder Público, em especial com os recursos dele oriundos, não poderiam ser considerados servidores ou funcionários públicos à luz da prática legislativa e da doutrina até então sedimentadas.

A Lei nº 8.429/92 tratou dos sujeitos dos atos de improbidade em seus três primeiros artigos, que versam, respectivamente, sobre os sujeitos passivos, os sujeitos ativos e os terceiros que, embora estranhos à noção de agente público, tenham concorrido para a prática do ato de improbidade. Ante a técnica legislativa adotada, considerando sujeitos ativos em potencial os agentes que mantenham algum tipo de vínculo com os sujeitos passivos, a individualização daqueles pressupõe a exata identificação destes, tornando contraproducente ou mesmo infrutífera qualquer tentativa de análise isolada. Nossa abordagem, assim, ainda que informada pela brevidade, será norteada por uma perspectiva global, evitando cindir o que somente em sua inteireza pode ser compreendido.

Tratando-se de temática recorrente na doutrina especializada - constatação evidente na medida em que condiciona a própria incidência da Lei de Improbidade - direcionaremos nossa exposição aos seus aspectos mais delicados, em especial àqueles ainda inexplorados. Com isto, almejamos evitar, tanto quanto possível, a sonolência que da obviedade certamente adviria, bem como a repetição de noções basilares já sedimentadas dentre todos os que se dedicam ao estudo da improbidade. [01]


2. Sujeitos Passivos dos Atos de Improbidade

Considera-se sujeito passivo material o titular do bem jurídico ameaçado ou violado pela conduta ilícita. No caso específico dos atos de improbidade, os sujeitos passivos em potencial estão previstos no art. 1º da Lei nº 8.429/92, verbis:

Art. 1º Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Territórios, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta Lei.

Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público, bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

Como se constata, a identificação do sujeito passivo deve preceder à própria análise da condição do agente, pois somente serão considerados atos de improbidade, para os fins da Lei nº 8.429/92, aqueles praticados em detrimento:

a) da administração direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, dos Municípios ou do Distrito Federal;

b) de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual; e

c) do patrimônio de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, ou que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público.

Partindo-se da concepção subjetiva adotada pelo art. 1º da Lei de Improbidade, o substantivo administração abrange o conjunto de pessoas jurídicas que desempenhem uma atividade de natureza pública, quer seja de forma direta, quer seja de forma indireta, isto independentemente da atividade finalística própria do Poder do qual emanem (Legislativo, Executivo e Judiciário) ou do lugar que ocupem na organização do sistema federativo.

No que concerne aos entes referidos nas alíneas a e b supra, ainda que o ato de improbidade não seja praticado em detrimento do patrimônio público, havendo tão-somente enriquecimento ilícito do agente ou violação dos princípios regentes da atividade estatal, serão integralmente aplicadas as sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92.

Já em relação aos sujeitos passivos referidos na alínea c, a análise mais detalhada do parágrafo único do art. 1º permite concluir que esse preceito somente ensejará o enquadramento da conduta do agente como ato de improbidade quando sua prática se der em detrimento do patrimônio das entidades ali referidas, o que exige a ocorrência de dano.

Nesses casos, ainda que a conduta se enquadre na tipologia dos arts. 9º (enriquecimento ilícito) e 11 (violação aos princípios administrativos) da Lei nº 8.429/92, o agente não estará sujeito às penalidades previstas nesta Lei em não tendo sido o ato praticado contra o patrimônio de tais entes; acrescendo-se que, ocorrendo o dano, a reparação será limitada "à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos" (art. 1º, parágrafo único, in fine), o que acarretará a necessidade de a pessoa jurídica lesada postular, pela via própria, o integral ressarcimento do dano. Aqui, o sujeito passivo material imediato do ato de improbidade é o ente do qual se originou o numerário, sendo irrelevantes os atos que não tenham causado dano a este ou que exorbitem – e na medida do excedente – a contribuição dos cofres públicos.

Fosse outra a mens legis, por certo não se teria subdividido o preceito em duas partes distintas (caput e parágrafo único), restringido o alcance dos atos de improbidade àqueles praticados contra o patrimônio dos entes referidos e dissociado a reparação patrimonial da dimensão do dano causado ao patrimônio destes, limitando-a à repercussão do dano sobre a contribuição dos cofres públicos.

2.1. Entidade que Receba Subvenção, Benefício ou Incentivo, Fiscal ou Creditício, de Órgão Público

As entidades que recebam subvenção, [02] benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público, qualquer que seja o montante, poderão ser igualmente atingidas pelos atos de improbidade.

Face aos amplos termos do parágrafo único do art. 1º, deve-se-lhe dispensar uma interpretação condizente com a inafastável necessidade de proteção do erário, alcançando as entidades beneficentes que recebam isenções fiscais ou participem de quaisquer programas governamentais que importem no repasse de subvenções; as empresas que aufiram incentivos creditícios sob a forma de empréstimos com a fixação de juros inferiores aos praticados pelo mercado; [03] aquelas que figurem como donatárias de áreas públicas para a construção de parque industrial etc.

É importante observar, no entanto, que a interpretação da norma não pode servir de esteio a conclusões desarrazoadas e desvinculadas do sistema. Considerando que a lei se destina a alcançar os entes que disponham de um tratamento diferenciado do Poder Público, sempre com o objetivo de atingir determinado fim de interesse público, é possível afirmar que, para fins de incidência da Lei nº 8.429/92, os benefícios, incentivos e subvenções não deverão ter sido concedidos em caráter genérico. O recebimento destes sempre deverá estar associado à consecução de determinado fim específico, cuja individualização deve resultar clara pelas circunstâncias de sua concessão. Fosse outra a conclusão, todas as microempresas do País, por isentas do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, seriam sujeitos passivos imediatos dos atos de improbidade, o mesmo ocorrendo com as pessoas físicas que recebem rendimentos no espectro da faixa de isenção.

Por força do art. 174 da Constituição da República, o Estado, observado o disposto em lei, está autorizado a fornecer incentivos a empresas do setor privado com o fim de promover o desenvolvimento da atividade econômica, o que também poderá representar importante fator de prosperidade em uma região que pouco interesse tenha despertado aos investidores.

Ainda que não vise a auferir uma lucratividade de ordem financeira, pois o prejuízo monetário imediato é normalmente divisado, é indispensável que o fim visado com a utilização do dinheiro público seja a consecução das necessidades sociais, sendo imperativa a sua utilização de forma responsável e transparente.

A tão alvitrada transparência, por sua vez, somente será preservada com a apresentação dos projetos que serão empreendidos pela pessoa jurídica beneficiada, a exigência de prestação de contas [04] e a realização de uma fiscalização adequada, possibilitando o controle do destino dada ao dinheiro público. Não empreendidas essas providências e sendo causado dano ao patrimônio público, será possível perquirir a responsabilidade do agente desidioso, conforme resulta claro do art. 10, X, da Lei nº 8.429/92 ("agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público").

2.1.1. Terceiro Setor

Além da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, podem ser atingidas pelos atos de improbidade aquelas empresas que, de qualquer modo, tenham recebido recursos públicos. Releva analisar, neste passo, a situação das organizações sociais, disciplinadas pela Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998, e das organizações da sociedade civil de interesse público, instituídas pela Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que compõem o denominado terceiro setor.

O terceiro setor, também denominado de setor não lucrativo ou setor de utilidade pública, congrega todas as organizações da sociedade civil, sem fins lucrativos e que prestam serviços de utilidade pública "desvinculados do assim denominado ''núcleo estratégico'', configurado por funções essenciais à definição e execução das políticas públicas (Poder Legislativo, Poder Judiciário, Ministério Público e determinados setores do Poder Executivo)". [05] Coexistem com os entes do primeiro e do segundo setor, compostos, respectivamente, pelas entidades estatais e pelas pessoas jurídicas de direito privado com fins lucrativos. Não obstante a qualificação que se lhes atribui, não chegam a constituir um tipo específico de pessoas jurídicas, já que mantém suas características inatas. No entanto, por preencherem determinados requisitos, recebem um título próprio que lhes permite o enquadramento em um regime jurídico diferenciado, auferindo determinados benefícios previstos em lei, sendo este o elemento que as distingue das demais pessoas jurídicas de direito privado.

Tradicionalmente, o terceiro setor vem sendo ocupado por muitas entidades que recebem títulos de utilidade pública. A aferição de requisitos meramente formais para a certificação, a inexistência de uma disciplina adequada em relação à atividade finalística a ser desenvolvida e aos critérios de aferição das metas a serem obtidas, bem como o excesso de discrição do Poder Público, isto em razão das inúmeras lacunas na legislação, contribuíram decisivamente para o paulatino enfraquecimento da credibilidade dessas entidades.

De qualquer modo, inexiste vedação à emissão de novos títulos de utilidade pública, sendo os entes contemplados, a teor do art. 1º da Lei nº 8.429/92, sujeitos passivos em potencial dos atos de improbidade sempre que recebam incentivos ou subvenções do Poder Público.

Buscando contornar os inconvenientes detectados na disciplina das entidades consideradas de utilidade pública, foram criadas novas formas de certificação das pessoas jurídicas de direito privado que prestam serviços de interesse coletivo, do que resultou os títulos de organização social e de organização da sociedade civil de interesse público. Com a instituição dessas formas de qualificação, ambas sujeitas a uma normatização específica, o Poder Público poderá delegar a terceiros atividades que normalmente eram por ele exercidas ou mesmo receber o auxílio dessas organizações em sua atuação regular, isto sem contar os maiores benefícios e vantagens que serão garantidos a tais entes se comparados com aqueles que tão-somente ostentam o título de utilidade pública.

Consoante o disposto no art. 1º da Lei nº 9.637/98, pode-se dizer que são organizações sociais aquelas entidades de direito privado, sem fins lucrativos, que como tais sejam declaradas pelo Poder Executivo, a partir da verificação do preenchimento dos requisitos previstos nos arts. 2º e 4º da Lei nº 9.637/98 e cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde.

Como deflui da própria norma, o regime das organizações sociais é atípico, pois não integram a administração pública indireta e desempenham suas atividades em moldes diversos daqueles próprios das concessionárias ou permissionárias de serviços públicos, não recebendo delegação, mas, sim, qualificação, estando impossibilitadas de auferir lucros em suas atividades, o que resulta na obrigatoriedade de reinvestimento de todo numerário obtido.

A entidade qualificada como organização social está legitimada a celebrar com o Poder Público contrato de gestão, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no art. 1º, objeto da atividade finalística de tais entes. De acordo com o art. 6º, o contrato de gestão, elaborado de comum acordo entre o órgão ou entidade supervisora e a organização social, discriminará as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social, devendo ser submetido, após a aprovação pelo Conselho de Administração da entidade, ao Ministro de Estado ou autoridade supervisora da área correspondente à atividade fomentada.

Na pureza de sua concepção, o contrato de gestão, ao utilizar o regime próprio dos entes privados na consecução do interesse público, tem por fim estimular a competitividade e alcançar a eficiência da administração pública, pois, além de flexibilizar a ação de tais entes, fixará, ab initio, os resultados a serem obtidos, os quais serão periodicamente aferidos. Com isto, atividades tipicamente públicas serão conduzidas pela iniciativa privada, resultando na supressão de inúmeras formalidades, o que, se por um lado confere maior mobilidade à atividade desenvolvida, por outro em muito suaviza o rigor na aferição da adequação dos atos estatais à sistemática legal.

Com efeito, o art. 12, § 3º, da Lei nº 9.637/98 dispensa a realização de licitação para a outorga de permissão de uso de bens públicos às organizações sociais, sendo igualmente dispensada a licitação para que o Poder Público celebre contratos de prestação de serviços com tais entidades - desde que a atividade tenha sido contemplada no objeto do contrato de gestão. [06] Não bastasse isto, a qualificação é ato discricionário do órgão competente e não são previstos requisitos de ordem subjetiva para a sua realização e ulterior contratação com as organizações sociais, o que permitirá, v.g., que pessoas destituídas de um mínimo de idoneidade moral venham a integrar os órgãos de direção de tais entes. Assim, é difícil imaginar - e com maior razão em períodos eleitorais - que tais entidades não virão a se constituir em um dos maiores focos de imoralidade já vistos na história republicana, o que certamente desvirtuará e desacreditará os objetivos da lei. Em razão dessas peculiaridades, somente uma fiscalização adequada e de índole eminentemente preventiva não permitirá que inúmeros ilícitos sejam praticados.

Partindo da premissa de que a qualificação de determinada entidade como organização social pressupõe que ela não tenha fins lucrativos, afigura-se evidente que, regra geral, o contrato de gestão firmado entre o Poder Público e uma entidade dessa natureza deverá prever a transferência de recursos, bens ou serviços de origem pública, o que possibilitará o implemento do objeto específico de tal avença e a preservação do princípio da eficiência consagrado no texto constitucional. Este fato, por si só, demonstra que as organizações sociais podem ser lesadas por atos de improbidade, sendo o Poder Público o sujeito passivo material, vale dizer, o ente de origem das subvenções6 (bens, serviços ou recursos) destinadas àquelas organizações. Observe-se, ainda, que as organizações sociais, consoante o art. 11, são declaradas como entidades de interesse social e utilidade pública, para todos os efeitos legais, o que também reforça o seu enquadramento no art. 1º da Lei de Improbidade, já que gozarão de benefícios e incentivos fiscais e creditícios.

Em relação à subsunção da conduta à tipologia dos atos de improbidade, vale reiterar que os agentes das organizações sociais (dirigentes, empregados etc.) estão sujeitos à seguinte disciplina:

a) recebendo a organização social benefício, incentivo ou subvenção inferior a cinqüenta por cento de sua receita anual, será aplicado o disposto no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 8.429/92, somente estando o agente sujeito a sanções em sendo detectado o dano ao patrimônio público, isto porque aquele preceito é dotado de menor amplitude do que o caput; e

b) recebendo a organização social subvenções (rectius: transferências do erário destinadas a cobrir suas despesas de custeio – art. 12, § 3º, da Lei nº 4.320/64) que representem mais de cinqüenta por cento de sua receita anual, será aplicado o art. 1º, caput, da Lei de Improbidade, estando o agente sujeito à tipologia legal ainda que não seja divisada a ocorrência de dano.

Além das organizações sociais, merecem ser lembradas as organizações da sociedade civil de interesse público, instituídas pela Lei nº 9.790/99 e que funcionam sob o regime de gestão por colaboração. Em linhas gerais, são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos e que recebem tal qualificação do Executivo após comprovarem o exercício de determinadas atividades de utilidade pública e o cumprimento dos requisitos previstos no art. 4º da lei de regência, dentre os quais pode ser mencionada a necessária observância aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência.

Obtida a qualificação, as organizações da sociedade civil de interesse público estarão habilitadas a celebrar termo de parceria com o Poder Público, que formalizará o vínculo de cooperação entre as partes para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3º da Lei. Os termos de parceria discriminarão direitos, responsabilidades e obrigações das partes signatárias.

Os mecanismos de fiscalização dos termos de parceria são em muito semelhantes àqueles instituídos pela Lei nº 9.637/98 para os contratos de gestão celebrados entre o Poder Público e as organizações sociais. A organização deve conferir ampla publicidade à forma de gasto dos recursos públicós; o Poder Público deve garantir o livre acesso às informações relativas às organizações; é imperativo que as organizações sejam fiscalizadas por órgãos estatais da área de atuação correspondente à atividade fomentada; e devem os responsáveis pela fiscalização, sob pena de responsabilidade solidária, informar ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas qualquer irregularidade ou ilegalidade na utilização de recursos ou bens de origem pública pela organizacão (art. 12 da Lei nº 9.790/99).

Não cumprindo a atividade a que se destina, deixando de atender aos requisitos previstos em lei ou sendo detectado desvio de finalidade em suas operações, [07] estará a organização da sociedade civil de interesse público sujeita à perda da qualificação, o que se dará a pedido ou mediante decisão proferida em processo administrativo ou judicial, de iniciativa popular ou do Ministério Público, no qual serão assegurados o contraditório e a ampla defesa.

Como pode ser facilmente observado, o regime das organizações da sociedade civil de interesse público em muito se assemelha ao das organizações sociais. Ambas integram o denominado terceiro setor, devem executar serviços públicos e manter-se em estrita harmonia com o pacto celebrado com o Poder Público, isto sem contar a necessária publicidade de seus atos e a sujeição a rigorosos mecanismos de controle.

No que concerne aos pontos de distinção, merece lembrança a lição de Carvalho Filho: [08] "Um deles é a participação de agentes do Poder Público na estrutura da entidade: enquanto é ela exigida nos Conselhos de Administração das organizações sociais, não há esse tipo de ingerência nas organizações da sociedade civil de interesse público. Outro aspecto é a formalização da parceria: com aquelas entidades é celebrado contrato de gestão, ao passo que com estas é firmado termo de parceria. Enfim, nota-se que as linhas da disciplina jurídica das organizações sociais colocam-nas um pouco mais atreladas ao Poder Público do que as organizações da sociedade civil de interesse público. Ambas, porém, retratam novas formas de prestação de serviços públicos".

Além disso, as organizações da sociedade civil de interesse público podem ter um objeto social mais amplo que as organizações sociais, o seu processo de qualificação é mais simplificado e devem fazer publicar nos trintas dias subsequentes à assinatura do termo de parceria o regulamento que será adotado nas contratações a serem realizadas, o qual deverá necessariamente observar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência. [09] Diferentemente das organizações sociais, não há previsão legal de transferência de servidores do órgão com o qual firmaram o termo de parceria. No entanto, a Medida Provisória nº 37, de 9 de maio de 2002, convertida na Lei nº 10.259, de 22 de setembro de 2002, acresceu um parágrafo único ao art. 4º da Lei nº 9.790/99, permitindo que servidores públicos participassem da diretoria ou do conselho, o que em muito atenuou a distinção para com as organizações sociais.

Por não exercerem atividade lucrativa, as organizações da sociedade civil de interesse público serão normalmente contempladas com recursos públicos, o que viabilizará o exercício de suas atividades finalísticas e, ipso facto, permitirá a aplicação das normas da Lei de Improbidade. Nesse particular, ante a identidade dos argumentos, reportamo-nos ao que dissemos em relação às organizações sociais.

2.2. A Noção de Entidades Custeadas pelo Erário

Tanto o caput como o parágrafo único do art. 1º fazem expressa menção às empresas custeadas pelo erário, sendo estabelecida uma distinção, quanto às sanções cominadas, conforme o erário concorra ou haja concorrido com mais ou menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual. Concorrendo com mais de cinqüenta por cento, haverá incidência imediata de todo o microssistema de combate à improbidade, concorrendo com menos, além de exigível a ocorrência de dano, a reparação se limitará à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

Por força desse preceito, foi consideravelmente ampliado o rol dos sujeitos passivos dos atos de improbidade, o que exige sejam redimensionadas as clássicas concepções doutrinárias que se limitavam ao estudo da administração direta e indireta, noções incapazes de albergar por completo as inovações introduzidas pela Lei de Improbidade.

Trata-se de situação peculiar instituída pela Lei de Improbidade e extremamente relevante ao evolver da moralidade que deve reger as relações intersubjetivas: eleva-se o desfalque de montante originário do patrimônio público, ainda que o numerário seja legalmente incorporado ao patrimônio privado, à condição de elemento consubstanciador da improbidade.

Em decorrência disto, os agentes privados são equiparados aos agentes públicos [10] para o fim de melhor resguardar o destino atribuído à receita de origem pública, estando passíveis de sofrer as mesmas sanções a estes cominadas e que estejam em conformidade com a peculiaridade de não possuírem vínculo com o Poder Público. Assim, também poderão ser sujeitos passivos dos atos de improbidade as entidades, ainda que não incluídas dentre as que compõem a administração indireta, que recebam investimento ou auxílio de origem pública, o que pode ser exemplificado com o auxílio financeiro prestado pelo Banco Central do Brasil a instituições financeiras em vias de serem liquidadas, erigindo seus administradores à condição de agentes públicos para os fins da Lei nº 8.429/92. [11]

Justifica-se a previsão legal, pois se o Poder Público cede parte de sua arrecadação a determinadas empresas, tal certamente se dá em virtude da presunção de que a atividade que desempenham é de interesse coletivo, o que torna imperativa a utilização do numerário recebido para esse fim.

Face à relevância do tema, realizaremos uma breve referência a algumas hipóteses específicas de aplicação dessa regra, bem como do que se deve entender por custeio pelo erário: alcançaria unicamente os casos em que o numerário se deslocasse fisicamente do caixa público para o caixa privado ou corresponderia, igualmente, às situações em que o Estado, valendo-se do seu poder de império, determinasse ao particular a entrega de recursos a determinado ente?

É o que iremos a analisar.

2.2.1. Empresas Estatais Dependentes

O enquadramento das empresas estatais dependentes nas hipóteses descritas no caput ou no parágrafo único do art. 1º da Lei de Improbidade variará em conformidade com o montante do custeio realizado pelo Poder Público. Na definição do art. 2º, III, da LC nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal), considera-se empresa estatal dependente a "empresa controlada que receba do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital, excluídos, no último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária."

A ressalva constante da parte final do preceito é justificável na medida em que a aparente oneração do erário com o repasse de recursos para o aumento do capital se diluirá com a obtenção de novas ações do ente controlado, aumentando a sua participação acionária. Esse tipo de empresa, por força do art. 1º, § 3º, I, b, in fine, da Lei de Responsabilidade Fiscal está submissa ao regramento do referido diploma legal. O descumprimento desta, por sua vez, sujeitará o infrator aos ditames da Lei nº 8.429/92 (art. 73 da LRF), na forma já preconizada, que variará conforme o volume de recursos repassados.

2.2.2. Sindicatos

Os sindicatos [12], sejam patronais ou representativos dos empregados, podem ser considerados sujeitos passivos imediatos dos atos de improbidade pelo simples fato de serem os destinatários finais dos recursos angariados com as denominadas "contribuições sindicais".

Inicialmente, cumpre observar que os sindicatos são pessoas jurídicas de direito privado, sua criação independe de autorização do Estado e é vedada a interferência ou a intervenção deste na organização sindical. [13] No entanto, devem registrar os seus estatutos junto ao Ministério do Trabalho. [14] Apesar de os sindicatos não integrarem a administração pública direta ou indireta, as contribuições sindicais por eles auferidas devem ser consideradas contribuições parafiscais, logo, consubstanciam recursos oriundos do Poder Público.

Segundo Aliomar Baleeiro, [15] "a parafiscalidade, alvo de muitos debates no Brasil, tem quatro elementos característicos: a) delegação do poder fiscal do Estado a um órgão oficial ou semi-oficial autônomo; b) vinculação especial ou ''afetação'' dessas receitas aos fins específicos cometidos ao órgão oficial ou semi-oficial investido daquela delegação; c) em alguns países, exclusão dessas receitas delegadas do orçamento geral (seriam então ''paraorçamentárias'', para-budgetaires, segundo Laferrière); d) conseqüentemente, subtração de tais receitas à fiscalização do Tribunal de Contas ou órgão de controle da execução orçamentária". Ao final conclui: "as contribuições parafiscais, em resumo, são tributos, e como tais, não escapam aos princípios da Constituição".

Além de serem pagas em guia padronizada do Ministério do Trabalho, pelas pessoas físicas ou jurídicas obrigadas, com destinação específica ao sindicato da categoria, as contribuições sindicais têm nítida natureza parafiscal: a) a compulsoriedade denota a sua natureza tributária, o que deflui da letra expressa do Código Tributário Nacional [16]; b) tratando-se de recursos endereçados ao sindicato, cabe a este, inclusive, diligenciar a sua cobrança no âmbito da Justiça Comum [17]; c) as receitas auferidas com as contribuições sindicais devem ser direcionadas ao atingimento das finalidades previstas no art. 592 da Consolidação das Leis do Trabalho, observando-se, sempre, a autonomia e os estatutos do sindicato [18]; e d) ante a natureza parafiscal das contribuições sindicais, não é cogente a prestação de contas ao Tribunal de Contas, estando sujeitos à fiscalização dos órgãos trabalhistas de cunho administrativo. [19]

Contrariamente ao que afirmam alguns, a necessidade de aplicação das receitas auferidas em determinadas atividades previstas em lei e a fiscalização por parte do Ministério do Trabalho não apresentam qualquer incompatibilidade com o disposto no art. 8º, I, da Constituição da República, pois não importam propriamente em interferência ou em intervenção na organização sindical. Tais mecanismos derivam diretamente da natureza jurídica das contribuições sindicais e visam a preservar a pureza dos fins da organização sindical. Assim, ainda que sob os auspícios da livre organização sindical, seria inconcebível que os recursos arrecadados com tributos fossem direcionados, em sua integridade, ao patrimônio dos dirigentes sindicais. Esta, em essência, é a razão de ser dos meios de controle existentes.

Ao falar em "entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual", o art. 1º, caput, da Lei nº 8.429/92 não buscou restringir sua aplicação às hipóteses em que, fisicamente, a saída dos recursos tenha se dado dos cofres públicos. Públicos serão, igualmente, os recursos que determinados setores da população, por força de preceitos legais e independentemente de qualquer contraprestação direta e imediata, estão obrigados a repassar a certas entidades. Essa conclusão, aliás, que deflui da natureza tributária das contribuições sindicais, está em total harmonia com o disposto no art. 552 da Consolidação das Leis do Trabalho: "os atos que importem em malversação ou dilapidação do patrimônio das associações ou entidades sindicais ficam equiparados ao crime de peculato julgado e punido na conformidade da legislação penal".

Estando os sindicatos enquadrados no disposto no art. 1º da Lei de Improbidade, conclui-se que os seus dirigentes e as demais pessoas que com eles mantenham algum tipo de vínculo funcional, consoante a previsão do art. 2º do mesmo diploma legal, são sujeitos ativos em potencial dos atos de improbidade sempre que sua conduta se subsuma à tipologia legal. Por óbvias razões, não são alcançados pela Lei de Improbidade os empregados e os empregadores sindicalizados, já que não exercem qualquer atividade laborativa junto ao seu respectivo sindicato.

2.2.3. Conselhos de Fiscalização do Exercício Profissional

Os conselhos de fiscalização do exercício profissional, como se intui de sua própria designação, destinam-se a controlar o exercício de determinadas profissões regulamentadas em lei, sempre com o fim precípuo de preservar o interesse público. Para tanto, exercem um verdadeiro poder de polícia, o que lhes permite velar pelas restrições impostas em lei e exigir o cumprimento de requisitos específicos por parte daqueles que pretendem exercer ou continuar exercendo a profissão.

Tais conselhos, pela própria natureza da atividade desenvolvida, são exemplos de descentralização administrativa, já tendo recebido, inclusive, o designativo doutrinário de "autarquias corporativas". [20] É viva, no entanto, a discussão quanto à sua inserção sob a epígrafe da administração indireta, sendo comumente suscitado o argumento de que não recebem recursos públicos, sendo mantidos com as contribuições dos seus associados.

Para os fins dessa exposição, em que se busca identificar o enquadramento, ou não, dos conselhos de fiscalização profissional no permissivo do art. 1º da Lei de Improbidade, basta afirmar que os integrantes da categoria são obrigados a recolher, em prol da respectiva entidade, contribuições que se enquadram na categoria das parafiscais. Tais contribuições, na medida em que estão previstas em lei e são de imperativo recolhimento, devem ser efetivamente consideradas como recursos públicos, ainda que o numerário não seja fisicamente retirado do erário. Aplicam-se, aqui, os mesmos argumentos deduzidos no item anterior em relação à possibilidade de os sindicatos serem sujeitos passivos imediatos dos atos de improbidade.

Sobre a natureza das contribuições recebidas pelos conselhos de fiscalização profissional, assim de pronunciou o Supremo Tribunal Federal [21], in verbis:

"Ementa: Constitucional. Administrativo. Entidades fiscalizadoras do exercício profissional. Conselho Federal de Odontologia: natureza autárquica. Lei nº 4.234/64, art. 2º; CF, arts. 70, parágrafo único, e 71, II.

I - Natureza autárquica do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Odontologia. Obrigatoriedade de prestar contas ao Tribunal de Contas da União. Lei nº 4.234/64, art. 2º; CF, arts. 70, parágrafo único, e 71, II.

II - Não-conhecimento do mandado de segurança no que toca à recomendação do Tribunal de Contas da União para aplicação da Lei nº 8.112/90, vencidos o relator e os Ministros Francisco Rezek e Maurício Corrêa.

III - Os servidores do Conselho Federal de Odontologia deverão submeter-se ao regime único da Lei nº 8.112, de 1990: votos vencidos do relator e dos Ministros Francisco Rezek e Maurício Corrêa.

IV - As contribuições cobradas pelas autarquias responsáveis pela fiscalização do exercício profissional são contribuições parafiscais, contribuições corporativas, com caráter tributário. CF, art. 149. RE nº 138.284/CE, Velloso, Plenário, RTJ 143/313.

V - Diárias: impossibilidade de os seus valores superarem os valores fixados pelo chefe do Poder Executivo, que exerce a direção superior da Administração federal (CF, art. 84, II).

VI - Mandado de segurança conhecido, em parte, e indeferido na parte conhecida."

O Supremo Tribunal Federal, do mesmo modo, reconheceu a inconstitucionalidade parcial do art. 58 da Lei nº 9.649/98 - diploma que tratava da organização da Presidência da República e dos Ministérios [22] - na parte em que dispunha sobre a natureza privada dos conselhos de fiscalização profissional, a inexistência de vínculo entre tais conselhos e os órgãos da administração pública, lhes conferia imunidade tributária e a submissão dos conselhos, no que concerne às suas atividades administrativas e financeiras, unicamente ao conselho federal da respectiva profissão. [23]

O Tribunal de Contas da União tem sistematicamente reconhecido: a) a natureza autárquica dos conselhos de fiscalização profissional, o que legitima a imunidade tributária que lhes é assegurada [24]; b) a natureza parafiscal das contribuições que recebem; c) a obrigatoriedade da prestação de contas ao referido órgão, a exemplo do que fazem todos aqueles que administram recursos públicos; d) a possibilidade de contratarem seus empregados pelo regime da CLT e sem a realização de concurso público, desde que assegurada a publicidade do ato e a isonomia entre os interessados. [25]

Conclui-se que os conselhos de fiscalização profissional podem ser sujeitos passivos dos atos de improbidade, o que, por força do art. 2º da Lei nº 8.429/92, permite sejam enquadrados como sujeitos ativos todos aqueles que mantenham algum tipo de vínculo funcional com tais entidades.

2.2.4. Partidos Políticos

Os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado [26] que atuam como entes aglutinadores das distintas concepções ideológicas de determinada sociedade, viabilizando a participação popular, facilitando o intercâmbio entre governantes e governados e em muito contribuindo para o evolver da democracia.

Seu contorno básico foi traçado pela Constituição da República, dispondo o art. 17 que "é livre a criação, fusão, incorporação e extinção dos partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana". No âmbito infraconstitucional, regulamentam a atividade dos partidos políticos a Lei nº 9.096/95 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), a Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições), a Lei nº 4.737/65 (Código Eleitoral) e as Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral.

Considerando os objetivos dessas breves linhas, não é esta a seara adequada para discorremos sobre o relevante papel desempenhado pelos partidos políticos em um sistema democrático. Por esse motivo, nos limitaremos à demonstração de que os partidos políticos são sujeitos passivos em potencial dos atos de improbidade, pois efetivamente recebem recursos de natureza pública.

Com efeito, além de estarem legitimados a receber recursos de origem privada, observados os limites previstos na lei eleitoral, os partidos políticos auferem os recursos oriundos do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, também denominado de Fundo Partidário, que é integrado, em sua maior parte, por receitas de origem pública. [27]

As dotações orçamentárias que devem ser direcionadas pela União ao Fundo Partidário serão consignadas, no Anexo do Poder Judiciário, ao Tribunal Superior Eleitoral, o qual terá a responsabilidade de distribuí-las aos seus destinatários. [28] Dentro de cinco dias, a contar do depósito dos duodécimos referentes a tal previsão orçamentária, o Tribunal Superior Eleitoral providenciará a distribuição das cotas do Fundo Partidário, observados os seguintes critérios: "I- um por cento do total do Fundo Partidário será destacado para entrega, em partes iguais, a todos os partidos que tenham seus estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral; II- noventa e nove por cento do total do Fundo Partidário serão distribuídos aos partidos que tenham preenchido as condições do art. 13, [29] na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados." [30]

A origem pública da maior parte das receitas auferidas pelos partidos políticos enseja a aplicação da regra do art. 1º, parte final, da Lei nº 8.429/92, tornando incontroverso que tais entes são sujeitos passivos em potencial dos atos de improbidade.

É relevante observar que a possibilidade de o Fundo Partidário captar doações de pessoas físicas ou jurídicas, que não possuam qualquer vínculo com o Poder Público, em nada compromete a assertiva de que os partidos políticos recebem recursos públicos. Em que pese serem pessoas jurídicas de direito privado, os partidos políticos em nada se confundem com o Fundo Partidário, que tem natureza eminentemente pública. Assim, tão logo ingressem neste Fundo, os recursos privados se transmudam em públicos, mantendo essa condição até que cheguem ao caixa dos partidos políticos, ocasião em que, não obstante reassumam a natureza privada, continuam sujeitos à fiscalização pelos órgãos competentes, o que deflui de sua origem.

Ante a natureza dos recursos auferidos pelos partidos políticos, o art. 44 da Lei nº 9.096/95, [31] com muita propriedade, dispôs sobre o destino que haveria de lhes ser dado e o dever de os partidos políticos prestarem contas à Justiça Eleitoral quanto ao destino dado aos recursos que receberam do Fundo Partidário. Além da possibilidade de utilização dos recursos em benefício de terceiros ou da sua apropriação por parte do próprio dirigente da agremiação partidária, situação certamente comum será a não comprovação de sua utilização para os fins descritos no art. 44 da Lei nº 9.096/95, o que ensejará o surgimento de uma presunção iuris tantum de desvio de finalidade.


3. Sujeitos Ativos dos Atos de Improbidade

No microssistema instituído pela Lei nº 8.429/92, os atos de improbidade somente podem ser praticados por agentes públicos, com ou sem o auxílio de terceiros. Sobre o alcance desse designativo, assim dispõe o art. 2º do referido diploma legal, verbis:

Art. 2º Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Como se constata pela análise desse preceito, a concepção de agente público não foi construída sob uma perspectiva meramente funcional, sendo definido o sujeito ativo a partir da identificação do sujeito passivo dos atos de improbidade, havendo um nítido entrelaçamento entre as duas noções.

Além daqueles que desempenham alguma atividade junto à administração direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, os quais são tradicionalmente enquadrados sob a epígrafe dos agentes públicos em sentido lato, a parte final do art. 2º (nas entidades mencionadas no artigo anterior) torna incontroverso que também poderão praticar atos de improbidade as pessoas físicas que possuam algum vínculo com as entidades que recebam qualquer montante do erário, quais sejam: a) empresa incorporada ao patrimônio público; b) entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual; c) entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual; d) entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público.

Assim, coexistem lado a lado, estando sujeitos às sanções previstas na Lei nº 8.429/92, os agentes que exerçam atividade junto à administração direta ou indireta (perspectiva funcional), e aqueles que não possuam qualquer vínculo com o Poder Público, exercendo atividade eminentemente privada junto a entidades que, de qualquer modo, entrem em contato com numerário de origem pública (perspectiva patrimonial). Como se vê, trata-se de conceito aparentemente mais amplo que o utilizado pelo art. 327 do Código Penal.

Nessa linha, para os fins da Lei de Improbidade, tanto será agente público o presidente de uma autarquia, como o proprietário de uma pequena empresa do ramo de laticínios que tenha recebido incentivos, fiscais ou creditícios, para desenvolver sua atividade.

Por evidente, o status de agente público haverá de ser aferido a partir da análise do vínculo existente entre o autor do ato e o sujeito passivo imediato por ocasião de sua prática, ainda que quando da deflagração das medidas necessárias à persecução dos atos de improbidade outra seja a sua situação jurídica. Aplica-se, aqui, a regra tempus regit actum, sendo desinfluente a ulterior dissolução do vínculo que unia o ímprobo ao sujeito passivo do ato.

Os elementos que compõem o art. 2º da Lei nº 8.429/92 conferem grande amplitude conceitual à expressão agente público, se não vejamos:

a) lapso de exercício das atividades: irrelevante, podendo ser transitório ou duradouro;

b) contraprestação pelas atividades: irrelevante, podendo ser gratuitas ou remuneradas;

c) origem da relação: irrelevante, pois o preceito abrange todas as situações possíveis – eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo;

d) natureza da relação mantida com os entes elencados no art. 1º: mandato, cargo, emprego ou função.

À mingua de uma maior uniformidade terminológica na doutrina e partindo-se da disciplina delineada pela Lei nº 8.429/92, a expressão agente público deve ser considerada o gênero do qual emanam as diversas espécies.

Trata-se de conceito amplo e que abrange os membros de todos os Poderes, qualquer que seja a atividade desempenhada, bem como os particulares que atuem em entidades que recebam verbas públicas, podendo ser subdividido nas seguintes categorias: agentes políticos, agentes particulares colaboradores, servidores públicos e agentes meramente particulares.

Como derivação lógica do sistema da Lei nº 8.429/92, não bastará a identificação da condição de agente público e do correspondente vínculo com um dos sujeitos passivos em potencial dos atos de improbidade para que possa ser divisada a prática de atos de improbidade. É necessário, ainda, que o indivíduo pratique o ato, que pode ser comissivo ou omissivo, [32] em razão de sua especial condição de agente público. Assim, não praticará ato de improbidade aquele que, verbi gratia, seja servidor de uma unidade da Federação e, estando de férias, danifique bens pertencentes a ente de outra unidade. Obviamente, neste singelo exemplo, a condição de agente público não apresentou qualquer relevância para a prática do ato, já que desvinculado do exercício funcional.

3.1. Agentes Políticos

Agentes políticos são aqueles que, no âmbito do respectivo Poder, desempenham as funções políticas de direção previstas na Constituição, [33] normalmente de forma transitória, sendo a investidura realizada por meio de eleição (no Executivo, Presidente, Governadores, Prefeitos e, no Legislativo, Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais, Deputados Distritais e Vereadores) ou nomeação (Ministros e Secretários Estaduais e Municipais).

Tese surpreendente e que tem merecido certo prestígio entre alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal [34] é a de que os atos de improbidade, em verdade, redundariam em crimes de responsabilidade, somente sujeitando o agente político à responsabilidade de igual natureza. Os artífices dessa curiosa e criativa tese argumentam que boa parte dos atos de improbidade encontram correspondência na tipologia da Lei nº 1.079/50, que trata dos crimes de responsabilidade, o que seria suficiente para demonstrar que a infração política absorveria o ato de improbidade. Além disso, o próprio texto constitucional, em seu art. 85, V, teria recepcionado esse entendimento ao dispor que o Presidente da República praticaria crime de responsabilidade sempre que atentasse contra a probidade na administração, o que possibilitaria o seu impeachment.

O impeachment, desde a sua gênese, é tratado como um instituto de natureza político-constitucional que busca afastar o agente político de um cargo público que demonstrou não ter aptidão para ocupar. Os crimes de responsabilidade, do mesmo modo, consubstanciam infrações políticas, sujeitando o agente a um julgamento de igual natureza. [35] Essa constatação, por si, já demonstra o desacerto da tese que procura equipará-los às condutas disciplinadas pela Lei de Improbidade, afeitas à seara cível e sujeitas a uma relação processual conduzida por um órgão jurisdicional.

Afigura-se induvidoso, no entanto, que os detentores de mandato político (Parlamentar, Governador, Prefeito etc.) devem observar os princípios estatuídos no art. 37 da Constituição, pois não seria razoável sustentar que esse preceito, o que inclui o seu parágrafo quarto, somente seria aplicável aos demais servidores públicos. Estes possuem disciplina autônoma nos arts. 39 e ss da Constituição da República, não sendo demais lembrar que muitos dos detentores de mandato político ocupam o mais alto grau hierárquico do Poder Executivo, qualquer que seja o ente da Federação, o que os erige à condição de principais destinatários das normas que disciplinam a administração pública e que definem os atos de improbidade.

Entender que ao Legislativo é defeso atribuir conseqüências criminais, cíveis, políticas ou administrativas a um mesmo fato, inclusive com identidade de tipologia, é algo novo na ciência jurídica. Se o Constituinte não impôs tal vedação, será legítimo ao pseudo-intérprete impô-la? E o pior, é crível a tese de que a Lei nº 1.079/50 é especial em relação à Lei nº 8.429/92, culminado em absorver a última? É defeso que o agente público responda por seus atos em diferentes esferas, todas previamente definidas e individualizadas pelo Legislador? Como é fácil perceber, é por demais difícil sustentar que uma resposta positiva a esses questionamentos possa ser amparada pela Constituição, pela moral ou pela razão.

3.2. Agentes Particulares Colaboradores

Os agentes particulares colaboradores executam determinadas funções de natureza pública, por vezes de forma transitória e sem remuneração [36] (ex.: jurados, mesários, escrutinadores, representantes da sociedade civil em conselhos [37] etc.), abrangendo, para os fins da Lei de Improbidade, aqueles que tenham sido contratados especificamente para o exercício de determinada tarefa.

Segundo Carvalho Filho, [38] "são também considerados agentes particulares colaboradores os titulares de ofícios de notas e de registro não oficializados (art. 236, CF) e os concessionários e permissionários de serviços públicos". Hely Lopes Meirelles [39] fala em agentes delegados, entendendo que devem responder civil e criminalmente sob as mesmas normas da Administração Pública de que são delegados (art. 37, § 6º, da CR/88 e art. 327 do CP), "pois não é justo e jurídico que a só transferência da execução de uma obra ou de um serviço originariamente público a particular descaracterize a sua intrínseca natureza estatal e libere o executor privado das responsabilidades que teria o Poder Público se o executasse diretamente".

Neste particular, no entanto, a Lei nº 8.429/92 adotou uma posição restritiva, não abrangendo, em seu art. 2º, aqueles que possuam vínculo com as concessionárias e permissionárias de serviços públicos que não tenham sido criadas ou custeadas pelo erário, ou que não recebam subvenções, benefícios ou incentivos deste. A execução de serviços públicos por meio de concessão, permissão ou autorização é forma de descentralização administrativa, não guardando sinonímia com a concepção de Administração indireta adotada pelo Decreto-Lei nº 200/67 e referida no art. 1º da Lei nº 8.429/92.

Ainda que a entidade particular preste um serviço público, tal, por si só, não tem o condão de sujeitar seus empregados aos termos da Lei de Improbidade, sendo imperativa a existência de investimentos do erário para a individualização do sujeito passivo do ato de improbidade e a conseqüente incidência do referido art. 2º. A conclusão diversa se chegará analisando-se a situação dos delegatários do serviço público, pessoas físicas ou jurídicas, os quais, diversamente dos seus empregados, efetivamente mantém um vínculo com o órgão delegante, do que resulta a sua condição de sujeitos ativos em potencial dos atos de improbidade.

Em sentido contrário, Carlos Frederico Brito dos Santos [40] sustenta que os empregados das empresas contratadas para o desempenho de atividades terceirizadas junto à administração pública efetivamente exercem uma função pública e com ela mantém um vínculo de natureza indireta, o que, à mingua de qualquer restrição no art. 2º da Lei nº 8.429/92, os conduz à condição de sujeitos ativos em potencial dos atos de improbidade. Não obstante a coerência dos argumentos, não nos parece que o sistema os recepcione.

Com efeito, destoa da lógica do razoável sujeitar o empregado de uma empresa privada, pelo simples fato de exercer temporariamente suas atribuições junto ao Poder Público, aos mesmos deveres dos agentes públicos sem norma que torne clara tal sujeição. Essa conclusão deflui da inexistência de qualquer liame com o Poder Público, já que o vínculo é restrito à empresa que os contratou e que estabeleceu as diretrizes a serem observadas no desempenho de suas funções. Vínculo indireto, em verdade, soa como mero eufemismo, pois vínculo nunca ouve. E ainda, a coerência desse raciocínio exigiria a sua aplicação em outras vertentes, o que certamente romperia com a coerência do sistema. À guisa de ilustração, pode ser mencionada a extensão da vedação à acumulação de cargos públicos, prevista no art. 37, XVI, da Constituição da República, aos servidores públicos que, concomitantemente, sejam empregados de empresas privadas que prestem serviços ao Poder Público, o que, induvidosamente, não tem amparo no texto constitucional. As normas sancionadoras, a exemplo daquelas que instituam exceções à regra geral, devem ser interpretadas de forma a mantê-las em harmonia com o sistema e a não ampliar indiscriminadamente o seu alcance. Os sujeitos ativos do ato de improbidade são individualizados a partir da identificação do sujeito passivo, e o art. 1º da Lei nº 8.429/92, decididamente, não encampa a administração descentralizada na amplitude sugerida.

3.2.1. Árbitros

Buscando conferir maior celeridade e, por via reflexa, maior efetividade, à solução dos conflitos de interesses, o legislador pátrio, na senda de inúmeros outros países, redimensionou o instituto da arbitragem.

O outrora denominado compromisso, na forma em que disciplinado pelo Código Civil de 1916, era estruturado como um pacto acessório escrito, por meio do qual as pessoas capazes de contratar louvavam-se em árbitros para a solução de suas pendências judiciais ou extrajudiciais. [41] Esse pacto, normalmente denominado de cláusula compromissória ou pactum de compromittendo, ensejava o surgimento de uma obrigação de fazer, cuja ineficácia era quase total, pois não obstava o acesso ao órgão jurisdicional competente para o exame da controvérsia. Por essa razão, não obstante celebrado o pacto, escolhido o árbitro e dirimido o conflito, poderia a parte que se sentisse prejudicada pleitear a desconstituição dos atos praticados junto ao Poder Judiciário. Esse dogma, aliás, parecia intocável, pois não se mostrava possível subtrair ao exame do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito.

Desvinculando-se das vetustas amarras da cláusula compromissória, foi editada, em 23 de setembro de 1996, a Lei nº 9.307, que "dispõe sobre a arbitragem". O principal avanço desse diploma legal foi contemplado em seu art. 18: "O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário". Examinando a compatibilidade desse preceito com a regra do art. 5º, XXXV, da Constituição da República, o Supremo Tribunal Federal terminou por reconhecer a impossibilidade de o Poder Judiciário rever a sentença arbitral. [42] Com isto, conferiu-se perspectivas de efetividade a esse instrumento de pacificação social. [43]

Os árbitros e os tribunais arbitrais desempenham atividade de natureza essencialmente privada, não mantendo qualquer vínculo ou relação de subordinação com o Poder Público. Para assegurar a fiel execução do munus que lhes é outorgado, devem proceder com "imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição". [44] Além disso, estão sujeitos às normas que definem as hipóteses de suspeição e impedimento dos juízes, [45] tendo "o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência". [46] Em que pese a ausência de vínculo com o Poder Público, a natureza da atividade desenvolvida aconselhou a extensão, aos árbitros, do mesmo sistema de responsabilidade penal a que estão sujeitos os funcionários públicos. Segundo o art. 17 da Lei nº 9.307/96, "os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal." Essa norma de adequação típica é necessária na medida em que os árbitros, apesar de exercerem uma relevante função pública (rectius: de interesse público), não são e não podem ser confundidos com funcionários públicos. No entanto, no exercício da função, estarão sujeitos às mesmas normas penais incriminadoras que incidem sobre aqueles (v.g.: crimes de concussão, corrupção, prevaricação etc.).

O sistema de responsabilização penal a que estão sujeitos os árbitros é digno de encômios, pois, ressalvada a ausência do poder de coerção, suas decisões terão relevância semelhante àquelas emanadas dos órgãos jurisdicionais, o que torna induvidosa a importância de sua atividade no contexto social. A única crítica que deve ser feita ao art. 17 da Lei nº 9.307/96 reside na ausência de qualquer referência à Lei de Improbidade Administrativa.

O fato de os árbitros estarem sujeitos à legislação penal concernente aos funcionários públicos não legitima a tese de que devem ser considerados como tais para todos os efeitos legais. A uma, não fosse a regra do art. 17 da Lei nº 9.307/96 seria injurídico submetê-los ao mesmo tratamento jurídico dispensado aos funcionários públicos, pois com estes não se identificam. A duas, o disposto no art. 17 tem alcance eminentemente restrito, sendo expresso ao dispor que a equiparação com os funcionários públicos se dá "para os efeitos da legislação penal". A três, os árbitros não mantém qualquer tipo de vínculo com a administração direta ou indireta, ou mesmo com entidades que recebam recursos do erário, logo, não são considerados agentes públicos para os fins do art. 2º da Lei nº 8.429/92. A quatro, a relação entre o plus da legislação penal e o minus da legislação civil é insuficiente para legitimar uma conclusão a fortiori, pois tal raciocínio importaria em uma simbiose não autorizada entre sistemas dotados de individualidade própria. A cinco, apesar da incongruência resultante da correta exegese do art. 17 da Lei nº 9.307/96, não nos parece possível a utilização da analogia nessa seara, máxime por acarretar a aplicação de severas sanções a quem reconhecidamente não é agente público - apesar de ser tratado como tal na esfera penal.

No mais, deve-se realçar que a função pública desempenhada pelos árbitros não pode ser reconduzida a qualquer das figuras contempladas no art. 2º da Lei de Improbidade. Em abono desse entendimento, afigura-se oportuno lembrar a lição de Rafael Bielsa [47] ao tecer comentários sobre o que se deve entender por função pública. Dizia o jurista: "para responder a isto é necessário distinguir a noção geral e comum de função pública dentro de um poder do Estado do que é função pública fora desse poder, porém necessária para a constituição mesma dos poderes, como a de eleger, no regime representativo, ou, ainda, aprovar decisões (referendum) ou a continuidade do desempenho do cargo no tocante a certos funcionários (recurso de destituição), ou a validade ou legitimidade de certos atos, mediante a ‘ação popular’. Na ordem política, é possível realizar funções públicas sem ser funcionário no sentido de órgão do Estado; tal é a função do sufrágio. Com efeito, o cidadão eleitor contribui com o seu voto, ou seja, com a sua vontade, para a formação efetiva dos poderes, ao designar as pessoas que devem exercê-los. É evidente que se trata de um poder político, que como tal se atribui e se exerce de acordo com um regime legal. É uma função necessária, porque, se não fosse exercida, os poderes ficariam, praticamente, acéfalos, ou sem os órgãos vivos que deveriam exprimir a vontade do Estado. Dado, pois, esse caráter de necessidade, regularidade, legalidade da atividade do eleitor, para assegurar a continuidade do Estado, é impossível deixar de considerar o sufrágio como função pública, embora o eleitor não seja funcionário no sentido da atividade pessoal posta ao serviço do Estado, em forma permanente".

Partindo-se da substanciosa lição do publicista argentino, constata-se que o árbitro efetivamente exerce uma função pública, sendo extremamente útil à administração da Justiça e, por via reflexa, à própria pacificação social. [48] No entanto, essa função pública não guarda similitude com aquela prevista no art. 2º da Lei nº 8.429/92, já que esta última pressupõe a existência de uma relação jurídica de natureza funcional com as entidades elencadas no art. 1º da Lei de Improbidade.

Essa relação jurídica se caracteriza como um vínculo mantido entre o agente e o sujeito passivo do ato de improbidade, em que haja voluntariedade em sua origem e que verse sobre um objeto lícito. O árbitro, a exemplo do eleitor e do próprio autor de uma ação popular, exerce uma função pública, mas, por não possuir nenhum vínculo com a administração pública, não estará sujeito às cominações da Lei de Improbidade. De lege ferenda, é aconselhável que a incongruência detectada no art. 17 da Lei nº 9.307/96 seja remediada, com a conseqüente extensão aos árbitros, face à relevância social de sua atividade, do mesmo sistema a que estão sujeitos os demais agentes públicos.

3.2.2. Delegatários das Serventias do Registro Público

Em linhas gerais, os serviços notariais e de registro estão disciplinados na Lei nº 8.935/94, que regulamentou o art. 236 da Constituição da República. Trata-se de atividades delegadas que são desempenhadas por profissionais do direito, [49] dotados de fé pública, que, a depender da especificidade do serviço, recebem a designação de notário ou tabelião e oficial de registro ou registrador.

Tais atividades são prestadas em caráter privado, mas com estrita fiscalização do Poder que as delega [50], o que é derivação lógica de sua natureza e da importância que ostentam perante o organismo social. A delegação pressupõe, dentre outros requisitos, a prévia habilitação em concurso público de provas e títulos, [51] realizado pelo Poder Judiciário, com a participação, em todas as suas fases, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, de um notário e de um registrador. [52]

Para bem desempenhar suas atividades, "os notários e os oficiais de registro poderão, para o desempenho de suas funções, contratar escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho". [53]

Aos notários e registradores é atribuída a responsabilidade exclusiva de gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhes estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços. [54] Essa responsabilidade, no entanto, não exclui a possibilidade de fiscalização do Poder responsável pela delegação do serviço. [55]

Os notários e registradores responderão pelos danos que eles e seus prepostos causarem a terceiros. [56] No que concerne à responsabilidade criminal, é aplicável, no que couber, a legislação relativa aos crimes contra a administração pública. [57]

Objetivando obstar a influência de fatores exógenos no desempenho da atividade registral, a Lei nº 8.935/94 veicula uma série de incompatibilidades e impedimentos ao exercício da função: a) é incompatível com o exercício da advocacia, o da intermediação de seus serviços ou o de qualquer função, cargo ou emprego público, ainda que em comissão; b) com exceção do cargo de vereador, face à regra do art. 38, III, da Constituição da República, [58] a diplomação, na hipótese de mandato eletivo, e a posse, nos demais casos, implicarão no afastamento da atividade; e c) o notário e o registrador não poderão praticar, pessoalmente, qualquer ato de seu interesse, ou de interesse de seu cônjuge ou de parentes, na linha reta, ou na colateral, consangüíneos ou afins, até o terceiro grau. [59]

Os notários e registradores têm direito à percepção de emolumentos pelos atos praticados na serventia, [60] estando sujeitos a um extenso rol de deveres. [61]

Caso descumpram os deveres que lhes são impostos ou violem a norma proibitiva implícita no rol de infrações disciplinares, estarão sujeitos às sanções previstas em lei, [62] que variam de uma mera repreensão até a perda da delegação. [63] A perda da delegação dependerá de sentença judicial transitada em julgado ou de decisão decorrente de processo administrativo instaurado pelo juízo competente, [64] sendo admitido o afastamento cautelar do notário ou do registrador. [65]

Extinguir-se-á a delegação no caso de morte, aposentadoria facultativa, invalidez, renúncia, decretação de perda da delegação ou descumprimento da gratuidade prevista na Lei nº 9.534/97 (assentos do registro civil de nascimento e do de óbito, bem como a primeira certidão).

Na medida em que os notários e registradores exercem atividade delegada do Poder Público, com ele mantendo um vínculo contratual, são eles, a teor do art. 2º da Lei nº 8.429/92, sujeitos ativos em potencial dos atos de improbidade. Por tal razão, em praticando tais atos, estarão sujeitos às sanções cominadas no art. 12 do referido diploma legal. Como exemplos de atos de improbidade verificados no cotidiano desses agentes, podem ser mencionados a cobrança de emolumentos em valor superior ao tabelado, o não reconhecimento de direitos dos reconhecidamente pobres etc.

Igual entendimento, aliás, já foi exposto em relação às concessionárias e permissionárias de serviços públicos. A peculiaridade reside na circunstância de, diferentemente do que normalmente se verifica em relação às últimas, também aqueles que possuam algum vínculo com os notários e registradores (v.g.: seus empregados) podem ser sujeitos ativos dos atos de improbidade. Essa conclusão deflui da constatação de que os emolumentos percebidos pelas serventias possuem a natureza jurídica de taxa, espécie do gênero tributo. [66] Tratando-se de receita oriunda do exercício do poder de império estatal, sendo imposta a tantos quantos estejam obrigados a utilizar tais serviços essenciais, está ela enquadrada sob a epígrafe dos recursos públicos, o que permite a subsunção do notário ou do registrador ao disposto no art. 1º da Lei de Improbidade ("entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual").

À luz do exposto, notários e registradores, a um só tempo, poderão figurar como sujeitos ativos (isto sob a ótica do vinculo contratual mantido com o Poder Público) ou passivos imediatos (aqui em relação à sua condição de receptores de numerário de origem pública e do vínculo empregatício estabelecido com seus funcionários) dos atos de improbidade.

3.3. Servidores Públicos

Ainda sob a ótica da classificação dos sujeitos ativos dos atos de improbidade, servidores públicos são aqueles que, qualquer que seja o regime jurídico a que estejam submetidos, possuem um vínculo permanente com os entes estatais da administração direta ou indireta, desempenham funções próprias destes ou outras úteis à sua consecução e são remunerados por seus serviços, estando aqui incluídos os membros do Ministério Público, do Poder Judiciário e dos Tribunais de Contas.

Os servidores públicos podem ser subdivididos em duas categorias básicas: a dos servidores civis e a dos militares. A Constituição da República, em sua redação original, utilizava a nomenclatura "servidores públicos civis" e "servidores públicos militares". Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 18, de 5 de Fevereiro de 1998, a primeira categoria passou a ser denominada de "servidores públicos", [67] enquanto que à segunda foi dispensado o tratamento de "Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios". [68] De forma correlata a esta última categoria, possuem disciplina autônoma, mas com diversos pontos de contato, os militares das Forças Armadas mantidas pela União Federal (art. 142, § 3º, da CR/88).

É relevante observar que a alteração de ordem semântica introduzida pela EC nº 18 não tem o condão de alterar a natureza dos institutos. Assim, apesar de não mais serem intitulados de servidores públicos, os militares dos Estados, a exemplo daqueles que integram as Forças Armadas, devem ser considerados como tais, [69] pois prestam serviços de natureza eminentemente pública, possuem um vínculo funcional com os entes da federação e são remunerados por estes pela atividade desempenhada. O ingresso no serviço militar se dá por meio de recrutamento ou de concurso, sendo a carreira estruturada em patentes, para os oficiais, e graduacão, para as praças. O principal elemento que os diferencia dos servidores civis consiste na intensa e inafastável obediência à hierarquia e à disciplina.

3.3.1. Agentes de Fato

Não raro ocorrerá que determinadas atividades estatais venham a ser exercidas por agentes que não tenham ingressado no serviço público por uma investidura regular, o que exige seja identificado se estarão eles sujeitos aos ditames da Lei de Improbidade.

Como foi dito, em linha de princípio, somente os agentes que mantenham algum tipo de vínculo com as entidades enumeradas no art. 1º da Lei de Improbidade estarão sujeitos às suas prescrições. Para os fins dessa exposição, consideramos relação jurídica todo vínculo mantido entre o agente e o sujeito passivo do ato de improbidade, em que haja voluntariedade em sua origem e que verse sobre um objeto lícito.

Assim, os denominados agentes de fato, em contraposição aos agentes de direito, somente serão considerados agentes públicos (para os fins da Lei de Improbidade) quando assumirem tal posição por força de ato voluntário do ente lesado, tendo por fim a consecução, ainda que dissimulada, de um objeto lícito. Não sendo identificado um vínculo com o ente lesado, ter-se-á a possível configuração do crime de usurpação de função pública, [70] o qual sujeitará o agente a sanções outras que não aquelas previstas na Lei nº 8.429/92.

Os agentes de fato passíveis de praticar atos de improbidade (rectius: os que possuem algum tipo de vínculo) podem ser subdivididos em duas categorias: os agentes necessários e os putativos. São agentes necessários aqueles que, em colaboração e com a aquiescência do Poder Público, executam determinada atividade em situação excepcional (v.g.: calamidade pública, guerra etc.). Agentes putativos são todos aqueles que, embora não tenham sido investidos com estrita observância do procedimento previsto em lei, desempenham uma atividade pública com a presunção de legitimidade (v.g.: agente admitido em cargo efetivo sem a realização de concurso público etc.). [71]

3.4. Agentes meramente Particulares

Agentes meramente particulares são aqueles que não executam nenhuma função de natureza pública e mantém um vínculo com o ente recebedor de numerário público (ex.: sócio-quotista de empresa beneficiária de incentivos fiscais, empregado desta etc.). Estes últimos não realizam nenhuma atividade no âmbito dos denominados Poderes Estatais, não se submetem ao regime jurídico próprio dos servidores públicos, não estão sujeitos às limitações que alcançam àqueles (como as incompatibilidades, as inelegibilidades etc.), mas submetem-se à disciplina da Lei nº 8.429/92, naquilo que for compatível com sua situação.


4. Terceiros

De forma correlata à extensão conferida ao conceito de agente público pelo art. 2º da Lei nº 8.429/92, o que em muito alargou a sua esfera de incidência, também o extraneus que concorrer ou se beneficiar da prática ilícita estará sujeito às sanções cominadas ao ímprobo. Assim dispõe o art. 3º da Lei nº 8.429/92:

Art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

A análise do dispositivo demonstra que o particular somente estará sujeito às sanções cominadas "no que couber", o que deve ser entendido de forma a restringir as sanções àquelas compatíveis com a sua condição de extraneus, afastando a possibilidade de perda da função pública, o que já seria conseqüência da própria natureza das coisas, não do preceito legal.

No caso de enriquecimento ilícito, somente àquele que mantenha em seu poder os bens de origem ilegítima poderá ser aplicada a sanção de perda destes, o que também deflui da própria realidade e não do permissivo legal.

Tratando-se de agente público que tenha contribuído para o ato de improbidade praticado por outro, a aplicação das sanções haverá de ser integral. Releva dizer que, nesta última hipótese, a conduta do agente poderá assumir individualidade própria, pois também ele deve obediência aos vetores que delineiam a probidade administrativa, estando sujeito às sanções da Lei nº 8.429/92 independentemente de qualquer fórmula de adequação típica – contrariamente ao que ocorre com o extraneus, o qual somente é passível de sofrer tais sanções em sendo o ato praticado por um agente público.

A ação do terceiro pode se desenvolver em três ocasiões distintas, as quais são individualizadas a partir da identificação do momento de conformação do elemento subjetivo do agente público e da prática do ato de improbidade:

1º O terceiro desperta no agente público o interesse em praticar o ato de improbidade, induzindo-o a tanto. Induzir significa incutir, incitar, criando no agente o estado mental tendente à prática do ilícito (auxílio moral).

Situação diversa ocorre com a instigação, em que a intenção de praticar o ilícito preexistia à ação do terceiro, o qual se limita a estimular tal idéia. Tratando-se de vocábulos com conteúdo semântico distinto, o resultado da interpretação do preceito legal não pode ser extensivo, pois obrar em contrário ampliaria o alcance de norma que comina severas sanções ao agente, seara em que deve viger o princípio da legalidade estrita.

Em razão disto, aquele que tão-somente instiga o agente público não terá sua conduta subsumida ao art. 3º da Lei nº 8.429/92, não sendo demais lembrar, em reforço desta conclusão, que, no Direito Penal, os vocábulos são empregados em conjunto e veiculam significados diversos (ex.: art. 122 do CP – Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça).

2º O terceiro concorre para a prática do ato de improbidade, participação esta que pode consistir na divisão de tarefas com o agente público ou na mera prestação de auxílio material, o que importa em atividade secundária que visa a facilitar o atingimento do fim visado pelo agente (v.g.: o fornecimento de veículo para o transporte de bens e valores desviados do patrimônio público).

3º O terceiro não exerce qualquer influência sobre o animus do agente ou presta qualquer contribuição à prática do ato de improbidade, limitando-se em se beneficiar, de forma direta ou indireta, do produto do ilícito.

Assim, constatado que o terceiro tinha conhecimento da origem ilícita do benefício auferido [72] – pois a admissibilidade da responsabilidade objetiva, além de não ter amparo legal, em muito comprometeria a segurança das relações jurídicas – estará ele passível de sofrer as sanções cominadas no art. 12 da Lei nº 8.429/92.

O benefício pode ser direto ou indireto, conforme o terceiro tenha acesso direto ao produto do ilícito ou obtenha vantagens outras em razão de sua colaboração, ainda que por intermédio de interposta pessoa.

Além de ser imprescindível à identificação da responsabilidade do terceiro, a individualização das formas de participação contribuirá para a correta aferição da dosimetria da sanção que lhe será aplicável. Àquele que induz o agente público a praticar o ato de improbidade, concorre na divisão de tarefas e ainda se beneficia do produto do ilícito deve ser aplicada uma sanção mais severa do que àquele que tão-somente induziu o agente à prática do ato de improbidade.

O tráfico de influências, [73] infração penal que indica a solicitação, pelo sujeito ativo do crime, de vantagem pretensamente destinada ao agente público, somente configurará o ato de improbidade se houver efetivo induzimento deste à sua prática. Não havendo o induzimento, responderá o extraneus unicamente pelo ilícito penal.

É importante frisar, uma vez mais, que somente será possível falar em punição de terceiros em tendo sido o ato de improbidade praticado por um agente público, requisito este indispensável à incidência da Lei nº 8.429/92. Não sendo divisada a participação do agente público, estará o extraneus sujeito a sanções outras que não aquelas previstas nesse diploma legal.

4.1. Pessoas Jurídicas

Também as pessoas jurídicas poderão figurar como terceiros na prática dos atos de improbidade, o que será normalmente verificado com a incorporação ao seu patrimônio dos bens públicos desviados pelo ímprobo. Contrariamente ao que ocorre com o agente público, sujeito ativo dos atos de improbidade e que é necessariamente uma pessoa física, o art. 3º da Lei de Improbidade não faz qualquer distinção em relação aos terceiros, dispondo que "as disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público. ..", o que permite concluir que as pessoas jurídicas também estão incluídas sob tal epígrafe.

As pessoas jurídicas são sujeitos de direito, possuindo individualidade distinta das pessoas físicas que concorreram para a sua criação e, por via reflexa, personalidade jurídica própria. Verificando-se, verbi gratia, que determinado numerário de origem pública foi incorporado ao patrimônio de uma pessoa jurídica, estará ela sujeita às sanções previstas no art. 12 da Lei de Improbidade e que sejam compatíveis com as suas peculiaridades. Nesta linha, poderá sofrer as sanções de perda dos valores acrescidos ilicitamente ao seu patrimônio, multa civil, proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, bem como à reparação do dano causado, em estando presentes os requisitos necessários.

Observe-se, ainda, que, na maioria dos casos, será passível de utilização a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. [74] Isto ocorrerá sempre que a pessoa jurídica for desviada dos fins estabelecidos em seus atos constitutivos, servindo de instrumento à prática de atos ilícitos e buscando manter intangível o patrimônio de seus sócios, verdadeiros responsáveis e maiores beneficiários pelos ilícitos praticados. [75]

A desconsideração da personalidade jurídica fará com que os sócios, a exemplo da pessoa jurídica, também estejam legitimados a figurar no pólo passivo da relação processual, estando igualmente sujeitos às sanções previstas no art. 12 da Lei de Improbidade.


Epílogo

Recém-ingresso na puberdade, o microssistema de combate à improbidade, a exemplo de qualquer instituto jurídico em situação similar, ainda carece de um contorno mais preciso dos seus limites e potencialidades. Muito se avançou, mas igualmente muito se retrocedeu, o que permite divisar refutações futuras de entendimentos aparentemente sedimentados e aplausos a teses que pouco ou nenhum prestigio têm entre nós.

As noções de avanço e retrocesso, aliás, apresentam um colorido intensamente subjetivo. Em regra, estão associadas às posições ocupadas por seus respectivos defensores em uma relação processual cuja causa de pedir esteja relacionada à improbidade. Deixando de lado os destemperos sentimentais e o corporativismo daninho, o melhor a fazer é encontrar o equilíbrio e, nesse particular, deve ser devidamente sopesada a inegável insatisfação popular com séculos de desmando e impunidade no trato da res publica. Para tanto, espírito sereno e reflexão responsável são requisitos indispensáveis, evitando o surgimento de mal maior que aquele que buscamos combater.

Acompanhar essa vaga de fluxo e refluxo é um imperativo de "sobrevivência jurídica", evitando o culto à fantasia e a alienação da realidade. Contribuir com ela é contribuir para o evolver social e o constante aperfeiçoamento do Estado de Direito. Não obstante a pureza dos fins, bem sabemos que o distanciamento do óbvio afasta a calmaria e faz surgir a crítica veemente, cuja força não se dissipará ainda que a superficialidade esteja presente em cada uma de suas linhas. Afinal, quem defende o status quo, qualquer que seja ele, ainda que encontre opositores, sempre terá atrás de si uma plêiade de seguidores.

Obstáculos à parte, apresentamos nossas reflexões como contribuição ao debate e ao conseqüente delineamento dos ainda fluidos contornos da Lei de Improbidade.


NOTAS

1 As conclusões aqui sustentadas, em linhas gerais, acompanham aquelas que declinamos na primeira parte da obra intitulada Improbidade Administrativa, 2ª ed., Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2004, pp. 211/253.

2 Ver art. 12, § 3º, da Lei nº 4.320/92.

3 O agente público que autorizar o empréstimo deve exigir as garantias necessárias à salvaguarda do numerário emprestado, sob pena de sua conduta se subsumir ao disposto no artigo 10, VI, da Lei nº 8.429/92 (realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea).

4 De acordo com o artigo 70, parágrafo único, da CR/88, prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. Por força deste preceito constitucional e do art. 75 da CR/88, todas os responsáveis pelas entidades referidas no artigo 1º da Lei nº 8.429/92 têm o dever de prestar contas, inclusive aquelas que não integram a administração pública, mas tão-somente se beneficiam do dinheiro dos contribuintes. Trata-se de preceito salutar, cuja importância mereceu destaque no art. 15 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: A sociedade tem o direito a pedir conta a todo agente público de sua administração.

5 Egon Bockmann Moreira, "Terceiro Setor da Administração Pública. Organizações Sociais. Contrato de Gestão. Organizações sociais, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e seus ''vínculos contratuais'' com o Estado", in Revista de Direito Administrativo nº 227/312.

6 Art. 24, XXIV, da Lei nº 8.666/93, com a redação determinada pela Lei nº 9.648/98.

7 Art. 16. É vedada às entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público a participação em campanhas de interesse político-partidário ou eleitorais, sob quaisquer meios ou formas.

8 Manual de Direito Administrativo, 7ª ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001, p. 278.

9 Art. 14 da Lei nº 9.790/99.

10 Art. 2º da Lei nº 8.429/92.

11 Ver art. 28 da LC nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal).

12 O substantivo sindicato deriva de sundike, termo oriundo do grego e que significa procurador.

13 Art. 8º, I, da CR/88.

14 Art. 558 da CLT. O STF decidiu que esse preceito foi em parte recepcionado pela Constituição de 1988, o que exige a efetivação, no âmbito do Ministério do Trabalho, do respectivo registro sindical. Segundo a Corte, enquanto não editada a lei a que se refere o art. 8º, I, "... a função de salvaguarda da unidade sindical induz a sediar, "si et in quantum", a competência para o registro das entidades sindicais no Ministério do Trabalho, detentor das informações imprescindíveis ao seu desempenho. 5. O temor compreencível - subjacente à manifestação dos que se opõem à solução-, de que o hábito vicioso dos tempos passados tenda a persistir, na tentativa, consciente ou não, de fazer da competência para o ato formal e vinculado do registro, pretexto para a sobrevivência do controle ministerial asfixiante sobre a organização sindical, que a Constituição quer proscrever - enquanto não optar o legislador por disciplina nova do registro sindical -, há de ser obviado pelo controle jurisdicional da ilegalidade e do abuso de poder, incluída a omissão ou o retardamento indevidos da autoridade competente." (Pleno, MI nº 1.448, rel. Min. Sepúlveda Pertence).

15 Direito Tributário Brasileiro, 10ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1991, p. 641.

16 Art. 217, I, do CTN.

17 "Competência. Ação de cumprimento. Acordo ou convenção. Contribuição sindical. A competência cometida à Justiça do Trabalho pela Lei nº 8.984/95 é restrita ao dissídio que tenha origem no cumprimento de convenção ou acordo coletivo, não se podendo ampliá-la, em ordem a alcançar a cobrança de contribuição sindical estabelecida em lei. Competência da Justiça Comum. Cumulação inadmitida de pedidos. Aplicação quanto ao ponto do princípio da Súmula nº 170-STJ. Embargos de declaração parcialmente recebidos, implicando a integração a modificação do julgado". (STJ, 2ª Seção, ED no CC nº 17.765/MG, rel. Min. Costa Leite, j. em 13/08/1997, DJ de 03/08/1998).

18 Art. 592, § 1º, da CLT.

19 Arts. 551 e 553 da CLT.

20 O Supremo Tribunal Federal há muito reconheceu a natureza autárquica desses conselhos: "Mandado de segurança: recurso ordinário constitucional (CF, art. 102, II, ''a''): devolução ao STF, a exemplo da apelação (CPC, 515 e parágrafos), do conhecimento de toda a matéria impugnada, que pode abranger todas as questões suscitadas e discutidas no processo de natureza constitucional ou não e ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro. 2. Autarquias de fiscalização profissional: supervisão ministerial (DL 968/69). Enquanto se mantenha a autarquia profissional no exercício regular de suas atividades finalísticas, carece o Ministro do Trabalho de competência tutelar, seja para decidir, em grau de recurso hierárquico, posto que impróprio, sobre as decisões concretas da entidade corporativa, seja para dar-lhe instruções normativas sobre como resolver determinada questão jurídica de sua alçada. 3. Administração de imóvel: prestação de serviço, cuja inclusão no âmbito profissional dos técnicos de administração depende do exame de circunstâncias do caso concreto". (STF, Pleno, RMS nº 20.976/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 07/12/1989, DJ de 16/02/1990, p. 928). Observe-se, no entanto, que a Lei nº 8.906/94, que "dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil", em seu art. 44, reza que "a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade...".

21 Pleno, MS nº 21.797-9, j. em 09/03/2000.

22 A Lei nº 9.649/98 foi expressamente revogada pelo art. 57 da Medida Provisória nº 103, de 1º de Janeiro de 2003, convertida na Lei nº 10.683, de 28 de Maio de 2003, que traçou nova disciplina na organização da Presidência da República e dos Ministérios.

23 "Direito Constitucional e Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade do art. 58 e seus parágrafos da Lei Federal nº 9.649, de 27.05.1998, que tratam dos serviços de fiscalização de profissões regulamentadas. 1. Estando prejudicada a ação, quanto ao § 3o do art. 58 da lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a ação direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos parágrafos 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime." (STF, Pleno, ADI nº 1.717/DF, rel. Min. Sydney Sanches).

24 Art. 150, VI, a e § 2º, da CR/88.

25 TCU, Recurso de Reconsideração TC-625.243/96-0, rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, j. em 08/05/2001, BDA de maio de 2002, p. 418.

26 Art. 1º da Lei nº 9.096/95. Segundo o art. 17, § 2º, da CR/88, "os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral".

27 O art. 38 da Lei nº 9.096/95, que trata da constituição do Fundo Partidário, possui a seguinte redação: "O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) é constituído por: I- multas e penalidades pecuniárias aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis conexas; II- recursos financeiros que lhe forem destinados por lei, em caráter permanente ou eventual; III- doações de pessoa física ou jurídica, efetuadas por intermédio de depósitos bancários diretamente na conta do Fundo Partidário; IV- dotações orçamentárias da União em valor nunca inferior, cada ano, ao número de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orçamentária, multiplicados por trinta e cinco centavos de real, em valores de agosto de 1995".

28 Art. 40 da Lei nº 9.096/95

29 Art. 13 da Lei nº 9.096/95: "Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles".

30 Art. 41 da Lei nº 9.096/95.

31 O art. 44 da Lei nº 9.096/95 tem a seguinte redação: "Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados: I - na manutenção das sedes e serviços do partido, permitido o pagamento de pessoal, a qualquer título, este último até o limite máximo de vinte por cento do total recebido; II - na propaganda doutrinária e política; III - no alistamento e campanhas eleitorais; IV - na criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, sendo esta aplicação de, no mínimo, vinte por cento do total recebido. § 1° - Na prestação de contas dos órgãos de direção partidária de qualquer nível devem ser discriminadas as despesas realizadas com recursos do Fundo Partidário, de modo a permitir o controle da Justiça sobre o cumprimento do disposto nos incisos l e IV deste artigo. § 2° - A Justiça Eleitoral pode, a qualquer tempo, investigar sobre a aplicação de recursos oriundos do Fundo Partidário. § 3º - Os recursos de que trata este artigo não estão sujeitos ao regime da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993."

32 "Administrativo. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Responsabilidade solidária do gestor público. Responde pelos prejuízos causados ao erário, solidariamente, tanto o servidor, beneficiado pela irregularidade, como o Prefeito Municipal, na qualidade de gestor dos gastos públicos, tendo conhecimento do ato ilegal, causador do dano sujeito a reparação. Sentença parcialmente reformada. Apelação provida." (TJRS, 3ª CC, AP nº 598331445, rel. Des. Luiz Ari Azambuja Ramos, j. em 11/3/1999). O art. 70, § 4º, da CR/88 tem o seguinte teor: "Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária".

33 Para Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 19ª ed., São Paulo: Malheiros, 1993, p. 69), os membros do Ministério Público, do Poder Judiciário e dos Tribunais de Contas, por atuarem com independência funcional, também são agentes políticos. Este enquadramento é combatido, dentre outros, por Maria Sylvia Zanella di Pietro (Direito Administrativo, 4ª ed., São Paulo: Editora Atlas, 1994, p. 353), Celso Antonio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 1994, p. 123) e Carvalho Filho (op. cit., p. 448), os quais restringem o conceito de agentes públicos à concepção de governo e função política, implicando capacidade de fixação de metas, diretrizes e planos governamentais, com o que concordamos.

34 Na Reclamação nº 2.138/02, sendo relator o Ministro Nélson Jobim, o julgamento foi suspenso, em 20/11/2002, por força do pedido de vista do Ministro Carlos Velloso, após o voto do relator, que deferira a liminar, e de outros quatro Ministros que acolhiam a tese: Ellen Grace, Gilmar Ferreira Mendes, Maurício Corrêa e Ilmar Galvão. Os dois últimos se aposentaram e ainda restam seis votos a serem colhidos. Essa reclamação buscava desconstituir os efeitos do acórdão de Tribunal Regional Federal que, confirmando decisão do juízo singular, condenou Ministros de Estado nas sanções da Lei de Improbidade por terem utilizado aviões da FAB para desfrutar momentos de lazer em Fernando de Noronha. Esse julgamento foi televisionado, ao vivo, pela TV Justiça. Em seu voto, dentre outras preciosidades, afirmou o Ministro Nélson Jobim que não havia o mínimo problema em um agente público utilizar o avião da FAB para o seu lazer pessoal, pois o desgaste do avião seria o mesmo no céu ou na terra(!?). Cumpre observar, ainda, que inúmeras outras reclamações tramitam na Suprema Corte, todas com o objetivo de eximir agentes públicos das conseqüências dos atos de improbidade que praticaram, v.g.: 2.186 (rel. Min. Gilmar Mendes, que deferiu a liminar) e 2.207, 2.208, 2.225 e 2.230, as últimas com o indeferimento da liminar.

35 "El enfrentamiento y discusión política se traslada de la sede parlamentaria a los tribunales y, por ende, a la opinión pública a través de los medios de comunicación. Pero, sobre todo se confunden dos conceptos radicalmente diferentes: la responsabilidad política y la penal. El segundo es uma responsabilidad subjetiva, por culpa o dolo, y la primera es uma responsabilidad objetiva que además de culpa y dolo incluye la responsabilidad in vigilando e in eligendo. El proceso de exigencia es diferente, la responsabilidad penal requiere la fijación nítida y firme de los hechos hasta conducir a un convencimiento judicial de la culpabilidad, mientras que la responsabilidad política requiere sólo el convencimiento político-moral de tal culpabilidad. El parámetro de juicio es diverso, el de la responsabilidad judicial es el ordenamiento jurídico penal (que incluye únicamente las conductas que merecen el máximo desvalor por parte de la sociedad), mientras que em la política el parámetro de juicio es un código de conducta más vinculado a la moral y ética públicas. En fin, tras esta construcción subyace una identificación absolutamente inaceptable y que no resiste el más mínimo juicio desde una perspectiva democrática: la identificación entre inocencia política e inocencia penal. Esta identificación lleva a la aberrante conclusión de que los responsables políticos pueden desempeñar su cargo como quieran siempre que sus conductas no signifiquen la comisión de un delito" (Rafael Bastos Gisbert, "La Corrupción de los Gobernantes: responsabilidad política y responsabilidad penal, in La Corrupción: aspectos jurídicos y económicos, org. por Eduardo A. Fabián Caparrós, Salamanca: Ratio Legis, 2000, p. 37)

36 A Lei nº 9.608/98 procurou regulamentar o serviço voluntário, tendo-o conceituado como a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou instituição privada para fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social (art. 1º), não gerando vínculo empregatício (art. 1º, parágrafo único) e tendo como pressuposto a celebração de termo de adesão (art. 2º). Acresça-se, ainda, que a lei prevê a possibilidade de ressarcimento das despesas efetuadas (art. 3º). A Lei nº 10.029/00 estabeleceu as normas gerais para a prestação voluntária de serviços administrativos e de serviços auxiliares de saúde e de defesa civil nas Polícias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares. Em linhas gerais, autorizou os Estados e o Distrito Federal a organizar tais atividades (art. 1º) e estatuiu que: a prestação dos serviços terá duração de até um ano, prorrogável, no máximo, por igual período (art. 2º); os voluntários devem ter entre dezoito e vinte e três anos de idade (art. 3º); os Estados e o Distrito Federal estabelecerão os demais requisitos exigidos (art. 4º); os voluntários receberão um auxílio mensal de natureza indenizatória, que não excederá dois salários mínimos e a prestação voluntária dos serviços não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista, previdenciária ou afim (art. 6º).

37 Os membros dos Conselhos Tutelares, remunerados ou não, em razão do vínculo de natureza temporária que mantém com a municipalidade, podem praticar atos de improbidade. A respeito, o TJRS já decidiu da seguinte forma: "Embargos infringentes. Ação civil pública. Conselheiro Tutelar. Inidoneidade moral. Perda do cargo. Para a configuração da improbidade administrativa do réu, deve ser atribuído o mesmo valor à palavra da vítima conferido aos crimes sexuais, porque o ato imputado é a prática de relação sexual com uma menor que buscava atendimento no Conselho Tutelar. O relato minucioso, detalhado e uniforme da adolescente no tocante ao ato, sem contradição nos pontos essenciais, assume relevante valor probante e autoriza a procedência da ação intentada pelo Ministério Público, porque em sintonia com os outros elementos de prova. Exclusão do embargante dos quadros do Conselho Tutelar confirmada. Embargos infringentes desacolhidos" (TJRS, 4º Grupo de Câmaras Cíveis, EI nº 70001523257, rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, j. em 10/8/2001).

38 Ob. cit. p. 449.

39 Ob. cit. p. 71.

40 Improbidade Administrativa, Reflexões sobre a Lei nº 8.429/92, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002, pp. 08/10.

41 Vide arts. 1037 usque 1048.

42STF, Pleno, AGREG SE nº 5.206, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 12/12/2001, Inf. nº 254.

43Apesar de não integrarem o Poder Judiciário, as sentenças proferidas pelos árbitros constituem títulos executivos judiciais (art. 584, III, do CPC, com a redação dada pela Lei nº 9.307/96), o que, não obstante o designativo utilizado, é mera conseqüência da impossibilidade de serem revistas por um órgão jurisdicional e de sua correlata definitividade.

44Art. 13, § 6º, da Lei nº 9.307/96.

45Art. 14, caput, da Lei nº 9.307/96.

46Art. 14, § 1º, da Lei nº 9.307/96.

47"A Ação Popular e o Poder Discricionário da Administração" (RF 157/34, 1955)

48Parece ser neste sentido que Eduardo Couture (Fundamentos del Derecho Procesal Civil, Buenos Aires: Aniceto Lopez, 1942, p. 30) afirmava que o cidadão, ao ajuizar uma ação, desempenhava uma função pública, pois, com ela, buscava a vigência efetiva do direito.

49Excepcionalmente, a atividade pode ser desempenhada por "não bacharéis em direito que tenham completado, até a data da primeira publicação do edital do concurso de provas e títulos, dez anos de exercício em serviço notarial ou de registro" (art. 15, § 2º, da Lei nº 8.935/94).

50Ver arts. 37 e 38 da Lei nº 8.935/94. Ao juízo competente, a teor do art. 4º, caput, da Lei nº 8.935/94, cabe fixar os dias e horários de prestação dos serviços notariais e de registro.

51 Art. 14, I, da Lei nº 8.935/94. O STF já decidiu ser inconstitucional a norma que permita a obtenção de delegações efetivas sem concurso público: Pleno, ADIMC nº 2.379/MG, rel. Min. Ellen Gracie, j. em 06/06/2002, DJ de 13/12/2002, p. 059.

52Art. 15 da Lei nº 8.935/94.

53Art. 20 da Lei nº 8.935/94.

54Art. 21 da Lei nº 8.935/94.

55 "Recurso extraordinário. Mandado de segurança. Provimento n.º 8/95, de 24 de março de 1995, do Desembargador Corregedor-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. 2. Alegação de que o ato impugnado contraria a Lei n.º 8.935, ao declarar que este diploma atribuía ''a fiscalização dos serviços notariais'' ao Poder Judiciário, quando a competência a ele reservada restringe-se exclusivamente aos atos não ao serviço, enquanto estrutura administrativa e organizacional. 3. Sustentação da necessidade da distinção entre fiscalização dos atos notariais, que constitui atribuição natural do poder concedente, exercida por intermédio do Poder Judiciário, e a fiscalização administrativa, interna. 4. Transformação constitucional do sistema, no que concerne à execução dos serviços públicos notariais e de registro, não alcançou a extensão inicialmente pretendida, mantendo-se, em conseqüência, o Poder Judiciário no controle do sistema. A execução, modo privato, de serviço público não lhe retira essa conotação específica. 5. Não há de se ter como ofendido o art. 236 da Lei Maior, que se compõe também de parágrafos a integrarem o conjunto das normas notariais e de registro, estando consignada no § 1º, in fine, do art. 236, a fiscalização pelo Poder Judiciário dos atos dos notários e titulares de registro. 6. Recurso extraordinário não conhecido" (STF, Pleno, RE nº 255.124/RS, rel. Min. Néri da Silveira, j. em 11/04/2002, DJ de 08/11/2002, p. 26).

56 Art. 22 da Lei nº 8.935/94. Sobre a responsabilidade do Estado pelos ilícitos praticados pelos notários e registradores, assim se pronunciou o Supremo Tribunal Federal: "1. Os cargos notariais são criados por lei, providos mediante concurso público e os atos de seus agentes, sujeitos à fiscalização estatal, são dotados de fé pública, prerrogativa esta inerente à idéia de poder delegado pelo Estado. 2. Legitimidade passiva "ad causam" do Estado. Princípio da responsabilidade. Aplicação. Ato praticado pelo agente delegado. Legitimidade passiva do Estado na relação jurídica processual, em face da responsabilidade objetiva da Administração. Recurso extraordinário conhecido e provido" (STF, 2ª T., RE nº 212.724/MG, rel. Min. Maurício Corrêa); e "Natureza estatal das atividades exercidas pelos serventuários titulares de cartórios e registros extrajudiciais, exercidas em caráter privado, por delegação do Poder Público. Responsabilidade objetiva do Estado pelos danos praticados a terceiros por esses servidores no exercício de tais funções, assegurado o direito de regresso contra o notário, nos casos de dolo ou culpa (C.F., art. 37, § 6º). II. - Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido" (2ª T., AGREGRE nº 209.354/PR, rel. Min. Carlos Velloso, j. em 02/03/1999, DJ de 16/04/1999, p. 19). Em outra oportunidade, interpretando o art. 37, § 6º, da Constituição da República, a Corte reconheceu a responsabilidade objetiva de notário por ilícito praticado no exercício de sua função: "Responde o Estado pelos danos causados em razão de reconhecimento de firma considerada assinatura falsa. Em se tratando de atividade cartorária exercida à luz do artigo 236 da Constituição Federal, a responsabilidade objetiva é do notário, no que assume posição semelhante à das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos - § 6º do artigo 37 também da Carta da República" (STF, RE nº 201.595/SP, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 28/11/2000, DJ de 20/04/2001, p. 138).

57 Art. 24 da Lei nº 8.935/94. Antes mesmo da promulgação desse diploma legal, o STF já decidira da seguinte forma: "I. Funcionário público para efeitos penais (CP, art. 327): titulares e auxiliares de tabelionatos e ofícios de registro: caracterização não afetada pelo art. 236 da Constituição. O art. 236 da Constituição - ao dispor que os serviços notariais e de registro serão exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público -, não lhes afetou, mas antes lhes confirmou a publicidade da natureza, do qual resulta a consideração do seu pessoal como funcionários públicos, para efeitos penais, ainda que não para outros efeitos. II. Recurso extraordinário: descabimento, pela letra "c"; afirmação de validade de ato normativo local desnecessária à conclusão do julgado. Não se conhece de RE pela letra "c", quando o ato normativo local contestado, mas que se afirmou recebido pela Constituição, não é fundamento necessário do acórdão recorrido" (1ª T., RE nº 141.347/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 11/02/1992, DJ de 10/04/1992, p. 4.800).

58 STF, Pleno, ADIMC nº 1531/UF, rel. Min. Sydney Sanches, j.em 24/06/1999, DJ de 14/12/2001, p. 022.

59 Arts. 25 usque 27 da Lei nº 8.935/94.

60 À luz da competência concorrente prevista no 24, II e da norma geral do art. 236, § 2º, ambos da Constituição da República, pode o Estado-membro dispor sobre isenção do pagamento de emolumentos, fazendo-o relativamente ao registro de atos constitutivos de entidades beneficientes de assistência social declaradas de utilidade pública (STF, Pleno, ADIMC nº 1.624/MG, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 25/06/1997, DJ de 14/12/2001, p. 022).

61 "Art. 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro: I - manter em ordem os livros, papéis e documentos de sua serventia, guardando-os em locais seguros; II - atender as partes com eficiência, urbanidade e presteza; III - atender prioritariamente as requisições de papéis, documentos, informações ou providências que lhes forem solicitadas pelas autoridades judiciárias ou administrativas para a defesa das pessoas jurídicas de direito público em juízo; IV - manter em arquivo as leis, regulamentos, resoluções, provimentos, regimentos, ordens de serviço e quaisquer outros atos que digam respeito à sua atividade; V - proceder de forma a dignificar a função exercida, tanto nas atividades profissionais como na vida privada; VI - guardar sigilo sobre a documentação e os assuntos de natureza reservada de que tenham conhecimento em razão do exercício de sua profissão; VII - afixar em local visível, de fácil leitura e acesso ao público, as tabelas de emolumentos em vigor; VIII - observar os emolumentos fixados para a prática dos atos do seu ofício; IX - dar recibo dos emolumentos percebidos; X - observar os prazos legais fixados para a prática dos atos do seu ofício; XI - fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar; XII - facilitar, por todos os meios, o acesso à documentação existente às pessoas legalmente habilitadas; XIII - encaminhar ao juízo competente as dúvidas levantadas pelos interessados, obedecida a sistemática processual fixada pela legislação respectiva; XIV - observar as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente".

62 "Art. 31. São infrações disciplinares que sujeitam os notários e os oficiais de registro às penalidades previstas nesta lei: I - a inobservância das prescrições legais ou normativas; II - a conduta atentatória às instituições notariais e de registro; III - a cobrança indevida ou excessiva de emolumentos, ainda que sob a alegação de urgência; IV - a violação do sigilo profissional; V - o descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30".

63 Art. 32 da Lei nº 8.935/94.

54 Art. 35 da Lei nº 8.935/94.

65 Arts. 35, § 1º e 36 da Lei nº 8.935/94.

66 A natureza tributária dos emolumentos já foi reconhecida pelo STF: "Destinação de custas e emolumentos a finalidades incompatíveis com a sua natureza tributária. Qualificando-se as custas judiciais e os emolumentos extrajudiciais como taxas (RTJ 141/430), nada pode justificar seja o produto de sua arrecadação afetado ao custeio de serviços públicos diversos daqueles a cuja remuneração tais valores se destinam especificamente (pois, nessa hipótese, a função constitucional da taxa - que é tributo vinculado - restaria descaracterizada) ou, então, à satisfação das necessidades financeiras ou à realização dos objetivos sociais de entidades meramente privadas, É que, em tal situação, a própria finalidade institucional do tributo, sem se mencionar o fato de que esse privilégio (e inaceitável) tratamento dispensado a simples instituições particulares (Associação de Magistrados e Caixas de Assistência dos Advogados) importaria em evidente transgressão estatal ao postulado constitucional da igualdade. Precedentes" (Pleno, ADI nº 1.378-5, rel. Min. Celso de Mello).

67 Arts. 39 a 41 da CR/88.

68 Art. 42 da CR/88. Este dispositivo encontra-se inserido no Capítulo VII, Título II, da Constituição da República, cuja epígrafe é: "Da Administração Pública".

69 A possibilidade de os servidores militares praticarem atos de improbidade não passou despercebida ao legislador ordinário, o qual, ao disciplinar a representação que veiculasse atos de improbidade, dispôs, no art. 14, § 3º, da Lei nº 8.429/92 que: Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a imediata apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será processada na forma prevista nos arts. 148 e 182 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e, em se tratando de servidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos disciplinares (destaque nosso).

70 Art. 328 do CP.

71 No mesmo sentido, Rafael Bielsa, Derecho Administrativo, tomo III, 6ª ed., Buenos Aires: Laley, 1964, p. 46. Nas palavras do publicista argentino, para que seja reconhecida a condição de "funcionario de hecho, es necesario que haya: 1º, una función legal; 2º que quien la ejerce no tenga el cargo asignado legalmente (según nuestro sistema, podemos decir designado constitucionalmente); 3º, que el ejercicio de esa función tenga una presunción general de legitimidad".

72 Em que pese o caráter excepcional, é possível que uma empresa, que sequer esteja participando de um procedimento licitatório, corrompa um agente público para que prejudique uma das empresas concorrentes, culminando em fazer com que outra, que ignora o embuste, saia vencedora do certame. Aqui, resulta claro que terceiro se beneficiou do ato de improbidade praticado pelo agente público, mas nem por isso estará a empresa vencedora sujeita aos preceitos da Lei de Improbidade, pois ausente um elemento fundamental à sua punição: o dolo.

73 Ver art. 332 do CP, com a redação determinada pela Lei nº 9.127/95.

74 Também denominada de disregard theory ou disregard of the legal entity ou mesmo pela expressão lifting the corporate veil (erguendo o véu da pessoa jurídica).

75 O art. 28 da Lei nº 8.078/90 (CDC), de forma expressa, autoriza o juiz a desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando houver prejuízo para o consumidor em razão de abuso de direito, excesso de poder, ato ilícito etc. É importante frisar que este preceito não deve ser concebido como elemento criador de regramento inovador, pois apenas materializa o princípio da boa-fé e coíbe o abuso de direito, culminando em romper as barreiras erigidas por sobre atos fraudulentos, o


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Emerson. Sujeitos dos atos de improbidade: reflexões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 715, 20 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6912. Acesso em: 26 abr. 2024.