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Direitos autorais de execução pública musical

Direitos autorais de execução pública musical

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Não são raras as contestações judiciais à mecânica da gestão coletiva de direitos autorais sobre obras musicais, mormente no que diz respeito ao papel desempenhado pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição.

Sumário: 1- Introdução. 2- Direitos Autorais. 2.1- Conceito. 2.2- Fundamento Constitucional. 2.3- Interpretação (concretização) do inciso XXVII e XXVIII, do art. 5o, da CF/88. 2.4- Fundamento Infraconstitucional. 3- Direito autoral de execução pública musical. 4- A legitimidade do ECAD. 5- Conclusão. 6- Bibliografia.


1 – Introdução

            A análise do tema proposto é hoje questão de ordem para os estudiosos da propriedade intelectual, quiçá mesmo o mais discutido dentre todos aqueles que habitam a seara específica do direito autoral, pois compreende a análise de todo o sistema de representatividade que envolve quatro personalidades jurídicas distintas, a saber, o titular de direitos de autor e conexos, as associações de gestão coletiva dos direitos autorais, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD e, por fim, o usuário da obra musical.

            Analisar do ponto de vista jurídico a legalidade desse sistema de representatividade, bem como a juridicidade da mecânica de arrecadação e distribuição (1) é, na verdade, contribuir para a solidificação da sistemática hoje vigente, devidamente posta pela Constituição Federal e pela Lei de Direitos Autorais, que tem passado por uma profunda crise de legitimidade perante a sociedade brasileira.

            Com efeito, não são raras as contestações judiciais à mecânica da gestão coletiva, mormente no que diz respeito ao papel desempenhado pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, criado pela Lei 5.988, de 14 de dezembro de 1973 e mantido pelo novo diploma autoral de 1998.

            Trata-se de uma sociedade civil importante no cenário da economia nacional, administradora de grandes e importantes interesses, já que a Lei de Regência Autoral (2) conferiu-lhe a exclusividade de arrecadar e distribuir no território brasileiro toda a importância econômica a título de direitos autorais de execução pública musical.

            Somente no ano de 2001, o ECAD arrecadou cerca de R$ 150.000.000 (cento e cinqüenta milhões de reais) (3) apenas na área da execução pública musical, sendo que, as previsões indicam no sentido de aumentos significativos na arrecadação, aproximando o Brasil de patamares internacionais.

            Não obstante as previsões otimistas, o Brasil ainda engatinha na área da gestão coletiva se comparado com nações desenvolvidas como os Estados Unidos, por exemplo, cuja arrecadação no ano de 2000 somou a considerável quantia de US$ 1.000.000.000,00 (hum bilhão de dólares) (4).

            A realidade é que a mecânica da gestão coletiva de direitos autorais no país carece de estudos científicos autorizados, que sustentem juridicamente o sistema vigente.

            Analisar, pois, os institutos jurídicos que sustentam a organização dos direitos autorais de execução pública musical no Brasil é contribuir para a solidificação não só do direito autoral no país, mas, em última instância, da própria criação intelectual aplicada à música, sem dúvida alguma, um dos maiores patrimônios de nossa multivariada cultura nacional, fator de suma relevância para o desenvolvimento social da nação.


2 – Direitos Autorais

            2.1 – Conceito.

            Espécie do gênero da propriedade intelectual, o direito autoral pode ser conceituado como um "domínio tendo por objeto um bem intelectual e que devido à dupla natureza pessoal e patrimonial, abrange no seu conteúdo faculdades de ordem pessoal e faculdades de ordem patrimonial" (5).

            José de Oliveira Ascenção adverte que a expressão "direito autoral" contém tanto os direitos de autor como os direitos conexos, querendo, portanto, explicitar que as expressões "direito autoral" e "direitos de autor" não são sinônimas, mas a última compõe a primeira, ao lado dos chamados direitos "vizinhos" ou conexos aos de autor (6).

            Direito de autor, seria, no seu entendimento, o ramo da ordem jurídica que disciplina a atribuição de direitos relativos a obras literárias e artísticas, enquanto que o direito conexo, tecnicamente, seria aquele pertinente aos artistas, intérpretes, músicos executantes, produtores de fonogramas e das entidades de radioteledifusão (7).

            A nova lei de direitos autorais (8) explicita em seu artigo primeiro que "esta lei regula os direitos autorais, entendendo-se sob esta denominação os direitos de autor e os que lhes são conexos."

            Quanto aos direitos de autor, a novel legislação segue os mesmos passos da legislação revogada (9) ao indicar a sua natureza jurídica "sui generis": compõe-se de direitos de natureza moral e patrimonial (10).

            Dos direitos conexos, cuidou o artigo 89, afirmando que são aqueles que pertencem aos artistas intérpretes ou executantes, aos produtores fonográficos e às empresas de radiodifusão (11).

            Direito autoral é, portanto, o conjunto de faculdades e prerrogativas que pertencem aos criadores das obras intelectuais protegidas pela Lei de Direitos Autorais (12), bem como aos artistas intérpretes ou executantes, produtores fonográficos e empresas de radiodifusão.

            Como afirmado, o direito autoral é considerado "sui generis" pela doutrina porque é composto por uma vertente moral e outra patrimonial, sendo certo que, como direito subjetivo patrimonial (13), é tecnicamente um direito de propriedade – intelectual, especificamente –, portanto, trata-se de direito real, a encontrar guarida no art. 1.225, I, do Novo Diploma Civil (14).

            Já quanto ao seu aspecto moral, a doutrina o considera como parte integrante do rol dos direitos da personalidade, caracterizados por serem inerentes ao indivíduo, como pressuposto da sua própria condição humana (15).

            2.2 – Fundamento Constitucional

            A nova ordem jurídica instaurada pela promulgação da Constituição Federal de 1988 promoveu a chamada constitucionalização do direito civil (16), para não dizer do próprio direito privado (17), ocasionando profundas alterações paradigmáticas no que diz respeito ao seu processo interpretativo.

            De fato, a crise axiológica em que se encontrava o Diploma Civil de 1916 - fruto de ideais liberais burgueses do final do século XVIII (18) -, foi devidamente sepultada pelos novos valores trazidos pela Carta de 1988.

            Ao mesmo tempo em que a dignidade da pessoa humana foi alçada ao patamar da intocabilidade, o patrimônio rebaixou-se ao posto que de há muito já lhe cabia, pelo que o texto constitucional privilegiou expressamente as relações existenciais em detrimento daquelas de caráter patrimonial.

            Perlingieri afirma que compete ao direito positivo – incluído aí a Constituição -, não apenas a regulamentação da vida em sociedade, mas, sobretudo, cabe-lhe a função de promover o adequado desenvolvimento dessa sociedade à luz dos valores consubstanciados em seu texto (19).

            Trata-se da verdadeira expressão do Novo Direito Constitucional (20), nitidamente preocupado com as relações envolvendo o Estado e os Indivíduos, principalmente no que diz respeito à efetividade dos direitos fundamentais (21).

            Não é por outro motivo que, após a promulgação da nossa Constituição de 1988, inúmeras legislações especiais foram editadas (22), com o claro propósito de funcionalizar as situações jurídicas patrimoniais àquelas não-patrimoniais.

            Analisando o processo de constitucionalização do direito civil, Gustavo Tepedino enumera três conquistas significativas (23) para o Direito Privado contemporâneo, a saber:

            a)descobriu-se o significado relativo e histórico dos conceitos jurídicos, antes vistos como neutros e absolutos;

            b)Superou-se a rígida dicotomia entre o direito público e o direito privado;

            c)A absorção definitiva, pelo Texto Constitucional, dos valores que presidem a iniciativa econômica privada, a família, a propriedade e demais institutos do direito civil, demonstrando que tais matérias não se circunscrevem mais apenas ao reduto privatístico, inserindo-se definitivamente na ordem pública constitucional.

            Como conseqüência direta dessas conquistas, pode-se apontar a inauguração de um novo processo interpretativo para as normas integrantes do chamado novo direito civil, ou direito civil contemporâneo, cuja fundamentação primeira habita o seguro espaço jurídico abrangido pela Constituição da República.

            Sendo assim, toda norma infraconstitucional que se pretenda válida e eficaz deverá ser analisada à luz da normativa constitucional, seja pelo devido respeito hierárquico (24), seja porque toda a tábua axiológica do nosso ordenamento jurídico encontra guarida especial na Carta Republicana de 1988, donde ser ela fonte principiológica e norte interpretativo precípuo do ordenamento jurídico brasileiro.

            Quer-se, com isso, dizer que todo o direito civil, assim como os demais ramos do direito, deverão ser relidos à luz dos princípios positivados no texto da Constituição de 1988 (25), principalmente aqueles considerados como os direitos fundamentais do cidadão (26), uma vez que, positivados e insertos definitivamente no corpo constitucional, possuem plena eficácia normativa, irradiando, portanto, sua eficácia vinculante tanto aos demais dispositivos infraconstitucionais, como também, em sua ausência, regulamentando de forma imediata as relações jurídicas que se lhe subsumirem (27).

            A teoria material da constituição (28), vigente no novo direito constitucional, traz consigo a Nova Hermenêutica (29), a compreender a Constituição como direito (30), e não como meramente lei, libertando-a, pois, do positivismo legalista e de seus silogismos e dedutivismos que embargavam a sua eficácia normativa e "a confinavam, pelo seu teor principial, ao espaço da programaticidade destituída de juridicidade." (31)

            Conferindo-se-lhe, então, eficácia normativa - porque compreendida como direito e não mais como lei -, o novo Direito Constitucional e a Nova Hermenêutica dão o teor prático da aplicação das normas constitucionais, salientando que na Velha Hermenêutica interpretava-se a lei (a Constituição), enquanto que na Nova Hermenêutica as normas constitucionais são concretizadas, que significa interpretar com acréscimo, com criatividade (32).

            Assim, qualquer discussão que se pretenda travar acerca da Lei de Direitos Autorais deverá, antes, estabelecer o sentido e o alcance de sua fundamentação constitucional, consubstanciada nos incisos XXVII e XXVIII, do art. 5o, da Constituição Federal de 1988.

            2.3- Interpretação (concretização) do inciso XXVII e XXVIII, do art. 5o, da CF/88

            O primeiro dita que "aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar" (33), enquanto que o segundo afirma que "são assegurados nos termos da lei (a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades esportivas e (b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas." (34)

            Ambos os incisos foram regulamentados pela Lei de Direitos Autorais de n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

            O inciso XXVII, do art. 5o, da CF/88 é a estrutura, a espinha dorsal sobre a qual repousa toda a sistemática do direito autoral, substancialmente fundamentado no que se pode chamar de "princípio da exclusividade", que atribui ao autor, exclusivamente, toda e qualquer utilização da obra intelectual de sua autoria.

            Apenas nas hipóteses de domínio público (35) e naquelas previstas no art. 46, da LDA, é facultada a utilização da obra intelectual sem a necessidade da prévia e expressa autorização de seu titular, quebrando, portanto, o princípio da exclusividade, também positivado no art. 29, da Lei de Regência (36).

            Para as demais utilizações, todas, inclusive a execução pública musical, é necessária a prévia e expressa anuência do titular da obra intelectual, sob pena de incorrer na prática de ato ilícito, cuja responsabilidade recai tanto na esfera cível quanto na penal.

            Nota-se um evidente caráter patrimonial neste dispositivo, autorizando à conclusão de que está-se a tratar, portanto, unicamente da vertente patrimonial do direito autoral, sendo certo que a sua faceta moral já integra a classe dos direitos subjetivos extra-patrimoniais, dos quais os direitos da personalidade são a sua expoência máxima.

            O inciso XXVIII, consagra, precipuamente, o direito de fiscalização dos titulares de direitos autorais ou conexos sobre o aproveitamento econômico das obras de sua titularidade, individualmente ou coletivamente, através das entidades associativas.

            De acordo com a Nova Hermenêutica, ou pós-positivismo material, há que se concretizar os direitos fundamentais, significando isso que não basta interpretá-los simplesmente, mas, fazê-lo com acréscimo, por modo a conferir-lhe um grau máximo de efetividade (37).

            Isoladamente, poderia-se, portanto, considerar como absoluto o princípio da exclusividade, sugerindo até mesmo uma inconstitucionalidade potencial do art. 46, da LDA, pois que está a trazer uma série de utilizações da obra intelectual que, segundo ele, não constituem ofensa ao direito autoral.

            Não obstante, a concretização de um direito fundamental não pode implicar em supressão ou mesmo desconsideração de outro preceito constitucional fundamental.

            Assim, quando o art. 5o da Constituição Federal garante, em seu inciso XXII, o direito de propriedade, imediatamente, em seu inciso XXIII, atribui-lhe uma função social, querendo, com tanto, afirmar que o direito de propriedade somente será garantido se for cumprida sua função social.

            Ora, o direito autoral é, em última análise, um direito de propriedade. Intelectual, diga-se, mas de propriedade. Assim, como todo direito de propriedade, há que cumprir sua função social. O art. 46, da LDA é expressão da função social do direito de propriedade intelectual e encontra, pois, fundamento no inciso XXIII, do art. 5o da Constituição da República.

            Dito de outra maneira, o princípio da exclusividade do direito autoral, garantido pelo inciso XXVII do art. 5o, da CF/88 deve ser compatibilizado com o seu respectivo inciso XXIII, a estabelecer a função social da propriedade. Essa compatibilização será realizada através do método de interpretação (ou concretização) denominado de proporcionalidade ou da ponderação.

            Com efeito, o conflito entre princípios garantidos sobretudo nos direitos fundamentais, hão de ser dirimidos por meio da ponderação, que é, em última análise, uma estimativa de valores, donde jamais um deles será considerado inválido e, conseqüentemente, expulso do ordenamento jurídico (38).

            Dito de outra maneira, a solução de antinomias no âmbito constitucional difere-se sobremaneira daquela realizada na seara infraconstitucional. Não existem normas inconstitucionais na Constituição Federal (39), portanto, dirimir conflitos porventura existentes entre elas é, na verdade, compatibilizar os seus sentidos, por modo a conferir a cada qual um alcance que não anule a validade da outra (40). Trata-se, em última análise de respeitar o princípio da unidade da Constituição, propugnado por Canotilho (41).

            Em primeiro lugar, pode-se dizer que a chamada concretização dos direitos fundamentais somente ocorrerá diante de sua aplicação no caso concreto. Por isso se denomina "concretização" (42), propriamente. Vejamos então uma situação hipotética: a potencial inconstitucionalidade do artigo 46, da LDA. Dir-se-ia que este dispositivo autoral viola o princípio da exclusividade do art. 5o, XXVII, da CF/88. Não obstante, justifica-se a existência do art. 46, da LDA pelo fundamento do art. 5o, XXIII, eis que se trata de uma forma legal da propriedade autoral cumprir sua função social. Na tensão existente entre ambas as normas constitucionais, a saber, o princípio da exclusividade (art. 5o, XXVII, CF/88) e a função social da propriedade intelectual (art. 5o, XXIII, CF/88), há de prevalecer esta última para a análise desse caso concreto.

            Note-se que a opção pela supremacia do interesse público, social, que em última análise consubstancia o art. 5o, XXIII, não invalida o princípio da exclusividade positivado na norma do art. 5o, XXVII. Em outros casos concretos, esse princípio será novamente ponderado, podendo, inclusive, prevalecer em face da mesma norma contida no art. 5o, XXIII.

            Isso quer dizer que a solução de tensão existente entre direitos fundamentais não será resolvida nos moldes propugnados por Norberto Bobbio para dirimir antinomias no ordenamento. Segundo ele, o conflito de normas seria resolvido no plano da sua validade, expulsando-se do ordenamento aquela incompatível com o sistema. Três seriam os critérios para esse mister, quais sejam, hierárquico, cronológico e o da especialidade.

            A tensão porventura existente entre normas constitucionais não poderá jamais ser solucionada com base nesses critérios, pois que, conforme já apontado, não existem normas constitucionais inconstitucionais. Adotado será, portanto, o critério da ponderação, que dirá, no caso concreto, qual das normas em conflito deverá sucumbir em face da outra; sempre portanto, no plano da valoração do conteúdo de cada norma, ou melhor, no conteúdo de cada valor, de cada princípio contido na norma. Jamais no plano da validade.

            As normas contidas no inciso XXVII e XXVIII, do art. 5o, da CF/88 serão, portanto, não interpretadas em tese, abstratamente, mas concretizadas em face de sua aplicação ao caso concreto, por modo a que seu sentido seja mais do que subsumido ao fato, mas desenvolvido a partir dele.

            2.4- Fundamento Infraconstitucional.

            Em sede infraconstitucional, toda a matéria pertinente ao direito autoral encontra-se positivada na Lei n. 9.610/98, verdadeiro microsistema a contemplar normas de caráter civil, processual civil e penal, regulamentando por inteiro os direitos fundamentais garantidos pelos incisos XXVII e XXVIII, da Constituição Republicana de 1988.

            Com efeito, especificamente quanto aos incisos supra referidos, predica o art. 28, da LDA que "cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica", sendo-lhe subseqüente a previsão do artigo 29, de que "depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:"

            Corolário, então, do princípio da exclusividade é a necessidade de qualquer usuário solicitar, prévia e expressamente, autorização para todas as formas de utilização da obra intelectual, sem a qual, comete ato ilícito, sancionado pela mesma legislação autoral.

            De outro lado, o inciso XXVIII, "b", do art. 5o, da CF/88, atinente ao direito de fiscalização do autor, está regulamentado pelo artigo 70, da Lei de Regência que estipula que "ao autor assiste o direito de opor-se à representação ou execução que não seja suficientemente ensaiada, bem como fiscaliza-la, tendo, para isso, livre acesso durante as representações ou execuções, no local onde se realizem."

            Tanto a Constituição Federal, como a Lei de Regência estão a garantir expressamente o direito do autor promover a fiscalização do aproveitamento econômico de suas obras, entendendo corretamente que é através das diversas modalidades de sua utilização que provém a fonte de renda do autor e de sua família.

            Tanto o princípio da exclusividade (43) quanto o direito de fiscalização (44) são os dois pilares que fundamentam e sustentam a mecânica dos direitos autorais de execução pública musical, próximo assunto a ser abordado.


3- Direito autoral de execução pública musical.

            A definição de "execução pública musical" para o direito autoral é legal, ou seja, provém de dispositivo normativo expresso, a saber, o p. 2o, do art. 68, da LDA, que considera "execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de freqüência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica."

            Constitui, portanto, execução pública a utilização de obras musicais (45) em locais de freqüência coletiva. Estes, por sua vez, são, a teor do p. 3o, do art. 68, da LDA "os teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares e clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas."(grifo nosso)

            Vê-se que a enumeração não é exaustiva, constituindo, portanto, "números apertus", a englobar qualquer local de freqüência coletiva onde se executem obras musicais.

            Milton Fernandes sugere que o gênero do direito autoral decorrente da utilização de obras intelectuais em locais de freqüência coletiva deveria-se denominar "direito de apresentação pública", onde estariam contidas as espécies da "execução pública", que é específica da música, da "representação pública", relativa às obras teatrais, e outros (46).

            Como se está a tratar da "apresentação pública" de obras musicais, afigura-se apropriada, também aos olhos do ilustre professor Milton Fernandes, a denominação de execução pública.

            Portanto, os chamados "direitos autorais de execução pública musical" são, por assim dizer, aqueles direitos de autor e conexos que se relacionam diretamente com a "apresentação pública de obras musicais", que representa, em última análise uma particular modalidade de utilização da obra musical.

            De acordo com o princípio constitucional da exclusividade, somente é facultada a execução pública de obras musicais mediante a prévia e expressa autorização dos titulares de direitos autorais e conexos.

            Note-se agora como a distinção proposta pelo prof. Milton Fernandes é de suma relevância para a dinâmica dos direitos autorais, uma vez que, à luz da nossa legislação, a autorização concedida para uma forma de utilização da obra musical não se estende às demais. (47)

            Pode-se dizer de outra maneira que as diversas modalidades de utilização da obra musical são independentes entre si. Ou seja, fixá-la num fonograma (48), não é a mesma coisa que reproduzi-la (49); esta, por sua vez, difere-se substancialmente de executá-la publicamente. Para cada qual se faz necessária uma autorização específica, sempre de forma prévia e expressa, para que assim se legitime e legalize a respectiva utilização.

            A regulamentar especificamente os direitos de execução pública musical, está o art. 68 da LDA, que estabelece que "sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas."

            Do disposto, conclui-se que qualquer do povo que tenha interesse em promover execução pública de obras musicais deverá solicitar prévia e expressa autorização dos titulares de direitos autorais, incluídos aí tanto os direitos de autor como os que lhe são conexos.

            Afigura-se visível a impossibilidade prática de, a cada utilização da obra musical através da modalidade da execução pública, o usuário encontrar todos os titulares de direitos de autor e conexos sobre aquela obra musical específica e solicitar a sua prévia e expressa autorização. Não seria exagero afirmar que seria completamente inviabilizada a execução pública de canções, que, em nosso País, afigura-se-nos tão cara e preciosa.

            A fim de solucionar essa questão de ordem essencialmente prática (50), a Lei de Direitos Autorais estabelece, em seu artigo 97 (51), a faculdade dos titulares de direitos de autor e conexos se associarem, sem intuito de lucro, a fim de promoverem o exercício e a defesa de seus direitos.

            A lógica é simples: se a cada titular, individualmente, afigura-se impossível autorizar e fiscalizar a execução pública de suas obras, coletivamente tais práticas se lhes tornam factíveis (52).

            Com efeito, se estiverem estruturados em uma associação (53) podem "centralizar" os comandos de autorizar (54) e fiscalizar (55) a execução pública (56) de suas obras.

            A faculdade de associação conferida pelo art. 97 é, entretanto, mitigada pelo seu parágrafo primeiro, a estabelecer que "é vedado pertencer a mais de uma associação para a gestão coletiva de direitos da mesma natureza", sendo certo que a liberdade constitucional de livre associação (57) encontra-se garantida no parágrafo segundo, que informa que "pode o titular transferir-se, a qualquer momento, para outra associação, devendo comunicar o fato, por escrito, à associação de origem."

            As associações existentes para gerenciar os direitos autorais de execução pública musical são comumente chamadas de associações de gestão coletiva de direitos autorais, conforme informa o próprio parágrafo primeiro do art. 97, da LDA.

            Interessa notar também que "com o ato de filiação, as associações tornam-se mandatárias de seus associados para a prática de todos os atos necessários à defesa judicial ou extrajudicial de seus direitos autorais, bem como para sua cobrança" (58). Ou seja, concede a lei de direitos autorais um verdadeiro mandato legal às associações de gestão coletiva a fim de legitimá-las a cumprir o seu mister de exercício e defesa coletiva dos direitos de autor e conexos.

            Não obstante, o mandato legal concedido às associações não é de todo absoluto, podendo os titulares de direitos autorais "praticar, pessoalmente, os atos referidos neste artigo, mediante comunicação prévia à associação a que estiverem filiados." (59)

            Garante-se, assim, tanto a liberdade positiva, quanto a negativa de associação, garantias constitucionais previstas, respectivamente, nos incisos XVII e XX, do art. 5o, da CF/88.

            Outra manifestação dessas garantias constitucionais é a possibilidade jurídica de existência de inúmeras associações de gestão coletiva de direitos autorais. Com efeito, não poderia a lei de direitos autorais limitá-las quantitativamente, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. Mas há que se ressaltar que a multiplicidade de associações, como a existente hoje no Brasil (60), enfraquece tanto o controle das autorizações como das fiscalizações, quebrando o princípio da gestão coletiva que pretende exatamente "centralizar" referidos comandos, por modo a facilitá-los e torná-los factíveis e exeqüíveis do ponto de vista prático.

            Diante desse cenário, qual seja, da coexistência de inúmeras associações de gestão coletiva de direitos autorais (61), imaginou o legislador autoral de 1973 (62) uma solução jurídica que poria fim à balbúrdia autoral que sobredita coabitação ocasionava: a criação de um Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD, cuja finalidade era exatamente centralizar os processos de arrecadação e respectiva distribuição das importâncias relativas ao pagamento dos direitos de autor e conexos, pela utilização através da execução pública musical.


4 - A legitimidade do ECAD

            O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD, foi instituído, portanto, pelo art. 115, da Lei 5.988/73, mas somente entrou em funcionamento em 1o de janeiro de 1977.

            A nova lei de direitos autorais recepcionou o ECAD em seu artigo 99 (63), mantendo-o, portanto, na qualidade de órgão centralizador das arrecadações e distribuições dos direitos autorais de execução pública musical.

            Nessa condição, o Escritório Central não possui finalidade de lucro, e é dirigido e administrado pelas associações que o integram (64). São elas que, em assembléia geral, decidem as atividades e os rumos adotados pelo ECAD, que, em última análise, nada mais representa que um verdadeiro escritório de cobrança posto a serviço das associações, uma longa manus executiva, com legitimidade legal para sua atuação.

            De fato, por estar expressamente previsto em lei, o ECAD possui legitimidade legal para o exercício de suas atividades, agindo extrajudicial e judicialmente como substituto processual dos titulares a ele vinculados (65).

            Assim, tem ele legitimidade processual para figurar no pólo ativo da ação de cobrança cujo pedido é o pagamento de direitos autorais de execução pública musical, independentemente de comprovação de filiação dos titulares das obras executadas, uma vez que é ele o único órgão autorizado a promover este gerenciamento.

            A legitimidade do ECAD foi severamente combatida, em juízo e fora dele, inclusive com a argüição de sua inconstitucionalidade através da ADIN n. 2054-4, proposta pelo partido político PST – Partido Social Trabalhista.

            O pedido da ação direta de inconstitucionalidade buscava a invalidação e conseqüente expulsão do ordenamento jurídico brasileiro do artigo 99 da LDA, que mantinha o ECAD como entidade centralizadora obrigatória para as práticas de gestão coletiva de direitos autorais.

            A fundamentação principal da ADIN concentrava-se na garantia constitucional da liberdade negativa de associação, consubstanciada pelo artigo 5o, XX, da CF/88, a prescrever que "ninguém será compelido a associar-se ou a manter-se associado".

            A decisão colegial do Supremo Tribunal Federal, liderado pelo Excelentíssimo Ministro Sepúlveda Pertence, decidiu, por 7 votos a 2, onde restou vencido o relator Ilmar Galvão, pela constitucionalidade do dispositivo em face do previsto no parágrafo único do art. 98, da LDA, que faculta aos titulares de direitos de autor e conexos, pessoalmente, promover o exercício e a defesa de seus direitos.

            Com esse fundamento, principalmente, sepultou-se a tentativa leviana de retirar a legitimidade legal conferida ao ECAD para a administração e defesa dos direitos autorais de execução pública musical, confirmando-o como órgão único e central da gestão coletiva desses direitos.


5 – Conclusão.

            A título de conclusão, pode-se afirmar que toda a sistemática da gestão coletiva de direitos autorais de execução pública musical encontra-se sustentada e fundamentada nos dois direitos fundamentais garantidos pelos incisos XXVII e XXVIII, da Constituição Brasileira de 1988, como exaustivamente comentado.

            O princípio da exclusividade, aliado ao direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras intelectuais constituem, assim, os dois pilares sobre os quais estão erguidos tanto o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, como todas as 10 (dez) associações que o compõem.

            Ambas garantias encontram-se também devidamente regulamentadas pela Lei de Regência, cujas disposições normativas estão aptas a solucionar a grande maioria dos problemas já existentes no âmbito da propriedade autoral, assim como aqueles que ainda estão por vir.

            Quanto a estes, cumpre lembrar que, na ausência de dispositivo expresso da Lei Autoral, as garantias constitucionais são fontes normativas suficientes a concretizar tanto o princípio da exclusividade como o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras intelectuais.


6 – Bibliografia

            Ascenção, José de Oliveira. Direito Autoral, 2a ed. Forense.

            Bonavides, Paulo. "Curso de Direito Constitucional". 7a ed. Malheiros. São Paulo. 1997.

            Canotilho, J. J. Gomes. "Direito Constitucional". 6a ed. Livraria Almedina. Coimbra. 1995.

            Chaves, Antônio. Direito Autoral de Radiodifusão.

            Fernandes, Milton. "Pressupostos do Direito Autoral de Execução Pública", Belo Horizonte, 1967

            Gazeta Mercantil, ed. 15 de fevereiro de 2002, p. A-8

            Hesse, Konrad. "A Força Normativa da Constituição".

            Monteiro, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Parte Geral. Ed. Saraiva. São Paulo, 2003.

            Perlingieri, Pietro. "Perfis do Direito Civil". Ed. Renovar.

            Tepedino, Gustavo. A constitucionalização do direito civil: perspectivas interpretativas diante do novo código, in "Direito Civil: Atualidades". Del Rey, 2003.

            UBC em Pauta – Ano 3, n. 7.


Notas

            01 Desde 1976 realizada pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD

            02 Tanto a Lei 5.988/73 quanto a Lei 9.610/98.

            03 UBC em Pauta – Ano 3, n. 7, pg. 3

            04 Gazeta Mercantil, ed. 15 de fevereiro de 2002, p. A-8

            05 Chaves, Antônio. Direito Autoral de Radiodifusão. Pág. 21

            06 Ascenção, José de Oliveira. Direito Autoral, 2a ed., p. 15-16.

            07 Idem.

            08 Lei 9.610/98.

            09 Lei 5.988/73.

            10 "art. 22 – Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou."

            11 "art. 89 – As normas relativas aos direitos de autor aplicam-se, no que couber, aos direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos e das empresas de radiodifusão."

            12 "art. 7o – São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: (...)

            13 "art. 3o – Os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis."

            14 "art. 1225 – São direitos reais:

            I – a propriedade;

            15 Monteiro, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Parte Geral. Ed. Saraiva. São Paulo, 2003. pág. 96.

            16 Tepedino, Gustavo. A constitucionalização do direito civil: perspectivas interpretativas diante do novo código, in "Direito Civil: Atualidades". Del Rey, 2003. Pág. 115.

            17 Este fenômeno tem sido chamado pela doutrina como a publicização do direito privado.

            18 É cediço que o CCB de 1916 inspirou-se no Code Francês de Napoleão, promulgado em 1804.

            19 Perlingieri, Pietro. "Perfis do Direito Civil". Ed. Renovar. Pág . 2: "O direito positivo (vale dizer, o direito expresso por fontes determinadas e reconhecidas, predominantemente por escrito) pode exercer uma dupla função, dependendo do fato de se propor a simplesmente conservar as situações presentes na sociedade, adaptando as próprias regras às de natureza social preexistentes; ou a modificar a realidade criando novas regras."

            20 Expressão muito utilizada por Paulo Bonavides.

            21 O velho direito constitucional, por sua vez, estava voltado para a regulamentação do próprio funcionamento do Estado, conferindo especial importância à separação dos poderes. É o que se vê da lição de Paulo Bonavides: "Enfim, podemos sintetizar que, ao tempo do velho Direito Constitucional – o da separação de poderes – a tensão transcorria menos no campo das relações dos cidadãos com o Estado – a filosofia da burguesia liberal cristalizada na racionalidade jurídica dos Códigos já pacificara grandemente essas relações! – do que no domínio mais sensível e delicado das relações entre os Poderes, donde pendia, perante a força do Estado, e a desconfiança remanescente das épocas do absolutismo, a conservação da liberdade em toda a sua dimensão subjetiva. Nesse contexto avultava e se mantinha sempre debaixo de suspeita o Poder Executivo, sobretudo nas monarquias constitucionais, onde ficava mais ostensivamente sujeito aos freios e controle do sistema parlamentar.

            Já com o novo Direito Constitucional, a tensão traslada-se, de maneira crítica e extremamente preocupante, para a nervosa esfera dos direitos fundamentais. A partir de então, a Sociedade procura aperfeiçoar o sistema regulativo de aplicação desses direitos, em termos de um constitucionalismo assentado sobre as incoercíveis expectativas da cidadania postulante. (Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Malheiros Editores. 7a ed. São Paulo, 1997. pág. 539.

            22 A título de exemplo pode-se citar a lei do inquilinato, o estatuto da criança e do adolescente, o Código de Defesa do Consumidor e a própria Lei de Direitos Autorais.

            23 Tepedino, Gustavo. Op. cit. pág. 120.

            24 Perlingieri afirma que "A Constituição ocupa o lugar mais alto na hierarquia das fontes, precedendo, na ordem, as normas da Comunidade Européia, as leis ordinárias (e por isso os códigos, que são leis ordinárias, incluindo o Código Civil), as leis regionais, os decretos do Poder Executivo e outro tipos de normas, usos, etc."(op. cit. pág. 4-5)

            25 É também de Perlingieri o seguinte ensinamento: "A Constituição da República assumiu, em relação a este problema, uma posição diversa. Uma coisa é ler o Código naquela ótica produtivista, outra é ‘relê-lo’ à luz da opção ‘ideológico jurídica’ constitucional, na qual a produção encontra limites insuperáveis no respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana." (op. cit. pág. 4)

            26 Como se sabe, são aqueles previstos no art. 5o, da CF/88.

            27 Perlingieri sugere que "Pode-se, portanto, afirmar que, seja na aplicação dita indireta – que sempre acontecerá quando existir na legislação ordinária uma normativa específica, ou cláusulas gerais ou princípios expressos – seja na aplicação dita direta – assim definida pela ausência de intermediação de qualquer enunciado normativo ordinário -, a norma constitucional acaba sempre por ser utilizada.", e conclui, mais à frente que "Portanto, a normativa constitucional não deve ser considerada sempre e somente como mera regra hermenêutica, mas também como norma de comportamento, idônea a incidir sobre o conteúdo das relações entre situações subjetivas, funcionalizando-as aos novos valores." (op. cit. pág. 12)

            28 Também chamada de pós-positivismo material.

            29 Bonavides afirma que "Aqueles valores e princípios representam, por conseguinte, a matéria prima da Nova Hermenêutica; esta, outra coisa não é senão a própria teoria material da constituição." (op. cit. pág. 535)

            30 Compreendê-la como direito significa reconhecer a incorporação de valores na Constituição. É o que se depreende deste trecho da obra de Paulo Bonavides: "O Direito Constitucional, ao criar, assim, a Nova Hermenêutica, que lhe é específica, acolheu no plano científico do Direito as considerações axiológicas, mas referidas unicamente àqueles valores vazados no direito positivo e que desde muito, por um certo ângulo, constituem a matéria-prima do sociologismo jurídico ou do concretismo, de Ehrlich a Karl Engisch. (op. cit. pág. 535).

            31 Bonavides, Paulo. Op. cit. pág. 535.

            32 A respeito, Bonavides entende que "na Velha Hermenêutica interpretava-se a lei, e a lei era tudo, e dela tudo podia ser retirado que coubesse na função elucidativa do intérprete, por uma operação lógica, a qual, todavia, na acrescentava ao conteúdo da norma; em a Nova Hermenêutica, ao contrário, concretiza-se o preceito constitucional, de tal sorte que concretizar é algo mais do que interpretar, é, em verdade, interpretar com acréscimo, com criatividade. Coloca-se o intérprete diante da consideração de princípios, que são as categorias por excelência do sistema constitucional. (op. cit. pág. 585)

            33 art. 5o, XXVII;

            34 art. 5o, XXVIII;

            35 art 41, 42, 43, 44 e 45, da Lei 9.610/98;

            36 O artigo 29, da Lei 9.610/98 estabelece o princípio da exclusividade, consagrado no inciso XXVII, do art. 5o, da CF/88, enunciando, em caráter exemplificativo, diversas formas de utilização da obra intelectual:

            "art. 29 – Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

            X – quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas" ;

            37 Convém lembrar, a respeito, que José Joaquim Gomes Canotilho atribui esse grau máximo de efetividade concedido aos princípios fundamentais ao princípio interpretativo da "máxima efetividade", que, segundo ele, também é denominado de "princípio da eficiência ou princípio da interpretação efectiva" e "pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais."(in "Direito Constitucional", 6a ed. Livraria Almedina, Coimbra, 1995. Pág. 227)

            38 A respeito, Bonavides assevera que "Poder-se-ia, desse modo, vislumbrar na proporcionalidade não somente um critério de contenção do arbítrio do poder e salvaguarda da liberdade, mas, por igual, em nível hermenêutico, um excelente mecanismo de controle, apto a solver, por via conciliatória, problemas derivados de uma eventual colisão de princípios; isto sobretudo tocante à interpretação de direitos fundamentais. Seguindo, assim, a trilha dos constitucionalistas da Nova Hermenêutica, urge assinalar que nenhum desses princípios, deixando de ser aplicado na hipótese conflitual, é sacrificado ou expulso do ordenamento jurídico, qual sói acontecer com a norma inconstitucional. Em outras palavras, o princípio cuja aplicabilidade ao caso concreto se viu recusada por ensejo da ponderação estimativa de valores, bens e interesses, levada a cabo pelo intérprete, continua a circular válido na corrente normativa do sistema, conservando, intacta, a possibilidade de aplicação futura."(op. cit. 587)

            39 Posicionamento também adotado por J. J. Gomes Canotilho, ao afirmar que "A probabilidade da existência de uma norma constitucional originariamente inconstitucional é bastante restrita em estados de direito democrático-constitucionais. Por isso é que a figura das normas constitucionais inconstitucionais, embora nos reconduza ao problema fulcral da validade material do direito, não tem conduzido a soluções práticas dignas de registro." Ademais disso, acrescenta, "o problema das normas constitucionais inconstitucionais pode reconduzir-se, antes, a um conflito de princípios/valores susceptíveis de solucóes, prima facie, harmonizatórias." (op. cit. pág. 235)

            40 Canotilho assevera que "A pretensão de validade absoluta de certos princípios com sacrifício de outros originaria a criação de princípios reciprocamente incompatíveis, com a conseqüente destruição da tendencial unidade axiológico-normativa da lei fundamental. Daí o reconhecimento de momentos de tensão ou antagonismo entre os vários princípios e a necessidade, atrás exposta, de aceitar que os princípios não obedecem, em caso de conflito, a uma <>, antes podem ser objecto de ponderação e concordância prática, consoante o seu <> e as circunstâncias do caso." (op. cit. pág. 190).

            41 O princípio da unidade da Constituição é concebido por Canotilho da seguinte forma: "O princípio da unidade hierárquico-normativa significa que todas as normas contidas numa constituição formal têm igual dignidade (não há normas só formais, nem hierarquia de supra-infra-ordenação dentro da lei constitucional). Como se irá ver em sede de interpretação, o princípio da unidade normativa conduz à rejeição de duas teses, ainda hoje muito correntes na doutrina do direito constitucional: (1) a tese das antinomias normativas; (2) a tese das normas constitucionais inconstitucionais. O princípio da unidade da constituição é, assim, expressão da própria positividade normativo-constitucional e um importante elemento de interpretação." (op. cit. pág. 191-192).

            42 Bonavides esclarece: "Verificamos, então, o seguinte: há na Constituição normas que se interpretam e normas que se concretizam. A distinção é relevante desde o aparecimento da Nova Hermenêutica, que introduziu o conceito novo de concretização, peculiar à interpretação de boa parte da Constituição, nomeadamente dos direitos fundamentais e das cláusulas abstratas e genéricas do texto constitucional. Neste são usuais preceitos normativos vazados em fórmulas amplas, vagas e maleáveis, cuja aplicação requer do intérprete uma certa diligência criativa, complementar e aditiva para lograr a completude e fazer a integração da norma na esfera da eficácia e juridicidade do próprio ordenamento. Na Velha Hermenêutica, regida porum positivismo lógico-formal, há subsunção; em a Nova Hermenêutica, inspirada por uma teoria material de valores, o que há é concretização; ali, a norma legal, aqui, a norma constitucional; uma interpretada, a outra concretizada.(op. cit. pág. 544).

            43 Art. 5o, XXVII, da CF/88, e art. 28, da Lei 9.610/98.

            44 art. 5o, XXVIII, da CF/88, e art. 70, da Lei 9.610/98.

            45 No conceito maior de obras musicais, encontram-se também contempladas as obras lítero-musicais, que são aquelas que, além de melodia, contém texto ou "letra".

            46 O ilustre professor Milton Fernandes, criticando as preferências dos legisladores em adotar a terminologia execução e representação pública, afirma que "O nome genérico de apresentação pública envolve tôdas as manifestações dêste direito. Execução Pública se refere à obra musical; representação pública à peça de teatro, à ópera. Há ainda o direito de recitação pública, referente à poesia; a leitura pública para outros gêneros literários; o direito de exibição e de exposição para as artes plásticas e outras modalidades de obras que se prestam a mostras; o direito de televisão e radiodifusão. Todos êstes podem, genericamente, com propriedade, ser denominados direitos de apresentação pública." (in "Pressupostos do Direito Autoral de Execução Pública", Belo Horizonte, 1967, p. 60)

            47 É o que dispõe o artigo 31, da LDA: "Art. 31 – As diversas modalidades de utilização de obras literárias, artísticas ou científicas ou de fonogramas são independentes entre si, e a autorização concedida pelo autor, ou pelo produtor, respectivamente, não se estende a quaisquer das demais."

            48 Fonograma, segundo o art. 5o, IX, da LDA é "toda fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual."

            49 Reprodução, a teor do art. 5o, VI, da LDA significa "a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica, ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido."

            50 Que se origina obviamente de uma situação jurídica posta pela Constituição.

            51 "art. 97 – Para o exercício e defesa de seus direitos, podem os autores e os titulares de direitos conexos, associar-se sem intuito de lucro."

            52 Milton Fernandes afirmava que "A impossibilidade material de os autores concederem, pessoalmente, a licença para a apresentação pública de suas obras e de fiscalizar as contrafações deu origem no Brasil e em quase tôdas as nações do mundo, à formação de sociedades com êste objetivo. Através de escritórios e agentes disseminados em todo o país, se constituem em sentinelas dos autores de obras intelectuais, a cujos direitos oferecem permanente proteção. Às vezes incompreendidas e criticadas, prestam os mais relevantes serviços à cultura nacional e aos interesses de seus associados."(ob. cit. p. 64)

            53 Esta, por sua natureza jurídica, jamais poderá ter intuito lucrativo, a teor do art. 53, do Novo Código Civil, a estabelecer que "constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos."

            54 Corolário do princípio da exclusividade (art. 5o, XXVII, CF/88, art. 28, 29 e 68, da LDA).

            55 Decorrente do direito de fiscalização sobre o aproveitamento econômico das obras (art. 5o, XXVIII, CF/88, art. 70, LDA).

            56 Lembrando apenas que o conceito de execução pública é conferido pelo art. 68, p. 2o e 3o, da LDA.

            57 "art. 5o – (...)

            XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

            XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;"

            58 Art. 98, da LDA.

            59 Parágrafo único do artigo 98, da LDA.

            60 Existem hoje no Brasil 10 associações de gestão coletiva de direitos autorais, a saber: ABRAC, ABRAMUS, AMAR, ANACIM, ASSIM, ATIDA, SBACEM, SICAM, SOCINPRO, UBC.

            61 Cuja coabitação é sustentada constitucionalmente através dos incisos XVII e XX do art. 5o, da CF/88.

            62 Através do artigo 115, da Lei 5.988/73, que dispunha que "as associações organizarão, dentro do prazo e consoante as normas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Direito Autoral, um Escritório Central de Arrecadação e Distribuição dos direitos relativos à execução pública, inclusive através da radiodifusão e da exibição cinematográfica, das composições musicais ou lítero-musicais e de fonogramas."

            63 "art. 99 – As associações manterão um único escritório central para arrecadação e distribuição, em comum, dos direitos relativos à execução pública das obras musicais e lítero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por qualquer modalidade, e da exibição de obras audiovisuais."

            64 p. 1o, do art. 99 – "O escritório central organizado na forma prevista neste artigo não terá finalidade de lucro e será dirigido e administrado pelas associações que o integrem."

            65 P. 2o, do art. 99 – "O escritório central e as associações a que se refere este Título atuarão em juízo e fora dele em seus próprios nomes como substitutos processuais dos titulares a eles vinculados."


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASASSANTA, Eduardo Monteiro de Castro. Direitos autorais de execução pública musical. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 730, 5 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6966. Acesso em: 28 mar. 2024.