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O consumidor e os seguros ou planos de saúde.

Anotações acerca dos contratos; cláusulas e práticas abusivas.

O consumidor e os seguros ou planos de saúde. Anotações acerca dos contratos; cláusulas e práticas abusivas.

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O assunto reveste-se de maior importância a partir do vulto social que vem assumindo nos últimos anos como conseqüência da progressiva deterioração dos serviços de saúde pública no Brasil. Existem hoje 870 empresas prestando serviços nesse setor, com cerca de 41 milhões de associados. Longe de significar confiança no sistema, esse elevado número apenas demonstra o descaso de que é alvo a saúde pública no país. Conforme divulgado por conceituadas revistas de circulação nacional, o faturamento dessas empresas supera o da Ford e Volkswagen juntas, com índices de lucratividade superiores a qualquer outra atividade lícita. Muitas são tidas como "entidades filantrópicas", usufruindo isenções tributárias, e os associados gozam do direito de abatimento do valor das mensalidades nas declarações anuais do Imposto de Renda, o que, se por um lado beneficia individualmente os usuários, por outro representa um forte chamariz a favor delas. Tais isenções e abatimentos tributários recaem, ao final, sobre o conjunto da sociedade, cuja maioria, entretanto, mal tem acesso aos deficientes serviços de saúde pública. Completa-se o quadro com a vedação inserida no § 3º do Art. 196 da Constituição Federal de 1988, da participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde, o que significa mercado cativo.


NATUREZA DA RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE USUÁRIOS E EMPRESAS DE SEGUROS E PLANOS DE SAÚDE

A diferença prática entre "seguro" e "plano" está, em princípio, na abrangência. Os "seguros", que são fiscalizados pela SUSEP-Superintedência de Seguros Privados, proporcionam aos associados livre escolha de profissionais, estabelecimentos hospitalares e laboratoriais. Nos "planos", não há fiscalização da SUSEP e o associado fica, em tese, restrito aos profissionais e estabelecimentos credenciados pela entidade administradora, em listas periódicas. No entanto, ambos lidam com o mesmo objetivo, e a relação que se forma com o associado é da mesma natureza.

O objetivo específico com que se lida aqui é a obrigação à qual se vincula alguém, de dar cobertura financeira ao tratamento das enfermidades e acidentes físicos e seus respectivos danos sofridos por outrem que, em contrapartida, compromete-se ao pagamento mensal de uma certa quantia. Tanto nos "seguros" quanto nos "planos", trata-se de uma prestação de serviços, securitários ou assemelhados, que configura a RELAÇÃO DE CONSUMO formada de um lado por um fornecedor de serviços que é a empresa seguradora ou administradora, nos exatos termos do Art. 3º, § 2º do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8078/90, e, de outro lado, por um consumidor destinatário final de tais serviços, de acordo com o Art. 2º. Assim, essa relação é regida, prevalentemente, pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, que são de ordem pública e interesse social (Art. 1º), e inderrogáveis pela vontade das partes.


O PRINCÍPIO DA BOA FÉ OBJETIVA

As duas partes perfeitamente configuradas nessa relação, ou seja, um fornecedor e um consumidor, aproximaram-se entre si num determinado momento. Estabeleceram um contato social de cunho negocial inculcado pela vontade mútua de fechar um negócio em face do anseio de uma delas de ter a garantia da cobertura das despesas decorrentes de eventos danosos à sua saúde ou à dos seus familiares, e do oferecimento proposto pela outra de proporcionar tal garantia. Enquanto contato, deu-se de um modo muito mais íntimo do que um simples encontro em sociedade, eis que resultou num negócio jurídico.

Esse contato prévio e inicial foi permeado pela boa fé, que o Código de Defesa do Consumidor erige à condição de conduta obrigatória pelo Art. 4º, Inc. III (parte final) compondo um dos seus princípios fundamentais, quicá o mais importante. Boa fé entendida não como mera intenção, mas como imperativo objetivo de conduta, exigência de respeito, lealdade, cuidado com a integridade física, moral e patrimonial, e que deve prevalecer desde a formação inicial da relação de consumo, especialmente para que seja uma relação harmônica (Art. 4º-caput, e Inc. III) e transparente (Art. 4º, caput), preservando-se a dignidade, a saúde, a segurança, a proteção dos interesses econômicos do consumidor em face da presunção legal da sua vulnerabilidade no mercado de consumo (Art. 4º, Inc. I). Portanto, não se perquire mais a intenção subjetiva, não se pretende mais analisar a "mens" de cada participante do contrato, até porque, em matéria de defesa do consumidor, lida-se com a perspectiva de "relações de massa", impessoalizadas, reguladas via de regra através de contratos de adesão impostos por uma das partes, como no caso dos planos e seguros de saúde cujo número de usuários ascende a 41 milhões no país, de acordo com declarações das próprias administradoras e seguradoras à imprensa. É esse imperativo de conduta baseada na boa fé objetiva, o padrão legal que fundamenta as relações de consumo para superar a eventual malícia subjetivada de se ter de provar, em todos os casos, a intenção do consumidor ou do fornecedor, o erro ou não-erro de um ou de outro.

Em verdade, o princípio da boa fé, enquanto idéia, já consta no Código Civil de 1917, pois a lei nunca autorizou qualquer pessoa a tratar com má fé o seu parceiro contratual, nem a tirar vantagem indevida dele, ou a oprimir ou suprimir os seus direitos. Embora nunca houvesse autorização da lei para isso, as normas do direito comum tratam a boa ou má fé subjetivamente, deixando como que uma lacuna para a atuação das partes, o que, na prática, tendeu à má fé subjetiva.


O CONTRATO

A idéia de contrato que nos vem do Código Civil e do Código Comercial, é um modelo de "dar" imediato. O contrato é visto como um momento, um ato. No entanto, nas relações de consumo, os contratos não se resumem a regular apenas esse momento. Há os contratos de serviços que versam sobre "fazeres", que vendem segurança (Ex.: seguros de vida, de automóveis, de saúde), ou os que vendem status ou crédito (Ex.: cartões de crédito, cheques garantidos), ou os que vendem conforto (Ex.: serviços de água, luz, esgotos, telefonia, assinaturas de jornais e revistas), ou que vendem informações pela TV (Ex.: TV "a cabo"), ou pelo computador (Ex.: a "Internet"), ou que vendem rapidez, e assim por diante. Contratos, portanto, que lidam com bens que até há algum tempo atrás, não tinham o relevo de que hoje se revestem, e que se espraiam para o futuro, pois implicam num "fazer" que pode levar dez, quinze, trinta, ou mais anos, quiçá uma vida inteira. A partir do momento em que o consumidor ingressa nesse sistema prestativo, ele passa a depender dessa segurança, desse status, desse crédito, desse conforto. Os contratos de planos e seguros de saúde, e os planos previdenciários privados, são exemplos concretos. Quando o consumidor busca um determinado plano ou seguro de saúde, assina o contrato, cumpre todas as carências, se ele trocar de plano ou seguro, terá de cumprir pelo menos algumas delas. Então, passa a ser do seu interesse permanecer naquele já contratado, da mesma forma que, exemplificadamente, terá interesse em que seu filho continue na escola em que já está acostumado. Fica, assim, preso, cativo, não pelo contrato em si, mas por uma dependência quase fática e voluntária, no sentido de que escolheu aquele fornecedor, investiu nele, deseja poder manter-se unido a ele, assim como ele lhe ofereceu, reiteradamente, o serviço para "capturá-lo". Decorre que, nestes tipos de relações, cláusulas ou condições como a exemplo, de resolução, denúncia, liberação do vínculo, renovação, curto prazo, e que em outras situações não seriam abusivas, têm agora de ser analisadas e reavaliadas também à luz dessa dependência, dessa "catividade" do consumidor em relação ao fornecedor. A liberdade contratual do fornecedor, se em outras situações seria indiscutível, passa a ser restrita nestas outras situações específicas, em função da idéia de vulnerabilidade, de dependência fática do consumidor em relação àquele fornecedor.


A ABUSIVIDADE. UMA REAVALIAÇÃO DO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE

Na sociedade atual, massificada, despersonalizada, onde "tudo é fugaz", tudo tem de ser rápido, até a contratação tem de ser rápida... Os consumidores, ávidos por segurança, status, conforto, informações, ou rapidez, quando diante do contrato que lhes é apresentado, irão aceitá-lo, sequer atentarão para o conteúdo, não o discutirão, ou, se discutirem, poderão até piorar a situação pois quase nunca têm conhecimento técnico ou jurídico para analisar ou entender cláusulas que estabelecem detalhes acerca da obrigação do fornecedor. Em suma, o contrato, via de regra, apesar de firmado, não foi entendido em seu conteúdo intrínseco, e portanto também não foi "lido" nem "conhecido".

Assim, a tradicional interpretação dos princípios da liberdade de contratar e da autonomia da vontade contratual, quando aplicada às relações de consumo, onde os consumidores, via de regra, desconhecem o conteúdo íntimo e subjacente dos contratos e a sua abusividade interna, ou têm disso uma noção apenas superficial, já é uma idéia intrinsecamente injusta, inequitativa, iníqua, inclusive porque possibilita, ao fornecedor, transferir riscos que são profissionalmente seus, para a esfera do consumidor.

O equilíbrio da relação contratual formada nessas condições, está afetado, pois não há equivalência entre direitos e obrigações. A abusividade, então, passa a ser intrínseca ao negócio jurídico. Desaparece a boa fé objetiva determinada pelo CDC. Frustra-se a busca dos objetivos contidos nos princípios da defesa do consumidor e da solidariedade, estabelecidos no Art. 5º - XXXII e no Art. 3º - I da Constituição Federal de 1988.

Tais contratos apresentam-se intrinsecamente desequilibrados. Temos de retirar deles, a abusividade causadora desse desequilíbrio intrínseco, e sobretudo das práticas decorrentes, eis que são contratos com "alias" próprias, não mais tão comutativas, mas com um sinalagma diferente, e que não comportam mais o sentido tradicional do princípio do "pacta sunt servanda" segundo o qual se as partes concordaram, hão de cumprir. Nos contratos de consumo importa menos a manifestação da vontade das partes contratuais. Interessa sobretudo, identificar e limitar o poder contratual de ditar e de predispor as condições, de estabelecer um regramento que não diz respeito apenas às pessoas individualizadas mas a toda a coletividade, porque os produtos e serviços são ofertados não a alguém individualmente, mas ao público, à coletividade em geral.

Opera-se uma mudança de perspectiva. Saímos de um raciocínio dedutivo e passamos a um raciocínio indutivo, dentro de um contexto de negociação contratual de massa que impõe uma análise substancial, uma análise econômica do contrato e do Direito.

Não se pode mais dar prevalência ao aspecto subjetivo. Nós temos de analisar a relação contratual de massa sob a perspectiva objetiva da realidade concreta para podermos então verificar quais as condições contratuais que possam ser aceitas e quais as que devam ser rejeitadas. Num contrato de seguro ou plano de saúde, por exemplo, o que o fornecedor propõe é a garantia de cobertura para os eventos adversos à saúde. É essa a oferta a que ele se vincula por força da lei, ao apresentá-la ao consumidor, e é isso que o consumidor entende, pois tal garantia de cobertura é o que ele, consumidor, tem em mira ao contratar. O que fugir disso passa a ser contrafação do objetivo e resvala para a abusividade, por contrariar aquela vinculação estabelecida em lei, por violar o paradigma de respeito, de cuidado, de equilíbrio, que integra a boa fé objetiva a qual, obrigatoriamente, deve presidir as relações de consumo. A violação desse paradigma é que vai causar um desequilíbrio, decorrendo em prejuízo concreto aos consumidores. Assim, os contratos nas relações de consumo, principalmente os de adesão, largamente utilizados de forma standardizada, não podem ser considerados como um assunto do interesse restrito e exclusivo das partes, eis que são do interesse de todos, pois que todos estão potencialmente expostos a se sujeitar a eles. Assumem, então, uma feição coletiva que interessa à sociedade controlar. O que fica bem claro em face da relevância pública dos serviços de saúde e do objetivo constitucional de construção de uma sociedade livre, justa, e solidária. Há, então, uma indisponibilidade do objeto do contrato que envolve assistência à saúde, ou seja, as partes não podem transacionar livremente com a mesma desenvotura com que fariam se o objeto fosse um produto comercial qualquer.

É claro que as partes hão de cumprir o contrato, sem dúvida, mas hão de se subordinar, primeiro, à vontade da lei, que é a expressão da vontade social, e cumprir, antes, o que nela vier determinado. E em matéria de relações de consumo, a lei impõe princípios fundamentais a serem obrigatoriamente observados, de modo que, se o teor do contrato carregar algo em dissonância da vontade legal, prevalece o que a lei determina, e não a vontade contratual. O que, aliás, não é nenhuma novidade no direito brasileiro, haja vista o regime da locação imobiliária, a legislação trabalhista e o Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo de estranhar que ainda cause tanta perplexidade e tanta repulsa.

Assim como o contrato é bilateral, a autonomia da vontade não pode ser unilateral. A proteção da liberdade de contratar há de ser dirigida para o consumidor. É o que se vem chamando de "autonomia racional da vontade", pois não há que se proteger a liberdade contratual daquele que já tem a liberdade de impor condições e detalhes, de estabelecer cláusulas, de redigir previamente o conteúdo do contrato, que é o fornecedor. Há que se proteger, sim, a liberdade contratual do consumidor, para que não seja embotada, ou apenas ilusória. Isto porque a sociedade em que se está a viver, onde tudo é rápido, até a contratação é rápida e massificada, onde as necessidades são prementes por saúde, segurança, crédito, serviços como os de eletricidade, água, esgotos, telefonia, transportes, informação, etc, é uma sociedade que está sempre a criar novas necessidades de consumo básico. Nesta sociedade, a autonomia deste indivíduo, o consumidor, se enfraquece, ele se torna em vulnerável e tem de ser protegido, no sentido de se lhe afastarem as pressões para que ele possa exercer a sua adesão ao contrato da forma a mais livre e consciente possível, de modo a lhe assegurar o resultado que ele busca através dessa adesão. No caso dos planos e seguros de saúde, agravam-se as pressões pois os contratos são de conteúdo comparativamente idêntico uns aos outros, as cláusulas gerais são fundamentalmente as mesmas, e algumas variações que existam não afetam a substância, o que estreita a margem de opção do consumidor. No entanto, o objetivo é um só, o de proporcionar cobertura para o tratamento de doenças e das conseqüências de acidentes sofridos pelo associado, o que caracteriza a atividade própria das empresas e compõe a sua denominação social. O alcance do objetivo central do contrato e a concretização da atividade a que se propõe o fornecedor, hão de ser assegurados através da correta aplicação da lei, considerando-se a vontade contratual como subsidiária, a ser efetivada quando não colidir com a vontade legal expressa no sistema jurídico no qual está inserida a contratação.

Nessa perspectiva nova, de contratação de massa, a abusividade assume duas características que são as de atingir sempre o mesmo fim, que é melhorar a posição do fornecedor que estabelece as cláusulas e, como segunda característica, sempre o mesmo efeito, que é o desequilíbrio entre direitos e deveres dentro da engenharia contratual, isto é, dentro do próprio contrato que intenta regular a relação de consumo subjacente. Do ponto de vista subjetivo assemelha-se à idéia de abuso de direito, de utilização maliciosa do princípio da autonomia da vontade, ou da liberdade de contratar, ou da facultas de agir.Do ponto de vista objetivo, a abusividade representa o desequilíbrio final, a transferência de riscos que não devem ser transferidos, do fornecedor para o consumidor, porque são riscos profissionais do fornecedor. Se houve dolo ou não na transferência desses riscos, isso não é o mais importante pois não se está mais a visualizar o aspecto subjetivo (muito embora o dolo seja freqüente...). O importante é aquele objetivo que está no final e que está desequilibrado pela indevida transferência de riscos que não poderiam ser transferidos porque isso atinge e desvirtua o real objeto do contrato, que prevê, sem dúvida, que o fornecedor tenha lucro, mas que também o consumidor possa conseguir os seus objetivos.

A abusividade pode ser identificada através de um paradigma que é mediado pela boa fé. Abusivo é tudo o que viola esse paradigma de respeito, lealdade, cuidado, equilíbrio, representativo da boa fé que há de prevalecer como norma nas relações de consumo e cuja falta vai causar prejuízo grave, concreto e objetivo ao consumidor.É óbvio que isso não pode ser deixado à discricionariedade da vontade das partes, especialmente quando uma delas, o fornecedor, ocupa posição mais forte ao ponto de poder impor as condições contratuais.

Por isso o CDC estabelece um patamar de lealdade e de controle em que a boa fé passa a ser, objetivamente, um pensar não só em si mesmo, ou em como se poderá transferir riscos profissionais próprios para o outro parceiro através de um contrato, mas sim pensar que o parceiro (o consumidor), também tem expectativas legítimas. Ou seja, que a relação que se forma entre o fornecedor e o consumidor não serve somente às vantagens do primeiro, mas também a que o outro atinja o fim previsto no contrato que resultou de um prévio encontro entre os dois.

O fim previsto é uma troca leal entre o bem (produto ou serviço) e o seu correspondente valor em dinheiro ou equivalente, e cujo bem representa a segurança de uma cobertura quanto ao tratamento de eventual perturbação da saúde. A finalidade do contrato é que cada um consiga a prestação buscada. O lucro, sem dúvida, é uma expectativa assegurada pelo sistema econômico vigente no país, mas há que se respeitar as expectativas do consumidor.

E notadamente porque, nesta nova "sociedade de massas", muitos contratos assumem o caráter de "contratos cativos de longa duração", dos quais nos fala CLÁUDIA LIMA MARQUES (In "Contratos no Código de Defesa do Consumidor", 2ª Ed., Rev. dos Tribunais, págs. 57/61), em que uma parte, no caso o consumidor, fica a depender durante anos de uma determinada entidade fornecedora para obter e manter, por exemplo, um cartão de crédito, ou um plano previdenciário, ou um seguro ou plano de saúde. Na esteira da doutrina norte-americana, RONALDO PORTO MACEDO Jr. prefere denominá-los de "Contratos Relacionais" (In "Contrato Previdenciário como Contrato Relacional", monografia apresentada no XI Curso de Direito do Consumidor, UERJ, Rio, set/1996), seguindo as pegadas de IAN MACNEIL (In "The Many Futures of Contracts", California Law Review, vol. 47, 1974). Na Itália, o Prof. ENZO ROPPO, da Universidade de Gênova, os denomina de "nuovi contratti" e, na Alemanha, a doutrina alude aos "contratos pós-modernos". Para estes contratos, cuida-se de aplicar uma interpretação típica e objetiva, ao contrário da interpretação dada aos contratos comuns onde sobressai a intenção das partes, e portanto, num critério subjetivo, conforme alerta PAULO LUIZ NETO LOBO (In "Interpretação dos Contratos de Consumo", palestra proferida no XI Curso de Direito do Consumidor, UERJ, Rio, set/1996).


OS OBJETIVOS IMPERATIVOS FIXADOS PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. A REGRA DE INTERPRETAÇÃO

O Código de Defesa do Consumidor desenvolveu conotações próprias e quando se fala em boa fé a âmbito das relações de consumo, não há perquirir o aspecto subjetivo. Para o CDC a boa fé é objetiva, é conduta a ser seguida imperativamente pelos protagonistas da relação jurídica, considerando-se o fornecedor como a parte mais forte e organizada, conhecedor que é ou que deve ser de tudo a respeito do que se propõe colocar no mercado de consumo. Nesse sentido, a regra básica de interpretação dos contratos de consumo é a do Art. 47, segundo a qual as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, ressaltando-se que tal regra não diz respeito, apenas, aos casos de dúvida, mas sim que se constitui em parâmetro obrigatório de aplicação dos princípios configurados na "norma objetivo" do Art. 4º.

Sabemos que há normas de conduta e normas de organização. Mas há também um terceiro universo, composto pelas "normas objetivo". O Art. 4º do CDC é uma delas. Este dispositivo fixa finalidades, obrigações de resultado, balizando a interpretação e a aplicação de todo o Código aos casos sob sua regência. Determina a interpretação das outras normas de conduta e de organização, cuja aplicação há de guardar estreita adequação aos princípios nela enunciados. Estes princípios podem ser aglutinados em três: o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, a transparência e harmonização dos interesses dos participantes da relação de consumo, e a coibição e repressão eficiente dos abusos.

O Art. 4º condiciona a incidência e a aplicação das normas do Código a estes princípios/objetivos, que passam a ser finalidades jurídicas prioritárias. Por isso que é uma "norma objetivo". (Conforme o Prof. EROS ROBERTO GRAU, In "Interpretando o Código de Defesa do Consumidor; algumas notas", Rev. de Dir. do Consumidor, vol. 5, Ed. RT, jan/mar-1993, págs. 187/188). Dado ao caráter imperativo das regras do Código, o Art. 4º vincula o intérprete aos resultados pretendidos o qual fica na contingência de aplicar a lei teleologicamente, não por sua opção mas por determinação da própria lei. E conforme já visto, o Art. 4º estabelece que a Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo atender as necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção dos seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, a transparência e harmonia das relações de consumo, através do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (Inc. I), a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo sempre com base na boa fé e equilíbrio entre consumidores e fornecedores (Inc. III) e a coibição e repressão eficientes de todos os abusos (Inc. IV). Baseado em tais princípios, vincula-se o intérprete às normas dos Arts. 4º e 47, devendo aplicar a lei da maneira mais favorável ao consumidor.

Através das regras que impregnam as relações de consumo das noções de boa fé, transparência, harmonia, vinculando o aplicador à interpretação mais favorável ao consumidor, visando à proteção da sua vida, saúde, dignidade e dos seus interesses econômicos, ou seja, a proteção à sua incolumidade físico-psíquica, à sua incolumidade econômica, e a facilitação da implementação dos seus direitos, o Código de Defesa do Consumidor dá expressão concreta ao Art. 3º Inc. I da Constituição Federal de 1988 que preconiza como objetivo fundamental da República, a construção de uma sociedade livre, justa, e solidária.


CLÁUSULAS E PRÁTICAS ABUSIVAS

A boa fé de que trata o Código de Defesa do Consumidor não tem a conotação subjetiva do Direito Comum quando, p.ex., se analisa a questão da culpa na responsabilidade a âmbito do Direito Civil. A boa fé, no CDC (Art. 51-IV), é considerada objetivamente, pressupõe lealdade, correção, honestidade. É boa fé de comportamento, como imperativo de conduta, e se desdobra no princípio da transparência, cuja abrangência alcança a fase pré contratual e antecede o princípio do equilíbrio contratual. A obrigatoriedade de publicidade e informação adequada e correta, p. ex., para que não seja passada ao consumidor uma idéia falsa, incompleta ou apenas aparente acerca do produto ou do serviço que deseja adquirir.

O equilíbrio contratual tem de existir, seja nos contratos negociados ou nos de adesão. Estes últimos são os mais largamente usados dado ao estreito espaço de negociação nas relações de consumo, que se formam de modo impessoal na sociedade de massas e de economia oligopolizada, onde se evidencia a desigualdade de poderes entre quem se organiza profissionalmente - o fornecedor - e quem deseja realizar ato isolado de compra ou uso de bem ou serviço - o consumidor - sem dominar as informações especializadas que o outro possui. (PAULO LUIZ NETO LOBO, In "Contratos no Código do Consumidor; pressupostos gerais", Rev. JUSTITIA, do MP de S.Paulo, vol. 160, 1992, pág. 252).

A necessidade de equilíbrio na relação que se forma, impõe restrições legais às condições que atribuam vantagens excessivas ao fornecedor e demasiada onerosidade ao consumidor, caracterizadas umas e outras, como cláusulas abusivas, por causarem o desequilíbrio que a lei reprime. Conforme tal, o CDC proíbe as cláusulas iníquas (perversas, injustas, contrárias à eqüidade), e abusivas (que desrespeitam valores éticos da sociedade), que sejam incompatíveis com a boa fé ou coloquem o consumidor em desvantagem excessiva.

O CDC menciona, ao Art. 51, um elenco exemplificativo de cláusulas abusivas. Exemplificativo porque, ao descrevê-las, usou a expressão "entre outras", significando que não se resumem ao que está ali descrito. Nesse sentido, os incisos IV e XV, e o § 1º, que reprimem as cláusulas que atribuam vantagens excessivas ao fornecedor e demasiada onerosidade ao consumidor, as que estabeleçam obrigações iníquas (perversas, injustas) e abusivas, que sejam incompatíveis com a boa fé e a eqüidade, ou coloquem o consumidor em desvantagem excessiva. Esta é definida, no § 1º, como a ofensa aos princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence, que restrinja direitos e obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato de modo a ameaçar o seu objeto e o seu equilíbrio, e se mostre excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. Essa posição da lei visa a neutralizar a hipossuficiência do consumidor diante do poderio econômico ou da situação vantajosa do fornecedor.

A regra é a da nulidade da cláusula, que há de ser aplicada de ofício, mas, conforme o § 2º, não invalida necessariamente o contrato, exceto quando, ao ser retirada, e apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo para qualquer das partes. Ou seja, declarada nula uma cláusula, o juiz deverá desenvolver esforços integrativos para superar as lacunas decorrentes da sua supressão, valendo-se da aplicação dos princípios gerais do Direito, da analogia, dos costumes e da eqüidade, conforme o Art. 7º, parte final. O que a lei busca é a satisfação de uma necessidade através do contrato. Se este contém algum problema de natureza jurídica, há de ser resolvido e equacionado frente à questão material do fornecimento do produto ou do serviço. Se esse fato não descaracterizar o objetivo pactuado ou se não onerar excessivamente, agora, tanto o consumidor quanto o fornecedor, o contrato será preservado. Caso contrário, o contrato rui.

Quanto às práticas abusivas, o CDC descreve-as no Art. 39, e, tal qual as cláusulas abusivas, o faz exemplificativamente, pois também aqui, emprega a expressão "dentre outras". No que tange aos planos ou seguros de saúde, interessa especificamente o inciso V, que considera prática abusiva exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva. Para identificá-la, deve o intérprete valer-se da regra do § 1º do Art. 51, que trata da "desvantagem exagerada" em relação ao consumidor. Ou seja, a que ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico, valendo dizer, a prática que esteja em desacordo com as finalidades fixadas na norma-objetivo do Art. 4º. Assim, caracteriza-se a "vantagem manifestamente excessiva" como a que é obtida por má fé, por malícia, por subterfúgios, embotamento da verdade, publicidade enganosa. No caso dos planos e seguros de saúde, a interpretação que as administradoras e seguradoras costumam dar às cláusulas contratuais por elas mesmas elaboradas, operando transferência de riscos que lhes eram próprios, para o consumidor, que se vê frustrado nas suas expectativas legítimas. Por vezes a cláusula enfocada pode até não ser abusiva, mas a interpretação que se lhe dá impregna de abusividade a prática dela decorrente. É o que ocorre freqüentemente na aplicação das cláusulas de exclusão de doenças e tratamentos, eleição de foro, pré existência de enfermidades, dentre outras. Caracteriza-se assim uma disparidade entre as indicações feitas através de mensagens publicitárias ou de contratos quanto ao objetivo proposto, com a realidade da prestação dos serviços. O que materializa a hipótese do Art. 20 do CDC, parte final, que responsabiliza o fornecedor de serviços pelos vícios de qualidade "decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente", a reexecução do serviço sem custo adicional, a restituição do que pagou, corrigido, sem prejuízo de perdas e danos, ou o abatimento proporcional do preço. Isto é, toda vez que um plano ou seguro de saúde não corresponder, na prática, ao que prometeu na publicidade ou no contrato, estará frustrando a própria finalidade contratual, o seu conteúdo, que não é apenas aquele escrito, mas composto por tudo o que envolve a relação desde o início da sua formação. Essa falta de correspondência derrui a garantia da prestação devida.


CASOS CONCRETOS

a) cláusula restritiva de direitos não destacada

Enumero a seguir a síntese de alguns casos que me vieram às mãos para Parecer em grau de recurso e no momento sub judice. No primeiro ora descrito, uma consumidora encontra-se vinculada a um seguro saúde através de contrato cujo cabeçalho, em letras maiúsculas e em "negrito", é intitulado de "ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR INTEGRAL. PLANO 01-TOTAL". Submetida a cirurgia cardíaca de urgência para a colocação de válvula, a empresa recusou-se a ressarcir o total dos honorários médicos alegando que o "plano 01" é o básico, constando em cláusula do respectivo contrato, em destaque, a fórmula de cálculo para a cobertura de tais honorários.

Note-se bem que as expressões empregadas no título que encabeça o contrato, e em destaque, são no sentido da garantia de cobertura para assistência médico-hospitalar INTEGRAL, através de um denominado "PLANO 01" que consta como TOTAL. O anúncio feito em destaque logo ao início do contrato, induz desde logo o consumidor à idéia de que a assistência médico-hospitalar contratada é coberta INTEGRALMENTE e TOTALMENTE através do PLANO 01 ofertado pela empresa. As expressões empregadas, como "INTEGRAL" e "PLANO 01-TOTAL", induzem facilmente à idéia de que "plano 01" seja o primeiro, o mais importante, o melhor, idéia que é reforçado pelo acréscimo das palavras "INTEGRAL" e "TOTAL".

Diferentemente do que alega a empresa, não foi dado destaque especial à cláusula que contém o modo de cobertura dos honorários médicos e a respectiva fórmula de cálculo. Apenas consta em letras maiúsculas, como título de capítulo, a referência aos pagamentos de tabelas de honorários. Ao se examinar o contrato, verifica-se que todos os títulos capitulares estão igualmente impressos em letra maiúscula, não havendo, pois, qualquer destaque em particular para o que alude a empresa. O contrato não está redigido com caracteres ostensivos, inexiste qualquer destaque de redação às cláusulas que implicam limitação de direito do consumidor, e a forma de cálculo dos valores dos honorários médicos não está explicitada de maneira clara ou compreensível. Ao contrário: afigura-se extremamente complicada, ininteligível ao senso comum, beirando o cabalismo. Por várias vezes e em diversos locais do processo, a empresa tenta esclarecer a fórmula de cálculo. A própria repetição das explicações no processo, já indica a tentativa da empresa de minimizar a ininteligibilidade da fórmula de cálculos até mesmo para pessoas letradas ou de formação escolar superior, quanto mais para o senso comum. Tais esclarecimentos deveriam ter sido prestados com toda a clareza, sim, mas na fase de formação do contrato, em momento anterior à sua assinatura, na ocasião da oferta do serviço, durante os contatos prévios mantidos entre a empresa através dos seus prepostos, e a consumidora.Não tendo sido assim, resta caracterizada a infringência, por parte da fornecedora, às normas dos §§ 3º e 4º do Art. 54 do Código de Defesa do Consumidor, In verbis:

Art. 54 - Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

...(omissis)...

§ 3º - Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor

§ 4º - As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

Neste particular, leciona NELSON NERY Jr. (In "Código de Defesa do Consumidor Comentado Pelos Autores do Anteprojeto", Ed. 1996, fls. 386):

"Sobre os destaques, ganha maior importância o dever de o fornecedor informar o consumidor sobre o conteúdo do contrato (Art. 46 do CDC). Deverá chamar a atenção do consumidor para as estipulações desvantajosas para ele, em nome da boa fé que deve presidir as relações de consumo. O destaque pode ser dado de várias formas: a) em caracteres de cor diferente das demais cláusulas; b) com tarja preta em volta da cláusula; c) com redação em corpo gráfico maior do que os das demais estipulações; d) em tipo de letra diferente das outras cláusulas, como, por exemplo, em itálico, além de muitas outras formas que podem ser utilizadas ao sabor da criatividade do estipulante".

A empresa não diligenciou para que a consumidora tomasse conhecimento real e efetivo do conteúdo integral do contrato, sobretudo a respeito das restrições da cobertura. E essa tomada de conhecimento não pode ser entendida como simples leitura nem como aceitação ou consentimento. A cognoscibilidade abrange o pleno conhecimento e a compreensão de todos os requisitos e efeitos do contrato. De modo que é irrelevante a situação concreta em que se achar o consumidor individual, como é também irrelevante eventual declaração sua de ter conhecido ou compreendido os termos a que se obrigou. Não há declaração de conhecer. Ou conhece-se ou não se conhece. O que importa é que o consumidor tenha podido conhecer e compreender, ou seja, que o fornecedor lhe tenha dado, com toda a liberdade de análise, os meios de conhecer e entender o contrato com clareza, com destaque para as cláusulas de alguma forma desvantajosas, sem "truques", vantagens aparentes, formulações de conceitos abstratos de difícil entendimento para os leigos, ou subterfúgios de qualquer outra espécie. A própria redação do contrato, principalmente quando do tipo de adesão, há de ser impressa em termos claros, em caracteres bem legíveis, que não cansem, não se admitindo o tipo de impressão em letra miúda, que dificulta a leitura e a compreensão. As cláusulas que impliquem em limitação ou alguma desvantagem ao consumidor, devem ser impressas em destaque (por exemplo, tipo maior e em "negrito"). Sem estas características, serão tidas como não escritas ou ineficazes, mesmo que tenham sido aceitas pelo consumidor, implícita ou explicitamente. São as regras do Art. 54, §§ 3º e 4º, que desdobram o Art. 46, em obediência aos princípios da boa fé e da transparência.

No contrato em questão, a cláusula restritiva dos direitos da consumidora é de difícil compreensão do seu conteúdo. Conforme consta na respectiva cláusula, os cálculos formulados "servirão de base para o reembolso ao Segurado, ou pagamento à Pessoa Física ou Jurídica prestadora dos Serviços". Ao empregar-se a conjunção alternativa "ou", foram omitidas as condições em que se verificariam uma ou outra hipótese, ou seja, quando fosse o pagamento realizado à consumidora, ou à entidade prestadora do serviço. Isto também dificulta a compreensão. Além do mais, tal fórmula de cálculo está embutida ao final de um sub-item da cláusula geral intitulada "Despesas Cobertas", quando deveria estar em destaque e a título de despesas não-cobertas, ou limitações de cobertura. Se assim tivesse procedido, e se tivesse empreendido com absoluta clareza, a explicação da fórmula, inclusive com exemplificações práticas, a empresa teria dado a oportunidade, à consumidora, de tomar ciência da condição restritiva, de que o direito ao ressarcimento não era absoluto. Mas, ao contrário, foi inculcado à consumidora que a cobertura era "INTEGRAL", que se tratava do "PLANO 01", e que tal plano era "TOTAL". Qualquer informação suficientemente clara e precisa, integra a proposta e vincula o fornecedor, conforme o Art. 30 do CDC. A empresa ofertou uma modalidade de cobertura alardeada como "INTEGRAL" e "TOTAL" por ocasião da venda do serviço e assinatura do contrato, sem que fossem ressalvadas e explicadas com clareza as condições restritivas. Obrigou-se, portanto, a cumprir a oferta na forma como ofertou.

b) recusa de cobertura para exames médicos especializados:

Após cumpridas todas as carências contratuais, o usuário de plano de saúde viu-se acometido de cardiopatia isquêmica por arteriosclerose coronária com lesões obstrutivas severas, portador de "angina no peito", necessitando ser submetido com a máxima brevidade, a angioplastia coronária. Este procedimento exige a realização de três exames especializados, denominados de "cateterismo direito e esquerdo, cinecoronariografia e cineangiocardiografia" conforme requerido pelo médico que assistia o paciente. A empresa negou a cobertura sob a alegação de tratar-se de exames especializados que exigem internação, não previstos no contrato e por isso excluídos, além de ter sugerido a realização de outros mais simples e menos dispendiosos, em substituição aos requisitados pelo médico. Alegou também que, mesmo se tratando de médico credenciado, não estava a administradora obrigada a cobrir a realização dos exames, até porque o atendimento fora feito no consultório particular do profissional e não em ambulatório da empresa.

A prática levada a efeito pela administradora é manifestamente abusiva. A exclusão da cobertura para os exames apenas por não estarem previstos em contrato, e a sugestão para a realização de outros alternativos por não exigirem internamento e serem mais baratos, chega às raias do absurdo. Só quem pode avaliar a necessidade ou não de realização de exames, ou a sua substituição por diferentes alternativas, é o próprio profissional que atende o paciente, ou outro da sua escolha, e não a empresa, sob pena de ferir a ética médica. Igualmente quanto à alegação de que o atendimento ao paciente ocorrera no consultório particular do médico e não em ambulatório mantido pela empresa. Tal restrição, de que os atendimentos só possam ser feitos em dependências da empresa ou por ela credenciadas, inexiste no contrato, e mesmo que existisse seria no mínimo questionável.

O consumidor firmou contrato com a empresa em que consta tratar-se de "PLANO DE SAÚDE TOTALMENTE SEM CARÊNCIA", e dentre as vantagens alardeadas, destaca-se a de ser um "PLANO BÁSICO ESPECIAL", com cobertura para "EXAMES ESPECIALIZADOS". Neste particular, o Art. 30 do CDC prevê que toda informação ou publicidade suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado. A empresa alardeia, explicitamente e em destaque, no próprio contrato, as vantagens do seu "PLANO BÁSICO ESPECIAL" mencionando dentre elas os "EXAMES ESPECIALIZADOS". A idéia da especialização, principalmente quando integrando o próprio contrato, induz, claramente, a qualquer pessoa, tratar-se de um plano que, apesar de "básico", é "especial", ou seja, de melhor qualidade e maior abrangência, superior aos demais semelhantes existentes no mercado, pois contém detalhes como os "exames especializados" que o diferenciam de outros, influenciando a decisão do consumidor em favor da contratação do referido plano. Assim, fica a empresa obrigada a cobrir a realização dos ditos exames específicos, de nada valendo alegar que não constam na avença. Com isso, a empresa busca inverter a própria lógica do mercado, que consiste em mencionar as exclusões mas nunca as previsões, decorrendo daí que o não excluído presume-se permitido. Está-se, pois, diante de interpretação dada pela própria administradora que foge ao objetivo contratual, mas sobretudo em contrário aos princípios da boa fé, transparência e informação, estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor e a recusa ao cumprimento da oferta constante no próprio contrato caracteriza prática abusiva.

c) doença preexistente:

A consumidora trocou um plano por outro, que "comprou" as carências já preenchidas na vigência do anterior. Tendo sofrido ataque isquêmico causado por "valvulopatia cardíaca embolizante", necessitou de tratamento cirúrgico de urgência para "troca valvular". Ao solicitar a "senha autorizativa" à seguradora para o internamento hospitalar e realização da cirurgia, foi-lhe negada sob a alegação de tratar-se de doença preexistente e congênita, não declarada no momento da adesão contratual. Reconheceu, a seguradora, a absorção das carências do plano anterior, mas que "comprou apenas carências e não doenças preexistentes", excluídas estas por força de cláusulas contratuais que as definem como "aquelas que existam anteriormente ao início do seguro. Também são consideradas preexistentes as doenças congênitas e doenças cujos sintomas eram de conhecimento do segurado na data da assinatura da proposta, independentemente de diagnóstico médico". Alegou ainda que a declaração da consumidora de que não era portadora de doença, não corresponde à verdade, pois se trata de doença congênita, e, como tal, infringiu cláusula do contrato que exclui a cobertura em face de "circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta de seguro ou na taxa do prêmio", o que acarreta a perda do direito às coberturas do seguro, "ficando este anulado sem que o segurado tenha direito à devolução dos prêmios pagos", nos termos do Art. 144 do Código Civil, e ainda se arrima nos Arts. 1443, 1444, 1432, 1434, 1435 e 1460 do mesmo Código.

A relação é de consumo, formada de um lado por um fornecedor, que é a seguradora, e de outro, um consumidor, destinatário final. Desse modo, as normas prevalentes a aplicar, são as do Código de Defesa do Consumidor, e não do Código Civil.

Falta, no caso, razoabilidade as cláusulas aludidas pela empresa, e, sobretudo, à interpretação que pretende fazer a seu favor para justificar a recusa de cobertura. A consumidora era associada antes a outro seguro. Ao trocá-lo pelo da empresa demandada, preencheu declaração onde assegurava não ser portadora de doença preexistente, o que se presume verdadeiro até prova em contrário. A empresa "comprou" as carências preenchidas e aceitou a declaração da consumidora de que não era portadora de doença, sem que diligenciasse qualquer verificação a respeito. Caberia a ela, empresa, promover exame médico capaz de detectar se havia ou não tal doença, pois era do seu exclusivo interesse. Mas, no afã cobiçoso de arrebanhar mais um associado, não o fez, e assumiu o que lhe foi declarado sem titubear, firmando o contrato de adesão por ela própria elaborado. O momento próprio para a empresa excluir da cobertura qualquer doença preexistente ou congênita, era o do ato da contratação, e diante do resultado de prévio exame médico por ela patrocinado. Passado esse momento, não pode agora afirmar pela preexistência de doença para se furtar ao compromisso avençado. E alegar que a consumidora sabia ser portadora de doença anterior, é laborar em mera suposição, sem nenhuma consistência fática ou jurídica.

Ressalta, aqui, a vacuidade dos conceitos emitidos pelas empresas.

O que é, em verdade, doença preexistente? Desconheço qualquer caso em que uma dessas empresas tenha exigido, ou patrocinado, exame médico para detectá-la. E, mesmo assim, ainda que se fizessem tais exames, é de ver que o conceito de doença preexistente, com os avanços da genética, está se tornando tão amplo que qualquer distúrbio na saúde pode, ou poderá, ser considerado como "preexistente", pois que também potencialmente "preexistente" na carga genética de cada pessoa. Sabe-se, por exemplo, que há famílias, grupos, comunidades inteiras, onde a incidência de distúrbios cardíacos, ou de câncer, ou isquêmicos, é maior que noutras. Já é da prática médica indagar ao paciente acerca dos antecedentes familiares acerca disso. Com a amplitude de interpretação que está sendo dada pelas empresas, logo virá o tempo em que intentarão recusar cobertura ao tratamento de doenças pela ascendência familiar ou em função do local de nascimento. O conceito, ou a interpretação que se lhe tende a dar já é em si mesmo, fortemente questionável, inclusive porque aproxima-se das teses abomináveis da eugenia racial.

Nos termos que pretende a empresa, a negativa de cobertura caracteriza prática abusiva, eis que visa a transferir os riscos que são dela, na qualidade de fornecedora, para a consumidora. Com a inversão dos riscos, rompe-se a boa fé objetiva que deveria presidir a relação e desaparece a transparência que, aparentemente, existia na contratação. Foram também desrespeitados os princípios da proteção à vida e à saúde da consumidora, à sua dignidade e aos seus interesses econômicos, eis que pagou sem receber a contrapartida. Quanto à cláusula contratual que exclui a necessidade de diagnóstico médico de doença pré existente para efeito de exclusão da garantia, é abusiva à luz dos preceitos do CDC, contraria o próprio objetivo do contrato, o sistema jurídico em que está inserida a relação e inverte o sentido dos princípios da boa fé, da transparência e da vulnerabilidade, quanto mais não fosse leonina, à luz do próprio Código Civil. Padece, pois, de nulidade.

d) suspensão de internamento por diagnóstico posterior de doença excluída da cobertura.

O consumidor fez internar dependente seu (filho) em hospital sob suspeita de estar acometido de meningite. A seguradora autorizou a internação, mas posteriormente, com a confirmação do diagnóstico, recusou-se a pagar o tratamento sob a alegação de que meningite é doença infecto-contagiosa e que o internamento tinha sido autorizado sob condição, sendo do conhecimento do interessado que tal autorização poderia ser sustada caso fosse confirmado o diagnóstico, como ocorreu.

A exclusão de doença como a meningite sob a alegação de ser infecto-contagiosa é incongruente. Doenças, de modo geral, são infecto-contagiosas. Um simples resfriado ou um fungo de unha dos pés, ou uma singela indigestão, ou mera erisipela, ou qualquer dessas virosos inominadas tão comuns hoje em dia, são infecto-contagiosas, eis que provocadas por bactérias, fungos ou vírus, facilmente transmissíveis. E tanto assim é que se as contrai. Portanto, são infecções, e são contagiosas. Tanto quanto a meningite ou outra mais grave. E, afinal, o que é grave? A depender do estado de saúde em que se encontre o organismo receptor, qualquer doença por mais banal que seja, pode acarretar complicações e até a morte. Pela interpretação ampliativa que estão a dar as seguradoras e administradoras, todas essas doenças corriqueiras estarão, ao seu alvitre, excluídas da cobertura do plano ou seguro contratado. Tanto quanto a "catapora", o "sarampo", a "papeira", e outras que tais. Ao lado do câncer, da AIDS, e outras tidas como mais graves. Além das chamadas epidemias, ou doenças epidêmicas. Ou ainda, as chamadas doenças preexistentes. Ressalta, mais uma vez, a vacuidade conceptual que dá margem à interpretação unilateral ao alvitre das empresas, não bastasse a liberdade de elaboração do contrato ao seu bel prazer.

Mas, à luz do próprio contrato, não cabia a pretendida condição imposta ao internamento, eis que não prevista em nenhuma cláusula. Conforme os princípios da boa fé, da transparência e da informação correta que devem nortear as relações de consumo, não poderia a empresa condicionar a continuidade da cobertura por força de interpretação restritiva estabelecida por ela própria ao consumidor, posteriormente à assinatura do contrato, mais a mais por não constar nele e não ter sido corretamente esclarecida. A regra básica fixada pelo Art. 47 CDC é a de que os contratos serão interpretados da maneira mais favorável ao consumidor, ressaltando-se que independe da dúvida. A prática é, portanto, abusiva.

e) suspensão de internamento em U.T.I. por esgotamento de prazo.

Complicações pós cirúrgicas obrigaram o internamento de usuário em U.T.I. Decorridos quinze dias a administradora recusou-se a prosseguir com a cobertura sob a alegação de ter transcorrido o prazo previsto no contrato. Sem condições financeiras de custear o tratamento intensivo e em face do sério risco à vida do paciente que se agravaria com eventual transferência para hospital público, os seus familiares acionaram a administradora, obtendo liminar que garantiu a continuidade do internamento. Em momento posterior, houve composição judicial entre as partes.

A prática intentada pela administradora demonstrou total desprezo pela vida e pelas mais comezinhas regras da ética e do sentimento humanitário. Feriu o princípio constitucional da solidariedade e contrariou os Arts. 4º e 6º-I, do CDC, no que tange à proteção à vida e à saúde, o Art. 14 e § 1º no que se refere ao defeito na prestação do serviço por não fornecer a segurança esperada pelo consumidor, e o Art. 20 § 2º no que tange à inadequação do serviço aos fins que razoavelmente dele se esperam. A abusividade é flagrante.


OUTRAS CONDIÇÕES RESTRITIVAS

Vale mencionar outras cláusulas restritivas ou limitativas de direitos que costumam ser impostas nos contratos de seguros e planos de saúde, tais como as limitações de prazos de internamento, as exclusões de doenças, exames, tratamentos, aparelhos ortopédicos e medicações, as excessivas penalidades para quem atrase o pagamento até por um esquecimento compreensível, mesmo que seja por apenas um dia, a imprecisão conceptual de expressões como "lesões causadas por ato ilícito", "doenças infecto-contagiosas", "acidentes coletivos", "acidentes sofridos em tumultos ou fatos da natureza, guerras e revoluções", além de proibições de procedimentos descritos em linguagem hermética, quase cabalística, só inteligível aos iniciados, tais como "ACTH", "T 3 REVERSO", "17 ALFA DH", "PTH", "ESTÍMULO PELA CLOPROMAZINA", TESTE DE VASOPRESSINA". Essas restrições desvirtuam o objetivo central do contrato, mesmo quando visualizadas à luz do direito comum tradicional, e frustram a expectativa legítima do consumidor, mormente em face de ampla publicidade que alardeia as mais vantajosas condições na prestação dos serviços, incluindo U.T.Is. móveis até por via aérea, como se fossem procedimentos corriqueiros e comuns a todas as modalidades de planos ou seguros.


PROPOSTAS DE REGULAMENTAÇÃO

A tramitação de projetos de lei no Congresso Nacional visando à regulamentação dos planos e seguros de saúde, e a inexistência de garantias mínimas quanto à perenidade das seguradoras e administradoras que operam no mercado, motivaram o encaminhamento, por parte da Coordenadoria do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, do Ministério Público de Pernambuco, de expediente à Presidência e à Vice-Presidência da República, Senadores e Deputados Federais, contendo as seguintes propostas, da minha responsabilidade:

1) Cobertura de todas as enfermidades catalogadas no C.I.D. (Código Internacional de Doenças), excetuando-se apenas os distúrbios psicológicos de personalidade, as doenças profissionais quando cobertas pela Previdência Social e as epidemias quando declaradas ou reconhecidas oficialmente pela Autoridade Sanitária Federal, Estadual ou Municipal;

2) Cobertura para o tratamento de todas as lesões decorrentes de acidentes, inclusive coletivos, ou no exercício da legítima defesa em qualquer situação, e nos causados por fatos da natureza, excetuando-se apenas os acidentes de trabalho confirmados, as lesões sofridas pelo autor de atentado à própria vida ou à própria integridade física, e nos casos de autoria, co-autoria e incitação a crimes, contravenções, tumultos ou atos de rebeldia à Autoridade Policial, quando forem, os responsáveis, condenados definitivamente pela Justiça;

3) Prazos de internamento hospitalar ou ambulatorial, inclusive em UTI, sempre conforme as necessidades do paciente, a critério do(s) médico(s) que o assiste(m);

4) Cobertura para os exames ou testes que sejam necessários a critério do(s) médico(s) que atende(m) e/ou assiste(m) o paciente, inclusive os previstos para recém-nascidos conforme o Art. 10, Inc. III da Lei 8069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente - E.C.A. (Ex.: "Teste do pezinho", etc);

5) Cobertura para todos os medicamentos, drogas, anestesias e/ou equipamentos, nacionais ou importados (Ex.: aparelhos de órtese, remédios estrangeiros sem similar no país ou na falta dos nacionais), que, a critério do(s) médico(s) ou especialista(s) que cuida(m) do paciente, forem necessários ao procedimento cirúrgico ou ambulatorial de urgência e de recuperação do usuário, inclusive nos partos, nas cirurgias buco-faciais e nas cirurgias programadas, excluindo-se apenas os aparelhos ortopédicos e de fonoaudiologia destinados ao uso permanente;

6) Garantia de atendimento, sem carência, dos casos de acidentes ou doenças súbitas (Ex.: infartos, acidente vascular cerebral ou periférico, aneurisma, apendicite, etc); carências máximas de seis meses para as demais doenças e de dez meses, simultaneamente, para obstetrícia e partos;

7) Permissão de oferecimento de serviços extras, como ambulância, acompanhantes, atendimento fora do país, U.T.I. móvel (inclusive por via aérea desde que em aeronaves aptas para vôos noturnos), seguros de vida e de acidentes pessoais, etc, admitindo-se a cobrança de acréscimos no preço das mensalidades por cada item escolhido, mas assegurando-se sempre, ao usuário, a opção apenas pelo contrato básico;

8) Distinção clara e objetiva entre "seguros" e "planos", ficando as Seguradoras responsáveis pelos "seguros-saúde" e as Administradoras, pelos "planos-saúde", com as seguintes diferenças, ao nível do consumidor/usuário:

8.1. - nos "seguros-saúde", a livre escolha de médicos, hospitais, clínicas e laboratórios, sendo as listas de credenciamentos apenas referenciais

8.2. - nos "planos-saúde", ficará o serviço vinculado às listas de credenciamento e convênios firmados pelas Administradoras, que será obrigada a enviar mensalmente a cada usuário a lista sempre atualizada, além de eventuais modificações ocorridas no transcurso dos períodos mensais que serão comunicadas no prazo de quarenta e oito horas, assegurando-se, em qualquer caso, a cobertura dos atendimentos em curso;

8.3. - em razão dessas distinções, permitir-se-á diferenciação de preços entre ambas as modalidades de contratação;

9) Garantia ao usuário para a mudança de plano ou seguro em qualquer idade, nos casos descumprimento de cláusulas contratuais ou encerramento de atividades da Administradora ou Seguradora, ou a sua incorporação ou absorção por outra, sempre pelo mesmo preço cobrado pela anterior;

10) Criação de fundo financeiro de compensação composto por contribuições das Administradoras e das Seguradoras, para cobertura de eventuais prejuízos ou diferenças advindas de encerramento de atividades, mudanças de plano ou seguro pelo usuário, etc;

11) Fiscalização e auditagem permanente das finanças e da gestão administrativa das Administradoras e Seguradoras por parte de órgão específico (Ex.: SUSEP);

12) Obrigação legal de pagamento por parte das Administradoras/Seguradoras pelos atendimentos aos seus usuários quando feitos na rede pública hospitalar/ambulatorial vinculada ao SUS e cobertos pelo respectivo plano/seguro. (Ex.: estima-se que 30% dos pacientes atendidos nos hospitais públicos são vinculados a planos ou seguros cujas Administradoras/ Seguradoras não ressarcem o erário das despesas respectivas, o que implica em verdadeiro subsídio indireto, custeado pelo conjunto da Sociedade).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Nelson Santiago. O consumidor e os seguros ou planos de saúde. Anotações acerca dos contratos; cláusulas e práticas abusivas.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 22, 28 dez. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/698. Acesso em: 29 mar. 2024.