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O caso Brown versus Board of Education of Topeka e o fim da segregação racial na educação pública americana

O caso Brown versus Board of Education of Topeka e o fim da segregação racial na educação pública americana

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Em 2018, faleceu a cidadã norte-americana Linda Brown. Sua luta, quando criança, contra uma lei segregacionista, resultaria numa das mais importantes decisões da história da Suprema Corte.

Sumário: 1. Introdução; 2. O federalismo americano. 3. O julgamento do caso Plessy vs. Fergusson; 4. O caso Brown vs. Board of Education; 5. A discussão sobre a 14ª. Emenda. 6. A presidência de Earl Warren na Suprema Corte. 7. A decisão da Suprema Corte no caso Brown. 8. Conclusão. 9. Referências bibliográficas. 


1. INTRODUÇÃO 

Em 25 de março do ano de 2018, faleceu a cidadã norte americana Linda Brown, então com 75 anos de idade. Apesar de seu nome, hoje, ser pouco conhecido do público em geral, foi ela quem, quando criança, envolveu-se num episódio de segregação racial que mudaria por completo as restrições existentes nas escolas públicas americanas. Brown era afro descendente, nascida na cidade de Topeka, no estado do Kansas. A sua luta contra uma lei do seu estado seria levada ao Poder Judiciário, gerando o caso “Brown vs. Board of Education of Topeka, Kansas”. Em emblemático julgamento, considerado por muitos como a mais importante decisão da Suprema Corte no século XX, acabariam sendo derrubadas legislações segregacionistas aplicáveis à educação pública, que vigoravam, à época, em dezessete estados americanos. 


2. O FEDERALISMO AMERICANO 

O caso Brown está diretamente ligado ao conjunto de leis estaduais que estruturaram a segregação racial, após a guerra civil, em determinadas unidades da federação americana. A pluralidade de legislações segregacionistas que proliferaram pelo país era um reflexo direto do modelo de organização política adotado pelos Estados Unidos. Com a independência, no ano de 1776, cada uma das treze colônias possuía plena autonomia para aprovar as leis que seriam aplicadas em seu território. Consequentemente, quando do início da guerra civil, em 1861, os Estados Unidos apresentavam uma estrutura legislativa muito complexa. Havia 15 unidades federativas em que as leis permitiam plenamente a escravidão, enquanto que nas outras 19 era totalmente proibida. Ou seja, dentro de um mesmo Estado nacional, regido por uma mesma Constituição, governado por um mesmo Presidente, coexistiam legislações antagônicas entre si. 

Os estados que adotavam o sistema escravocrata desfrutavam claramente de vantagens econômicas. Nestas unidades, grande parte da mão de obra não era assalariada, o que reduzia consideravelmente os custos de produção. Inexistiam dificuldades em contratar empregados, porque os escravos eram comprados. O trabalho era prestado por tempo indeterminado, ou seja, quem fosse adquirido teria que residir durante toda a sua vida na propriedade do seu comprador. Há de se destacar que os estados sulistas desenvolviam uma agricultura exportadora baseada principalmente no algodão, o que assegurava aos produtores uma boa situação econômica. Nestas unidades da federação, a classe política não aceitava mudanças no modelo trabalhista então vigente. 

Para os políticos dos estados onde a escravidão era proibida, a economia baseada no trabalho escravo representava um enorme entrave que impossibilitava os Estados Unidos de alcançarem o nível de desenvolvimento econômico dos europeus. Em 1860, o Partido Republicano lançou, como candidato à Presidência, Abraham Lincoln, defensor do abolicionismo. Apesar de não ter obtido, no colégio eleitoral, os votos dos estados escravistas, Lincoln venceu as eleições pelo apoio que obteve nos estados do norte do país. Diante deste resultado, a Carolina do Sul, o Mississipi, a Florida, o Alabama, a Georgia, a Lousiania e o Texas decidiram deixar de pertencer à União. É adotada a Constituição Confederada em Montgomery, Alabama, e eleito Jefferson Davis como o novo Presidente dos estados separatistas. A separação não é aceita e, no ano seguinte, iniciava-se a longa guerra civil americana, que se estenderia por mais de quatro anos.   

Com a vitória do norte, conseguiu-se de fato abolir a escravidão em todo o país. No plano constitucional, foram aprovadas a 13ª. Emenda, extinguindo o trabalho escravo; a 14ª. Emenda, que estendia a cidadania a todos os americanos, incluindo os afro-americanos; e a 15ª emenda, que fixava o direito de voto. Mas, na prática, as mudanças ficaram circunscritas apenas ao plano econômico, pois não houve nem a integração social dos ex escravos, nem a mudança dos agentes que dominavam os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário nos Estados sulistas. Ou seja, a guerra de secessão e a presidência de Abraham Lincoln não retiraram o poder político, nos estados confederados, das mãos dos antigos proprietários de escravos. Ressaltamos que não houve  alteração no modelo de federação existente desde a independência, o qual conferia ampla autonomia aos estados para escolherem suas próprias leis.  

Em 1865, ocorre a fundação da Klu Klux Klan, no Tennessee. A organização defende a supremacia branca e escolhe, como seu primeiro líder, o ex general confederado Nathan Bedford. Como a sociedade sulista não aceitava que os ex-escravos possuíssem os mesmos direitos que seus antigos proprietários, não tardaram a proliferarem legislações segregacionistas, denominadas de Jim Crown. Durante a reconstrução do sul, foram também aprovados os Black Codes que impunham restrições aos direitos civis, de voto e às liberdades dos que não fossem de raça branca. Havia leis que instituíam a segregação em locais públicos, em transportes públicos, em áreas de diversão, em restaurantes e até mesmo em banheiros e bebedouros. Também surgiram legislações  proibindo casamentos inter raciais. Mas, a discriminação de efeitos mais danosos para os afrodescendentes residia nas regras que instituíam escolas separadas para brancos e para afro descendentes. Os estabelecimentos de ensino para as pessoas da raça negra eram dotados de instalações físicas mais precárias, possuíam verbas públicas mais reduzidas e um quadro de professores menos qualificado. Em consequência, ofereciam pior qualidade de ensino e proporcionavam uma formação acadêmica mais fraca para os cidadãos afro descendentes, colocando-os em desvantagem no mercado de trabalho. A menor qualificação significava a percepção de menores salários e a ocupação de cargos mais baixos.


3. O JULGAMENTO DO CASO PLESSY VS. FERGUSON:

No século XIX, a constitucionalidade das leis segregacionistas nos Estados Unidos foi objeto de análise e decisão por parte da Suprema Corte. Em 7 de junho de 1892, o cidadão Homer Adolph Plessy, afro descendente, mas também de ascendência branca, havia adquirido um bilhete para a primeira classe na viagem de trem de Nova Orleans até Covington. Ao ser abordado no vagão pelo cobrador, foi instado a se retirar porque o assento era destinado apenas para brancos. Em face de sua negativa, a polícia interveio e o levou preso. 

Plessy acabou sendo submetido a julgamento por violar uma Lei do estado da Lousiania de 1890, que fixava a segregação nos trens, e condenado pelo juiz John Ferguson. O caso foi, então, levado à Suprema Corte, em 1896, sob a alegação de violação à Décima Quarta Emenda Constitucional, aprovada no ano de 1868, que garantia aos cidadãos a igualdade de proteção na lei, nos seguintes termos:

Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas a sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado onde tiver residência. Nenhum Estado poderá fazer ou executar leis restringindo os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos, nem poderá privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade ou bens sem o devido processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição igual proteção das leis.

Apesar da previsão de igualdade perante a lei, o tribunal decidiu pela constitucionalidade da legislação racista da Lousiania e pela manutenção da punição a Plessy. Isto porque, para os Ministros, foram oferecidos assentos tanto para brancos, quanto para negros, o que assegurava a igualdade prevista na Constituição, não havendo, por outro lado, a obrigatoriedade de que ambas as raças sentassem juntas. O único voto dissidente foi o proferido por John Marshall Harlan, do Kentucky. Segundo Marshall a segregação violava a XIII e a XIV emendas à Constituição. 

Com a decisão, a Corte chancelava a doutrina “equal but separate” (separados mas iguais), que perdurou por mais de meio século nos Estados Unidos. Baseado nesta doutrina, vários litígios foram julgados constitucionais como o Caso Gong Lum vs. Rice (1927), que equiparou as crianças de origem chinesa aos negros para fins de matrícula escolar, vedando, portanto, que estas se matriculassem nas escolas de brancos.

Antes do julgamento de Plessy vs. Ferguson, a Suprema Corte proferira uma decisão ainda mais polêmica. O caso envolvia o escravo Dred Scott, do Missouri, que pertencia ao médico do Exército John Emerson. Scott, acompanhando o seu proprietário, passou a residir nos estados de Minnesota e Illinois, onde a escravidão era proibida. Ao retornar para o Missouri, interpôs um pedido judicial pleiteando que lhe fosse reconhecida a situação de homem livre, a qual teria sido conquistada por ter morado nestes estados. Em 06 de março de 1857, a Corte decidiu por maioria que as pessoas da raça negra não eram cidadãos americanos e, consequentemente, não poderiam acionar a justiça federal do país.   


4. O CASO BROWN VS. BOARD OF EDUCACION 

No ano de 1951, surgirá um litígio na pequena cidade de Topeka, no Estado do Kansas, que irá mudar para sempre a segregação racial no sistema educacional público americano. Linda Brown, então com 8 anos de idade, estudava na Monroe School destinada a alunos afro americanos, que além de ficar a 21 quarteirões de sua casa, possuía instalações velhas e oferecia menor qualidade de ensino. No entanto, havia a Sumner School a apenas 5 quarteirões de onde morava. Ou seja, ela poderia ir caminhando se estudasse neste estabelecimento, ao invés de diariamente acordar cedo e pegar ônibus para chegar a sua escola. 

O pai de Linda, Oliver Brown tentou matriculá-la na Sumner School, mas teve o seu pedido negado porque a mesma era exclusiva para estudantes de raça branca. Em Topeka, havia 18 escolas para brancos e apenas 4 para afro americanos. Inconformado com a recusa, Oliver procurou a National Association for the Advancement of Colored People (NAACP), uma organização civil que lutava contra a discriminação racial. O caso foi levado à justiça, mas não houve sucesso. O Tribunal Distrital do Kansas, baseado na jurisprudência do caso Plessy vs. Ferguson, argumentou que também fora oferecido uma escola para os negros e decidiu aplicar a teoria do “equal but separate”, mantendo a proibição de matrícula. O caso foi então levado à Suprema Corte. 


5. A DISCUSSÃO SOBRE A 14ª EMENDA  

Como já destacamos, a Suprema Corte assentou a perigosa doutrina do “equal but separate”, que serviria para amparar as leis segregacionistas que vigoravam em determinadas unidades federativas dos Estados Unidos. A jurisprudência da Corte manteve-se, por décadas, alinhada ao precedente do caso Plessy vs. Ferguson, apesar da organização de movimentos para pressionar pela igualdade de direitos civis na sociedade americana. 

O caso Brown vs. Board of Education chegou à Suprema Corte, em 1952, quando o Chief Justice (equivalente a Presidente do Supremo Tribunal) era Frederick Vinson, indicado pelo Presidente Harry S. Trumann, no ano de 1946. A Corte logo evidenciou que se tratava de um julgamento muito difícil, pois a decisão traria implicações jurídicas, sociais e políticas. Se o Tribunal decidisse favoravelmente a Brown, estaria invalidando as legislações de segregação nas  escolas públicas, que vigoravam em dezessete Estados americanos. Estas leis foram elaboradas pelos Legislativos estaduais e eram apoiadas pela sociedade de maioria branca, que se opunham à integração racial. Logo, para o cumprimento de uma eventual decisão, haveria reações, podendo ser necessário até o emprego de forças federais. 

Vinson, natural do Kentucky, enxergava com preocupação a reação dos estados sulistas frente a uma decisão da Corte contrária à segregação. A mesma preocupação recaia sobre os Ministros Clark e Reed, naturais do Texas e do Kentucky.  

Mas, se o Tribunal decidisse pela constitucionalidade das leis de segregação, estaria claramente indo de encontro à 14ª Emenda, e consequentemente violando a Constituição dos Estados Unidos. Era notório que a doutrina do “equal but separate” colidia com o direito constitucional à igualdade. Era também inquestionável que as escolas para afro americanos não eram iguais às escolas de estudantes brancos. Os recursos públicos destinados à educação eram aplicados de forma diferenciada, favorecendo as crianças de raça branca. Por outro lado, a tributação recaía da mesma forma sobre todas as pessoas, independentemente da cor da pele. Ou seja, havia isonomia na arrecadação, no entanto as despesas públicas na área educacional não eram isonômicas entre os cidadãos.     


6. A PRESIDÊNCIA DE EARL WARREN NA SUPREMA CORTE 

Vinson decidiu apensar ao caso Brown, o caso “Briggs vs. Elliott”, que versava sobre a contestação a lei de segregação escolar da Carolina do Sul. No entanto, estes casos não foram julgados e, em 1953, o então Chefe de Justiça da Suprema Corte sofreu um enfarte e inesperadamente veio a falecer.    

No seu lugar, assumiria Earl Warren como novo Chefe de Justiça da Suprema Corte dos Estados Unidos, indicado pelo Presidente Dwight Eisenhower. Warren era um político que fora, por mais de dez anos, governador da Califórnia, onde não havia leis impondo a segregação nas escolas estaduais. Antes de se tornar governador, ele assumira, em 1938, o cargo de Procurador Geral do estado. Nesta função, ele conviveu, durante a Segunda Guerra Mundial, com a remoção de milhares de cidadãos americanos de descendência japonesa, para campos de concentração. Mas as restrições e diferenciações impostas a estas pessoas foram baseadas em questões de segurança nacional. Não houve, portanto, qualquer relação deste evento com políticas discriminatórias raciais impostas a certa minoria, pela maioria branca.  

Ao final de três mandatos sucessivos como governador, Warren decidiu por seguir careira na política, candidatando-se a Presidente dos Estados Unidos. No entanto, os delegados do partido Republicano acabaram escolhendo Eisenhower, como o candidato oficial. Apesar do revés sofrido, ele seria escolhido, em 27 de setembro de 1953, para ocupar a vaga aberta com o falecimento do Chefe de Justiça Vision. 

Earl Warren ingressou na Suprema Corte no dia 04 de outubro de 1953. Logo no ano seguinte ao de sua posse, o novo Chefe de Justiça colocou em julgamento o caso Brown. Mesmo tendo assumido há pouco tempo, Warren fixou como prioridade sua resolver um dos litígios mais difíceis da história judicial americana. Chegara o momento da Suprema Corte decidir se manteria o entendimento firmado no século XIX ou se derrubaria a doutrina do equal but separate que amparava a segregação racial na educação pública americana. A decisão sobreveio em 17 de março de 1954.   


7. A DECISÃO DA SUPREMA CORTE NO CASO BROWN

No início do voto da Corte (não houve juízes dissidentes que votaram de forma contrária), Warren destacou a complexidade do caso, pois, por um lado, envolvia leis que impunham a segregação no sistema educacional americano, e, por outro, envolvia a doutrina do “equal but separate” e a alegada violação à XIV Emenda Constitucional, como evidenciado no seguinte trecho do voto proferido:  

Em cada um dos casos, os menores da raça negra, através de seus representantes legais, procuram o auxílio dos tribunais na obtenção de admissão às escolas públicas da sua comunidade, baseando-se na não segregação. Em cada caso, foi negada a admissão às escolas frequentadas por crianças brancas, com fundamento em leis que exigem ou permitem a segregaçãode acordo com a raça. Essa segregação foi acusada de privar os autores da igual proteção das leis sob a Décima Quarta Emenda. Em cada um desses casos, além do de Delaware, um tribunal federal de três juízes negou o direito para os autores sobre a assim chamada doutrina "separados mas iguais" anunciado por este Tribunal em Plessy v. Ferguson, 163 US537. De acordo comessa doutrina, a igualdade de tratamento é concedida quando às raças são fornecidos equipamentos substancialmente iguais, mesmo que em instalações separadas. No casode Delaware, a Suprema Corte do estado aderiu a essa doutrina, mas ordenou que os autores fossem admitidos àsescolas de brancos por causa de sua superioridade sobre as escolas dos negros.

Da análise do referido voto, resta evidenciado que o litígio em torno da segregação escolar não envolvia apenas o caso de Linda Brown, havendo também pedidos similares provenientes da Carolina do Sul (Briggs vs. Elliot), Virgínia (Davis vs. Count Scholl Board) e Delaware (Gebhartv. Belton). Neste ultimo estado, houve uma decisão que concluía pela possibilidade de matrícula, em consequência da inequívoca qualidade melhor da escola para brancos. Como os dirigentes escolares não aceitavam a matrícula de estudantes negros, recorreram a suprema corte para derrubarem a decisão delawariana.

Warren destacou que a discussão na Corte inicialmente dirigiu-se para a análise da intenção dos congressistas e demais agentes envolvidos na aprovação da XIV Emenda. Mas, como esta alteração constitucional ocorreu em 1868, portanto há quase um século, não era possível chegarmos a uma conclusão sobre a grave questão da segregação racial, baseando-se em suposições sobre as intenções dos reformistas daquela época, ou mesmo voltando-se para uma sociedade que não existia mais, como evidencia o seguinte trecho do voto proferido: 

A rediscussão foi em grande parte dedicada às circunstâncias que rodearam a aprovação da Décima Quarta Emenda, em 1868, cobrindo exaustivamente as considerações da alteração no Congresso, a ratificação pelos estados, em seguida, as práticas existentes na segregação racial, e os pontos de vista dos defensores e opositores da emenda. Esta discussãoe a nossa própria investigação nos convencem que, embora essas fontes lancem alguma luz, não são suficientes para resolver o problema com que nos defrontamos. Na melhor das hipóteses, elas não são conclusivas. Os defensores mais ávidos das alterações no pós-guerra, sem dúvida, afirmam que a emenda removeu todas as distinções legais entre "todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos."  Os seus adversários, com a mesma certeza, se opunham tanto à letra e ao espírito das alterações e desejavam que os efeitos fossem mais limitado. O que os outros no Congresso e os legislativos estaduais tinham em mente não pode ser determinado com algum grau de certeza.

O grande obstáculo residia na jurisprudência assentada pelo caso Plessy vs Ferguson, que vinha sendo aplicada há décadas como sustentáculo jurídico para leis de discriminaçao racial. No entanto, a Corte Warren afastou este precedente e julgou que a segregação na educação pública violava o princpipio da igual proteção fixada pela XIV Emenda, sendo, portanto, inconstitucional a existência de estabelecimentos separados entre brancos e negros, nos seguintes termos:   

Chegamos então à pergunta apresentada: a segregação das crianças nas escolas públicas apenas com base na raça, mesmo que as instalações físicas e outros fatores tangíveis possa ser igual, privaria as crianças do grupo minoritário de oportunidades educacionais iguais? Acreditamos que ela faz... Conclui-se que, na campoda educação pública, a doutrina dos "separados mas iguais" não tem lugar. Instalações educacionais separadas são inerentemente desiguais. Portanto, temosque os autores e outros em situação semelhante, trazidos nas ações, são, em virtude da segregação, privados daigual proteção das leis garantida pela Décima Quarta Emenda. Esta disposição torna desnecessária qualquer discussão sobre se tal segregação também viola a cláusula do devido processo trazido pela Décima Quarta Emenda.

Por nove votos a zero, chegava ao fim décadas de discriminação racial na educação pública, reparava-se uma das piores máculas que se abatia sobre a sociedade americana e seu sistema legal, tornava-se efetiva a igualdade de proteção na lei, até então, restrita apenas ao texto da décima quarta emenda constitucional. Mas os estados sulistas não se conformaram com a decisão, proferindo ataques à corte, que foi acausada de atuar em claro abuso de poder judicial e de se intrometer na autonomia dos estados. O cumprimento do decidido, em alguns casos, não ocorreu de forma pacífica. Em Litle Rock, Arkansas, 9 estudantes negros tentaram frequentar a Central High Scholl, com 1.900 estudantes brancos. Defendendo a segregação, o governador Orval Fabulus ordenou que a guarda nacional do Arkansas cercasse a escola para impedir o ingresso dos alunos de cor. Somente com o envio de forças do exército pelo Presidente Eisenhower, os estudantes puderam frequentar as aulas.   


8. CONCLUSÃO: 

A decisão no caso Brown retiraria o pilar de sustentação de todo um acervo de legislações segregacionsitas estaduais, traria uma grande vitória não apenas jurídica, mas sobretudo moral, e mudaria para sempre o acesso ao sistema de ensino público americano. Os direitos das minoriais raciais foram equiparados aos da raça branca, efetivando-se o princípio da igualdade. O litígio envolvendo uma criança de 8 anos, em uma pequana cidade americana, ao final, asseguraria a todas as pessoas o direito a frequentar qualquer escola pública, independentemente da cor de sua pele. Mais do que isto, a dignidade da pessoa humana foi assegurada para uma parcela da população que, ao longo de gerações inteiras, fora submetida a violenta segregação e discriminação. Hoje, decorridos mais de meio século do julgamento, a decisão proferida foi certamente um marco dentro da história do direito norte-americano.   


9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COMPSTON, Christine L. Earl Warren: Justice for all.  Cambridge: Cambridge University Press, 2002. 

GRANT, Susan Mary. Themes of Civil War. Boston: Routledge, 2003.

GUYATT, Nicholas. How enlightened Americans invented racial segregacion. Nova Iorque: Oxford University Press, 2016.

HILSTROM, Kevin; BAKER, Lawrence. American Civil War. Boston: Routledge, 2000. 

LAYTON, Robert. Civil Society, Social Desorder and War. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. 

WHITE, G. Edward. Earl Warren: A public life. Nova Iorque: Oxford University Press, 1987.                


Autor

  • Antonio José Teixeira Leite

    Advogado em Brasília (DF). Especialista em Direito Público pelo IDP, MBA em Direito e Política Tributária pela FGV, Especialista em Políticas Públicas, pela Escola Nacional de Administração Pública e Pós graduado em Direito Societário pela FGV-Law. Professor em cursos de graduação, pós-graduação e extensão universitária.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Antonio José Teixeira. O caso Brown versus Board of Education of Topeka e o fim da segregação racial na educação pública americana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5639, 9 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69957. Acesso em: 26 abr. 2024.