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A outorga uxória na união estável

A outorga uxória na união estável

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A outorga uxória é de suma importância no regime de união estável quando há alienação de bens adquiridos conjuntamente, devendo existir conscientização, caso um dos companheiros venha prestar aval ou fiança.

RESUMO: A necessidade de outorga uxória do companheiro para atos de disposição de bens imóveis que são comuns ao casal, que foram adquiridos durante a união estável e registrados apenas no nome de um deles, da mesma forma que se exige dos cônjuges casados sob o regime de comunhão parcial de bens, é matéria alvo de contestação tendo em vista a ausência de previsão legal expressa. Dessa maneira é objetivo deste artigo abordar os institutos da nova concepção de família, que alteram continuamente o ordenamento jurídico brasileiro, trazendo novos conceitos e desafios jurídicos frente aos anseios contemporâneos da humanidade, pois há uma lacuna na doutrina e na jurisprudência no que tange à interpretação da norma que disciplina os efeitos patrimoniais da união estável.

Palavras-chave: Família. Lacuna. outorga uxória. União estável.

SUMÁRIO: Introdução. 1. Da união estável. 1.1 Efeitos patrimoniais da união estável em relação ao casamento. 2. Do instituto da Outorga Uxória. 3. Posicionamento doutrinário e jurisprudencial na interpretação dos arts. 1647, I e 1725 do Código Civil e proteção constitucional. Considerações finais. Referências Bibliográficas.


INTRODUÇÃO

É assegurada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 226, § 3º (Brasil, 2018), às pessoas que vivem em união estável, a mesma proteção jurídica conferida àquelas que optam pelo casamento. Pretende o Estado tutelar as entidades familiares, com intuito principal de garantir-lhes a dignidade, independentemente da forma familiar escolhida pelas partes. Assim, toda entidade familiar, independente de matrimônio, merece especial proteção, sem distinção a descriminação.

Nessa linha de pensamento e seguindo o entendimento da Constituição Federal de 1988, algumas leis infraconstitucionais específicas foram criadas na intenção de regulamentar a união estável nas suas diferentes formas (Neto, 2016). De início, a Lei nº 8971/94 que trazia o direito dos companheiros aos alimentos e à sucessão, já a lei nº 9278/96 foi pioneira no que diz respeito à definição e trouxe também alguns dos direitos e deveres dos companheiros, bem como regulamenta os aspectos patrimoniais da relação estável (Neto, 2016).

O dispositivo indica que os bens tanto móveis quanto imóveis, adquiridos pelo casal ao longo da relação e a título oneroso, pertencem a ambos em condomínio e em partes iguais, exceto se houver documento escrito determinando diferente (Neto, 2016). Além disso, a lei disciplina sobre o companheiro ter direito de habitação, a possibilidade de conversão da união estável em casamento e a competência das Varas de Família para conhecer tais.

Por sua vez, o Código Civil de 2002, no que diz respeito a esse tipo de relação, qual seja, a união estável, tem ampliando as garantias no campo patrimonial dos conviventes. Em seu art. 1725, o referido Código, prediz que em regimes de união estável aplica-se a comunhão parcial de bens, se não existir contrato escrito entre as partes (Brasil, 2018). Aqui encontra-se a questão chave e objetivo desse artigo, pois tendo a possibilidade  da incidência das regras da comunhão parcial na união estável, questiona-se se há necessidade de outorga uxória[3] para que um dos companheiros possa celebrar contratos, acordos  que importem alienação de bens imóveis do casal que foram adquiridos de forma onerosa na constância da união estável e que estão registrados somente em nome de um deles.

Para tanto, foi usado o método de pesquisa qualitativo, onde buscou-se informações em materiais e obras que tratam do assunto, com o intuito de aprofundar os conhecimentos sobre a temática sem é claro esgotar as informações sobre a mesma.


DA UNIÃO ESTÁVEL

Anteriormente chamada de concubinato, a união estável tem gênese no Direito Romano (Guimaraes 2003). Numa sociedade em que ricos e pobres não podiam casar-se, juntavam-se e viviam de maneira extramarital. Posteriormente a França, na idade contemporânea deu enfoque ao tema, tornando-se assim um referencial em princípios da sociedade (Manisk, 2014).

No Brasil, em se tratando de diplomas legais pode ser destacado o Código Civil de 1916, que trouxe vários atos discriminatórios, mas não aquém da realidade da sociedade da época. Nele ficou estipulado que família seria apenas a formada com o casamento (Dias, 2015).

Tal código trouxe vários atos discriminatórios, como por exemplo, não se tratar de uma forma legítima de família e ser discriminada pela sociedade civil. Com o advento da Constituição Federal de 1988 tais atos não foram recepcionados pela mesma. A Carta Magna em seu artigo 226, parágrafo 3º, diz que: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua convenção em casamento” (Brasil, 2018).

Por sua vez, o Código Civil de 2002 tratou expressamente do concubinato/união estável. Todavia, as mudanças trazidas pelo então Novo Código Civil não foram significativas no que se refere à união estável, apenas acompanhando as tendências doutrinária e jurisprudencial, seguindo, basicamente, as Leis 8.971/94 e 9.278/96(Manisk, 2014).

Para Manisk (2014), a formação da sociedade conjugal entre um homem e uma mulher independe de normas pré-estabelecidas, bastando o interesse preponderantemente de cunho pessoal por parte dos conviventes. Nenhum regramento tem o condão de inibir essa forma natural de relacionamento. Ainda segundo Manisk (2014), a família resultante desta união informal de homem e mulher, sem as solenidades do casamento de papel passado vivendo como se marido e mulher fossem, denominava-se “concubinato”, significando uma vida em comum com aparência de casamento.

Para Coelho (2012) “A união estável caracteriza-se pela convivência entre o homem e a mulher desimpedidos, como se casamento fosse, baseada pela convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família, entre homem e mulher desimpedidos para o casamento. Dessa maneira, a união estável é a convivência entre duas pessoas desimpedidas mas para que para que seja caracterizada como tal, necessita cumprir alguns requisitos que a difere apenas do simples namoro.

Para findar a parte conceitual da união estável, vale mencionar a definição de Azevedo (2000) segundo o qual, a união estável é a convivência não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, constituindo, assim, sua família de fato.

Do ponto de vista prático, alerta Filho (2013) que a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal parece ser a mais sensata, uma vez que dada as grandes transformações a que se submeteu o mundo moderno, várias são as situações em que pessoas legalmente casadas não convivem sob o mesmo teto pelos mais variados motivos, e isto não faz com que esteja descaracterizado o casamento.

Ainda segundo Filho (2013), como a união estável é considerada entidade familiar pela Constituição Federal (art. 226, § 3º) e Código Civil (art. 1.723), não seria correto descriminá-la nesse ponto em relação ao casamento civil, e negar a sua existência pelo simples fato de não existir coabitação entre os companheiros.

Assim, para facilitar o entendimento do acima exposto, segue os referido dispositivos :

Art. 226 da CF/88 – A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Art. 1.723 do CC/02 – É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Assim, se antes para ser reconhecida a união estável era necessário um lapso temporal de cinco anos de convivência entre os cônjuges, hoje, por sua vez, os tribunais pátrios não têm fixado um tempo mínimo, bastando apenas que exista uma convivência reconhecida de forma pública.


EFEITOS PATRIMONIAIS DA UNIÃO ESTÁVEL EM RELAÇÃO AO CASAMENTO

Para aquele que constituiu, o Código Civil permite a escolha do regime de bens dentre os que estão elencados doas Art. 1.658 a 1.688. Através do pacto antenupcial os nubentes podem optar por umas das opções constantes na lei, ou estabelecer o que melhor lhes aprouver sem que haja afronta ao texto legal, de acordo com a orientação do Art. 1.655 do Código Civil.

Entretanto não acontece da mesma forma com a União Estável, pois a constituição desta relação não necessita de qualquer declaração ou manifestação de vontade para que ela exista. Isso significa também que a sua constituição pode ser tácita, sem necessariamente, precisar ser escrita. (Oliveira e Benedito, 2017).

Dessa maneira, os conviventes têm a possibilidade de firmar contrato de convivência não havendo obrigatoriedade neste sentido. O Código Civil, nos artigos 1.725 e 1.640, determina que, havendo o silêncio no que condiz á escolha do regime ou contrato de convivência o regime adotado será, obrigatoriamente, o da comunhão parcial de bens (regime legal vigente) (Oliveira e Benedito, 2017). Esse regime está previsto nos artigos 1.658 a 1.666 do mesmo código.

Conforme preceitua Maria Berenice Dias (2015, p.  340)  “quer no casamento, quer na união estável, o patrimônio adquirido durante o período de convívio pertence a ambos em partes iguais. A presunção é que foram adquiridos pela comunhão de esforços para amealhá-los”.  E continua a autora, afirmando que cada um é titular da metade e tem direito à meação ele cada um dos bens. Esta copropriedade recebe o nome ele mancomunhão[4].

É importante ressaltar que os bens alcançados pela meação[5] são os adquiridos onerosamente na constância da relação, não havendo, necessidade de comprovação de esforço comum pois isso é presumido de forma absoluta pela lei, o que não permite um ou outro companheiro demonstrar que o outro não contribuiu para adquirir determinado bem.

Dessa maneira, a doutrina atual entende que é irrelevante a dependência econômica entre os parceiros ou, sendo ambos economicamente independentes, se um contribui mais do que o outro. Não se cuida, aqui, de assistência, nem de averiguar necessidade. Presumir condomínio implica descartar prova da colaboração para a aquisição patrimonial. Importa é haver ou ter havido família.

Vale fazer um adendo para dizer que os bens que entram na meação do casal são os bens adquiridos à título oneroso, como por exemplo, compra e venda, ou a título eventual, como nos casos de prêmios de loteria, bem como daqueles que se sub-rogarem em seu lugar.

O art. 1.659 do Código Civil trata dos bens que não se comunicam, ou seja, que não entram na meação daqueles que escolheram o regime parcial de bens, que é o caso da união estável, são eles:

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

- os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;

II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

III - as obrigações anteriores ao casamento;

IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;

- os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Contribuindo com a solidificação desse entendimento o  Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido de que os rendimentos do trabalho recebidos durante a vigência ela sociedade conjugal integram o patrimônio comum na hipótese de dissolução do vínculo matrimonial, desde que convertida em patrimônio mensurável de qualquer espécie, imobiliário, mobiliário, direitos ou mantidos em pecúnia[6].


DO INSTITUTO DA OUTORGA UXÓRIA

A outorga conjugal ou uxória diz respeito a uma autorização que é dada por um dos cônjuges a fim de que o outro possa realizar atos de disposição do seu patrimônio. Trata-se, pois, de um instituto do direito civil para assegurar as transações patrimoniais de um casal, a fim de garantir ciência dos atos de disposição à ambos e evitar prejuízo ou indução à erro de eventual terceiro adquirente (Benedito e Oliveira, 2017).

De acordo com Rocha (2014), como norma jurídica, a outorga conjugal teve sua origem no Direito Germânico. O Morgengabe é uma parte dos bens do marido que é doado à esposa exatamente no dia seguinte ao do matrimonio. Como após a morte do marido seria garantida a posse desses bens à mulher, exigia-se, a outorga da esposa para alienação dessa parte do patrimônio enquanto o marido estivesse vivo.

Essa linha de pensamento podemos destacar que na sociedade brasileira, por séculos, a mulher casada era vista como que uma propriedade do marido e isso refletia no direito civil que a considerava relativamente incapaz, não podendo dispor sobre os bens do casal, daí a necessidade de outorga conjugal para de certa forma, proteger o patrimônio da esposa.

O objetivo da outorga uxória, consentimento de ambos os companheiros para o aval ou a fiança, é prevenir a dilapidação do patrimônio do casal por um dos conviventes, ou seja, caso um dos companheiros venha a prestar fiança ou aval, deverá obter a permissão do outro companheiro, para evitar futuros conflitos em uma eventual partilha, bem como preservar o terceiro de boa-fé envolvido. Quanto à sua necessidade no regime de união estável não há nada expresso no ordenamento jurídico brasileiro e tampouco uma definição doutrinária ou jurisprudencial, fato que traz grande dilema quanto a validade dos contratos celebrados por apenas um dos companheiros.

Isto se justifica, de acordo com Lapazine e Cardoso (2018) pelo fato de que a união estável não é um ato jurídico formal no qual se tem a publicidade do estado civil dos contratantes, pois mesmo existindo uma escritura pública entres os conviventes, esta nem sempre relata o início e o termino da união, bem como não altera o estado civil dos mesmos. Assim, pertinente a discussão se é anulável ou não a fiança prestada por convivente em união estável.

Para Tartuce (2011), com base no artigo 5º da Lei 9278/96 e artigo 1725 do Código Civil, diz que, os bens adquiridos onerosamente durante a união estável, pertencem a ambos os companheiros de forma igualitária e caso o terceiro, de boa-fé, tenha conhecimento de vínculo existente entre os companheiros, o mesmo deve exigir a anuência de ambos para que a alienação de bens tenha garantia plena.

Ainda segundo o autor, se a aplicação do artigo 1725 do CC é extensiva à união estável, sendo forma de entidade familiar, não pode sofrer limitações ou discriminações em comparação ao casamento civil, bem como, é válido dizer, que a união estável não pode gozar de privilégios processuais pelo fato de não ter regras específicas assim como o casamento civil.

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe uma inovação que não resolve de imediato a questão da alienação de bens sem consentimento do companheiro. Na verdade, o novo código trouxe à tona uma nova polêmica que, no âmbito jurisprudencial parece ser a mais acertada a decisão que considerar a publicidade da União Estável para a aplicação ou não no art. 73 do referido dispositivo. Vale a leitura do art. 73 a saber:

Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens.

§ 1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação:

I - que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens;

II - resultante de fato que diga respeito a ambos os cônjuges ou de ato praticado por eles;

III - fundada em dívida contraída por um dos cônjuges a bem da família;

IV - que tenha por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóvel de um ou de ambos os cônjuges.

§ 2º Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nas hipóteses de composse ou de ato por ambos praticado.

§ 3º Aplica-se o disposto neste artigo à união estável comprovada nos autos.

Neste sentido, alerta Benedito e Oliveira (2017) que, ao solicitar ao Cartório de Registro de Imóveis as certidões atualizadas dos imóveis, bem como as certidões de ônus e ações reais reipersecutórias, o terceiro interessado estará ciente da situação existente que poderá tornar nulo o contrato.

Ainda, segundo Benedito e Oliveira (2017) exigir do contratante a busca por informações referentes a União Estável do fiador, é conferir a ele tarefa quase impossível que além de prejudicar os atos contratuais, irá prejudica-lo demasiadamente no âmbito econômico, posto que, dessa maneira, estar-se-ia criando uma maneira pela qual é possível agir de má fé e beneficiar-se, utilizando-se da lei. Em consonância, o Juiz, nas ações que versarem sobre imóveis de conviventes fica impossibilitado de saber a existência da união estável sem que o autor o declare ou que esta esteja averbada à margem do registro do imóvel objeto do litígio.

A matéria da necessidade da outorga uxória na união estável sempre foi acompanhada de incertezas e com isso foi reconhecida juridicamente como uma união de fato, posteriormente criando seus efeitos legais. A união estável busca se adaptar à evolução dos costumes e da sociedade; é reconhecida como entidade familiar, sendo uma situação fática decorrente do cotidiano. Na prática, conforme Lapazine e Cardoso (2018) o Direito tem o dever de conciliar os efeitos legais de duas pessoas que se relacionam. A formação da união estável é livre e o legislador deve respeitar a liberdade pela qual optaram. Situação na qual é fundamental apara a resolução dos problemas existentes entre os próprios companheiros com terceiros.

Nesse sentido, ainda segundo Lapazine e Cardoso (2018) é imprescindível uma normatização da união estável para que o julgador possa analisar o caso e buscar a solução mais justa. E por ter falta de regulamento, é um instituto frágil, pois os companheiros tomam suas decisões livremente sem a interferência do legislador e é dever do Direito de Família cuidar dos efeitos que essas relações causam perante a sociedade e até mesmo ao Estado. É importante ter como base a redação da Constituição Federal que considera a união estável como uma entidade familiar.

Boa parte da doutrina entende pela a validade da fiança prestada por fiador em união estável, sem a anuência de seu companheiro. Quanto às jurisprudências, boa parte das decisões, dizem que não é nula nem anulável a fiança prestada por pessoa convivente em união estável sem a anuência de outro companheiro. , Desse maneira, entende-se a não incidência da Súmula 332 do STJ  "A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia" .à união estável, devido O STJ entender que a fiança prestada sem a outorga do companheiro é válida, pelo fato de ser impossível ao credor saber se o fiador vive ou não em união estável com alguém.


POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL NA  INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1647, I, E 1725 DO CÓDIGO CIVIL  E PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL

Está pacificado no entendimento doutrinário atual que, havendo silêncio dos companheiros conviventes, o regime de comunhão parcial de bens é aplicável à união estável.

 Para DINIZ (2007) “deve exigir outorga de companheiro na alienação de imóvel adquirido onerosamente durante união estável, sob pena de anulabilidade, ou, até mesmo, um “registro de união estável” para que haja segurança nas negociações imobiliárias à terceiros de boa-fé e aos companheiros (artigo 4º e 5º, e por analogia o artigo 1647, CC)”

No entanto, discute-se se o sentido e o alcance da norma contida no art. 1725, mormente no que se refere à expressão “no que couber”, atinge a obrigatoriedade da outorga uxória para a hipótese prevista no art. 1647, I, do Código Civil. Para Azevedo (2002) no que se refere especificamente à expressão “no que couber” (art. 1725, CC), se trata de reprodução dos termos da Lei nº 9278/96, ou seja, que a união estável apenas cria verdadeiro condomínio entre os companheiros.

Alerta Paulo Nader (2005) que antes de uma análise específica mais acurada é de bom alvitre relembrar que, fixar o sentido de uma norma jurídica significa descobrir a sua finalidade, isto é, pôr a descoberto os valores consagrados pelo legislador, ou, em outros termos, aquilo que teve por mira proteger. Por sua vez, fixar o alcance é demarcar o campo de incidência da norma jurídica, conhecendo sobre que fatos sociais e em que circunstâncias ela tem aplicação.

Nessa linha de pensamento devemos ater atenção à expressão “no que couber, posto que nela há obscuridade acerca do alcance da norma em comentário. Assim, deve-se ampliar o real sentido da norma do art. 1725, CC – fazendo-a incidir as regras da comunhão parcial de bens, em sua plenitude, às relações convivenciais, salvo contrato escrito entre os companheiros.

Significa dizer, portanto, que essa ampliação atinge também a obrigatoriedade de consentimento do companheiro para alienação de bens imóveis comuns registrados apenas em nome de um deles, sob pena de invalidação do ato, conforme preconizam os arts. 1647 e 1649, CC.

Importante ressaltar quer que nos casos em que há união estável registrada em cartório, o consentimento é exigido, conforme já afirmou o Superior Tribunal de Justiça no Resp. 1.424.275/MT:

DIREITO CIVIL. ALIENAÇÃO, SEM CONSENTIMENTO DO COMPANHEIRO, DE BEM IMÓVEL ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. A invalidação da alienação de imóvel comum, fundada na falta de consentimento do companheiro, dependerá da publicidade conferida à união estável, mediante a averbação de contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência de união estável no Ofício do Registro de Imóveis em que cadastrados os bens comuns, ou da demonstração de má-fé do adquirente. A Lei 9.278/1996, em seu art. 5º, ao dispor acerca dos bens adquiridos na constância da união estável, estabeleceu serem eles considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos os conviventes, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito. Dispôs, ainda, que a administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, questão também submetida ao poder de disposição dos conviventes. Nessa perspectiva, conforme entendimento doutrinário, a alienação de bem co-titularizado por ambos os conviventes, na esteira do citado artigo, sem a anuência de um dos condôminos, representaria alienação – pelo menos em parte – de coisa alheia, caracterizando uma venda “a non domino”, ou seja, um ato ilícito. Por outro lado, inolvidável a aplicabilidade, em regra, da comunhão parcial de bens à união estável, consoante o disposto no caput do art. 1.725 do CC. E, especialmente acerca da disponibilidade dos bens, em se tratando de regime que não o da separação absoluta, consoante disciplinou o CC no seu art. 1.647, nenhum dos cônjuges poderá, sem autorização do outro, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis. A interpretação dessas normas, ou seja, do art. 5º da Lei 9.278/1996 e dos já referidos arts. 1.725 e 1.647 do CC, fazendo-as alcançar a união estável, não fosse pela subsunção mesma, esteia-se, ainda, no fato de que a mesma ratio– que indisfarçavelmente imbuiu o legislador a estabelecer a outorga uxória e marital em relação ao casamento – mostra-se presente em relação à união estável; ou seja, a proteção da família (com a qual, aliás, compromete-se o Estado, seja legal, seja constitucionalmente). Todavia, levando-se em consideração os interesses de terceiros de boa-fé, bem como a segurança jurídica necessária para o fomento do comércio jurídico, os efeitos da inobservância da autorização conjugal em sede de união estável dependerão, para a sua produção (ou seja, para a eventual anulação da alienação do imóvel que integra o patrimônio comum) da existência de uma prévia e ampla notoriedade dessa união estável. No casamento, ante a sua peculiar conformação registral, até mesmo porque dele decorre a automática alteração de estado de pessoa e, assim, dos documentos de identificação dos indivíduos, é ínsita essa ampla e irrestrita publicidade. Projetando-se tal publicidade à união estável, a anulação da alienação do imóvel dependerá da averbação do contrato de convivência ou do ato decisório que declara a união no Registro Imobiliário em que inscritos os imóveis adquiridos na constância da união. A necessidade de segurança jurídica, tão cara à dinâmica dos negócios na sociedade contemporânea, exige que os atos jurídicos celebrados de boa-fé sejam preservados. Em outras palavras, nas hipóteses em que os conviventes tornem pública e notória a sua relação, mediante averbação, no registro de imóveis em que cadastrados os bens comuns, do contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência da união estável, não se poderá considerar o terceiro adquirente do bem como de boa-fé, assim como não seria considerado caso se estivesse diante da venda de bem imóvel no curso do casamento. Contrariamente, não havendo o referido registro da relação na matrícula dos imóveis comuns, ou não se demonstrando a má-fé do adquirente, deve-se presumir a sua boa-fé, não sendo possível a invalidação do negócio que, à aparência, foi higidamente celebrado. Por fim, não se olvide que o direito do companheiro prejudicado pela alienação de bem que integrava o patrimônio comum remanesce sobre o valor obtido com a alienação, o que deverá ser objeto de análise em ação própria em que se discuta acerca da partilha do patrimônio do casal. REsp 1.424.275-MT, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 4/12/2014, DJe 16/12/2014. (STJ – Informativo n. 554).

Assim, resta claro que a outorga exigida aos cônjuges não deve ser exigida aos companheiros, salvo exista contrato de convivência devidamente registrado.

Ademais, alerta Fiuza, Lima e Junior (2016) que exigir do contratante a busca por informações referentes a União Estável do fiador, é conferir a ele tarefa quase impossível que além de prejudicar os atos contratuais, irá prejudica-lo demasiadamente no âmbito econômico, posto que, dessa maneira, estar-se-ia criando uma maneira pela qual é possível agir de má fé e beneficiar-se, utilizando-se da lei.

Ainda Fiuza, Lima e Junior (2016), a tendência é de a União Estável aproximar-se cada vez mais do casamento até que se chegue a uma simetria quase igualável. Enquanto isso não ocorre, conforme exposto ao longo deste estudo, o Estado precisa criar meios para garantir os direitos advindos dessa modalidade de família que espelha uma parte da sociedade que convive a muitos anos sem a proteção devida.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto, é possível concluir que a outorga uxória é de suma importância no regime de união estável quando há alienação de bens adquiridos conjuntamente e a conscientização deve ser clara caso um dos companheiros venha prestar aval ou fiança, não acarretando prejuízos ao companheiro ou terceiro de boa-fé.

É possível concluir também que sua ampla utilização no meio social aponta para uma maior regulamentação legislativa, de forma que esse assunto não acarrete mais dúvidas nos processos judiciais, pois embora boa parte da doutrina e jurisprudência entenda que não há a necessidade de autorização de ambos os conviventes em união estável, existe a corrente que acredita e defende a ideia de que a união estável se compara com o casamento civil, tendo assim a mesma proteção jurídica quanto ao patrimônio familiar, sendo então um direito real e não simplesmente pessoal, necessitando de maior regulamentação.

O ideal seria  ampliar o alcance da regra contida no art. 1725 CC, interpretando-o conforme a Constituição Federal de 1988, pois, ao equiparar a união estável ao casamento, a lei maior vedou qualquer espécie de discriminação protetiva entre essas entidades familiares.

Por fim, à norma que regula os efeitos patrimoniais da união estável (art. 1725 CC) devem incidir, na sua totalidade, os preceitos que disciplinam o regime da comunhão parcial de bens, incluindo a obrigatoriedade do consentimento do companheiro para os atos que importem venda de bens imóveis comuns, bem como as consequentes sanções previstas em caso de violação desse dispositivo.


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TARTUCE, Fernando; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil, v. 5: Direito de Família. São Paulo: Método, 2011.


Notas

[3]              é necessária em diversos atos potencialmente lesivos, como no caso do cônjuge que vai prestar fiança ou aval, por exemplo. Quando a outorga uxória é exigida por lei, a falta dessa autorização pode repercutir na validade do ato praticado pelo outro cônjuge.

[4]              Expressão corrente na doutrina, que, no entanto, não dispõe ele previsão legal. Nada mais significa do que propriedade em "mão comum", ou seja, pertencente a ambos os cônjuges ou companheiros.

[5]           É a efetivação do direito à metade do patrimônio compartilhado com alguém, caso haja este direito. É o caso de casamentos onde não há divisão total de bens, por exemplos.

[6]           (STJ, REsp 861.058/MG, 4." T., Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, p. 2 1/11/2013)


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELLO, Antonio Cesar; MELO, Raquel de. A outorga uxória na união estável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5694, 2 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70221. Acesso em: 29 mar. 2024.