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Efeitos da declaração de inconstitucionalidade na coisa julgada

Efeitos da declaração de inconstitucionalidade na coisa julgada

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Sumário:INTRODUÇÃO. 1 A COISA JULGADA.1.1 ORIGEM HISTÓRICA DA COISA JULGADA. 1.2 CONCEITO DE COISA JULGADA. 1.2.1 Coisa Julgada Formal.1.2.2 Coisa Julgada Material . 1.3 AUTORIDADE DA COISA JULGADA. 1.4 LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA. 1.5 LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA . 1.6 COISA JULGADA E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1.7 DESCONSTITUIÇÃO DA COISA JULGADA . 1.7.1 Ação Rescisória. 1.7.2 Ação Autônoma. 2 TEORIA DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL. 2.1 PRINCÍPIO DA CONSTITUCIONALIDADE. 2.2 PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. 2.3 RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE DA COISA JULGADA. 2.4 COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL . 2.5 DESCONSTITUIÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL. 3. EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA COISA JULGADA. 3.1 BREVE ABORDAGEM ACERCA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. 3.1.1 Controle Difuso. 3.1.2 Controle Concentrado. 3.2 EXEGESE DO PARÁGRAFO ÚNICO, DO ARTIGO 741, DO CÓDIGO PROCESSUAL CIVIL . 3.3 EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA COISA JULGADA. 3.3.1 Efeitos ex tunc. 3.3.2 Efeitos ex nunc. 3.4 EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE.CONCLUSÃO .FONTES BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

O exercício da função jurisdicional é a aplicação do direito ao caso concreto litigioso perseguindo os valores imanentes à justiça. A atividade jurisdicional do Estado-juiz se materializa, por sua vez, pelas decisões e sentenças que satisfazem o direito subjetivo dos sujeitos da lide, cumprindo o poder-dever contraído em razão da soberania nacional.

O Estado-juiz, quando provocado, não pode se eximir de aplicar as regras do direito objetivo, sendo que todo processo deve receber uma manifestação, a qual, refletirá sobre o conteúdo e a extensão dos direitos litigiosos submetidos pelos interessados à apreciação do órgão julgador.

Entretanto, pode ser extremamente duvidosa e incerta a manifestação do Estado-juiz em um processo e, por isso, seria natural revê-la sempre que algum dos interessados a considerasse destoante do direito objetivo. Mas, em assim sendo, os processos poderiam repetir-se indefinidamente, o que resultaria num estado de perpétua incerteza, incompatível com os desígnios da Justiça.

Neste momento surge a idéia de que se as partes não estão satisfeitas com a decisão e esgotam todas as possibilidades de revisá-la, a atividade jurisdicional naquele caso deve se encerrar. Para afastar esta revisão ou modificação dos atos jurisdicionais e alcançar a pacificação dos litígios, a lei, encetando a vontade do povo de segurança nas relações jurídicas, politicamente opta por atribuir-lhe especial autoridade que o tornem imutáveis para o futuro através da coisa julgada.

O instituto da coisa julgada é uma qualidade da sentença consistente na sua imutabilidade e indiscutibilidade assumida processualmente quando não mais se sujeita a recurso ordinário ou extraordinário (art. 467 do CPC). Os efeitos próprios da sentença ocorrerão ainda antes do momento em que não mais seja suscetível de recursos. Ocorrerá, então, o trânsito em julgado, tornando o ato jurisdicional imutável e indiscutível.

A própria Constituição Federal de 1988, a teor de proteger a coisa julgada da sanha legislativa inovadora, dispõe no art. 5º, XXXVI que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".

A necessidade de certeza e segurança do direito concebeu à sentença transitada em julgado, isto é, não mais passível de recursos, a característica de indiscutibilidade. Conclusão óbvia a que chegamos é a de que a imperatividade desta sentença se faz mediante a via recursal e não perante outras vias previstas no ordenamento jurídico.

Desta forma, o direito brasileiro previu a desconstituição da coisa julgada por meio da ação rescisória nos casos em que elenca os incisos do art. 485 do CPC. A previsão desta ação para rescindir o julgado transitado em julgado ocorre da razoável ilação de que poderão ocorrer falhas na prestação jurisdicional que em última análise fomentariam a injustiça. Se estivessem tais sentenças revestidas no manto da coisa julgada a sociedade teria que silenciosamente aceitar o erro.

Hodiernamente, surge um conflito aparente entre princípios: o princípio da intangibilidade da coisa julgada e o princípio da constitucionalidade dos atos do Poder Público. Poderia uma sentença transitada em julgado baseada numa lei inconstitucional ser desconstituída pela ação rescisória ou por qualquer outro meio? Será que a intangibilidade da coisa julgada deve se quedar diante da desconformidade com a Carta Magna?

O cotejamento de tais princípios do direito processual constitucional determina com grande interesse a análise desta coisa julgada inconstitucional, posto que na construção do direito brasileiro a lei declarada inconstitucional é tida como nula e, por conseguinte, todos os atos que dela emanaram.

Constata-se o surgimento de uma nova possibilidade de desconstituir a coisa julgada face ao princípio de que os atos emanados do Poder Público devem se revestir de constitucionalidade, porque a coisa julgada não pode estar acima da Carta Magna, em tema de inconstitucionalidade, sob pena de transformá-la em um instituto com hierarquia superior que a lei e a própria Constituição.

A presente monografia versa, especificamente, sobre os efeitos que a declaração de inconstitucionalidade no controle concentrado e no controle difuso com resolução suspensiva do Senado causam na decisão judicial transitada em julgado fundamentada na lei agora inconstitucional.

Nesse passo, se deu a introdução no ordenamento jurídico da discussão acerca da coisa julgada inconstitucional, quando através da Medida Provisória 2.180-35, de 24/08/2001, foi inserido um parágrafo único no art. 741, do CPC, com a seguinte redação: "para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal". O dispositivo, pela polêmica da questão, em que pese ter sido incluído no CPC sem discussão legislativa, já está sendo questionado em sede de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Conselho Federal da OAB (ADIn n. 2.418-3).

Há que se considerar, portanto, que o momento essencial para sabermos se poderemos embargar uma execução, baseado no referido parágrafo único, está nos efeitos em que se deu a declaração de inconstitucionalidade e em que espécie de controle de constitucionalidade ocorreu a declaração.

Essas são algumas das controvérsias surgidas com a inserção deste parágrafo no CPC, mormente à já mencionada doutrina da coisa julgada inconstitucional, que merecem sofrer análise acurada tendo em vista a possibilidade inaceitável de convivermos com a injustiça.

A abordagem metodológica que permitiu traçar os caminhos a serem seguidos e alcançar os objetivos enumerados se deu essencialmente através do método dialético-argumentativo, segundo o qual as coisas se interagem e se transformam provocando uma mudança qualitativa no status quo.

Como referencial teórico destacamos a atuação na lida dos novos rumos da coisa julgada da doutrina portuguesa representada por Paulo Otero e dos eminentes doutrinadores brasileiros José Augusto Delgado, Cândido Rangel Dinamarco e Humberto Theodoro Júnior.

Antes de se discorrer diretamente sobre o assunto fizeram-se abordagens separadas e específicas sobre o instituto da coisa julgada (capítulo 1) e toda sua evolução histórica. Para tratar do instituto da coisa julgada inconstitucional, em que o tema é abordado em sua plenitude, tecemos o capítulo segundo. E no terceiro capítulo, o qual não pode ser lido sem a apreensão de conceitos e aspectos trazidos nos dois primeiros, o tema foi abordado com mais especificidade. O trabalho contêm anexos, dentre os quais se acham algumas importantes decisões dos Colendos Tribunais pátrios.


1 A COISA JULGADA

1.1 ORIGEM HISTÓRICA DA COISA JULGADA

O intuito do presente trabalho não é o de estabelecer paradigmas históricos ou conceituais relacionados aos institutos da sentença e da coisa julgada, pois, em magistral obra acerca da coisa julgada civil, o eminente professor Celso Neves praticamente esgota o assunto. Entretanto, não se pode passar diretamente ao tema propriamente dito sem antes referenciar, isto é, situar o leitor no tempo e no espaço, sobre como surgiu a coisa julgada no Direito.

A relação que o Direito possui com Roma é de paternidade, sem embargos daqueles que rogam ter nascido o direito antes ou depois de Roma. No Direito Romano mais remoto, da legis actiones, temos a regra do bis de eadem re ne sit actio, que significava a impossibilidade de sobre uma mesma relação jurídica recair duas ou mais vezes a ação da lei. [01] Essa regra ainda não tinha o conceito atual de coisa julgada como decisão de que não caiba mais recurso e faz lei entre a partes, pois o direito não precisaria estar julgado.

Com o aumento do número de processos e a crescente complexidade das relações jurídicas, constata-se a necessidade de um novo instituto que não somente a exceptio rei in iudicium deductae entendida como uma transferência ao iudex, no processo formular, para verificar se quanto à res deducta já não ocorrera a litis contestatio. [02]

Para que o iudex chegasse ao convencimento sobre a res deducta utilizava-se de um processo lógico que tinha como resultado uma sententia. Ocorre que ao praetor, diferentemente do iudex que era uma espécie de árbitro privado, não era dado apenas expressar sua opinião, mas deveria impor um comportamento, condenando ou absolvendo, através de um elemento jurídico que se denominou iudicatum. [03]

Essa transformação que ocorre no modo de ser da sententia com o acréscimo do iudicatum que, desta forma, passa a ser aplicação da lei a um caso concreto, tem papel fundamental na construção do conceito de coisa julgada.

Esclarecedora é a opinião do mestre Celso Neves quando faz alusão à lição de Modestino já na fase do direito justinianeu:

A res iudicata, aí, liga-se ao iudicatum próprio do processo formular, porque a sententia do sistema das legis actiones não excedia o raciocínio lógico do iudex privatus, destituída que era de qualquer comando. Só no período da extraordinaria cognitio, fundidos os dois conceitos na sententia, a coisa julgada pode tomar o caráter que hoje tem. [04]

Nesse sentido, a coisa julgada passa a ser uma conseqüência da opinião do magistrado que põe termo à res deducta. A res iudicata se relacionaria, em última análise, à sententia como ato jurídico que resolve a lide subjetiva e objetivamente e como entrega da prestação jurisdicional. [05]

Com o advento da derrocada do Império Romano pelos bárbaros vão se misturar idéias romanas, visigóticas e da obra dos glosadores na formação da coisa julgada. A Glossa Ordinaria ou Magna Glossa elaborada por Accursio sob o terreno fértil de Modestino, Macro e Ulpiano acaba dando o tom da obra dos pós-glosadores.

Celso Neves já observara que

... a doutrina do direito comum, partindo do conceito de coisa julgada enunciado por Modestino, atribui à expressão um duplo significado, ora referente à lide terminada pela sentença de juiz competente, ora relacionada à sentença que se fez firme pelo decurso do prazo para apelação, assinalando a diferença que há entre sentença e coisa julgada, através da relação de causa e efeito. [06]

No direito comum, fruto do Corpus Iuris Civilis, a sentença que transitava em julgado pelo decurso do prazo sem manifestação ou pela conformidade das partes em relação ao decisum era tida como a verdade e fazia lei entre as partes, com exceção somente de terceiros que não participaram do processo.

A concepção de Stryk, analisando os efeitos da coisa julgada, também é essa de que se deve aceitar a verdade julgada mesmo que nem sempre realmente seja, mas atribui esse entendimento à necessidade de que os litígios tenham um fim e que o interesse à autoridade da coisa julgada é das partes. [07]

No período das Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas não ocorreram concretas evoluções acerca do tema, sendo que para suprir as lacunas daqueles textos os ensinamentos de Accursio e Justiniano eram muito utilizados.

Um pouco antes das acepções contemporâneas do Direito vem Savigny observando que "as afirmações e pretensões das partes que caracteriza a lide deve resolver-se em uma solução unitária que tem o seu lado formal e o seu lado substancial". [08]

Existiria um instituto no direito denominado de força legal da sentença que significaria, como Savigny expôs, a ficção da verdade, sobre o qual a sentença transitada em julgado estaria livre de qualquer invalidação ou impugnação nas relações jurídicas futuras. [09] Nada mais seria do que a lei entre as partes de Justiniano.

Assim que no início do século XX advém o magistério de Chiovenda a respeito da coisa julgada em suas obras Principii di Diritto Processuale Civile e Istituzioni di Diritto Processuale Civile. Sua aclamada lição

... consistiu principalmente em depurar o conceito e o fenômeno da coisa julgada de conceitos e fenômenos afins, isto é, em separar o seu conteúdo propriamente jurídico de suas justificações político-sociais; em distinguir, daí, a autoridade da coisa julgada da simples preclusão, que é a impossibilidade de se tornar a discutir no decurso do processo uma questão já decidida; em distinguir, conseqüentemente, a autoridade da coisa julgada (substancial) do fato processual da irrecorribilidade de uma sentença ou de um despacho interlocutório (coisa julgada formal); em limitar, por isso, a autoridade da coisa julgada à decisão que decide o mérito da ação, para declará-la procedente ou improcedente; em subtrair, por fim, toda a atividade puramente lógica, desenvolvida pelo juiz no processo, do campo de ação da coisa julgada, religando esta última ao ato de vontade ditado na sentença pelo órgão judiciário e acentuando energicamente a sua finalidade prática e o seu caráter publicístico. [10]

Posteriormente Carnelutti assevera que a coisa julgada ou autoridade da sentença nada mais seria do que a imperatividade da decisão e alcançaria tanto o ato quanto o efeito de decidir. A coisa julgada material seria enfaticamente a imperatividade da decisão, conquanto essa eficácia seria apenas uma, a outra seria a coisa julgada formal, e atuaria diretamente na lide e não no processo. [11]

Por fim, hodiernamente, temos a teoria de Liebman acerca da coisa julgada que a trata como qualidade da sentença e não como um dos seus efeitos distinguindo então a eficácia jurídica da sentença da autoridade da coisa julgada.

O entendimento consubstanciado é o de que a coisa julgada não é um efeito autônomo da sentença. Liebman evoca que "a autoridade da coisa julgada não é efeito da sentença, como postula a doutrina unânime, mas, sim, modo de manifestar-se e produzir-se dos efeitos da própria sentença". [12]

1.2 CONCEITO DE COISA JULGADA

A palavra sentença advém etimologicamente do termo italiano sententia, que se originou de sententiendo, gerúndio do verbo sentire. Perfilou-se a idéia, então, de que o juiz quando sentencia está declarando o que sente. Nunca podemos perder de vista, entretanto, que o órgão judicial deve ser imparcial no litígio apesar de certo modo se inclinar por determinada tese.

A finalidade última da jurisdição estatal é a composição da lide, o que se dá por meio da sentença de mérito que indica o detentor do direito e através da qual o Estado satisfaz o direito subjetivo dos sujeitos da lide, cumprindo o dever contraído em razão do monopólio constitucional de oferecer justiça aos cidadãos que compõem aquela comunidade.

Em sentido contrário Humberto Theodoro Júnior remete à lição de Chiovenda e também de Pontes de Miranda ao entender que a entrega efetiva da prestação jurisdicional somente se efetuaria quando a sentença transitasse em julgado, pois a sentença antes disso estaria pendente de recurso que poderia modificá-la.

Data maxima venia, não devemos esquecer que tanto o sistema recursal quanto a definitividade da sentença pela coisa julgada são escolhas políticas e não do direito. Em tese a sentença de primeiro grau deveria encerrar a lide, mas para dar maior garantia ao processo é que se instituíram os Tribunais. Ocorre que toda discussão que se fizer posteriormente recairá sobre a sentença e, por isso, entendemos que ela entrega a prestação jurisdicional.

Todo processo deve ter obrigatoriamente uma resolução que consubstancie na reflexão sobre o conteúdo e a extensão dos direitos em litígio submetidos pelos litigantes à apreciação do órgão judicial. Devido a essa reflexão ser feitas por homens que também erram, em contraposição aos deuses, pode ser extremamente duvidosa a decisão de um processo e, por isso, seria natural revê-la sempre que algum dos interessados a reputasse errônea. Ocorrendo isto os processos poderiam repetir-se indefinidamente, pois bastaria que um dos litigantes ficasse reiteradamente alegando erros nas sentenças, o que resultaria num estado de perpétua incerteza, incompatível com os desígnios da Justiça.

Contando com a possibilidade de se encontrar pela frente uma sentença errada e devido ao sentimento humano que não coaduna coma a incerteza sobre os direitos, o Estado de direito deve fazer uma escolha para adotar o mal menor, escolha que, pertence aos nossos representantes na democracia. A opção usualmente aceita, baseada historicamente no direito romano, consiste em primeiro submeter a sentença a duplo grau com reexame perante um órgão judicial superior normalmente colegiado e após, atribuir-lhe especial autoridade, que a torne imutável para o futuro, em face de todos os participantes do processo em que fora ela declarada.

Isso nos remete a Eduardo Couture quando afirma ser "a coisa julgada, em resumo, uma exigência política e não propriamente jurídica; não é de razão natural, mas sim de exigência prática". [13]

Para concretizar a finalidade do processo, que é a aplicação do direito à situação concreta exposta pelas partes, o órgão judicial exerce, ordinariamente, dupla atividade: examina os fatos demonstrados pela parte e examina o direito como vontade abstrata da lei. Misturando a análise das duas situações descritas extrairá o órgão judicial a conclusão, através da sentença, que é a manifestação concreta da vontade da lei. Nada mais é do que a aplicação do silogismo e suas premissas maior e menor.

Mais adiante Eduardo Couture define coisa julgada como sendo "a autoridade e eficácia de uma sentença judicial, quando não existe contra ela meios de impugnação que permitam modificá-la". [14]

O entendimento de Eduardo Couture deita raízes na asserção de que após o lapso temporal do recurso cabível àquela sentença não poderia o comando receber qualquer reparo seja pelas partes, pelo próprio juiz ou por qualquer outro órgão judicial. Essa idéia está amplamente disseminada no sistema positivista do direito em contraposição aos tradicionais países da common law.

Para Chaim Perelman ao fazer a sua detida análise sobre a coisa julgada entende que as

... decisões terão a autoridade da coisa julgada, após a expiração dos prazos previstos para interpor apelação e recurso de cassação. A coisa julgada é tida como verdadeira, e as partes devem submeter-se às conclusões do tribunal. Aliás, são essas conclusões que o mais das vezes lhes importam, bem mais do que a realidade dos fatos, que constituem apenas um meio de fundamentar as conseqüências jurídicas que deles decorrem. [15]

Também Chaim Perelman retrata a questão da expiração do prazo recursal para se consolidar a situação de imutabilidade da decisão que ocorria com o trânsito em julgado. Após o trânsito em julgado, somente em excepcionais casos é que o legislador ordinário permitiu fazer uso da rescisão do caso julgado através de via própria e também com prazo para sua movimentação.

Nesse sentido é a manifestação do CPC brasileiro quando o artigo 495 [16] delimita um prazo de 2 (dois) anos para propor a ação rescisória e o artigo 488, inciso II [17], ainda condiciona a propositura ao depósito de 5% (cinco por cento) do valor da causa.

Contrariando a teoria de Liebman que entende pela cobertura da coisa julgada também aos elementos constitutivos e condenatórios da sentença, conjuntamente com Vellani, Hellwig e Pontes de Miranda, o Professor Celso Neves, conceitua coisa julgada como sendo "o efeito da sentença definitiva sobre o mérito da causa que, pondo termo final à controvérsia, faz imutável e vinculativo, para as partes e para os órgãos jurisdicionais, o conteúdo declaratório da decisão judicial". [18]

Assim, a imutabilidade dos efeitos como conseqüência do trânsito em julgado é que perfaz a res iudicata. Nos casos em que a sentença tem efeitos mesmo antes do seu trânsito em julgado proclamam que essa é uma escolha do legislador e que a sentença naquele estado seria apenas uma situação jurídica, conforme o magistério de Chiovenda.

A digressão do eminente Egas Moniz de Aragão é alentadora, pois rebate Celso Neves e se filia a Liebman dizendo que

... assim fica bem nítido que no processo de conhecimento (cfr. Art. 270) a coisa julgada tem por pressuposto essencial a sentença de mérito, como tal considerada a que reúne em si a decisão material e a decisão processual, única que pode acolher ou rejeitar o pedido (material e processual) do autor. Nesse "julgamento", que se torna imutável ao precluir (ou esgotar-se) a faculdade de impugná-lo mediante recurso (ou quando nasce irrecorrível), consiste a "coisa julgada"; ela é o pronunciamento imutável emitido pelo Estado no exercício soberano da função jurisdicional, por ele autoritariamente imposto aos litigantes como solução formulada in specie para compor o conflito de interesses submetido à apreciação do juiz. Não se deve falar em coisa julgada, portanto, relativamente a outras manifestações do juiz, que não acolhem nem rejeitam o pedido do autor, muito embora esses pronunciamentos também possam revestir-se de algumas das qualidades peculiares à coisa julgada – sobremodo uma certa estabilidade. [19]

Para o CPC brasileiro a coisa julgada, que é conceito constitucional e legal, se verifica quando se reproduz ação anteriormente ajuizada e já decidida por sentença, contra a qual não caiba mais recurso (artigo 301, §§ 1º e 3º, do Código Processual Civil). É sensível a proteção despendida pelo ordenamento jurídico à coisa julgada. Sua autoridade cria para o juiz um impedimento de proferir nova decisão sobre matéria em que esta tenha se verificado. A coisa julgada impede que nova demanda seja proposta acerca da mesma lide, proibindo que qualquer juiz venha decidir a mesma ação. Seu fundamento está na necessidade de se imprimir estabilidade às relações jurídicas.

A sentença definitiva que compõe a lide, seja ela declaratória, condenatória ou constitutiva, não depende do trânsito em julgado para produzir efeitos. A sentença é eficaz antes mesmo de adquirir autoridade de coisa julgada. Nesse sentido existe a possibilidade ampla de ser provisoriamente executada a sentença, o que não seria possível se os seus efeitos não fizessem presentes. Essa distinção entre eficácia jurídica da sentença e autoridade da coisa julgada perfilada por Liebman é a que nos filiamos.

Desta forma, reiteramos as noções do mestre italiano que conceitua coisa julgada ligando-a à idéia de imutabilidade para reiterar que

... a eficácia de uma sentença não pode por si só impedir o juiz posterior, investido também ele da plenitude dos poderes exercidos pelo juiz que prolatou a sentença, de reexaminar o caso decidido e julgá-lo de modo diferente. Somente uma razão de utilidade política e social – o que já foi lembrado – intervém para evitar esta possibilidade, tornando o comando imutável quando o processo tenha chegado à sua conclusão, com preclusão dos recursos contra a sentença nele pronunciada. Nisso consiste, pois, a autoridade da coisa julgada, que se pode definir, com precisão, como a imutabilidade do comando emergente de uma sentença. Não se identifica ela simplesmente com a definitividade e intangibilidade do ato que pronuncia o comando; é, pelo contrário, uma qualidade, mais intensa e mais profunda, que reveste o ato também em seu conteúdo e torna assim imutáveis, além do ato em sua existência formal, os efeitos, quaisquer que sejam, do próprio ato. [20]

Vale ressaltar que doutrinadores têm revisitado o tema como Araken de Assis, Barbosa Moreira e Ovídio Baptista da Silva para analisar se a teoria de Liebman ainda prevalece considerando que a imutabilidade poderia estar não só nos efeitos da sentença, mas também no seu conteúdo ou na própria eficácia. Outros duramente atacam a simplicidade da solução liebmaniana como Pontes de Miranda e Paulo Roberto de Oliveira Lima afirmando que "a coisa julgada, sem embargo de se constituir numa qualidade dos efeitos da sentença, é também um de seus efeitos". [21] O mestre alagoano Pontes de Miranda vai ainda mais além e afirma

... E. T. Liebman prestou o serviço de cancelar a identificação, mas logo caiu no exagero de teorizar a diferença entre eficácia e coisa julgada material. O que passou a chamar eficácia, restringindo o conceito, foi eficácia menos coisa julgada material, com tanto direito quanto nós teríamos de chamar casa, de agora em diante, só a que fosse feita de cimento armado. A antecipação da força e dos efeitos da sentença é que é anormal, porque ainda não está entregue a prestação jurisdicional, tanto quanto é anormal que a lei inconstitucional seja respeitada enquanto se lhe decreta a inconstitucionalidade. Partir-se da anormalidade da eficácia pré-trânsito em julgado para se arquitetar teoria da coisa julgada material e da eficácia das sentenças aberra a metodologia científica. O estudo do anômalo, da psiquiatria, serve à psicologia; seria absurdo, porém, que fosse aquela que elaborasse a psicologia toda, fazendo normal, básico, o material psicótico. [22]

A finalidade do processo é fixar e solucionar a relação jurídica conflituosa o que nos leva a inferir que é a sentença possuidora desse efeito fixador e solucionador do litígio. Assim, como diz Liebman

... a coisa julgada não exprime um efeito autônomo e sim somente a qualidade de permanecerem os efeitos da sentença imutáveis no tempo. De igual modo, se a finalidade da construção de um arranha-céu ou de uma casa de cimento armado é levantar respectivamente um edifício muito alto ou muito sólido, não são, em rigor, a altura ou a solidez o efeito, mas somente uma qualidade do resultado dessa atividade. [23]

Por fim, a partir do momento em que a sentença não possa mais ser rediscutida e reformada na lide em que foi emanada tornam-se imutáveis os seus efeitos, todos eles. A coisa julgada é uma qualidade da sentença definitiva assumida em determinado momento processual.

1.2.1 Coisa Julgada Formal

Entende-se por coisa julgada formal o fenômeno da indiscutibilidade e imutabilidade da sentença pela ocorrência do termo estipulado para sua impugnação recursal.

O nosso entendimento é consentâneo com a apreciação do Professor Humberto Theodoro Júnior:

A coisa julgada formal decorre simplesmente da imutabilidade da sentença dentro do processo em que foi proferida pela impossibilidade de interposição de recursos, quer porque a lei não mais os admite, quer porque se esgotou o prazo estipulado pela lei sem interposição pelo vencido, quer porque o recorrente tenha desistido do recurso interposto ou ainda tenha renunciado à sua interposição. [24]

Impende notar que a redação do artigo 467 [25] do Código Processual Civil é ambígua e querendo definir o que seria coisa julgada material na verdade define o que é coisa julgada formal.

A coisa julgada formal tem vida dentro do processo em que a sentença foi emanada, isto é, o res deducta ou o objeto da lide poderia ser discutido em outro processo de maneira informativa, mas respeitando a coisa julgada.

1.2.2 Coisa Julgada Material

A coisa julgada material é o segundo momento passado pela sentença de mérito. O primeiro passo é sua indiscutibilidade pela não impugnação sob as formas alinhavadas e o segundo passo é a coisa julgada material ou preclusão máxima ou res iudicata. Toda sentença para estar materialmente transitada em julgado necessariamente terá que estar formalmente transitada em julgado.

Moacir Amaral Santos se posicionou pela força obrigatória da coisa julgada material lecionando que

... o comando emergente da sentença se reflete fora do processo em que foi proferida, pela imutabilidade dos seus efeitos. A vontade da lei, que se contém no comando emergente da sentença, e que corresponde à expressão da vontade do Estado de regular concreta e definitivamente o caso decidido, tornou-se indiscutível, imutável, no mesmo ou em outro processo. O comando emergente da sentença, tornado imutável, adquire autoridade de coisa julgada, a impedir que a relação de direito material decidida, entre as mesmas partes, seja reexaminada e decidida, no mesmo processo ou em outro processo, pelo mesmo ou outro juiz ou tribunal. Assim, fala-se em coisa julgada material, ou substancial, como autoridade da coisa julgada. A coisa julgada tem força de lei. Nesse sentido o art. 468 do Código de Processo Civil: "A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas". [26]

A coisa julgada material consiste em dar à sentença, especificamente a seu comando, a qualidade da autoridade de coisa julgada e que faz lei entre as partes. Dentro ou fora do processo em que se efetivou o trânsito em julgado fica vedado o reexame da lide. Na verdade com a preclusão dos recursos os próprios efeitos da sentença tornam-se imodificáveis tanto por um outro juiz ou um outro processo.

1.3 AUTORIDADE DA COISA JULGADA

A justificativa para a autoridade da coisa julgada possui dois tipos de fundamento um de ordem política e outro de ordem jurídica, sendo que as sentenças definitivas, uma vez observada a coisa julgada formal, é que terão a autoridade de coisa julgada. [27]

O fundamento político está em que a procura da justiça deve ter um limite sem o qual não se chegaria à certeza do direito, sendo que "há, pois, motivos de ordem prática, de exigência social, a impor que a partir de dado momento a sentença se torne imutável, adquirindo autoridade de coisa julgada". [28]

Já o fundamento jurídico não é pacífico doutrinariamente e a controvérsia que se tem não será analisada no presente trabalho já que o tema proposto é outro e de certa maneira não ajudaria em nada ao deslinde da coisa julgada inconstitucional.

A lição de Liebman, entretanto, é majoritariamente a mais aceita no direito brasileiro. Liebman enxerga na coisa julgada uma qualidade especial da sentença que dá mais relevância a sua eficácia baseada primordialmente na imutabilidade da sentença como ato processual (coisa julgada formal) e depois na imutabilidade mesmo de seus efeitos (coisa julgada material).

Para o Professor Humberto Theodoro Júnior o fundamento da autoridade da coisa julgada está em não mais permitir que se discuta novamente a respeito de questões já decididas pelo Poder Judiciário devido à segurança nas relações jurídicas e à paz na convivência social. [29]

A autoridade da coisa julgada nesta clássica acepção é a qualidade atingida pela sentença de mérito transitada em julgado e que é respeitada pelo ordenamento jurídico como algo pétreo da mesma maneira que os direitos e garantias fundamentais. [30]

Ocorre que a autoridade da coisa julgada deve ser repensada no Brasil pós-88 principalmente porque os valores democráticos não fecham seus olhos para as injustiças mesmo vindo de um poder constituído para declará-la.

No dia-a-dia a autoridade é personificada no juiz, no promotor, no delegado, no presidente, enfim naquele que supostamente tem poderes. Ou então na pessoa que entende bem sobre determinado assunto, isto é, tornou-se especialista numa determinada área de atuação. A coisa julgada que recai na sentença tem as duas características do paralelo proposto: no processo quando há coisa julgada normalmente significa que as partes concordam, mesmo implicitamente, que o julgamento é soberano – talvez não seja justo, pois justiça é valor – e sendo a coisa julgada atingida no mais das vezes perante os Tribunais têm-se decisões do mais alto relevo jurídico, ou seja, acórdãos de juristas extremamente especializados.

Podemos considerar a coisa julgada como sendo uma senhora autoritária. Sua vontade é quase divina e deve ser obedecida sem pensar com raras aberturas para discussões. Remete muito a períodos de exceção, mas é necessária para a pacificação social como já visto.

A coisa julgada autoritária nada mais é do que a res iudicata afrontadora do sistema constitucional sob a égide moral da paz social e término dos litígios. Internamente também está em conflito por não possuir validade já que seus pressupostos são inconstitucionais. A coisa julgada autoritária não permite que efetivamente se resolva a lide, pois ela é na espécie um ato imobilizado no tempo e no espaço. Podemos inclusive ir mais além para inferir a inexistência dessa autoridade da coisa julgada, isto é, a autoridade deve ser abolida em favor do mandamento constitucional superior.

Estamos num ambiente amplamente assegurado pelo Estado de Direito e que nos dá a sensação de segurança democrática e a coisa julgada autoritária parece ir de encontro com tais valores.

Assim, a reflexão do tema é pertinente perante a ordem constitucional e devemos ter em mente que nem na física, na química, na biologia ou no universo algo está imóvel, insuscetível, isolado de maneira a não permitir modificações.

1.4 LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA

A autoridade da coisa julgada no processo que trata de litígios individuais tem um limite objetivamente considerado acerca do objeto da relação jurídica. Esse objeto por sua vez está consubstanciado no que foi decidido na sentença. O problema dos limites objetivos se encontra justamente em definir se aquilo que foi pedido e aquilo que foi concedido se cobrem do manto da coisa julgada.

O artigo 468 do Diploma Processual indica um caminho quando estabelece: "A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas". A sentença está limitada pela lide nos remetendo ao artigo 128 do Código Processual Civil: "O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa das partes". Denota-se, então, que a sentença que decide a lide mapeia naturalmente os limites do objeto, levando a crer que todas as partes da sentença – relatório, fundamentação e dispositivo – teriam o condão da autoridade.

Para cingir ainda mais os limites objetivos o inciso I, do artigo 469, do Código Processual Civil estabelece que "os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença, a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença e a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo não fazem coisa julgada". Isto é, a conclusão da sentença materializada no seu dispositivo, que acolhe ou rejeita o pedido do autor, é que mantém a qualidade de coisa julgada.

A lição de Paulo Roberto de Oliveira Lima é importante ser colacionada por explicar que

... o estudo dos limites objetivos da coisa julgada se presta a estabelecer o que da sentença se reveste daquela qualidade de imutabilidade e o que fica de fora. Ou por outra, se destina a separar, das múltiplas questões decididas pela sentença, aquelas que restam protegidas pelo manto da coisa julgada. E a exposição que se vem a fazer soluciona satisfatoriamente o tema. A coisa julgada somente apanha a parte dispositiva da sentença, ou seja, a parte final, onde se soluciona o mérito da pretensão deduzida. [31]

Alguns doutrinadores como Couture, Savigny e João Monteiro formam diferentes correntes acerca dos limites objetivos. O primeiro entende que tais limites estão alcançados tanto pela parte dispositiva da sentença quanto pelos seus fundamentos e considerandos. O outros dois orientam-se sobre a idéia de que não são todos os motivos da sentença que fazem coisa julgada, mas somente os fundamentos objetivos relacionados aos elementos constitutivos da relação jurídica.

Destarte tais opiniões Egas Moniz de Aragão entende que

... a doutrina processual tem distinguido na composição da sentença dois elementos que lhe são essenciais: um corresponde ao raciocínio desenvolvido pelo julgador na formação do silogismo judicial (em que são premissas os fatos da causa e a regra da lei a que eles se subsumem) – é a fundamentação, ou motivação, o elemento lógico; outro que corresponde à aplicação da lei ao fato, isto é, a conclusão do silogismo judicial, é o comando estatal, emitido pelo juiz, que define a controvérsia entre as partes – é o dispositivo, o elemento vontade. Da conjugação de ambos nasce o julgamento, ou seja, a regra, a norma, composta pelo juiz para o caso específico submetido a sua apreciação e deliberação. Postas estas considerações, passam os tratadistas a investigar em que consiste, afinal, a coisa julgada, vale dizer, o que passa em julgado. Em suma: da totalidade da sentença proferida pelo órgão julgador o que constituirá, depois, a coisa julgada e se tornará imutável para o futuro? Pelo que ficou visto antes (v. o nº 140) a coisa julgada (res iudicata) consiste não na apreciação das premissas sobre que o juiz raciocina e sim na solução dada ao litígio, contida no dispositivo, que corporifica o comando estatal que o define. Logo, somente este converte-se em coisa julgada, ficando de fora o raciocínio, as considerações expostas pelo julgador para justificar (fundamentar, motivar) a conclusão. Objetivamente, portanto, a coisa julgada é delimitada pelo "julgamento", consubstanciado no dispositivo da sentença, que externa a regra exarada pelo juiz para o caso concreto que lhe foi submetido. [32]

Majoritariamente a doutrina limita objetivamente a coisa julgada apenas ao dispositivo da sentença, pois os fundamentos não estão inseridos no comando estatal que julga procedente ou improcedente o pedido.

1.5 LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA

O problema dos limites subjetivos da coisa julgada encontra-se em definir a quais pessoas se estende esse alcance: se somente cinge-se às partes da relação processual ou se prejudica ou beneficia terceiros.

A doutrina romana entendia que estabelecida a litiscontestatio a coisa julgada vinculava apenas às partes, porém sempre era recorrente a idéia de que a res iudicata afetaria juridicamente a terceiros. Chiovenda elabora a teoria dos efeitos reflexos segundo a qual "a coisa julgada produz efeitos diretos entre as partes, por elas queridos e previstos, mas também efeitos indiretos ou reflexos em relação a terceiros, não queridos nem previstos pelas partes, mas inevitáveis". [33]

A contribuição de Liebman, contudo, também incide sobre os limites subjetivos da coisa julgada partindo da separação entre eficácia natural da sentença e autoridade da coisa julgada. Daí poder afirmar que a eficácia natural da sentença atinge todas as pessoas e já a autoridade da coisa julgada somente abarca a relação jurídica entre as partes. Nesta senda, completa Moacyr Amaral Santos dizendo que "somente a eficácia natural da sentença alcança terceiros, e não a coisa julgada, estes, se prejudicados pela sentença, contra a mesma poderão opor-se, para demonstrar a sua injustiça ou ilegalidade". [34]

Adotando implicitamente essa teoria o artigo 472 do Código Processual Civil preceitua que "a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros".

1.6 COISA JULGADA E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A Carta Magna consignou no artigo 5º, inciso XXXVI que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". O vocábulo lei aqui considerado deve ser interpretado em sentido bem amplo, pois não é concebível a idéia de que a própria Carta pudesse ao talante do constituinte derivado prejudicar a coisa julgada.

Temos que a coisa julgada é protegida constitucionalmente por entendermos ser um valor merecedor de proteção jurídica. A sociedade faz a escolha de qual tipo de Estado pretende ter e a partir daí se escolhem também os valores erigidos como primordiais. A proteção à coisa julgada é um princípio advindo de um outro denominado de segurança jurídica.

A segurança jurídica permite aos cidadãos conhecerem as regras que se submeterão quando demandarem judicialmente. A necessidade desse conhecimento prévio se baseia no argumento de um ordenamento jurídico objetivo e organizado sem que haja sistemas jurídicos de exceção em função do outro princípio fundamental da igualdade. Sem segurança jurídica a busca do direito pela Justiça se tornaria inviável considerando a grande maleabilidade que o Estado teria de manipular os poderes outorgados pelo povo. Não quer dizer que o Estado atual não consiga manipular o próprio povo, mas isso já é uma deficiência da democracia. Assim, a segurança jurídica como pressuposto da coisa julgada permite a tão almejada pacificação social através da estabilização dos conflitos.

Entretanto, há uma contradição aparente no princípio da coisa julgada que seria a possibilidade da própria decisão transitada em julgado veicular uma solução inconstitucional. A coisa julgada inconstitucional será debatida com mais afinco no próximo capítulo, mas de antemão podemos visualizar um choque entre a segurança jurídica da coisa julgada e a prevalência do ordenamento constitucional como fato legitimador e validador do próprio direito.

A estabilidade da Constituição é buscada com rigor, pois é dela que se extrai o Estado de direito em que o próprio Poder Público se fundamenta e vincula.

A conclusão a que se chega é que a Constituição da República a teor de homenagear o princípio da segurança jurídica respeita a coisa julgada desde que essa própria coisa julgada também esteja de acordo com a Constituição. A imutabilidade da coisa julgada não pode servir de meio para que se rasgue a lei hierarquicamente superior de uma nação. A desconstituição da coisa julgada dita inconstitucional é medida que se impõe devido a toda construção democrática que a sociedade pretende atingir.

Liebman descreveu a seguinte hipótese em sua obra:

Não se quer dizer com isso, naturalmente, que a lei não possa de modo expresso modificar o direito também para as relações já decididas com sentença passada em julgado; pode a lei certamente fazer também isso, mas uma disposição sua em tal sentido teria a significação de uma ab-rogação implícita – na medida correspondente – da norma que sancionou o princípio da autoridade da coisa julgada. Isto é, uma lei nova pode excepcionalmente e com norma expressa ter, não só eficácia retroativa, mas também aplicação às relações já decididas com sentenças passadas em julgado; isso, porém, não significaria um grau maior de retroatividade, e sim, antes, uma abolição parcial da autoridade da coisa julgada acerca das mesmas sentenças, cujo comando, perdendo o atributo da imutabilidade, cairia em face das novas regras dispostas pela lei para as relações já decididas.

Por isso, o instituto da coisa julgada pertence ao direito público e mais precisamente ao direito constitucional. [35]

Para evitar esse tipo de situação que a Constituição veicula o respeito à coisa julgada, dirigindo o artigo 5º, inciso XXXVI, sobretudo ao legislador ordinário para que não se criem normas que venham a prejudicar a coisa julgada consagrando o princípio da irretroatividade da lei.

Por fim, é de se esclarecer que no sistema jurídico brasileiro pode-se tranqüilamente serem realizadas modificações no instituto, ainda que tal mudança possa restringir seus efeitos ou estabelecer novos critérios para sua desconstituição, porque como dito a Constituição apenas protege a coisa julgada da retroatividade.

1.7 DESCONSTITUIÇÃO DA COISA JULGADA

1.7.1 Ação Rescisória

Quando a sentença definitiva não é mais passível de impugnação recursal fala-se em trânsito em julgado. Para se evitar a possibilidade de sucessivos reexames a res iudicata é garantida pelo ordenamento jurídico. Todavia, em determinados casos, a coisa julgada não deve prevalecer por conta de imperfeições, contrariedades à lei e agressões contra a própria Constituição. A ação rescisória foi concebida como instrumento jurídico para desconstituir a coisa julgada.

A utilização da rescisória para suprir a desconformidade com a Constituição tem sido aceita pela jurisprudência de forma excepcional, dando uma interpretação ampliada ao inciso V, artigo 485, do Código Processual Civil ou até mesmo fundamentada no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal [36]. Neste caso também ocorre o afastamento da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal [37], sendo esta apenas aplicável em caso de interpretação e não quando o Supremo já sacramentou a matéria. A excepcionalidade da propositura da ação rescisória [38] decorre da própria natureza da sentença do Supremo que declara a invalidade da norma perante todo ordenamento jurídico, com efeitos, via de regra, ex tunc. Tratando de controle difuso, faz-se mister a suspensão da norma pelo Senado Federal. Em todo caso o prazo decadencial para a propositura da ação rescisória deverá ser respeitado, conforme entendimento dominante na jurisprudência.

Nos demais casos, após o trânsito em julgado da sentença e ocorrendo a coisa julgada material, ainda há uma possibilidade de desfazê-la por meio da ação rescisória, em caso de grave defeito formal ou de conteúdo da decisão, mas até o prazo máximo de dois anos (artigo 495 do Código Processual Civil).

Segundo o Professor Manoel Antonio Teixeira Filho "a rescindibilidade da sentença (ou do acórdão) decorre de uma nulidade que esteja a contaminá-la. Esse vício pode ser de origem endógena (ou interna) ou exógena (ou externa)". [39] Os vícios endógenos estariam enquadrados como o descumprimento dos requisitos formais estatuídos no artigo 458 do Código Processual Civil. Haverá casos de vícios exógenos quando o processo for nulo. Retirando os fatores ligados a falhas processuais ou a defeitos da sentença a lei ainda elege outros casos de sentença rescindível nos casos previstos no artigo 485 do Código Processual Civil.

Assim, em casos excepcionais o legislador brasileiro permitiu a possibilidade de desconstituir-se a coisa julgada por meio da ação rescisória. Essa medida é prevista para resguardar o direito da parte, mas o que está em jogo é a idéia de que o sistema constitucional não coaduna com injustiças. Nesse sentido, a sentença merece rescisão quando se revestir de vício muito grave que gera no sistema a preponderância da justiça em contrapartida à segurança jurídica.

1.7.2 Ação Autônoma

A perplexidade ocasionada pela ação rescisória encontra-se no exíguo prazo de 2 (dois) anos a que deve ser deduzida em juízo sem o qual teríamos então o esgotamento do único meio considerado para desconstituir a coisa julgada. A imunidade que teria a coisa julgada mesmo que revelasse injustiças, inconstitucionalidades ou nulidades estariam em um plano superior inclusive ao da Constituição.

Paulo Roberto de Oliveira Lima propõe um remédio jurídico próprio mais amplo do que a ação rescisória proclamando que:

Enquanto não vem este remédio jurídico-processual a ser disciplinado em lei ordinária, nada impede, ao contrário tudo aconselha, urgente alteração na postura do Poder Judiciário para que se avance no sentido de admitir nova propositura de idêntica ação, ainda que tal implique literal violação da lei processual instituidora da coisa julgada, sempre que a manutenção do julgamento original implicar o sacrifício do princípio da legalidade ou da isonomia. Agir de outra forma é incidir no erro grosseiro de prestigiar a lei ordinária (instituto da coisa julgada), em detrimento da Constituição (princípios da legalidade e da isonomia). [40]

Ovídio Baptista da Silva e na seqüência Humberto Theodoro Júnior também propõem a utilização de uma ação declaratória ordinária, não sujeita a nenhum prazo preclusivo, para que se corrija a insubsistência da coisa julgada. Seria uma nova ação com pedido declaratório de nulidade da própria coisa julgada e que o Poder Judiciário, imagino, estaria mais palatável a aceitar considerando até o próprio princípio da inafastabilidade do inciso XXXV, artigo 5º da Constituição Federal.

A alteração ocorrida recentemente no artigo 741 do Código de Processo Civil para lhe acrescentar um parágrafo único nos casos de "títulos judiciais fundados em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal" ainda abre as portas para a utilização dos embargos à execução como forma indireta de desconstituir a coisa julgada.


2 TEORIA DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

2.1 PRINCÍPIO DA CONSTITUCIONALIDADE

Primeiramente temos que princípio é uma proposição essencial e fundamental que estrutura e dá forma a qualquer ordenamento jurídico. Nos dias atuais ocorre no ambiente da ciência jurídica uma festejada valoração dos princípios em detrimento às regras. Assim considerados os princípios adquirem na dogmática jurídica algo que nunca deixaram de ter que é normatividade. Essa transformação de paradigma tem força preponderante na lição de Ronald Dworkin de que regras são aplicáveis na forma do tudo ou nada, isto é, desde que um fato se subsuma à regra a aplicação é instantânea. [41] Já a aplicação dos princípios como elemento orientador e normogenético do Direito se dá sob a égide de valores, pois funcionam como fundamento ético determinando um caminho a seguir que possui eficácia e aplicabilidade.

Luis Roberto Barroso expõe a mudança interpretativa lecionando que

... os princípios constitucionais, portanto, explícitos ou não, passam a ser a síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico. Eles espelham a ideologia da sociedade, seus postulados básicos, seus fins. Os princípios dão unidade e harmonia ao sistema, integrando suas diferentes partes e atenuando tensões normativas. De parte isto, servem de guia para o intérprete, cuja atuação deve pautar-se pela identificação do princípio maior que rege o tema apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie. Estes os papéis desempenhados pelos princípios: a) condensar valores; b) dar unidade ao sistema; c) condicionar a atividade do intérprete.

Na trajetória que os conduziu ao centro do sistema, os princípios tiveram de conquistar o status de norma jurídica, superando a crença de que teriam uma dimensão puramente axiológica, ética, sem eficácia jurídica ou aplicabilidade direta e imediata. A dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas em geral, e as normas constitucionais em particular, enquadram-se em duas grandes categorias diversas: os princípios e as regras. Normalmente, as regras contêm relato mais objetivo, com incidência restrita às situações específicas à quais se dirigem. Já os princípios têm maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada no sistema. Inexiste hierarquia entre ambas as categorias, à vista do princípio da unidade da Constituição. Isto não impede que princípios e regras desempenhem funções distintas dentro do ordenamento. [42]

A palavra constituição em sentido amplo significa do que algo é feito. É a estrutura, a organização, o conteúdo de algo. Óbvio que no Direito, notadamente o constitucional, esta palavra não tem este sentido, tem um significado mais específico.

A relação de poder existe em qualquer sociedade humana. Se uma sociedade é juridicamente organizada este poder também é juridicamente organizado. Quando nós temos uma sociedade onde o poder é juridicamente organizado podemos dizer que se formou um Estado. A pergunta que se faz é o que deu organicidade àquele poder? Nada mais do que um conjunto de regras e princípios chamado de Constituição. Desta forma, podemos definir Constituição como sendo o conjunto de normas jurídicas que organizam o Estado tratando de sua organização fundamental.

Noutro ponto, o poder do povo no Estado de Direito é soberano. Soberania é um supremo poder do Estado que se funda em não aceitar um poder superior ou igual a ele internamente e externamente cada Estado respeitando o poder soberano do outro não admitindo intervenções. Isto é válido para entendermos quão importante é a Constituição de um Estado e quanto deve ser venerada e respeitada.

No Estado de Direito o princípio chave era o da legalidade. O particular, em tese, pode fazer tudo que a lei não proíbe e o Poder Público só pode fazer o que a lei expressamente autoriza. Existe uma regra geral de liberdade no Estado de Direito: a princípio eu sou livre (a não ser que a lei proíba) e o Estado limitado.

Interessante comentar que nos países da common law o princípio da legalidade é mitigado, isto porque o Poder Legislativo, nesses lugares, não é o principal poder responsável pela criação da maior parte do Direito. É o Poder Judiciário que cria a maior parte do Direito.

O Direito brasileiro é um conjunto de normas jurídicas hierarquicamente superpostas. No primeiro escalão, estão as normas constitucionais. No segundo, as normas legais, inclusive as constantes de medidas provisórias, que têm "força de lei". No terceiro, estão os atos administrativos, as decisões judiciais e os negócios jurídicos. As normas de escalão inferior têm seu fundamento de validade nas de escalão imediatamente superior. Mas não só as normas legais que devem ser produzidas em conformidade com a Constituição como também os atos administrativos, decisões judiciais e negócios jurídicos devem ser produzidos em conformidade com a Constituição.

A teoria do Direito mais clássica costuma dar muita ênfase ao princípio da legalidade. Concentra, assim, sua atenção na submissão dos agentes administrativos à lei e na submissão do particular à sua vontade com os limites impostos pela lei. Mas tão importante para o Estado de Direito – ou mais importante ainda – é o princípio da constitucionalidade: o dever de todos, do Estado ao particular, de submeterem-se à Constituição.

Constata-se uma crise no princípio da legalidade por conta de sua suplantação pelo princípio da constitucionalidade, mas tendo em vista sempre que doutrinadores e juízes não deixam de lado a lei. Entretanto, a lei não consegue resolver com qualidade as situações que deveria prever ou pela quantidade excessiva de leis, ou pela sua criação deficitária sem rigor técnico-jurídico, ou pela desconfiança do legislador ordinário, ou até mesmo porque o fato social muda com uma velocidade incomum atualmente. Ocorre apenas que a ótica do jurista mudou para melhor quando busca na Constituição o fundamento de validade dos seus atos. Isso é muito louvável para o Estado de Direito, destarte, no processo, a quantidade de recursos ao Supremo Tribunal Federal que passarão a ser manipulados por conta desse ajuste de grau na lente do operador do Direito.

Através dessa nova visão o princípio da legalidade na verdade não está em crise e sim ganhou uma amplitude de interpretação que o transformou no princípio da constitucionalidade, dado que se deve analisar os atos públicos, aqui considerados como atos advindos do Estado ao legislar, administrar ou julgar, comparando-os com a Constituição e os seus princípios.

O princípio da constitucionalidade que agora dá o tom no Estado de Direito retira uma espécie de profunda liberdade de atuação do legislador, do administrador e dos juízes na realização de suas precípuas funções, sendo que essa retirada não é perniciosa e sim benéfica. Por esse princípio todos os atos do Legislativo, do Executivo e do Judiciário devem ser pautados pelo profundo respeito à ordem constitucional e sempre tendo em vista que a Constituição deve ser juridicamente garantida.

A garantia que a Constituição deve ter advém do princípio da constitucionalidade que é conseqüência exclusiva da força normativa e vinculativa da Lei Fundamental da ordem jurídica. Desta forma, o princípio da constitucionalidade é a garantia da observância à Constituição, porque se tem nele inscrita a sanção para o ato desconforme que é a inconstitucionalidade geradora de sua invalidade. [43]

O significado e alcance do princípio da constitucionalidade dos atos públicos estão para o ordenamento constitucional assim como a água está para o corpo humano. A Constituição como decisão jurídico-política organizadora e fundacional de um Estado soberano deve ser constantemente observada. Nesta senda, o princípio da constitucionalidade funciona como critério de supremacia hierárquica das normas constitucionais sobre todo e qualquer ato público que o Estado venha a manejar.

Nada mais lógico, então, afirmar que os atos públicos desconformes com o princípio da constitucionalidade estão eivados de inconstitucionalidade e merecem reparo. Cada Poder possui os instrumentos necessários para controlar os vícios que porventura maculem seus atos. Por outro lado, estando num sistema de freios e contrapesos cada Poder também fiscaliza o outro para que haja o pretendido rigor constitucional. Essa é a lição de Gilmar Ferreira Mendes quando indica que

... embora as modernas Constituições dos países que adotam a jurisdição constitucional consagrem a democracia e o princípio da soberania popular como princípios básicos, dispõem elas em geral sobre a forma de manifestação da vontade popular e sobre a atuação dos órgãos representativos dessa vontade. Estes devem agir dentro de limites prescritos, estando os seus atos vinculados a determinados procedimentos. Essas Constituições pretendem, portanto, que os atos praticados por esses órgãos de representação possam ser objeto de crítica e controle. [44]

Lembrando que o princípio da constitucionalidade não se impõe apenas sobre os atos que não violem positivamente a Constituição, mas também repercute sobre a omissão inconstitucional, por falta de cumprimento das imposições constitucionais ou de ordens de legislar.

Especificamente quanto aos atos do Poder Judiciário não existe a pretendida impermeabilidade aos efeitos da inconstitucionalidade sublinhando "que a actividade jurisdicional se encontra subordinada ao princípio da constitucionalidade, dependendo a validade de seus actos da conformidade com a Lei Fundamental". [45]

Durante muito tempo se teve uma idéia totalmente distorcida de como se revelaria a coisa julgada. Ainda pensa-se que o controle de constitucionalidade da coisa julgada finda com a interposição e julgamento do recurso extraordinário e posteriormente com uma possível ação rescisória. Passado o prazo da rescisória a imutabilidade da coisa julgada impediria que se tentasse alguma medida para que se mudasse a coisa julgada, considerando que exista um vício de constitucionalidade naquela decisão transitada.

Sendo isso possível estaria ocorrendo uma prevalência descabida da coisa julgada em detrimento da Constituição, o que o princípio da supremacia da Constituição não suporta. Se a própria lei pode ser declarada inconstitucional a qualquer tempo, quanto mais a coisa julgada que possuir uma inconstitucionalidade estando a revelar no mínimo uma injustiça no julgamento. E, logo, a decisão judicial que tem a função de dirigir condutas e tratamento de conflitos administrando a justiça não pode estar imune ao princípio da constitucionalidade.

2.2 PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA

O princípio da segurança jurídica está inserido no corpo político de toda sociedade dita democrática, pois torna-se a própria condição de sua existência. Tal princípio é um antecedente primordial da estabilidade do convívio social, fornecendo a existência do verdadeiro Direito, alicerce da sociedade, como único meio possível de garantir e distribuir a justiça. O seu objetivo último é o de evitar surpresas nas relações entre os particulares e entre eles e o Poder Público.

A segurança jurídica está contida no caráter cogente do Direito. Se uma norma cria Direito ou se uma sentença declara direitos, devem ambos ser protegidos e seguros de qualquer ataque. Entendemos que a obrigatoriedade do Direito integra a segurança jurídica, estando a mesma vinculada ao valor de justiça de cada sociedade.

Desta forma, uma das características fundamentais do Estado de Direito é a proteção da segurança jurídica do cidadão. É a confiança da sociedade depositada no Direito, seja ele positivado ou não, de que naquele determinado momento as regras são aquelas e nada poderá modificá-las, tendo em vista todo um conjunto de ações que sob ela se fundaram. A segurança jurídica está a possibilitar que os cidadãos exerçam em última análise a liberdade garantida constitucionalmente. O estado de insegurança em relação ao Direito reduz absurdamente a formação de uma idéia acerca da liberdade, já que havendo mudanças repentinas e inesperadas nas normas que regulavam um fato a margem de planejamento na vida dos cidadãos fica imensamente reduzida ou até mesmo impossível.

O princípio da segurança jurídica não está expresso na Constituição, mas, além de ser decorrência lógica do Estado de Direito, pois só poderá haver Direito onde houver segurança jurídica, é complementado pelo princípio da legalidade, pela garantia à coisa julgada, ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, isto é, por outro princípio que é o da irretroatividade das leis. Nesse sentido, encontra-se a aclamada lição de Celso Antônio Bandeira de Mello ao afirmar que "o princípio da segurança jurídica é da essência do próprio Direito, notadamente do Estado Democrático de Direito e, por isso, faz parte do sistema constitucional como um todo, enquadrando-se, entre os princípios gerais do direito". [46] E continua o mestre administrativista lecionando que

... a ordem jurídica corresponde a um quadro normativo proposto precisamente para que as pessoas possam se orientar, sabendo, pois, de antemão o que devem ou o que podem fazer, tendo em vista as ulteriores conseqüências imputáveis a seus atos. O Direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da ‘segurança jurídica’, o qual, bem por isto, se não é o mais importante dentre todos os princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles (...). Esta ‘segurança jurídica’ coincide com uma das mais profundas aspirações do Homem: a segurança em si mesma, a da certeza possível em relação ao que o cerca, sendo esta uma busca permanente do ser humano. É a insopitável necessidade de poder assentar-se sobre algo reconhecido como estável, ou relativamente estável, o que permite vislumbrar com alguma previsibilidade o futuro; é ela, pois, que enseja projetar e iniciar, conseqüentemente, comportamentos cujos frutos são esperáveis a médio e longo prazo. Dita previsibilidade é, portanto, o que condiciona a ação humana. Esta é a normalidade das coisas. [47]

Os cidadãos forjados dentro do Estado de Direito estão deveras acostumados com a impossibilidade da ocorrência de surpresas desarrazoadas por parte do Poder Público. Talvez o Brasil ainda não esteja num Estado de Direito pleno porquanto os Governos não respeitam a segurança jurídica ora para atingir o bolso do contribuinte ora para seqüestrar-lhes direito à aposentadoria, entre tantos outros exemplos consideráveis.

A previsibilidade da ação estatal atua fortemente como um pilar essencial a sustentar o Estado de Direito, porque sem essa previsão o cidadão não tem liberdade para planejar sua vida, estando numa área completamente cinzenta o conhecimento e alcance dos efeitos dos atos estatais. Bruscos rompantes legislativos sem uniformidade e coesão, que atinjam a população de surpresa e danifiquem as relações subjetivas implementadas entre os indivíduos, fermentam um clima de insegurança incompatível com o quadro constitucional adotado no mundo ocidental.

Em linha semelhante, registra o eminente constitucionalista luso J.J. Gomes Canotilho que

... o homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito.

Estes dois princípios – segurança jurídica e protecção da confiança – andam estreitamente associados a ponto de alguns autores considerarem o princípio da protecção da confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) a fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder – legislativo, executivo e judicial. [48]

A segurança jurídica encontra refúgio, quando nos referimos a atos do Poder Judiciário, de maneira esplêndida na coisa julgada. Afinal, "a coisa julgada se baseia na necessidade social de evitar que os litígios se perpetuem, em detrimento dos indivíduos e do Estado" [49], isto é, busca estabilizar os conflitos e dar segurança e alguma certeza à decisão judicial.

O grande questionamento a ser feito está em saber se a coisa julgada poderá veicular uma decisão inconstitucional para homenagear a segurança jurídica? Ou ela deve ser mitigada para privilegiar o respeito supremo à Constituição? Há um conflito aparente entre o princípio da constitucionalidade e da segurança jurídica que deverá ser resolvido caso a caso e com a correspondente razoabilidade.

O princípio da razoabilidade não está expressamente transcrito na nossa Constituição [50], mas é notória sua "descoberta" no sistema constitucional brasileiro e muito entendem que ele está contido na face substantiva do princípio do devido processo legal (substantive due process, de origem norte-americana). Através dele o Poder Público deve fazer uso de meios próprios, isto é, não utilizar de meios desarrazoados para atingir seus objetivos.

A esse respeito consignou o juiz federal da Seção Judiciária do Estado de Goiás Carlos Roberto Alves dos Santos:

De fato, é ponto pacífico em nosso ordenamento jurídico o acolhimento do princípio do devido processo legal substantivo ou da razoabilidade, que em suas linhas gerais, contempla os seguintes elementos: a) pertinência ou aptidão da decisão estatal; b) a necessidade da decisão; c) a proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, a obrigação de fazer uso dos meios proporcionais e a interdição quando ao uso dos meios desproporcionados. [51]

Como a Constituição dá fundamento de validade a todas as demais normas, e, como os seus princípios constituem o alicerce do ordenamento jurídico, eles precisam ser obedecidos pelo Poder Judiciário. Para Celso Antônio Bandeira de Mello "violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos". [52]

Acerca do tema o Professor Cândido Rangel Dinamarco entendeu que

... o valor da segurança das relações jurídicas não é absoluto no sistema, nem o é portanto a garantia da coisa julgada, porque ambos devem conviver com outro valor de primeiríssima grandeza, que é o da justiça das decisões judiciárias, constitucionalmente prometido mediante a garantia do acesso à justiça (Const., art. 5º, inc. XXXV). [53]

Para uns desconstituir a coisa julgada estaria a macular a segurança jurídica e colocando o Estado de Direito em segundo plano. Para outros o entendimento é o de que a Constituição deve ser plenamente velada e se a coisa julgada protege uma inconstitucionalidade poderá ser descaracterizada para dar vida ao princípio da constitucionalidade. Tal conflito será melhor analisado no próximo tópico, entretanto podemos antecipar que na análise do caso concreto para se evitar antinomias e guardar a unidade dos princípios constitucionais um dos valores deverá preponderar ao outro.

2.3 RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE DA COISA JULGADA

Por não sermos seres estáticos estamos sempre a mercê das modernidades, das novas filosofias e das novas correntes doutrinárias. O nosso mundo sofre constantes alterações com revoluções e guerras, e a cada situação que presenciamos temos necessidades diferentes das que tínhamos anteriormente, pois os valores mudam e os usos e costumes se contrapõem. A cada época de nossa história as normas privilegiaram diferentes maneiras de agir e pensar. Já colocamos em primeiro lugar a religião, o dinheiro, o trabalho, mas à medida que evoluímos procuramos sempre a proteção das relações humanas. Essa proteção se dá com a Constituição e as leis daí resultantes.

Podemos dizer que as leis nascem, vivem e falecem. Às vezes ressuscitam, mas completam sempre o círculo da vida e da morte. Como no desenvolvimento em cadeia de uma fissão nuclear as leis vão surgindo e crescendo. E sua energia sendo gasta para que outras normas mais eficientes sejam elaboradas. A combustão inicial que dá azo a todo o processo de criação do Direito, entretanto, a energia suprema, é a Constituição, um conjunto normativo fonte. Devemos concentrar toda essa energia na verdadeira busca do que entendemos por Justiça.

Assim também ocorre com o mito da coisa julgada soberana: aquela que após o prazo para interposição da ação rescisória não poderia ser desconstituída de maneira alguma ou aquela que apesar do prazo para interposição da ação rescisória não tenha fluído por completo. Em ambas o legislador não previu a rescisão para o caso. A coisa julgada soberana nasceu, viveu e agora poderemos sepultá-la em cova profunda desde que sua energia esteja a causar incêndios e não a movimentar a sociedade rumo à Justiça anteriormente preconizada.

Lógico que não estamos veiculando o fim, a inexistência, a extinção da coisa julgada, porém o pacto constitucional que eleva a Constituição e tudo que nela está contido como princípios, regras e garantias é hierarquicamente superior a todo e qualquer ato do Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário. Em que pese esse entendimento, de que a Carta Magna é superior, ser o mais aceito atualmente devemos lembrar que o Príncipe somente terá longevidade se transformar o seu poder em Direito e o respeito em dever. A sociedade deve estar atenta para mudanças constitucionais que a tornem meros vassalos do Príncipe.

Uma das primeiras problemáticas pensadas pelos teóricos do Direito, quando da realização primordial e aceitação do Direito, deve ter sido encontrar a solução possível para as sentenças ilegais ou injustas. O problema da coisa julgada inconstitucional é bem mais raso, no sentido de que o respeito à Constituição e o controle de constitucionalidade é recente, e possui pouco entendimento doutrinário e jurisprudencial.

A noção de relativização da intangibilidade da coisa julgada é difícil de ser intronizada devido a quebra aparente que se tem do ideário de estabilidade e segurança e da confiança que a sociedade tem no próprio Estado, como bem observa Canotilho em linhas volvidas. Isso porque também a certeza e a segurança do Direito são valores constitucionais.

Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria mudam o foco de discussão proclamando que

... por sua vez, o princípio da intangibilidade da coisa julgada, diferentemente do que se dá no direito português, não tem tratamento constitucional, mas é contemplado apenas na legislação ordinária. Isto significa, segundo assinalado no item anterior, que é ele, no direito nacional, hierarquicamente inferior. Não se pode, assim, falar no Brasil, de conflito entre princípios constitucionais, evitando-se com isso a séria angústia de se definir aquele que prevalece sobre o outro, como se dá em Portugal, a partir do princípio da proporcionalidade e razoabilidade. [54]

Data permissa venia, o princípio da intangibilidade da coisa julgada é uma das faces do princípio constitucional da segurança jurídica. A solução encontrada pelo eminente Professor é palatável e um atalho para evitar a discussão acerca do afrontamento entre princípios, mas não é a correta. Ora, não se pode querer dissociar a coisa julgada da segurança jurídica. Lembremos da inteligente intervenção de Miguel Teixeira de Sousa informando que

... o caso julgado é uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, pois que evita que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir. Ela é, por isso, expressão dos valores de segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica. [55]

É aparentemente contraditório, portanto, a mesma Carta Magna elevar um princípio à categoria de fundamento da nação e, ao mesmo tempo, criar um outro princípio que impede que este direito seja pleno. No entanto, quando um se sobrepõe ao outro, deve-se analisar a relevância do direito a ser protegido.

A coisa julgada deve ser respeitada quando esse respeito realmente proteger o Direito que está, em tese, garantido à parte e veicular uma decisão constitucional. Mas quando a coisa julgada, como instituto processual, obstaculizar a supremacia da Constituição, em determinado momento, ela não deverá se sobrepor sob pena de aceitarmos que a res iudicata é um instituto mais importante que a própria Constituição.

O maior impasse encontrado pela tese da relativização da coisa julgada é o fato de que a coisa julgada se transformou num dogma que deveria predominar a todo custo, não importando a gravidade do Direito transgredido.

A coisa julgada é um instituto de extrema importância, pelos seus objetivos mesmos. No entanto, por exemplo, o princípio da constitucionalidade é, hoje, a forma mais segura de se controlar as ações do Estado, sendo justo que seja respeitado para beneficiar toda a sociedade e penalizado com a anulação da decisão equivocada, em alguns casos não por culpa do julgador, mas por culpa da inconstitucionalidade, talvez imperceptível num primeiro momento, que perturba o Estado de Direito.

Muitas vezes, entretanto, a busca cega pela segurança jurídica pode levar ao desprezo não querido de outros valores também protegidos pelo sistema constitucional, como a própria constitucionalidade dos atos do Poder Público, a Justiça e a dignidade da pessoa humana.

Devemos, sem dúvida, ter sempre em mente a busca por uma adequação do instituto da coisa julgada à realidade do sistema constitucional como um todo. Para esse fim, tem-se lançado mão do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.

Impende notar que a solução pela flexibilização ou relativização da coisa julgada é excepcional e só pode ser invocada em situações "extraordinárias com o objetivo de afastar absurdos, injustiças flagrantes, fraudes e infrações à Constituição". [56] A regra continua sendo - e é melhor que assim o seja - a do respeito à coisa julgada, sendo que os meios para essa relativização também devem ser cuidadosamente movidos para não se criar o malquerido estado de insegurança.

O Direito norte-americano nesse campo é bem mais avançado que os rigores perniciosos (tardiamente constatados) da autoridade da coisa julgada de origem romano-germânica. A cultura jurídica anglo-americana permite com profunda aceitação determinadas rescisões racionais à res iudicata, relativizando-a para homenagear princípios maiores e outras necessidades. Principalmente razões de ordem pública fora da relação jurídica em discussão, razões sociais específicas de cada case, enfim havendo um motivo muito especial é que poderá ser superada a coisa julgada. Deste modo, a jurisprudência e a doutrina americana trata a relativização da coisa julgada de uma maneira consciente e tranqüila sempre compatibilizando as decisões com os valores primordiais da sociedade e tendo em mente que a coisa julgada não quer dizer verdade absoluta. [57]

O venerável Ministro José Augusto Delgado visitando o tema acerca da coisa julgada e suas vicissitudes conclama a aplicação do princípio da moralidade por qualquer dos seus três poderes que para nós é invocado como princípio da constitucionalidade. Para o Ministro a decisão judicial deve mostrar às partes harmonia com os fatos e os ditames constitucionais, sendo que

... o Estado, em sua dimensão ética, não protege a sentença judicial, mesmo transitada em julgado, que bate de frente, com os princípios da moralidade e da legalidade, que espelhe única e exclusivamente vontade pessoal do julgador e que vá de encontro à realidade dos fatos.

A moralidade está ínsita em cada regra posta na Constituição e em qualquer mensagem de cunho ordinário ou regulamentar. Ela é comando com força maior e de cunho imperativo, reinando de modo aboluto sobre qualquer outro princípio, até mesmo sobre o da coisa julgada. A moralidade é da essência do direito. A sua violação, quer pelo Estado, quer pelo cidadão, não gera qualquer tipo de direito. Este inexiste, por mais perfeito que se apresente no campo formal, se for expresso de modo contrário à moralidade. [58]

O Professor Paulo Roberto Oliveira Lima também adentrando ao tema da relativização da coisa julgada expõe que nosso sistema adotou a tese da unicidade do Direito, isto é, "todo direito, dever, pretensão, obrigação, ação e exceção são originários da norma incidente sobre o fato por ela previsto hipoteticamente, não sendo lícito ao magistrado editar comando dissociado do direito objetivo". [59] Isto faz que o legislador mediante a possibilidade de ocorrência de sentenças erradas, injustas e inconstitucionais entabule o surgimento de um remédio jurídico capaz de rever o bem julgado. A permissa de que o julgado possa ser revisto é incompatível com a falsa aparência que possui o mito da coisa julgada. Nesse sentido, o Professor entende que

... a idéia de uma coisa julgada suscetível de ser atacada, revista e desconstituída, parece em princípio contraditória, visto que o instituto da coisa julgada se define a partir do elemento "imodificabilidade". O operador do Direito se acostumou com o entendimento de que a coisa julgada representa o fim de uma discussão, o ponto final da lide, caracterizando-se como a entrega da prestação jurisdicional certa, indiscutível, derradeira.

Mas não é bem assim. Ao inverso, a coisa julgada, mesmo se adotada a tese da dualidade do Direito, como fez o atual Código de Processo Civil (deslembrado de que não poderia fazer esta opção, mercê da adoção, pelo Direito Constitucional, dos princípios da legalidade, da isonomia, e do estado democrático de direito), é modificável, ou seja, a imutabilidade que a caracteriza não é tão absoluta quanto se imagina. Afinal de contas o sistema instituiu, ao lado da coisa julgada, a ação rescisória que se destina especificamente a atacar, rever e desconstituir a coisa julgada material. [60]

Considerando que o problema da relativização da coisa julgada em última análise se dá pelo choque entre dois princípios constitucionais devemos nos socorrer da hermenêutica constitucional para justificar a utilização da proporcionalidade. Segundo Inocêncio Mártires Coelho, a dicotomia constitucionalidade/inconstitucionalidade encontra-se sobremaneira ligada à questão da interpretação constitucional. Poucos doutrinadores se aventuram neste rumo, pois evidencia-se na ciência jurídica que a questão do método é essencial. Estabelecer um método e critérios para a atividade interpretativa que opera com parâmetros tão amplos traduz uma substância de verdadeira criação constitucional pós-Constituição. A teoria da interpretação constitucional passa por um período de abertura em que todos os cidadãos e grupos buscam a legitimidade para também participarem do processo hermenêutico constitucional (Peter Härbele). [61]

É relativamente aceito entre os juristas que sopesar princípios é tarefa árdua e deve ser feito sempre com uma discussão de caso como pano de fundo e

... por isso é que, diante das antinomias de princípios, quando em tese mais de uma pauta de valoração parecer aplicável à mesma situação de fato, ao invés de se sentir obrigado a escolher este ou aquele princípio – com exclusão de todos os demais que, prima facie, ele imagina poder utilizar como norma de decisão –, o intérprete-aplicador fará uma ponderação entre os standards concorrentes, optando, afinal, por aquele que, nas circunstâncias, e segundo a sua prudente avaliação, deve ter um peso relativamente maior.

Porque se trata de um método de ponderação de bens no caso concreto, é intuitivo que, pelo menos sob esse prisma, não possa existir uma hierarquia fixa, abstrata e apriorística, entre os diversos valores e/ou princípios constitucionais, ressalvada – porque axiologicamente fora de cotejo – a dignidade da pessoa humana, como valor-fonte de todos os valores, valor fundante da experiência ética ou se preferirmos, como princípio e fim de toda ordem jurídica. [62]

Por fim, considerando que a finalidade maior do Direito é a aplicação da justiça, que uma decisão constitucional tem grande chance de estar contida dentro do valor justiça, que a sociedade atual não tolera erros, injustiças e inconstitucionalidades e que se a coisa julgada não consegue alcançar esses valores devemos estando em concorrência a segurança jurídica e a constitucionalidade aplicar ponderadamente, caso a caso, os dois princípios para que repercuta no bem julgado o respeito à Constituição.

2.4 COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

Conforme observa Savigny em linhas volvidas, todo processo deve receber uma solução, a qual, obviamente, reflete sobre o conteúdo e a extensão dos direitos litigiosos submetidos pelos interessados à apreciação do órgão julgador. Com freqüência, pode ser extremamente duvidosa a decisão de um processo e, por isso, seria natural revê-la sempre que algum dos interessados a reputasse errônea. Mas, em assim sendo, os processos poderiam repetir-se indefinidamente, o que resultaria num estado de perpétua incerteza, incompatível com os desígnios da Justiça.

Em face desses dois sérios perigos – a sentença errada e a incerteza sobre os direitos – há de ser feita uma escolha para adotar o mal menor, escolha que, pertence ao Direito político. A opção até então universalmente aceita, fundamentada no Direito Romano, consiste em primeiro submeter a sentença a reexame perante órgãos hierarquicamente superiores e após, atribuir-lhe especial autoridade, que a torne imutável para o futuro, em face de todos os participantes do processo em que fora ela pronunciada.

Não imaginavam os romanos, porém, que um dia iríamos estabelecer uma Lex Mater para nos reger e que o respeito a ela, ao Estado Democrático de Direito e à separação dos poderes seriam tidos como valores supremos da sociedade ocidental para que haja a querida paz social e equilíbrio nas relações.

O Direito natural é imanente à natureza humana e estes postulados são universalmente aceitos por todos não importando a cultura que adotaram. Quando o homem se relaciona com outros e verifica na coletividade um meio de se desenvolver brota o Direito positivo, materializado no contrato social. Então temos que: Direito natural + interação social = Direito positivo, que gera contrato social, normatização e costumes.

Eventualmente os pressupostos do Direito positivo colidirão com os do Direito natural, exemplificado pela pena de morte, pena de mutilação e escravidão. Podemos concluir que teremos no mundo jurídico duas vertentes principais: os jusnaturalistas cuja opção filosófica se fundamenta no valor da dignidade do ser humano e os positivistas cuja opção se baseia no Direito ditado pela autoridade. Em alguns momentos o Direito natural será positivado, mas em outros se observará uma contradição entre eles, justamente porque dentro da evolução do homem a lei continua sendo ditada pelas classes dominantes, ou simplesmente, que se coloca a vontade particular acima da vontade geral por incontáveis situações.

Para apimentar a discussão filosófica Luiz Roberto Barroso acrescenta o pós-positivismo que seria a majestade dos princípios e o reconhecimento de valores sociais. O professor, assim, expõe sua idéia:

A novidade das últimas décadas não está, propriamente, na existência de princípios e no seu eventual reconhecimento pela ordem jurídica. Os princípios, vindos dos textos religiosos, filosóficos ou jusnaturalistas de longa data permeiam a realidade e o imaginário do Direito, de forma direta ou indireta. Na tradição judaico-cristã, colhe-se o mandamento de respeito ao próximo, princípio magno que atravessa os séculos e inspira um conjunto amplo de normas. Da filosofia grega origina-se o princípio da não-contradição, formulado por Aristóteles, que se tornou uma das leis fundamentais do pensamento: "Nada pode ser e não ser simultaneamente", preceito subjacente à idéia de que o Direito não tolera antinomias. No direito romano pretendeu-se enunciar a síntese dos princípios básicos do Direito: "Viver honestamente, não lesar a outrem e dar a cada um o que é seu". Os princípios, como se percebe, vêm de longe e desempenham papéis variados. O que há de singular na dogmática jurídica da quadra histórica atual é o reconhecimento de sua normatividade. [63]

Mas, enquanto o Direito natural é imutável, o Direito positivo é circunstancial e se conforma às necessidades e valores momentâneos de cada sociedade. A realidade social é que fornece subsídios para que o legislador elabore as leis, que devem ter no fato social sua razão e origem. O Direito não se justifica por si só e é por isso que as leis devem ser mudadas conforme a realidade social.

Essa reflexão inicial é necessária, pois segundo reiteradas vezes já dito no corpo do trabalho a realidade da coisa julgada, ou o mito da coisa julgada, está sendo desvendado pelos juristas. A confrontação entre a coisa julgada e aquilo que ela deve em síntese revelar que é a justiça com a constitucionalidade da decisão veiculada leva com propriedade a que imaginemos ser a coisa julgada também algo volátil e não completamente intangível como sempre foi ensinado nas cátedras.

Outro ponto crucial se constitui na bipolaridade dos valores em que a todo valor positivo corresponde um negativo. Ao valor da justiça corresponde a injustiça. O confronto existe entre dois valores: um positivo e um negativo. Não é possível, então, existir conflito entre dois valores positivos: justiça e segurança ou constitucionalidade e coisa julgada. O que pode acontecer é o juiz prestigiar um pouco mais um valor em detrimento do outro, mas isso de acordo com uma escala de valores.

Este preceito significa que a função jurisdicional integra também a fiscalização da constitucionalidade e que os tribunais – todos e cada um deles – têm o poder e o dever de confrontar com a Lei Fundamental as normas infraconstitucionais que sejam chamados a aplicar, tendo de recusar-se a aplicá-las se elas não forem compatíveis com ela. Desde que considere que uma norma é inconstitucional, o órgão judicante não pode aplicá-la em nenhuma circunstância, exceto se em possível recurso o juízo de inconstitucionalidade vier a ser revogado.

Ocorre que mais das vezes o órgão judicante não percebe a inconstitucionalidade e profere decisão que não é a justa para o caso. Transitando em julgado referido decisum estaria impossibilitada a desconstituição da mesma. O que ventila a teoria da coisa julgada inconstitucional é justamente que por ferir a Constituição da República a res iudicata deverá, e em alguns casos poderá, ser revista.

O juiz federal e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Francisco Barros Dias ilustra o tema da seguinte maneira:

A coisa julgada inconstitucional está a merecer da classe jurídica brasileira uma nova postura, diante das situações constrangedoras que vem sofrendo o judiciário, em face a perplexidade dos jurisdicionados em se depararem com circunstâncias inexplicáveis, baseadas em disparidades de julgamentos, sem que nada possa ser feito, uma vez que tais situações se agravam ainda mais quando acobertadas pelo manto da coisa julgada.

Alguns casos com que nos deparamos, na prática, são exemplos típicos dessas situações. Vejamos. Basta ver o caso de um servidor público que obteve determinada vantagem funcional perante o Judiciário e, uma vez transitada em julgado a sentença que concedeu tal vantagem, está assegurado em seu direito de forma definitiva. Esse servidor, no entanto, exerce cargo idêntico ao de um outro colega da mesma repartição, ingressaram no serviço público na mesma data, com salários rigorosamente idênticos. O outro servidor também foi ao Judiciário buscar a mesma vantagem. Nada obstante, o Judiciário negou o seu direito, quer porque um outro Juiz entendeu que não fazia jus a tal pleito, quer porque houve mudança da jurisprudência sobre o assunto. A sentença proferida no processo desse outro servidor também transitou em julgado. A perplexidade reside no fato de que um está percebendo salário maior, concedido pelo Judiciário, e o outro uma menor remuneração, embora ambos estejam invocando a irreversibilidade de suas situações com base na coisa julgada. Pergunta-se: é justa essa situação? Não está havendo uma afronta ao princípio da isonomia? O princípio da isonomia não está insculpido na Constituição? Um princípio constitucional deve ser sacrificado em nome da coisa julgada, de forma irreversível? Não deveria haver algum remédio legal para corrigir essa distorção? [64]

Desaplicada a coisa julgada por motivo de inconstitucionalidade, o órgão judicante deve aplicar a norma que teria de aplicar na ausência da norma julgada inconstitucional, que tanto pode ser a norma que anteriormente regulava a matéria, uma norma subsidiariamente aplicável ao caso ou diretamente uma norma constitucional, notadamente a razoabilidade e proporcionalidade, quando não subsistir qualquer norma uma vez afastada a norma julgada inconstitucional, devendo, então, a causa ser julgada em conformidade com a Constituição, afinal não se pode deixar o caso sem ser julgado.

O princípio da proporcionalidade será, então, fartamente utilizado pelos operadores do Direito, dando uma conotação menos subjetiva e mais racional à decisão judiciária. Isso porque a regra da proporcionalidade, ao mesmo tempo em que produz uma controvertida ascendência do juiz (executor da justiça material) sobre o legislador, sem chegar todavia a corroer ou abalar o princípio da separação de poderes, serve também para frear os impulsos excessivamente subjetivistas do julgador, que passa a ter que observar critérios objetivos na solução dos casos concretos, sempre motivando suas decisões. Esse juiz, constantemente inquieto por não se conformar com a observância burocrática de seus deveres, nutre o ideal de se aproximar da verdadeira justiça, e, para tanto, mergulha no árduo mister de questionar a constitucionalidade dos atos públicos, ainda mais os do próprio Poder que faz parte, com os quais se defronta, aparando-se na lógica jurídica da razão.

Toda ação humana dá-se através de duas capacidades: o dom do indivíduo de realizar algo e a interpretação das outras pessoas como elemento suplementar a esta ação (é o feedback). O escritor ao "escrever" passa sua vida a fio tentando exprimir ao público leitor seus sentimentos, emoções e mais do que nunca suas opiniões sobre o mundo. Da mesma forma o escultor ao tomar a argila em suas mãos transforma o abstrato em concreto que é percebido por todos. De tal sorte também cabe a um seleto grupo de pessoas uma tarefa especial nas relações humanas: a criação de leis. Sem o dom ou não estes indivíduos eleitos pelo povo passam a ter a missão de traduzir a vontade geral em direitos e deveres.

Na outra ponta da ação está a interpretação feita individualmente que levará ou não ao efeito procurado pelo "artista". O leitor entende de várias maneiras um livro, um quadro é visto de inúmeras formas diferentes e sem sombra de dúvida uma lei será interpretada de muitas maneiras. Todo ato humano envolve juízo, isto é, ato de interpretação e são tendências pessoais, filosóficas e políticas, que se manifestam no processo da incessante adequação da norma aos fatos. Podemos concluir, portanto, que uma norma poderá ser aplicada de vários jeitos dependendo de quem a utiliza constituindo assim uma faca de dois gumes, pois poderá destoar do que seja justo ou não.

Se uma norma não mais atende à uma determinada realidade, fica a cargo do intérprete sua adequação para que não perca sua correspondência com a dinâmica dos fatos e cumpram sua destinação social. Sempre que uma lei for contra o Direito (é até difícil usar esta expressão, pois a lei deve precipuamente representar o Direito, mas há vários casos em que legisladores sem dom desobedeceram este costume e legislaram de má-fé) deve ser adaptada com a interpretação para que se faça a devida justiça.

Nesse sentido poderemos dizer que os juízes aplicarão as leis de acordo com seus valores e opiniões, fazendo do mito da neutralidade mero resquício dos antigos juristas. Os juízes são imparciais, sendo esta característica elemento primeiro para que a sentença carregada da subjetividade judicial tenha validade e fundamentação legítima. O Direito é dinâmico, deve traduzir a realidade social, e não se pode ficar apegado à literalidade da lei.

Como podemos extrair dá lei diversas visões, ou seja, comporta diversas interpretações, devemos pela nossa capacidade de visualizar o constitucional identificar aquela que traduz os princípios de justiça social e elegê-la como aquela que realmente representa o objetivo do povo e não do legislador. Essa busca pela melhor interpretação deverá sempre permear as relações jurídicas com a imparcialidade que pede o processo.

Enfrentamos o perigo de ser adotada, na conduta hermenêutica seguida para as suas normas por determinada maioria, ou por unanimidade de intérpretes, uma postura com condicionamentos não verdadeiros, o que cria uma falsa aparência de sua efetividade. Esse panorama, contudo, quando examinado em face de determinadas situações concretas, revela-se instável e passa a exigir novas reflexões e, conseqüentemente, aperfeiçoamento para o funcionamento das entidades jurídicas.

O princípio da imutabilidade da sentença soberanamente julgada deve ser repensado, sob pena de em nome dele eternizar-se injustiças. O ponto central olvidado por esta nova doutrina é a ofensa à Constituição pelo decisum desconforme às normas e aos princípios expressos na Carta Maior.

A coisa julgada, quando existe apenas uma infração à norma infraconstitucional, está calcada na segurança, estabilidade e certeza jurídica, não se podendo dizer daquela que viola diretamente norma constitucional. Os princípios que fundamentam a coisa julgada inconstitucional não são suficientes para mantê-la com caráter de imutabilidade, pois foi a Lei Maior que restou violada. Se fosse possível conceber essa contradição comprometer-se-ia todo o sistema jurídico.

A sentença passada em julgado é relevante e deve ser prestigiada, porém é vulnerável à própria atividade do Poder Judiciário e não guarda, por conseguinte, o caráter de intangibilidade que se lhe quer emprestar. Assim, para que se fale na tutela da intangibilidade da coisa julgada e, por conseguinte, na sua sujeição a um regime excepcional de impugnação, é necessário que se investigue sua adequação à Constituição.

Toda a doutrina da coisa julgada inconstitucional colhe parecer do eminente Professor da Faculdade de Lisboa Paulo Manuel Cunha da Costa Otero. Ele fundamenta toda a doutrina no seu livro Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional. Mesmo assim a doutrina brasileira traz os principais ensinamentos do mestre português em alguns recortes.

Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria citando Paulo Otero determinam que a coisa julgada será intangível somente enquanto conforme a Constituição, sendo que

... a sentença violadora da vontade do constituinte não se mostra passível de encontrar um mero fundamento constitucional indirecto para daí retirar a sua validade ou, pelo menos, a sua eficácia na ordem jurídica como caso julgado. Na ausência de expressa habilitação constitucional, a segurança e a certeza jurídicas inerentes ao Estado de Direito são insuficientes para fundamentar a validade de um caso julgado inconstitucional. [65]

Também Jorge Miranda proclama que "o princípio da intangibilidade do caso julgado não é um princípio absoluto, devendo ser conjugado com outros e podendo sofrer restrições". [66]

Um contraponto pode ser feito com a chamada coisa julgada ilegal. A coisa julgada pode, não deveria, contemplar uma ofensa à lei ordinária, estando sujeita a passado o prazo para sua impugnação ver validados definitivamente os seus efeitos. E o fundamento para tal assertiva advém da segurança e certeza jurídicas que deixa a sobrevivência de uma solução antijurídica desde que conforme com a Constituição. [67]

Apesar de se aceitar que a segurança e a certeza jurídica possam deixar passar uma coisa julgada ilegal não se pode dizer o mesmo da coisa julgada que afronta a Carta Magna, porque tais princípios não têm o condão de validar atos públicos inconstitucionais.

A lição de Paulo Otero mais uma vez é necessária:

A segurança e a certeza jurídicas apenas são passíveis de salvaguardar ou validar efeitos de actos desconformes com a Constituição quando o próprio texto constitucional expressamente admite. (...) Fora de tais situações, repete-se, os valores da segurança e da certeza não possuem força constitucional autônoma para fundamentarem a validade geral de efeitos de atos inconstitucionais. [68]

Por fim, Paulo Otero faz distinção entre inexistência e inconstitucionalidade das decisões judiciais, centrando no ponto de vista do alargamento do princípio a toda atividade do Poder Público, estabelecendo tipologias dos casos e da espécie, tipificando dentre as situações elencadas as principais modalidades de inconstitucionalidade do caso julgado, dando destaque a decisão judicial cujo conteúdo viola direta e imediatamente um preceito ou um princípio inconstitucional. E ainda veicula a possibilidade de se atacar o caso julgado inconstitucional por ação autônoma intentada com tal objetivo, desde que se possa identificar minimamente as características do ato judicial que obedeça os requisitos formais e processuais mínimos para sua existência no mundo jurídico. [69]

Nesta senda, de admitir a nova doutrina, também são as conclusões de Carlos Valder do Nascimento a seguir sintetizadas:

b) as regras referentes à coisa julgada são regras no plano da lei ordinária que, inclusive, por expressa determinação constitucional, não podem contrair ou promover modificações no referido instituto que opera com força de lei nos limites da lide e das questões decididas, nos termos do Código de Processo Civil;

c) a inconstitucionalidade da sentença é inconciliável por ir de encontro aos preceitos estatuídos na Constituição, daí ganhar foros de nulidade de natureza insanável, oponível por ação autônoma, porquanto não coberta pelo processo recursal;

d) não existe nenhum choque entre o princípio da segurança jurídica e aplicação dos outros princípios que estão acima daquele, visto que o caráter absoluto que tenta lhe impingir não resiste mais aos primados da moralidade e da legalidade; [70]

O Ministro do STJ José Augusto Delgado persevera no assunto e não admite que a coisa julgada torne o branco preto e preto branco. A injustiça, a imoralidade e ataque à Constituição são defeitos que não condizem com a realidade de um Estado de Direito. Os valores da legalidade, da moralidade e da justiça estão acima do valor segurança jurídica.

Assevera o doutrinador que também se manifesta da mesma maneira em sede jurisdicional, deveras difícil de ocorrer considerando por vezes escritores dizendo para esquecer o que um dia publicaram, que:

O avanço das relações econômicas, a intensa litigiosidade do cidadão com o Estão e com o seu semelhante, o crescimento da corrupção, a instabilidade das instituições e a necessidade de se fazer cumprir o império de um Estado de Direito centrado no cumprimento da Constituição que o rege e das leis com ela compatível, a necessidade de um atuar ético por todas as instituições políticas, jurídicas, financeiras e sociais, tudo isso submetido ao controle do Poder Judiciário, quando convocado para solucionar conflitos daí decorrentes, são fatores que tem feito surgir uma grande preocupação, na atualidade, com o fenômeno produzido por sentenças injustas, por decisões que violam o círculo da moralidade e os limites da legalidade, que afrontam princípios da Carta Magna e que teimam em desconhecer o estado natural das coisas e das relações entre os homens.

A sublimação dada pela doutrina à coisa julgada, em face dos fenômenos instáveis supra citados, não pode espelhar a força absoluta que lhe tem sido dada, sob o único argumento que há de se fazer valer o império da segurança jurídica.

Há de se ter como certo que a segurança jurídica deve ser imposta. Contudo, essa segurança jurídica cede quando princípios de maior hierarquia postos no ordenamento jurídico são violados pela sentença, por, acima de todo esse aparato de estabilidade jurídica, ser necessário prevaler (sic) o sentimento do justo e da confiabilidade nas instituições. [71]

A coisa julgada, revelação suprema da certeza e da segurança jurídica, não é colocada em segundo plano pela possibilidade de uma pretensão de nulidade contra o julgamento violador de preceito constitucional. Primeiro, porque o seu alcance sofre limitações com a possibilidade de manuseio de ações judiciais (a todo direito corresponde uma ação) para desconstituição do julgado. Segundo, porque sempre deverá o órgão judicante utilizar-se da razoabilidade e proporcionalidade. Terceiro, porque tais situações são sempre excepcionais. De fato, inexiste a pretensa imutabilidade que se deseja atribuir às decisões emanadas do Poder Judiciário.

A coisa julgada não é norma absoluta (até poderíamos indagar o que é absoluto? Nem a matemática é absoluta) podendo sofrer limitações ditadas pelos demais princípios constitucionais num exercício de ponderação. Necessário dizer, contudo, que a essencialidade do princípio há de ser sempre preservado, sob pena de violação do próprio princípio da constitucionalidade.

A supremacia da Constituição e o papel do Excelso Pretório de guardião em relação a esta em detrimento da coisa julgada parece ser hoje o melhor caminho para o Direito Constitucional. Uma ponderação entre esses bens jurídicos não deve obrigatoriamente estar ao lado da coisa julgada, lógico tudo é analisado caso a caso, processo a processo. Vale ressaltar também que não existe uma reserva constitucional no sentido de que a coisa julgada possa ser desconstituída apenas por ação rescisória. Apesar de ser a rescisória a ação adequada em face da legislação, no problema analisado pelo trabalho há uma situação especial no sentido de que a coisa julgada formada contraria decisão superveniente do Excelso Pretório a respeito da interpretação da Constituição (hipótese que será aventada no próximo capítulo), o que em determinadas situações permitirá a utilização de outros remédios processuais.

2.5 DESCONSTITUIÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

Tradicionalmente no Direito brasileiro há um grande descontentamento com as decisões judiciais e muito se procura os Tribunais Superiores. Nesse sentido, a impugnação das decisões judiciais é feita primordialmente através de recursos não havendo a formação de uma nova relação processual. Além dessa maneira a doutrina aponta a utilização de ações autônomas, ensejando a formação de uma relação processual diferente da primeira, materializada na ação rescisória, nos embargos à execução, na exceção de pré-executividade e numa ação declaratória de nulidade da sentença.

Como já estabelecido o problema da inconstitucionalidade fere de morte o Estado de Direito. O modelo nacional de controle de constitucionalidade possui dois critérios o difuso e o concentrado. A Constituição da República não previu no controle concentrado a forma de se desconstituir a coisa julgada inconstitucional, deixando a via do controle difuso para ser utilizada pelos operadores do Direito.

Estabelece-se na doutrina acirrada discussão acerca de qual a natureza jurídica do ato inconstitucional. Somente após estabelecer essa característica que poderíamos manejar o remédio processual correto. Haveria nulidade, ineficácia ou inexistência do ato inconstitucional? Impende notar aqui que nosso entendimento é o de que o juiz deve apreciar a constitucionalidade de qualquer ato público de ofício, isto é, mesmo que não argüida, e quando o órgão judicante declara a inconstitucionalidade de um ato não está fazendo uma nova opção política, mas somente está fazendo cumprir a opção política do povo materializada na Carta Magna em detrimento da opção política do Legislativo, do Executivo ou do Judiciário.

Para encerrar a questão da ineficácia do ato inconstitucional, ou seja, a impossibilidade de gerar efeitos, procuramos nos socorrer do Direito Privado. Existem quatro espécies de atos ineficazes: atos ineficazes propriamente ditos, atos inexistentes, atos nulos e atos anuláveis. [72] Os ineficazes propriamente ditos possuem elementos ou pressupostos essenciais, mas uma circunstância externa não lhe dá efetividade. O ato inexistente citando Clóvis Beviláqua é aquele ato "que não tinha sequer aparência de um ato jurídico de seu gênero". [73] A invalidação de um ato pode ser de dois tipos a nulidade e a anulabilidade. Sendo o vício insanável estamos diante da nulidade e estando o vício passível de reforma falamos de anulabilidade. Em ambos os casos o ato é ineficaz, mas existente.

A coisa julgada ocorre a partir de uma sentença ou acórdão e assim temos consubstanciado um ato jurídico. Não há que se falar em inexistência do ato, a não ser que haja falta de fundamentação, por exemplo. A coisa julgada inconstitucional seria, por conseguinte, ato nulo que merece ser retirado do ordenamento jurídico.

Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria acerca do tema estabelecem que

... uma decisão judicial que viole diretamente a Constituição, ao contrário do que sustentam alguns, não é inexistente. Não há na hipótese de inconstitucionalidade mera aparência de ato. Sendo desconforme à Constituição o ato existe se reúne condições mínimas de identificabilidade das características de um ato judicial, o que significa dizer, que seja prolatado por um juiz investido de jurisdição, observando aos requisitos formais e processuais mínimos. Não lhe faltando elementos materiais para existir como sentença, o ato judicial existe. Mas, contrapondo-se a exigência absoluta da ordem constitucional, falta-lhe condição para valer, isto é, falta-lhe aptidão ou idoneidade para gerar os efeitos para os quais foi praticado. [74]

A primeira forma de controle da coisa julgada inconstitucional aventada pela doutrina está na ação rescisória. Ocorre que o Código Adjetivo Civil, nas hipóteses da rescisória, não trata efetivamente da coisa julgada inconstitucional. Impende notar que as maneiras de ocorrer a coisa julgada inconstitucional são por meio daquelas decisões que violem diretamente as regras, princípios e garantias da Constituição, daquelas que apliquem norma inconstitucional, declarada ou não pelo Supremo Tribunal Federal no controle concentrado ou mesmo pelo controle difuso através de jurisprudência, e daquelas que deixam de aplicar norma constitucional por ter o órgão judicante incidentalmente declarado sua inconstitucionalidade.

A admissibilidade da ação rescisória para atacar a coisa julgada inconstitucional tem sido permitida numa interpretação extensiva do rol do artigo 485 do CPC e para homenagear os princípios processuais da instrumentalidade e da economia processual. Entretanto, não se quer com isso tratar a inconstitucionalidade da coisa julgada da mesma maneira como se trata a coisa julgada ilegal. Isso porque inclusive a nulidade pode ser decretada de ofício por conta da inconstitucionalidade, o que pode se dar a qualquer tempo.

Desta forma, a coisa julgada

... desconforme a Constituição padece do vício da inconstitucionalidade que, nos mais diversos ordenamentos jurídicos, lhe impõe a nulidade. Ou seja, a coisa julgada inconstitucional é nula e, como tal, não se sujeita a prazos prescricionais ou decadenciais. Ora, no sistema das nulidades, os atos judiciais nulos independem de rescisória para a eliminação do vício respectivo. Destarte pode "a qualquer tempo ser decretada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução" (STJ, Resp 7.556/RO, 3ª T., rel. Min. Eduardo Ribeiro, RSTJ 25/439). [75]

A coisa julgada é uma opção política da sociedade para dar efetividade à administração da Justiça. A coisa julgada se funda numa sentença ou acórdão que está condicionado à algumas premissas. As mudanças nestas premissas notadamente as mudanças de fato ou de direito acabam por macular a coisa julgada. E a declaração de inconstitucionalidade é uma mudança no Estado de Direito que é um dos pilares da decisão judicial.

A partir daí, o Poder Executivo através da Medida Provisória 2.102-27, de 26/01/2001 inseriu um parágrafo único no artigo 741 do CPC, com o seguinte conteúdo:

Para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal.

Por força deste parágrafo único introduziu-se na legislação brasileira a teoria da coisa julgada inconstitucional e constitui mais uma forma, sem prazo, para atacar a coisa julgada eivada de inconstitucionalidade já que o texto estatui a inexigibilidade do título executivo judicial.

Tal possibilidade nos remete automaticamente a uma outra, pois

... o novo parágrafo único do art. 741, do CPC permitiu que tal relativização também ocorresse no incidente da exceção de pré-executividade, haja vista que a exigibilidade do título, por constituir condição da ação executiva, é matéria de ordem pública, que pode ser conhecida de ofício pelo Juízo da execução. [76]

Outra maneira possível de se desconstituir a coisa julgada inconstitucional está em por via de ação autônoma que não está sujeita a prazo e objetiva a reexaminar a relação jurídica numa outra relação processual. Tal ação poderia ser uma ação declaratória ordinária ou uma ação constitutiva negativa.

Optando pela declaratória ordinária estaremos diante da verificação da querela nullitatis. O Professor Ovídio Baptista da Silva define o instituto como uma ação contra as sentenças nulas que era no Direito medieval utilizada pelas partes em oposição ao recurso de apelação que era utilizada nas sentenças válidas. A querela nullitatis evoluiu até chegar ao que conhecemos hoje como ação rescisória. [77]

A mensagem preponderante é a de que o Direito brasileiro começa a verificar na prática a noção de coisa julgada inconstitucional e que a sua desconstituição caminha a passos largos por ser a sentença inconstitucional nula de pleno direito que merece ser expurgada a qualquer tempo e por qualquer meio do ordenamento jurídico.


3 EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA COISA JULGADA

3.1 BREVE ABORDAGEM ACERCA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Pensar em controle de constitucionalidade pressupõe a existência de escalonamento normativo, onde a Constituição ocupa papel de destaque e, inspira toda a normatização infraconstitucional. Daí não poder haver norma infraconstitucional contrária à ordem constitucional. É na Constituição que o legislador encontrará a forma de elaboração legislativa e o seu conteúdo.

Logo, sendo a Constituição a lei fundamental da ordem jurídica do Estado e, considerando o princípio da supremacia constitucional, uma norma para ser válida necessita buscar sua validade na norma superior. Por outro lado, podemos deduzir que será inconstitucional toda atitude positiva ou negativa que esteja contrária à Constituição.

O modelo norte-americano de controle de constitucionalidade, inspirador do nosso, surgiu quando as 13 colônias se tornam independentes e fundaram um novo Estado, estabelecendo pela primeira vez uma Constituição instrumentalizada.

Os norte-americanos foram os primeiros a criar o controle da constitucionalidade. Em 1803, temos o famoso caso Malbury x Madison, em que um juiz norte-americano – Marshal – julgou que tinha o dever de verificar se as normas jurídicas são compatíveis ou não com a Constituição. É a primeira vez que surge a idéia de superioridade da Constituição. É onde surge também pela primeira vez o controle da constitucionalidade de leis federais em relação à Constituição Federal norte-americana. Este instrumento de garantia da Constituição antes não existia em lugar nenhum. Apesar de não ser algo totalmente original, já que os Estados realizavam uma espécie de controle constitucional em relação às normas estaduais, essa decisão do juiz Marshal é que vai passar para história a idéia de controle da constitucionalidade.

Marshal fez um raciocínio simples baseado em hermenêutica e no poder normal de um juiz na common law: as leis e as normas constitucionais devem ser aplicadas, existindo, porém, a possibilidade de ocorrer uma incompatibilidade entre elas. Os constituintes quando fizeram a Constituição estabeleceram um processo mais difícil para mudá-la do que para a legislação comum. Tendo o juiz de aplicar as leis, ele não pode aplicar duas normas (constitucional e infraconstitucional) que são incompatíveis entre si, terá de escolher uma delas. Qual das duas é que é a questão. Se o controle da Constituição é mais rígido tem um sentido de não se querer que ela seja alterada e se a lei ordinária conflitante for aplicada, mesmo que se diga que a Constituição não foi alterada, na prática ela ficou em segundo plano. Como a validade das leis depende do Congresso Nacional, fica óbvio a aplicação da Constituição e não da lei. [78] Assim o juiz Marshal opta pela norma constitucional. Aqui o efeito da decisão em tese deveria ser inter pars, mas como lá existe o stare decisis, que nada mais é do que respeito pelos leading cases, uma espécie de súmula vinculante, acaba que o efeito se torna erga omnes. [79]

É bom, desde logo, salientar que em matéria de controle de constitucionalidade somente é possível a sua verificação nos regimes constitucionais de natureza escrito-rígida, pois que presente a formal diferenciação entre as leis constitucionais e ordinárias, onde, manifestamente, as primeiras são dotadas de superioridade hierárquica em relação às segundas, como anteriormente examinado. É nas constituições rígidas que se verifica a superioridade da norma constitucional em relação à norma produzida pelo órgão constituído.

Assim também é a douta lição de Alexandre de Moraes:

A idéia de intersecção entre controle de constitucionalidade e constituições rígidas é tamanha que o Estado onde inexistir o controle, a Constituição será flexível, por mais que a mesma se denomine rígida, pois o Poder Constituinte ilimitado estará em mãos do legislador ordinário. [80]

Nesse sentido, o controle da constitucionalidade é o instrumento para reafirmação da Constituição. São mecanismos processuais criados para a defesa da ordem constitucional, sendo que havendo um ato do Poder Público em desacordo com a Constituição, impõe-se seu afastamento, para que a ordem constitucional prevaleça. De outro, sempre que os órgãos, políticos ou jurídicos, insurgirem-se contra a ordem constitucional, ocorrerá o que se chama de inconstitucionalidade.

O controle de constitucionalidade na Europa tem grande influencia do modelo austríaco de controle de constitucionalidade criado notadamente por Hans Kelsen. Para Kelsen a validade de uma norma deriva da outra acima dela. Se um poder do Estado cria uma norma ela vai entrar no sistema, mesmo que se choque contra o sistema. Este choque da norma traz uma disfunção, porque contradiz uma norma superior a ela. Sendo assim, o problema ocasionado deve ser solucionado. Dar ao juiz o poder de acabar com uma lei não é algo muito democrático. É muito poder na mão de um juiz e ele não é capaz para isso. Para Kelsen, uma lei, apesar de inconstitucional, é válida e vigente. Para revogá-la devemos criar um órgão especial e competente para isso. Um órgão escolhido politicamente: um tribunal constitucional que terá como função revogar as normas inconstitucionais. O processo de inconstitucionalidade não estará vindo de um caso concreto onde um juiz decidiu, o processo vem de um pedido de um órgão especial com legitimidade para realizar tal tarefa. Os particulares não poderão criticar a inconstitucionalidade, a expulsão da regra inconstitucional terá efeito erga omnes.

Assim, pelo que vimos controle de constitucionalidade é uma análise da compatibilidade de um ato do Poder Público (ato ou omissão) juridicamente relevante (geralmente normativa) com a Constituição, tanto no que concerne aos aspectos formais (observância do processo legislativo, por exemplo quando se tratar de uma lei) quanto no que tange aos aspectos materiais (respeito aos direitos fundamentais, por exemplo).

E, com vistas ao desempenho desta função, o conjunto de instrumentos constitucionalmente estabelecidos que visam determinar esta compatibilidade e, em caso de incompatibilidade, solucionar adequadamente o vício, assegurando a supremacia constitucional é de certa maneira bastante vasto.

O instrumental de que dispõe o intérprete da Constituição possui uma classificação da seguinte maneira: "enquanto o controle preventivo pretende impedir que alguma norma maculada pela eiva da inconstitucionalidade ingresse no ordenamento jurídico, o controle repressivo busca dele expurgar a norma editada". [81] O controle repressivo é realizado tradicionalmente pelo Judiciário retirando do ordenamento jurídico o ato do Poder Público que fere a Constituição. Já o controle preventivo se dá através do Executivo e do Legislativo ao impedir que um ato normativo que vai de encontro à Carta Magna entre em vigência e tenha eficácia no ordenamento jurídico.

Desta forma, os sistemas de controle de constitucionalidade repressivos das leis são o político, o jurídico e o misto que é adotado pelo Brasil, pois se submete o controle tanto político quanto jurisdicional.

O controle de constitucionalidade repressivo feito pelo Judiciário possui dois critérios: o concentrado e o difuso. O controle, então, poderá ser concentrado, quando um só órgão decide sobre a inconstitucionalidade: Corte Constitucional. E poderá ser difuso, quando vários órgãos podem decidir pela inconstitucionalidade: qualquer juiz ou Tribunal decidirá incidentalmente.

É importante se fazer uma interpretação histórica e teleológica da lei, ou seja, ter em vista a época em que a lei foi elaborada e visar alcançar o significado que o legislador quis dar aos conceitos legais e a finalidade a que eles levariam. Assim, tanto o papel do juiz, tribunal ou da Corte Constitucional é de suma importância para o Estado de Direito. O controle de constitucionalidade, por sua vez, é o conjunto de instrumentos que permite verificar a inconstitucionalidade, estabelecidos na Constituição e que serão capazes de verificar se há ou não vício e, havendo, solucioná-lo.

O controle preventivo não será analisado no presente trabalho e a seguir faremos alusão ao controle concentrado e ao controle difuso.

3.1.1 Controle Difuso

O controle difuso é aquele tipo de controle que nos remete ao caso norte-americano em que todo órgão judicante tem o dever de zelar pela superioridade hierárquica da Constituição.

Para Flávia Figueiredo o modelo difuso de controle é tido por concreto quando, por via de exceção, em qualquer processo a parte alegar a inconstitucionalidade de uma norma em sentido amplo como fundamento para o julgamento da ação. A argüição é prejudicial e chamada comumente de incidenter tantum. [82] Naturalmente que a lei não é retirada do ordenamento, mas apenas não aplicada naquele determinado caso.

Nesse diapasão, o efeito da decisão se dá entre as partes da relação processual e a decisão tem eficácia ex tunc retroagindo à edição do ato normativo questionado.

Pelo modelo difuso a quantidade de intérpretes da Constituição é inimaginável, o que coaduna melhor primeiro com um sistema democrático de Estado e segundo porque resguarda com mais eficiência os direitos fundamentais. Essa ampla abertura democrática que possibilita uma gama de sujeitos suspeitar da inconstitucionalidade de uma norma ou ato normativo que regula um certo bem, ao mesmo tempo que é igualitária também é demorada por conta do processo no mais das vezes ter que adentrar nas alas do Excelso Pretório.

Há uma grande discussão na doutrina e na jurisprudência de que a prejudicial de mérito de inconstitucionalidade deva ser apreciada de ofício ou mereça provocação. O posicionamento de que pode ser de ofício é o mais correto, conforme já observado, pois há uma nulidade insanável da lei em questão. Outra peculiaridade encontra-se no fato de que atualmente os julgamentos incidenter tatum pelo Excelso Pretório tem tido caráter quase obrigatório que ensejaria a vinculação nos moldes do stare decisis do modelo norte-americano.

3.1.2 Controle Concentrado

O controle concentrado é aquele idealizado por Kelsen em que um órgão especial é responsável pela análise da questão constitucional. Tal meio de controle é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal no Brasil e permite que a questão constitucional seja abreviada, isto é, antecipada sua discussão.

O controle concentrado pode ser realizado pelas seguintes ações: ação declaratória de inconstitucionalidade, que pode ser interventiva (artigos 36, III, 102, I, a, e 129, IV da Constituição Federal), genérica que veicule matéria federal ou estadual (artigo 102, I, a da Constituição Federal) e por omissão (artigo 103, § 2º da Constituição Federal); ação declaratória de constitucionalidade (artigo 102, I, a, in fine da Constituição Federal com redação dada pela Emenda Constitucional nº 03/93) e; a argüição de descumprimento de preceito fundamental (artigo 102, § 1º da Constituição Federal com redação dada pela Emenda Constitucional nº 03/93) que numa visão moderna permitiria também o controle de leis municipais e leis anteriores à própria Constituição da República.

A segurança jurídica no método concentrado é homenageada sobretudo em função do efeito erga omnes de suas decisões. Seria irracional que em tal controle a decisão não valesse para todos, tendo em vista que o Supremo está lá é para isso mesmo: declarar a inconstitucionalidade ou não da norma sentido amplo.

Nas referidas ações a causa de pedir normalmente é mesmo a declaração de inconstitucionalidade/constitucionalidade do ato normativo fustigado. A decisão que ampara a constitucionalidade não tem grandes dificuldades posto referendar o texto legislado. Já a decisão que julga a inconstitucionalidade do ato normativo além de possuir o efeito erga omnes possui normalmente o efeito ex tunc. Assim, desde o nascedouro da norma ela é tida por inconstitucional. A obviedade dessa afirmação parece ululante, mas é aqui a grande questão do presente capítulo. Dissemos que a decisão normalmente possui o efeito ex tunc, ou seja, em alguns casos o Supremo Tribunal Federal dará efeitos ex nunc a partir do trânsito em julgado, conforme artigo 27 da Lei 9.868/99 e artigo 11 da Lei 9.882/99, sendo que a doutrina já aventa a possibilidade dos efeitos serem perpetrados apenas no futuro a partir de uma data prefixada pelo Supremo Tribunal Federal.

3.2 EXEGESE DO PARÁGRAFO ÚNICO, DO ARTIGO 741, DO CÓDIGO PROCESSUAL CIVIL

O artigo 741, parágrafo único, do Diploma Processual Civil possui a seguinte redação:

Art. 741. Na execução fundada em título judicial, os embargos só poderão versar sobre:

I – omissis;

II – inexigibilidade do título;

III – omissis;

IV – omissis;

V – omissis;

VI – omissis;

VII – omissis.

Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal.

A regra descrita supra tem como fonte o Direito alemão que admite a impugnação, por meio de embargos à execução, de sentença proferida com base em lei declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. O comando contido no parágrafo único, do artigo 741

... é claramente inspirada em dispositivo do ordenamento alemão segundo o qual "não é admissível" a execução da sentença que houver aplicado lei inconstitucional. Talvez se pudesse pretender que uma tal inadmissibilidade implicaria carência de ação executiva, argüível na própria execução. No entanto, a mesma regra do direito alemão que alude à inadmissibilidade desautoriza essa conclusão, na medida em que expressamente indica a via cabível para a argüição do defeito: a medida prevista no § 767 do diploma processual alemão (ZPO). É a "ação de oposição (embargos) à execução", meio adequado para veicular "as objeções que afetam a própria pretensão determinada pela sentença" (§ 767, 1). [83]

A posição do doutrinador seria, nas entrelinhas, de que também a sentença que houver aplicado lei inconstitucional não pode ser impugnada nos próprios autos da execução. Isto quer dizer que estaria vedado a utilização da exceção de pré-executividade. Inobstante essa percepção da norma vale dizer que o legislador conjugou o parágrafo único com o inciso II do artigo 741, "reconhecendo expressamente que a matéria é daquelas que pode ser conhecida até mesmo de ofício, estimulando o oferecimento das chamadas exceções de pré-executividade". [84]

O preclaro entendimento é compartilhado pelo professor Cândido Rangel Dinamarco que, calcado em Pontes de Miranda, observa

... a escolha dos caminhos adequados à infringência da coisa julgada em cada caso concreto é um problema bem menor e de solução não muito difícil, a partir de quando se aceite a tese da relativização dessa autoridade esse, sim, o problema central, polêmico e de extraordinária magnitude sistemática, como procurei demonstrar. Tomo a liberdade de tornar à lição de Pontes de Miranda e do leque de possibilidades que sugere, como (a) a propositura de nova demanda igual à primeira, desconsiderada a coisa julgada, (b) a resistência à execução, por meio de embargos a ela ou mediante alegações incidentes ao próprio processo executivo e (c) a alegação incidenter tantum em algum outro processo, inclusive em peças defensivas. [85]

Essa forma de controle da coisa julgada material trazida pelo parágrafo único, do artigo 741, do Código Processual Civil que está diretamente vinculada à hipótese do inciso II é plenamente abrangida no direito brasileiro, pois sendo nula a coisa julgada inconstitucional, não se pode tê-la como título exigível para fins executivos. A certeza jurídica é um dos pressupostos para o título ser exigível, de forma que se a sentença transitada em julgado não possui tal certeza por ser nula não terá a exigibilidade requerida. O Poder Judiciário não pode fechar os olhos para tal situação criadora de decisões gravosas e injustas, sendo que o órgão judicante deve inclusive reconhecer de ofício a inconstitucionalidade da coisa julgada sem prazo preclusivo. [86]

Ultrapassada essa introdução do normativo e a possibilidade positiva da objeção na execução podemos identificar dois problemas básicos na redação do texto normativo que causam as discussões acima, além de outras ainda mais acirradas, e que serão analisados adiante.

O parágrafo único quando fala em "inexigibilidade" disse menos do que queria, pois não pretendia tornar o título inexigível verdadeiramente, mas causar um pretexto para os embargos e, por conseguinte, para a exceção que acabou criando um novo meio de controle de constitucionalidade das decisões judiciais.

Por outro lado, quando o texto normativo remete a "título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal" não deixa induvidoso se a declaração a que remete é no controle concentrado ou no difuso.

Mirando nos efeitos erga omnes do controle concentrado entendemos que este deve ser a espécie de controle aventado pelo legislador, lembrando sempre que se o Senado suspender a norma declarada inconstitucional no controle incidental (artigo 52, X, da Constituição Federal) adquirirá os mesmos efeitos erga omnes do controle concentrado.

Tal fato se dá para não criarmos uma situação, para muitos estranha, de talvez um acórdão do Superior Tribunal de Justiça transitado em julgado ser desconstituído através de embargos por um juiz singular que entenda pela inconstitucionalidade da coisa julgada baseado numa declaração de desconformidade constitucional em controle difuso (efeito inter pars). Neste caso, de o parágrafo único do 741 proporcionar os embargos no controle difuso, poderíamos imaginar que o órgão competente para julgar os embargos seria o próprio Superior Tribunal de Justiça, porque a tradição no Direito brasileiro é que o julgamento das rescisórias dos acórdãos dos Tribunais serão realizados pelos próprios Tribunais, isto é, cada Tribunal desconstitui seu julgado.

Noutra senda, se existe uma declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal no controle concentrado seu efeito é para todos e vincula os órgãos do Poder Judiciário, podendo então qualquer órgão judicante declarar a inexigibilidade do título judicial fundado em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pela vinculação existente.

Essa nova hipótese de embargos à execução fundada em título executivo judicial foi criada por medida provisória e aí entramos naquele requisito da relevância e urgência de uma norma processual. A Emenda Constitucional nº 32, de 11/09/2001, posteriormente proibiu a edição de medidas provisórias que tratassem de matéria processual. Temos primeiramente a Medida Provisória 1.997-37, de 11/04/2000, em que se discorria da seguinte maneira "título judicial fundado em lei, ato normativo, ou em sua interpretação ou aplicação declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal". Depois com a Medida Provisória 1.984-20, de 28/07/2000, ficou a redação do "título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal". Esse texto se repetiu na Medida Provisória 2.102-27, de 26/01/2001, e se mantém até hoje na redação determinada pela Medida Provisória 2.180-35, de 24/08/2001 editada antes da Emenda Constitucional já citada.

Eduardo Talamini ao atentar para as diversas redações do parágrafo único coloca ênfase na indeterminação dos significados do instituto ao dizer que

... a fluidez e largueza dos termos empregados são marcantes quando se coteja a regra com (sic) aquela sugerida no anteprojeto acima mencionado. Tal amplitude e vagueza podem dar margem a abusos. Evidentemente, os exageros podem ser cometidos por qualquer litigante, mas é razoável o receio de que advenham com maior intensidade precisamente daquele que criou a regra... (sic) Para evitá-los, o sentido e o alcance do dispositivo precisam ser adequadamente definidos em consonância com os ditames constitucionais. [87]

O Executivo Federal tinha endereço certo para a norma que eram as decisões que por motivo ou outro transitaram em julgado em desfavor da Fazenda Pública, mas que o Excelso Pretório já tinha decidido de modo contrário. A perda econômica do Estado era grande nestas situações notadamente quando se tratava de índices do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS não reconhecidos posteriormente, mas o Judiciário tem rechaçado a possibilidade aventada em casos de coisa julgada formada anteriormente à Medida Provisória [88]. A finalidade da Medida Provisória era o de

... evitar que aquelas ações nas quais se discutiam aplicações de índices referentes aos Planos Econômicos editados por diferentes Governos, e que já tinham decisão transitada em julgado com conteúdo diverso ao entendimento do STF pudessem ser executados contra a Fazenda Pública, ou necessitassem de Ação Rescisória, pois em muitos casos, já era decorrido o prazo de 2 anos. [89]

A inovação no âmbito processual civil se dá por conta da impugnação de matéria que é anterior à formação do título se assemelhando à hipótese do inciso I, do artigo 741, do Código Processual Civil que trata da "falta ou nulidade de citação no processo de conhecimento, se a ação lhe correu à revelia", em que o processo é nulo ab initio. Tal fato vem apenas dar mais razão à utilização da ação dos embargos.

O crédito do exeqüente, quando não mais existente ou que já se haja reduzido e, ainda, ocorram razões que lhe retirem certeza ou liquidez merecem ser impugnados. Ademais, à sentença exeqüenda podem sobrevir atos, ou fatos, de natureza a tirar-lhe a eficácia, onde não mais seria admissível a execução.

E, neste ponto, é importante tratarmos da seguinte questão: se a sentença transitada em julgado é tida incompatível com a Lex Mater por fundamentar-se em norma posteriormente declarada inconstitucional como poder utilizar os embargos à execução se o que transita em julgado é o dispositivo do julgado? [90]

Talamini faz sua escolha da seguinte forma:

Nem de nulidade, propriamente, padeces essa sentença. Trata-se, isso sim, de sentença injusta ou errada. O defeito está no conteúdo da solução que ela dá à causa. Não reside nos seus pressupostos de existência nem de validade. Para confirmar o que ora se diz basta comparar essa hipótese com aquelas em que:

a) o juiz, por falha de interpretação, resolve a causa "aplicando" uma norma que não existe nem jamais existiu;

b) o juiz aplica uma norma que já estava revogada por ocasião dos fatos da causa.

Em tais hipóteses, verdadeiramente não há norma a amparar a sentença, mas nem por isso dir-se-á que o provimento inexiste. A decisão conterá um error in iudicando, um defeito de conteúdo. Só poderá ser revista através dos mecanismos de revisão legalmente previstos.

A inconstitucionalidade de uma norma apenas poderá acarretar propriamente a nulidade da sentença quando se tratar de norma processual reguladora de requisitos de validade da sentença ou de validade de atos que repercutam necessariamente sobre a sentença. [91]

A opção é por demais simplista e redutora de toda a tese exaustivamente já exposta. Assim, a invalidade da norma inconstitucional não acarretaria a nulidade da sentença fundamentada naquela norma por não ter afetado os pressupostos de existência do processo. Veja que a opinião do doutrinador limita-se ao caso dos embargos à execução e não aos outros meios de desconstituição da coisa julgada.

Mas é o próprio dispositivo da sentença que também vai colidir com a Constituição por sê-lo inconstitucional. A teoria da substanciação no direito processual civil brasileiro [92] instrui a todos que os fatos e fundamentos jurídicos do pedidos devem estar expostos na exordial. A lei está contida no dispositivo estando ela expressa ou não na ordem dada pelo juiz. [93] Ou na própria explicação de Liebman acerca da qualidade especial da coisa julgada:

Nisso consiste, pois, a autoridade da coisa julgada, que se pode definir, com precisão, como a imutabilidade do comando emergente de uma sentença. Não se identifica simplesmente com a definitividade e intangibilidade do ato que pronuncia o comando; é, pelo contrário, uma qualidade, mais intensa e mais profunda, que reveste o ato também em seu conteúdo e torna assim imutável, além do ato em sua existência formal, os efeitos, quaisquer que sejam, do próprio ato. [94]

Às vezes o dispositivo é tão absurdo que não se pode querer dar validade alguma de algo destoante do ordenamento e que é incompatível com a Carta Magna. Outras vezes o dispositivo é de uma injustiça patente e o valor Justiça é algo preconizado pela Constituição Federal e, então, o dispositivo novamente não poderia prevalecer. Em ambos os casos a sentença existe, mas lhe falta uma característica primordial, constitucionalidade, para gerar efeitos.

Da teoria de justiça de John Rawls se extrai a idéia de que não é qualquer alegação de injustiça que inviabilizará a aplicação do direito. É necessário que haja grave e evidente ofensa aos princípios da justiça, contidos na estrutura básica da sociedade, para que seja possível a resistência à norma injusta.

Os princípios da justiça idealizados por Rawls são as liberdades públicas ou direitos fundamentais, que a melhor doutrina jurídica sobrepõe a todo e qualquer direito ou dever, até mesmo de natureza constitucional, já que são alicerce do próprio Estado de Direito. Nesse sentido, é possível afirmar-se que toda lei injusta é inconstitucional.

Cândido Rangel Dinamarco completa o raciocínio reiterando que

... sentença portadora de efeitos juridicamente impossíveis não se reputa jamais coberta pela res judicata, porque não tem efeitos suscetíveis de ficarem imunizados por essa autoridade. Pode-se até discutir, em casos concretos, se os efeitos se produzem ou não, se são ou não compatíveis com a ordem constitucional, etc., mas não se pode afirmar que, sem ter efeitos substanciais, uma sentença, possa obter a coisa julgada material. Esse é um enunciado conceitual e metodológico, que se impõe independentemente de qualquer tomada de posição em relação aos valores políticos, éticos, humanos ou econômicos a serem preservados. [95]

O objetivo claro do parágrafo único parece ser o de possibilitar uma nova forma de desconstituição da coisa julgada em decorrência de uma decisão superveniente do Supremo contrária à tese por ela adotada. Resguarda-se a supremacia da Constituição e o papel de guarda do Supremo em relação a esta em detrimento da segurança da coisa julgada.

A garantia da coisa julgada tem que ser vista com os olhos postos em dois outros princípios: o da autoridade da decisão do Supremo e o da igualdade de todos perante a lei. Pense-se na hipótese, por exemplo, do trânsito em julgado de uma sentença que considere constitucional uma determinada contribuição previdenciária que deveria ser recolhida aos cofres do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, mas que o contribuinte efetivamente não recolheu. O Instituto naturalmente irá executar a sentença para que as contribuições sejam quitadas. Seria razoável afirmar que mesmo a declaração de inconstitucionalidade posterior, pelo STF, da referida contribuição previdenciária não abarcaria este contribuinte do Instituto com trânsito em julgado pela constitucionalidade da contribuição, que ficaria em completa desigualdade com os demais contribuintes que efetivamente não pagarão o imposto? E o princípio da isonomia? A hipótese contida nessa nova MP, se não aceita, pode levar a injustiças dessa ordem e que agora possui o competente remédio processual.

Após toda essa descrição do parágrafo único, do artigo 741, do Código Processual Civil passaremos a tratar com mais afinco a problemática dos efeitos da declaração de constitucionalidade no controle concentrado, pois é a interpretação correta aqui defendida até porque se pudesse ser utilizado o novo dispositivo também na declaração em controle difuso não sobraria nenhuma utilidade à atribuição do Senado de suspender a execução no todo ou em parte de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.

3.3 EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA COISA JULGADA

A Constituição é a principal fonte de direitos do cidadão no Estado de direito. As forças políticas da sociedade se contrapõem tendo como pano de fundo sempre esse texto fundamental que vincula a atuação de todos, inclusive dos Poderes Públicos. Por isso Clèmerson Merlin Clève entende que a "Constituição pode ser visualizada como processo e como espaço de luta" [96], onde o cidadão busca a realização do direito.

Buscar a efetivação dos direitos garantidos na Constituição é outra vontade do cidadão que sempre encontra resistência primeiro nos Governos e posteriormente nas classes dominantes. A verificação da compatibilidade dos atos jurídicos se torna. O principal mecanismo de defesa ou de garantia da Constituição consistente na fiscalização da constitucionalidade.

Ao censurar os atos normativos violadores de preceitos ou princípios constitucionais o Excelso Pretório emite o acórdão de natureza jurídica declaratória (portanto, não constitutiva). Esta declaração conterá os seus efeitos que também foram objeto de discussão e posterior julgamento pelos Ministros. Os efeitos do provimento que reconhece a inconstitucionalidade hão de ser ex tunc ou ex nunc.

A tradição no Direito brasileiro é que no controle concentrado prevaleça o entendimento de que a lei declarada inconstitucional, independente de qualquer outro ato, seria nula ipso jure e ex tunc, naturalmente com efeito erga omnes.

Há algumas exceções elencadas tanto pela jurisprudência quanto pela doutrina: casos dos atos do servidor nomeado e demitido com base em lei declarada inconstitucional, revisão de sentença criminal condenatória proferida contra texto expresso de lei e desobrigatoriedade de devolução de salário recebido com base em lei inconstitucional.

O Brasil, apesar da tradição, não fez sua opção no próprio texto da Constituição. Nas discussões da Constituinte que resultou na Constituição Federal foi analisada e rejeitada a proposta que autorizaria o Supremo definir se a decisão de inconstitucionalidade teria efeito ex tunc, ou a partir de sua publicação.

Posteriormente na Revisão Constitucional de 1994 foi apresentada uma proposta de introdução de um parágrafo único ao artigo 103 da Constituição Federal que tratava dos efeitos da declaração no controle concentrado.

Já em 1999, por meio de lei ordinária diga-se de passagem, o modelo brasileiro sofre uma grande mudança com artigo 27 da Lei nº 9.868/99 em que a eficácia da decisão que declara a inconstitucionalidade pode, de acordo com a interpretação que se der ao texto, se dar de um momento até pro futuro requerida sempre por razões de segurança jurídica e de excepcional interesse social [97]. O artigo 27 apenas

... explicita a necessidade de aplicação do princípio da proporcionalidade por ocasião do controle das normas em via abstrata. Caberá ao Supremo ponderar se, em certas hipóteses, a supremacia da Constituição e a isonomia, princípios que justificam a atribuição de efeitos ex tunc ao provimento declaratório de inconstitucionalidade, não devem ceder espaço a outros valores constitucionais também relevantes (dignidade humana, boa fé, segurança jurídica...).

...

A regra da retroatividade absoluta e sem exceções acaba fazendo com que o tribunal constitucional, naquelas situações de conflito entre os valores acima mencionados, acabe muitas vezes simplesmente deixando de declarar a inconstitucionalidade da norma, para assim evitar gravíssimas conseqüências que adviriam da eficácia ex tunc dessa declaração. O poder de modulação dos efeitos do juízo de inconstitucionalidade afasta as soluções à base do "ou tudo ou nada" – permitindo o reconhecimento da inconstitucionalidade mesmo em casos como esses últimos. [98]

Diferentemente do modelo português de controle que já fez sua opção no corpo da Constituição expressos nos números 1 a 4 do artigo 282:

1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado.

2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infração de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última.

3. Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo favorável ao argüido.

4. Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos números 1 e 2.

No modelo alemão de controle de constitucionalidade somente era aceita a eficácia erga omnes e ex tunc. A mudança de paradigma se deu primeiro com a doutrina da incompatibilidade da lei com a Constituição concebida por norma que não tem declarada sua nulidade por causar uma distorção maior no ordenamento do que a própria declaração. Em seguida advém a técnica do apelo ao legislador consistente em o Tribunal Constitucional apelar ao legislador para que promova a mudança da norma antes que sobrevenha a inconstitucionalidade, constatando no julgamento a "ainda constitucionalidade", porém caminhando para um trânsito para a inconstitucionalidade. [99]

Claro está que o artigo 27 da Lei 9.868/99 vocifera pelo uso do princípio da razoabilidade e por essa perspectiva nada inovou, pois já citamos a importância de em determinados casos utilizar da sabedoria desse princípio. É bom ressaltar que não dá para dizer qual será o posicionamento majoritário do Supremo em face desse artigo, pois o uso da proporcionalidade se dá caso a caso.

Tais efeitos são importantíssimos para a teoria da coisa julgada inconstitucional já que dependo do efeito a coisa julgada apesar de veicular decisão írrita ao ordenamento constitucional se manterá inerte e estaremos diante da tese da "ainda constitucionalidade".

3.3.1 Efeitos ex tunc

Teixeira Filho já previa os efeitos retroativos e também da coisa julgada inconstitucional em sua obra:

Solução diversa, contudo, deverá ser adotada para a hipótese de o Senado Federal suspender a vigência de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (e com fundamento na qual a sentença passada em julgado foi emitida), porquanto seria desarrazoado pensar-se, aqui, em direito adquirido contra a Constituição; logo, a sentença seria rescindível, sob pena de ser mantida em perigoso antagonismo com a Suprema Carta Política. [100]

A definição dos termos da situação em que se insere a questão que vem submetida neste tópico se dá em reconhecer o âmbito e extensão do limite temporal dos efeitos de uma decisão do STF que declare a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de uma norma, perante uma ou várias decisões judiciais anteriores, transitadas em julgado, que reconheceu direitos e se fundamentou pela constitucionalidade das normas em causa.

A força obrigatória ou erga omnes significa a própria vinculação do legislador à decisão do Supremo. O legislador não pode reeditar normas declaradas inconstitucionais, isto é, criar lei para retomar o sentido anterior. Pode o legislador adaptar a norma para torná-la constitucional. Mas também significa que o próprio Supremo está vinculado àquela decisão, assim como todo o Judiciário e todo o Executivo.

Traduzindo: a decisão do STF é um marco que deve ser observado a todo custo, de forma absoluta. Ocorre que parece ser um contra-senso, pois estamos aqui discutindo a desconstituição da coisa julgada e dizendo a todo momento que nada é absoluto e vem uma declaração de inconstitucionalidade com seus efeitos dizer que é impassível de ser mudada.

Por isso o artigo 27 da Lei 9.868/99 é uma faca de dois gumes e deve ser usado com grande parcimônia, considerando que os termos segurança jurídica e excepcional interesse social são conceitos fluídos podendo ser manipulados para beneficiar esse ou aquele e considerando em determinado momento quem são os Ministros da Corte Constitucional.

Dado a seu caráter excepcional, qualquer limitação dos efeitos de uma declaração de inconstitucionalidade deve ser reduzida ao estritamente necessário para salvaguarda dos valores que a justificam.

De maneira geral a eficácia retroativa da declaração de inconstitucionalidade significa, pois, essencialmente, que a invalidade e cessação da vigência da norma declarada inconstitucional a partir do momento da entrada em vigor dessa norma e não apenas a partir do momento da declaração de inconstitucionalidade.

A declaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes e ex tunc afetam diretamente a coisa julgada que se tenha formado em momento anterior à declaração, não podendo o STF determinar a manutenção de tais decisões transitadas em julgado, pois se assim o fizer estará dando efeitos ex nunc à sua decisão.

Havendo a declaração de inconstitucionalidade nos moldes aqui delineados estará ocorrendo também a nulidade das sentenças transitadas em julgado que se fundaram ou que aplicaram a norma declarada inconstitucional, o que constitui um fundamento autônomo para a revisão do julgado.

Alfredo Buzaid reconhecia sempre eficácia ex tunc e asseverava que

... verdadeiramente paradoxal de que a validade da lei si et in quantum tem a virtude de ab-rogar o dispositivo constitucional violado, ou em outros termos, considerar-se-iam válidos atos praticados sob o império de uma lei nula. Portanto, todas as situações jurídicas, mesmo aquelas decorrentes de sentença transitada em julgado, podem ser revistas depois da declaração de inconstitucionalidade... [101]

Não se pode perder de vista, porém, que no caso concreto a apreciação pelo órgão judicante sempre se dará com proporcionalidade, porque pode acontecer de a nulidade por inconstitucionalidade do caso julgado ser mais prejudicial ou causar mais dano à sociedade, por exemplo se um determinado tributo cobrado por muito tempo com normalidade fosse declarado inconstitucional e o Estado tivesse que devolver todo o dinheiro aos contribuintes. Esta idéia é totalmente consentânea com o ideário de nossa tese que refuta o absolutismo das coisas.

3.3.2 Efeitos ex nunc

A limitação temporal dos efeitos amplia o respeito à coisa julgada, mesmo que no mundo das elucubrações ela seja inconstitucional, tudo se passando como se, durante um certo tempo, para todos ou alguns dos seus efeitos, a norma não tivesse sido inconstitucional.

A concessão dos efeitos ex nunc, não retroativos, como exceção aos efeitos normais da declaração de inconstitucionalidade está firmada para garantir por razões de certeza e segurança a manutenção de efeitos contrários aos que resultariam da plena eficácia da declaração de inconstitucionalidade: os efeitos sem retroação garantem a certeza dos direitos ou posições jurídicas fundamentadas em decisão judicial que aplicou a norma com sentido diverso do que resulta de uma leitura constitucional posterior da norma.

Sob este aspecto é que para não ser desrespeitada

... a segurança jurídica e o princípio do não-confisco – este último no campo tributário –, imperioso é que se adote a técnica que vem sendo aplicada no âmbito das ações de controle de constitucionalidade, qual seja, a atribuição de eficácia ex nunc à deliberação que reconhece a existência de coisa julgada inconstitucional. A decisão invalidante apenas irradiará seus efeitos, neste contexto, para atingir os atos supervenientes, jamais os pretéritos. [102]

Não obstante a posterior declaração de inconstitucionalidade, para tais casos com efeitos ex nunc, a decisão judicial permanece nos limites definidos pela coisa julgada sobrevindo os efeitos de uma norma inconstitucional.

3.4 EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE

Totalmente opostas a situação de um julgado que aplica lei inconstitucional – ofensa diretamente contra à Constituição – de um outro julgado que deixa de aplicar uma lei posteriormente tida constitucional, pois nesta segunda hipótese a ofensa é contra a lei, portanto coisa julgada ilegal.

Neste diapasão, transcrevo o seguinte:

A recusa de aplicar lei constitucionalmente correta representa, quando muito, um problema de inconstitucionalidade reflexa, o qual, porém, não é qualificado pela jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Federal, como questão constitucional. Disso decorre que a hipótese deva se submeter ao regime comum das ações rescisórias por ofensa à lei ordinária e não ao regime especial de invalidação ou rescisão das sentenças inconstitucionais. [103]

Também é o entendimento esposado no seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça ementado pelo Ministro Franciulli Neto:

AÇÃO RESCISÓRIA. ARTIGO 485, INCISO V, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 343/STF. CARÊNCIA DE AÇÃO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL.

...

No caso ‘de não aplicação de lei ordinária, por alegado motivo de ordem constitucional que mais tarde vem a ser afastado por mudança de orientação jurisprudencial, a ofensa que poderia ser divisada não é à Constituição, mas sim à lei ordinária a que a sentença não reconheceu eficácia. Não se pode data vênia, dizer que, na não aplicação da norma infraconstitucional, se tenha configurado uma negativa de vigência de norma constitucional, para declarar-se a própria sentença como inconstitucional, ipso facto, nula’ (cf. Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, ‘A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle’, Revista Ibero-Americana de Direito Público – RIADP, Vol. III, ano 3, 1º trimestre de 2001, p. 93). [104]

Assim, tratando de ofensa à lei ordinária e não à Constituição desfigurada está a figura da coisa julgada inconstitucional, considerando a negativa de vigência de norma que sempre foi constitucional.


CONCLUSÃO

O presente trabalho de conclusão de curso propiciou uma proveitosa reflexão acerca da coisa julgada que como vimos é um instituto nascido do Direito Romano. Através da análise específica da coisa julgada inconstitucional em que se fundem conhecimentos de direito processual civil com conhecimentos de direito constitucional pudemos compreender que a noção de coisa julgada no Direito brasileiro era por demais sobrevalorizada em sua intangibilidade.

Foram analisados, particularmente, os efeitos que a declaração de inconstitucionalidade no controle concentrado e no controle difuso com resolução suspensiva do Senado causam na decisão judicial transitada em julgado fundamentada na lei agora inconstitucional. A teoria da coisa julgada também foi objeto de estudo, objetivando mostrar que a declaração de inconstitucionalidade torna, em princípio, nulos os atos praticados sob o manto da lei inconstitucional ou com fundamento nela.

Encontramos a justificativa da monografia nas controvérsias surgidas com a inserção do parágrafo único, do artigo 741, do Código Processual Civil introduzido pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 24/08/2001, que trouxe a possibilidade de embargos ao título executivo judicial que veicular uma solução inconstitucional, tendo em vista a inaceitável convivência com a injustiça.

Utilizando-se do método dialético-argumentativo, e ainda dos referenciais teóricos de Paulo Otero, da doutrina portuguesa e dos eminentes doutrinadores brasileiros José Augusto Delgado, Cândido Rangel Dinamarco e Humberto Theodoro Júnior, chegamos à conclusão de que o vício da inconstitucionalidade gera a nulidade de qualquer ato de qualquer Poder Público, notadamente a coisa julgada que é incompatível com a Constituição e que diante de um título judicial inconstitucional, por ser inexigível, plenamente possível será a utilização dos embargos à execução.

Por todo o exposto, fundamentado na pesquisa realizada e desenvolvimento da monografia podemos concluir ainda que:

a) O vício de inconstitucionalidade induz à nulidade do ato do Poder Judiciário, qual seja, a sentença transitada em julgado, pois se encontra em total contrariedade com a Constituição Federal, deve ser ponderado pelo princípio da proporcionalidade para não se comprometer por completo a segurança jurídica.

b) O impacto dos efeitos ex tunc ou ex nunc na declaração de inconstitucionalidade é de suma importância na desconstituição da coisa julgada, já que sendo ex tunc fulminaria a relação jurídica fundada na lei inconstitucional desde o seu nascimento não podendo produzir efeitos jurídicos válidos e sendo ex nunc a coisa julgada, por conseguinte também a segurança jurídica, estaria preservada.

c) A hipótese ventilada no parágrafo único, do art. 741, do Código Processual Civil quis se referir ao controle concentrado de constitucionalidade, pois a possibilidade de opor-se à execução fundada em título judicial baseado em lei inconstitucional declarada através do controle difuso seria impossível por causa do efeito inter pars a não ser que o Senado tenha suspendido a lei.

d) Foram identificados quais os remédios processuais que o jurisdicionado poderá utilizar para desconstituir a coisa julgada inconstitucional, precisamente o uso dos embargos à execução, da exceção de pré-executividade e da ação declaratória de nulidade.

Cumpre ressaltar que a pretensão do trabalho não foi de esgotar o tema, mas tentar apontar nossas preocupações acerca do objeto de estudo, esperando ter contribuído para o debate doutrinário. Lembrando sempre que no cotejamento constante entre os princípios da intangibilidade da coisa julgada e o princípio da constitucionalidade dos atos do Poder Público é necessário um criterioso juízo de ponderação sob a ótica do princípio da proporcionalidade para que se encontre a verdadeira Justiça.


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NOTAS

01 "O problema de saber-se a que fato do processo se relacionava a velha regra preocupou os juristas romanos que fixaram na litis contestatio o momento processual de sua eficácia, asseverando que um direito não mais podia ser submetido a novo juízo desde que já deduzido em processo anterior, embora ainda não julgado" (Celso Neves, Coisa julgada civil, 1971, p. 11).

02 Cf. Celso Neves, Coisa julgada civil, 1971, p. 15.

03 Cf. Coisa julgada civil, 1971, p. 26-27.

04 Ibidem, p. 40.

05 Cf. Ibidem, p. 45.

06 Coisa julgada civil, 1971, p. 59-60.

07 Cf. Ibidem, p. 99-100.

08 Friederich Karl von Savigny, Sistema del diritto romano atuale, trad. de Vittorio Sciajola, 1886-1889, vol. 6, § 280, apud Celso Neves, op. cit., p. 107.

09 Cf. Friederich Karl von Savigny, op. cit., vol. 6, § 280, apud Celso Neves, op. cit., p. 108.

10 Enrico Tullio Liebman, Eficácia e autoridade da sentença, 1981, p. 01.

11 Cf. Celso Neves, Coisa julgada civil, 1971, p. 373.

12 Enrico Tullio Liebman, op. cit., p. 40.

13 Fundamentos do direito processual civil, 1946, p. 330-332, apud Celso Neves, Coisa julgada civil, 1971, p. 431.

14 Fundamentos do direito processual civil, 1985, p. 401, apud Francisco Barrros Dias, Coisa julgada, 2003, p. 07.

15 Ética e direito, 1996, p. 586.

16 Art. 495. O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão.

17 Art. 488. A petição inicial será elaborada com observância dos requisitos essenciais do art. 282, devendo o autor:

I – omissis;

II – depositar a importância de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa, a título de multa, caso a ação seja, por unanimidade de votos declarada inadmissível, ou improcedente.

18 Celso Neves, Coisa julgada civil, 1971, p. 443.

19 Sentença e coisa julgada, 1992, p. 197-198.

20 Enrico Tullio Liebman, Eficácia e autoridade da sentença, 1981, p. 53-54.

21 Contribuição à teoria da coisa julgada, 1997, p. 24.

22 Tratado das Ações, t. I., p. 165-166, apud Paulo Roberto de Oliveira Lima, Contribuição à teoria da coisa julgada, 1997, p. 23.

23 Eficácia e autoridade da sentença, 1981, p. 51.

24 Curso de direito processual civil, vol. I, 2003, p. 476.

25 Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.

26 Primeiras linhas de direito processual civil, vol. III, p. 44.

27 Cf. Ibidem, p. 45.

28 Ibidem, p. 45

29 Cf. Curso de direito processual civil, vol. I, p. 479

30 Aqui estamos nos referindo à coisa julgada que inclusive não mais pode ser objeto da ação rescisória, isto é, já tenha passado o prazo de 2 anos exigidos pelo art. 495 do CPC.

31 Contribuição à teoria da coisa julgada, 1997, p. 30.

32 Sentença e coisa julgada, 1992, p. 247.

33 Moacyr Amaral Santos, Primeiras Linhas de direito processual civil, 1999, vol. III, p. 71.

34 Ibidem, p. 73

35 Eficácia e autoridade da sentença, 1981, p. 54-55.

36 Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 328.812-1/AM, Relator Ministro Gilmar Mendes, Supremo Tribunal Federal, cujo inteiro teor se encontra no site do STF.

37 Súmula 343. Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.

38 Recurso Especial nº 168.704/RS, Relator Ministro Demócrito Reinaldo, cujo inteiro teor se encontra no site do STJ e Recurso Especial nº 192.500/RS, Relator Ministro Franciulli Netto, cujo inteiro teor também se encontra no site do STJ.

39 Ação rescisória no processo do trabalho, 1994, p. 169.

40 Contribuição à teoria da coisa julgada, 1997, p. 108.

41 Cf. José Nicolau Heck, J. Habermas e a racionalidade jurisdicional em R. Dworkin, 2003, p. 09.

42 Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro, 2001, p. 20-21.

43 Cf. Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle, Coisa Julgada Inconstitucional, 2003, p. 131.

44 Controle de Constitucionalidade: hermenêutica constitucional e revisão de fatos e prognoses legislativos pelo órgão judicial, 2001, p. 08.

45 Paulo Otero, Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional, 1993, p. 31 apud Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle, Coisa Julgada Inconstitucional, 2003, p. 133.

46 Curso de direito administrativo, 2000, p. 92.

47 Idem, p. 93.

48 Direito e teoria da constituição, 1999, p. 250.

49 Manoel Antonio Teixeira Filho, Ação rescisória no processo do trabalho, 1994, p. 190.

50 Na Constituição Portuguesa a eleição do princípio é expressa em seu art. 18, nº 02: "A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos".

51 Sentença parcialmente procedente proferida nos autos do processo nº 2002.35.00.701863-0 em que se discutia o cabimento da diferença de 3,17% aos servidores públicos federais em seus vencimentos/proventos.

52 Curso de direito administrativo, 2000, p. 584.

53 Relativizar a coisa julgada material, Coisa Julgada Inconstitucional, 2003, p. 39.

54 A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle, Coisa Julgada Inconstitucional, 2003, p. 141.

55 Estudos sobre o novo processo civil, 1997, p. 568 apud Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle, Coisa Julgada Inconstitucional, 2003, p. 137.

56 Cândido Rangel Dinamarco, Relativizar a coisa julgada material, Coisa Julgada Inconstitucional, 2003, p. 72-73.

57 Cândido Rangel Dinamarco, Relativizar a coisa julgada material, Coisa Julgada Inconstitucional, 2003, p. 49-51.

58 Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais, Coisa Julgada Inconstitucional, 2003, p. 81.

59 Contribuição à teoria da coisa julgada, 1997, p. 105.

60 Ibidem, p. 111-112.

61 Cf. Constitucionalidade/inconstitucionalidade: uma questão política, Revista Diálogo Jurídico, 2002, p. 03-05.

62 Ibidem, p. 13.

63 Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro, 2001, p. 20.

64 Breve análise sobre a coisa julgada inconstitucional, 2003, p. 01-02.

65 Paulo Otero, Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional, 1993, p. 60-61 apud Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle, Coisa Julgada Inconstitucional, 2003, p. 142.

66 Manual de direito constitucional, 1983, p. 494-495 apud Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, op. cit., p. 139.

67 Cf. Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle, Coisa Julgada Inconstitucional, 2003, p. 142-143.

68 Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional, 1993, p. 60-61 apud Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, op. cit., p. 143.

69 Cf. Carlos Valder do Nascimento, Coisa julgada inconstitucional, Coisa julgada inconstitucional, 2003, p. 17-18.

70 Coisa julgada inconstitucional, Coisa julgada inconstitucional, 2003, p. 28.

71 José Augusto Delgado, Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais, Coisa julgada inconstitucional, Coisa julgada inconstitucional, 2003, p. 96-97.

72 Cf. Luiz Roldão de Freitas Gomes, Invalidade dos atos jurídicos – nulidades – anulabilidades – conversão, Revista de direito civil, 2002, p. 08-10.

73 Teoria geral do direito civil, 1955, p. 240, apud Luiz Roldão de Freitas Gomes, op. cit., p. 09.

74 A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle, Coisa Julgada Inconstitucional, 2003, p. 150.

75 Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle, Coisa Julgada Inconstitucional, 2003, p. 154.

76 Gilberto Barroso de Carvalho Júnior, A coisa julgada inconstitucional e o novo parágrafo único do art. 741 do CPC, 2001, p. 11.

77 Cf. Ovídio Baptista da Silva, Sobrevivência da querela nulltitatis, Revista Forense, 1996, p. 115.

78 Cf. Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 2000, p. 561.

79 Normalmente a decisão emanada de um processo só vale entre as partes, porém nos Estados Unidos da América existe o respeito aos primeiros casos julgados acerca de uma matéria. Isto faz com que a jurisprudência se torne um paradigma que vincula as demais decisões do Poder Judiciário.

80 Alexandre de Moraes, op. cit., p. 554.

81 Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 2000, 557-558.

82 Cf. Controle de constitucionalidade: coisa julgada em matéria tributária, 2000, p. 23.

83 Eduardo Talamini, Embargos à execução de título judicial eivado de inconstitucionalidade, Processo civil – leituras complementares para concursos, 2003, p. 141.

84 Gilberto Barroso de Carvalho Júnior, A coisa julgada inconstitucional e o novo parágrafo único do art. 741 do CPC, 2001, p. 08.

85 Relativizar a coisa julgada material, Coisa Julgada Inconstitucional, 2003, p. 69.

86 Cf. Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle, Coisa Julgada Inconstitucional, 2003, p. 155.

87 Embargos à execução de título judicial eivado de inconstitucionalidade, Processo civil – leituras complementares para concursos, 2003, p. 93.

88 Veja o acórdão elucidativo na Apelação Cível nº 2002.34.00.010841-3/DF, de 22/08/2003, Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues, Tribunal Regional Federal da 1º Região.

89 Ivo Dantas, Coisa julgada inconstitucional: declaração judicial de inexistência, Revista Fórum Administrativo – Direito Público, 2002, p. 588-607 apud Gilberto Barroso de Carvalho Júnior, A coisa julgada inconstitucional e o novo parágrafo único do art. 741 do CPC, Revista Dialógo Jurídico, 2001, p. 08.

90 Inciso I, artigo 469, do CPC: "não faz coisa julgada os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença".

91 Embargos à execução de título judicial eivado de inconstitucionalidade, Processo civil – leituras complementares para concursos, 2003, p. 111-112.

92 Inciso IV, artigo 282, do CPC: "a petição inicial indicará o fato e os fundamentos jurídicos do pedido".

93 "Não se precisa ter invocado lei, para que se viole lei: a lei está implicitamente invocada quando se expôs o fato e o fundamento jurídico do pedido, ou quando se especificou o que se pedia..." (Pontes de Miranda, Comentários à CF/37, tomo III, 1938, p. 134 apud Manoel Antonio Teixeira Filho, Ação rescisória no processo do trabalho, 1994, p. 250).

94 Eficácia e autoridade da sentença, 1981, p. 54.

95 Relativizar a coisa julgada material, Coisa Julgada Inconstitucional, 2003, p. 61.

96 A fiscalização abstrata de constitucionalidade, 1995, p. 18.

97 No julgamento do Recurso Extraordinário nº 197.917-SP interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que reconheceu a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 6º da Lei Orgânica do Município de Mira Estrela, de menos de três mil habitantes, que fixou em 11 o número de vereadores da Câmara Municipal, por entender que o número estabelecido não se afastou dos limites constantes do artigo 29, IV, a, b e c da Constituição Federal, o Ministro Maurício Côrrea, relator, proferiu seu voto da seguinte forma: julga procedente, em parte, o pedido formulado na ação, declarando a inconstitucionalidade do referido parágrafo único, por considerar que o citado preceito constitucional estabelece um critério de proporcionalidade aritmética para o cálculo do número de vereadores, não tendo os municípios autonomia para esse número discricionariamente, sendo que, na espécie, o Município somente poderia ter 9 vereadores, sob pena de incompatibilidade com a proporção adotada pela Constituição Federal. Embora acompanhando o voto do Ministro-relator, o Ministro Gilmar Mendes inovando proferiu voto-vista no sentido de restringir a declaração de inconstitucionalidade pro futuro, de modo que tal declaração não afete a composição da atual legislatura da Câmara Municipal, cabendo ao legislativo municipal estabelecer nova disciplina sobre a matéria, em tempo hábil para que se regule o próximo pleito eleitoral. O julgamento encontra-se adiado em função do pedido de vista do Ministro Sepúlveda Pertence.

98 Eduardo Talamini, Embargos à execução de título judicial eivado de inconstitucionalidade, Processo civil – leituras complementares para concursos, 2003, p. 106.

99 Eduardo Talamini, Embargos à execução de título judicial eivado de inconstitucionalidade, Processo civil – leituras complementares para concursos, 2003, p. 98.

100 Ação rescisória no processo do trabalho, 1994, p. 250.

101 Da ação direta de inconstitucionalidade no direito brasileiro, 1958, p. 137-138 apud Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle, Coisa Julgada Inconstitucional, 2003, p. 159-160.

102 Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle, Coisa Julgada Inconstitucional, 2003, p. 165.

103 Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle, Coisa Julgada Inconstitucional, 2003, p. 158-159.

104 Agravo Regimental na Ação Rescisória nº 2.445/CE, Relator Ministro Franciulli Netto, Superior Tribunal de Justiça, cujo inteiro teor se encontra no site do STJ.


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MIRANDA, Thiago Vinicius Vieira. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade na coisa julgada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 750, 24 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7054. Acesso em: 29 mar. 2024.