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A inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato

A inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato

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O presente trabalho vem explicar acerca dos crimes de perigo abstrato, ou seja, crimes que são caracterizados apenas por uma conduta, mesmo que não tenha atingido ou ofendido um bem jurídico tutelado.

 

“Para tudo há uma ocasião certa, há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu, tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de colher o que se plantou”.

Eclesiastes 3: 1,2

 

RESUMO

O presente trabalho tem por escopo, apresentar acerca do entendimento sobre os crimes de perigo abstrato, assunto de extrema relevância do direito penal público, pois tratara sobre a conduta do agente (possível criminoso), bem como discorrera sobre o conceito de crime, teoria geral do crime, evolução do direito penal, dentre outras. Pretende-se com essa exposição, uma análise diferenciada sobre a conduta em face de um dos princípios que detém suma importância, que é o princípio da ofensividade ou Lesividade.

PALAVRAS-CHAVE: 1ª Inconstitucionalidade; 2ª Perigo abstrato; 3ª Princípio da ofensividade.

 

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.. 9

1. HISTÓRICO SOBRE DIREITO PENAL. {C}10

2. CONCEITO DE CRIME E TEORIAS. 12

3. CRIMES DE PERIGO E O BEM JURÍDICO.. 14

3.1 Bem Jurídico. {C}14

3.2 Dolo e crime de Perigo. 15

3.3 Crime de Perigo Concreto. 16

3.4 Crime de Perigo abstrato. {C}17

4. PRINCÍPIOS.. {C}19

4.1 Conceito. {C}19

4.2 Princípio da Intervenção Mínima. {C}19

4.3 Princípio da ofensividade ou Lesividade. 21

CONSIDERAÇÕES FINAIS.. {C}22

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.. {C}24

 

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como o tema, a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, em face ao princípio da ofensividade.

São objetivos deste estudo, abranger acerca do princípio e sua eficácia, bem como da norma penal em questão, e sua uniformização, a fim de levantar a questão se esta correta ou não, visto que o direito penal deve ser levado em consideração como a ultima ratio, podendo ser tratado algumas questões em outras esferas.

O método utilizado para esta pesquisa foi, a revisão da doutrina, análise de leis e jurisprudência emanadas de tribunais nacionais.

Essa pesquisa se justifica, na medida em que a sociedade necessita de mais respostas acerca deste tema, porque se entende que quanto mais se estuda essa problemática, mais se faz avançar a ciência do direito.

Desde os primórdios, as pessoas que viviam em sociedade, tinham diversos problemas de caráter social, sendo que um desses problemas, ocorria no que tange as atitudes e condutas de determinadas pessoas, e que gerava desconforto ao restante da sociedade.

Decorrente disso, é que se começou a existir regulamentos, a fim de punir aqueles que exerciam, e tinham determinadas condutas inaceitáveis pela sociedade da época, quanto para reprimir e fazer com que outras pessoas não cometessem a mesma conduta reprovada.

No decorrer do tempo, varias medidas eram tomadas, acreditava-se que a punição vinha dos Deuses “juízo de Deus”, onde eram praticadas as chamadas ordálias, sendo que o agente que cometeu a conduta delitiva era submetido a diversos castigos, e que se caso sobrevivessem, eram inocentes, pois acreditavam que era a vontade dos Deuses.

Outra forma era a lei de talião “olho por olho e dente por dente”, dessa forma, se uma pessoa assassinou o filho de outro, o filho deste, teria que morrer também, o que cominava em vinganças e mortes e massa, dizimando inclusive vários clãs.

Por fim, no ordenamento jurídico atual, temos o código penal, que regula acerca dos ilícitos penais, tratando também do assunto desse trabalho, que é a Inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato.

Embora o direito penal tenha evoluído ao longo dos anos, sempre há alguma discussão, entendimentos diferenciados, posições doutrina com variadas correntes acerca de determinados assuntos, sendo que essas correntes são classificadas em majoritárias e minoritárias, como no caso da teoria do crime, que existem três correntes, alguns doutrinadores defendem que o crime é: fato típico, antijurídico, e culpável, outros defendem que é apenas fato típico e antijurídico, bem como há outros que defendem que é fato típico, antijurídico, culpável e punível as diferenças nessas teorias estão inseridas no que tange a culpabilidade.

No ordenamento jurídico, existem os princípios, que tem por importância, dar base ao direito, ou seja, dar o norte para que todos sigam, não há diferenciação entre os princípios, no que tange à importância de cada um, cada princípio detém sua importância, e devem ser harmônicos entre si, de forma que o direito seja uniforme, com o tratamento igualitário em todos os sentidos.

Formando-se essas bases, quando há algum problema, ou alguma demanda, esses princípios são aplicados na defesa de um direito.

1. HISTÓRICO SOBRE DIREITO PENAL

   Os seres humanos sempre viveram em sociedade, buscando o atendimento de suas necessidades, conquistas e satisfação (NUCCI, 2014, p. 53. apud, CARRARA, 1995, p. 18; BRUNO, 1976, p. 67). Seguem dizendo que desde os primórdios já eram violadas as regras de convivência, onde se feriam os seus semelhantes tornando-se muito importante para a época, á aplicação de uma punição, embora, sem duvidas não se entendiam os diversos castigos ou punições como pena, assim como é nos dias de hoje, embora não passassem de embriões do sistema atual. Inicialmente, era aplicada a sanção, a fim de libertar o clã da ira dos Deuses, onde os infratores eram expulsos da sociedade, e largados a própria sorte.

   Ainda nesse sentido, acreditava-se muito no sobre natural, onde por vezes não passavam de fenômenos da natureza, como por exemplo, chuva ou trovão, e quando a punição era devidamente concretizada, eles acreditavam que estavam acalmando os Deuses.

   O Vinculo existente entre determinados grupos de pessoas, era dado pelo Totem (estatuas em com formato de animais ou vegetais), que simbolizavam os antepassados em comum do grupo, embora fosse perigoso para os outros, eles acreditavam que seus filhos eram conhecidos, e por isso eram poupados. (NUCCI, 2014, p. 53. apud, FREUD, 1999, p. 13). Ainda na relação totêmica se houvesse alguma infração, e não houvesse a punição, quando houvesse a quebra de um tabu (algo sagrado e misterioso), a ira dos Deuses, recairiam sobre todo o Clã, o que desencadeou em uma segunda fase, o que é chamado de vingança privada, ou seja, justiça com as próprias mãos, era uma reação da sociedade, face ao infrator. Ante a isso, acontecia um circulo vicioso, onde levava ao extermínio vários clãs e grupos.

   O Vinculo Totêmico (ligação dos indivíduos pela mística e magica), cedeu lugar ao vinculo de sangue, onde ocorria a reunião de grupos de mesma descendências, vislumbrando acabar com a tal chamada vingança privada, por meio da chamada vingança pública, quando o chefe do grupo ou do clã, assumiu a tarefa de punir, essa centralização de poder, na época trouxe mais segurança na forma de repressão, pois não dava margem á contra-ataque, onde prevalecia o critério de lei de talião (olho por olho e dente por dente), onde as sanções eram devidamente cruéis, sem qualquer finalidade, a não ser acalmar os ânimos da sociedade. (NUCCI, 2014, p. 54).  

   Ainda em sua obra, sobre esse fato histórico, Nucci (2014) discorre sobre o período da Lei das XII tábuas, que teve por finalidade, igualar os destinatários da pena, mostrando na época, um avanço no caráter político-social. Durante o império, tornou-se mais rigoroso o sistema de penas restaurando a pena de morte e instituindo-se os trabalhos forçados, ao contrario da república, que via a pena como caráter preventivo, passou-se a vê-la com o caráter repressivo. Cabe lembrar que em meio à história em suas evoluções houve o tempo e que as penas eram culminadas pelas ordálias, chamado na época de “Juízo de Deus”, as penas eram cruéis, onde os apenados tinham que passar sobre brasas, serem jogados no rio com uma pedra amarrada nos pés, serem colocados em agua fervente, se o agente assim sobrevivesse, seria por ter sido inocentado de suas praticas delitivas, caso contrario, sua culpa havia sido demonstrada. Nesse sentido, em caráter de evolução:

O destino da pena, até então, era a intimidação pura, o que terminou saturando muitos filósofos e juristas, propiciando, com a obra Dos delitos e das penas, de Cesare Bonesana, o nascimento da corrente de pensamento denominada Escola Clássica. Contrário à pena de morte e às penas cruéis, pregou o Marquês de Beccaria o princípio da proporcionalidade da pena à infração praticada, dando relevo ao dano que o crime havia causado à sociedade. O caráter humanitário presente em sua obra foi um marco para o Direito Penal, até porque contrapôs-se ao arbítrio e à prepotência dos juízes, sustentando-se que somente leis poderiam fixar penas, não cabendo aos magistrados interpretá-las, mas somente aplicá-las tal como postas. Insurgiu-se contra a tortura como método de investigação criminal e pregou o princípio da responsabilidade pessoal, buscando evitar que as penas pudessem atingir os familiares do infrator, o que era fato corriqueiro até então. A pena, segundo defendeu, além do caráter intimidativo, deveria sustentar-se na missão de regenerar o criminoso. (NUCCI, 2014, p.55).

A Evolução do direito penal, com relação aos tempos antigos, demostra que não mais gira em torno de Deuses, passando sim, a ser regulado pelo estado, assim como é feito hodiernamente, onde todos são submetidos à uma única lei, ou seja, não se pode fazer mais a justiça com as próprias mãos, devendo buscar a tutela jurisdicional do estado.

2. CONCEITO DE CRIME E TEORIAS

   Há diversos conceitos de crime, cada qual com um enfoque diferente, e um certo propósito definido, sendo que os principais, são: material, formal e analítico.

   O conceito material, busca estudar, ou compreender, os dados necessários para que um comportamento seja caracterizado como crime, ou o que possa ser considerado penalmente relevante aos olhos da sociedade.

   O conceito formal busca verificar o delito no sentido das consequências jurídicas, ou seja, no que tange as sanções cominadas, a exemplo disso, não pode um inadimplemento contratual, ser considerado um crime, pois não há previsão legal para isto, sendo que apenas provoca o dever de indenizar a parte contraria. (ESTEFAM e GONÇALVES, 2016, p 294).

   O conceito material busca limitar os atos seletivos do legislador, pois ele não pode escolher por si só, quais as condutas devem ser criminalizadas, trata-se apenas de estabelecer um direcionamento, que presidirá a escolha de quais condutas poderão ser legitimamente consideradas criminosas. (ESTEFAM e GONÇALVES, 2016, p. 294, 295). Nesse sentido, considera-se crime:

Sob essa ótica, considera-se crime toda ação ou omissão consciente e voluntária, que, estando previamente definida em lei, cria um risco juridicamente proibido e relevante a bens jurídicos considerados fundamentais para a paz e o convívio social. O conceito formal procura orientar o operador do Direito Penal, informando-lhe como identificar, na vasta gama de atos ilícitos previstos no ordenamento jurídico, quais são os ilícitos penais. Essa é uma tarefa de suma importância, porque, uma vez definido o ato como criminoso, haverá imediatas repercussões no modo de apuração da conduta (mediante inquérito policial, procedimento investigatório criminal, termo circunstanciado), na legitimidade para propositura de eventual ação buscando a responsabilização dos culpados (Ministério Público e, excepcionalmente, a vítima), na competência para o processo e julgamento do fato (Varas Criminais) etc. Crime é, sob tal perspectiva, todo ato punido com sanções penais, isto é, penas ou medidas de segurança. (ESTEFAM e GONÇALVES, 2016, p. 294).

Com base no conceito acima, o crime se consiste pelo ato comissivo do agente ou pelo ato omissivo, ou seja, simplificando o conceito, é o ato de fazer algo que a norma reprime, ou deixar de fazer algo que a norma estipula como obrigação de agir ou fazer.

   O conceito analítico, dada à importância ao referido conceito, criou-se no Brasil diversas teorias com vistas à determinação dos elementos constitutivos do crime, sendo elas: teoria bipartida, teoria tripartida e teoria quadripartida. Sendo que a diferença entre elas, esta na posição ocupada pela culpabilidade na estrutura do crime, em fim, tal conceito, visa conhecer, organizar, ordenar e sistematizar os elementos e a estrutura do crime, de maneira a aplicar racionalmente e uniforme o direito penal, pois da o norte ao juiz criminal, que deverá verificar em primeiro lugar, se o fato é típico, para depois analisar se também é antijurídico (ou ilícito), e por ultimo, analisar e verificar a culpabilidade, de modo, a saber, se o agente é merecedor ou não de uma punição. (ESTEFAM e GONÇALVES, 2016, p. 295, 296).

  Não há uma resposta precisa e correta acerca de qual a teoria que o código penal adota, entretanto o código penal de 1940, em sua redação original, acolhia um conceito tripartido de crime, relacionando à teoria clássica da conduta, eram, portanto, os elementos constitutivos do crime: fato típico, a ilicitude, e a culpabilidade. A situação mudou com a edição da Lei Nº 7.209/1984, responsável pela nova redação da parte geral do código, ficando a impressão de ter adotado o conceito bipartido do crime, ligando obrigatoriamente à teoria finalista da conduta, tais informações, podem ser demonstradas por certa análise, posto que, no titulo II da parte geral, trata “Do Crime”, enquanto logo em seguida, em seu titulo III, cuida da “imputabilidade penal”, dessa forma, crime é, fato típico e ilícito, independente da culpabilidade, que tem a imputabilidade como um dos elementos, ou seja, o crime existe sem a culpabilidade, bastando que o fato seja típico e ilícito. (MASSON, 2014, p. 254).

Em igual sentido, ao tratar das causas de exclusão da ilicitude, determina o Código Penal em seu art. 23 que “não há crime”. Ao contrário, ao relacionar-se às causas de exclusão da culpabilidade (arts. 26, caput, e 28, § 1.º, por exemplo), diz que o autor é “isento de pena”. Assim sendo, é necessário que o fato típico seja ilícito para a existência do crime. Ausente a ilicitude, não há crime. Por outro lado, subsiste o crime com a ausência da culpabilidade. Sim, o fato é típico e ilícito, mas o agente é isento de pena. Em suma, há crime, sem a imposição de pena. O crime se refere ao fato (típico e ilícito), enquanto a culpabilidade guarda relação com o agente merecedor ou não de pena. (MASSON, 2014, p. 254, 255).

É importante frisar, que nenhuma teoria é mais importante do que a outra, cada doutrinador defende a sua teoria, se formando correntes doutrinarias, onde se distinguem em corrente majoritária e corrente minoritária, sendo que nessa, um certo, ou determinado grupo é adepto, enquanto naquela, o grupo adepto, é de quantidade maior.

3. CRIMES DE PERIGO E O BEM JURÍDICO

3.1 Bem Jurídico

Conforme Juarez Tavares, o bem Jurídico é classificado:

um elemento da própria condição do sujeito e de sua projeção social, e nesse sentido pode ser entendido como um valor que se incorpora à norma como seu objeto de preferência real e constitui, portanto, o elemento primário da estrutura do tipo, ao qual se devem referir a ação típica e todos os seus demais componentes. Sendo um valor e, portanto, um objeto de preferência real e não simplesmente ideal ou funcional do sujeito, o bem jurídico condiciona a validade da norma e, ao mesmo tempo, subordina sua eficácia à demonstração de que tenha sido lesado ou posto em perigo (TAVARES, 2003, p. 198).

Nesse sentido, pode-se entender o bem jurídico como atributos da pessoa humana, que no momento que é afetado, revela um conflito entre duas ou mais pessoas, sendo que esses atributos se revelam, numa elevada quantidade de formas e com demais níveis de abstração, todavia por mais abstrato que seja um bem jurídico, ele somente será legitimo quando demonstrada a existência de vinculo entre este e uma ou mais pessoas

3.2 Dolo e crime de Perigo

Tema que merece análise, diz respeito ao dolo nos crime de perigo, os crimes de perigo podem ser subdivididos em perigo abstrato e perigo concreto, onde os mesmos constituem a antecipação da punição levada a efeito do legislador, a fim de que o mal maior do dano, seja de fato evitado, ou seja, podendo dizer que punindo um determinado comportamento entendido como perigoso, procura-se evitar a ocorrência de um dano. (GRECO, 2017, p. 326).

Usando como exemplo o que ocorre na hipótese constante do art. 311 do Código de Trânsito Brasileiro, que diz:

Art. 311. Trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano:

Majoritariamente a doutrina afirma que nessas infrações de perigo, o agente devera agir com dolo, pois não existe a ressalva exigida ao reconhecimento do comportamento culposo de acordo com o disposto no parágrafo único do artigo 18 do código penal. (GRECO, 2017, p. 327).

Greco (2017) ainda explana em sua obra uma situação hipotética, onde um agente que esta trafegando em uma área escolar acima da velocidade, acaba por atropelar um individuo que queria atravessar a via, causando-lhe morte. Dessa forma, o agente comete o crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, disposto no artigo (302 do CTB), destarte, como explicar o início da conduta com dolo, e depois converter para modalidade culposa?. Na verdade, em muito se confundi o dolo dos crimes de perigo, com a inobservância do dever objetivo de cuidado, que é uma característica dos crimes culposos.

3.3 Crime de Perigo Concreto

Para sua consumação, basta que ocorra a possibilidade de um dano, ou seja, a exposição de um perigo de dano (CAPEZ, 2012, p. 294), ou seja, é a exposição de perigo, capaz de causar dano. A exemplo dessa afirmativa, rege o código penal Brasileiro:

Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.  Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais. 

Buscando-se proteger um bem Jurídico tutelado, que nesse caso é a vida ou a saúde de outrem, sempre esteve presente a pessoa humana, e posteriormente também proteger a pessoa jurídica, nesse diapasão, somente existe a infração, quando presente uma lesão (dano) à interesses individuais, como a vida, integridade física, do patrimônio e da liberdade sexual. Com o passar do tempo, e vislumbrando antecipar a tutela, o direito passou a mostrar preocupação com o que vinha anteriormente ao dano, ou seja, punir determinadas condutas (crimes de perigo concreto e abstrato). (MASSON, 2014, p. 108). Nesse sentido, a jurisprudência vem tratando:

STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL AgRg no AREsp 1027420 SE 2016/0324034-5 (STJ) Data de publicação: 22/03/2017 Ementa: PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. ART. 309 DA LEI N.º 9.503 /1997. CRIME DE PERIGO CONCRETO. TIPICIDADE MATERIAL. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. I - Nos termos dos precedentes desta Corte, o crime tipificado no art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro é de perigo concreto, sendo necessária a ocorrência de perigo real ou concreto, diante da exigência contida no próprio texto do dispositivo. II - O pleito de reconhecimento de tipicidade material da conduta, isto é, da situação de perigo concreto no caso dos autos, esbarra no óbice consubstanciado na Súmula 7/STJ, pois o suposto perigo não foi reconhecido pelas instâncias ordinárias, soberanas na análise da prova. Agravo regimental desprovido. Encontrado em: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator. T5 - QUINTA TURMA DJe 22/03/2017 - 22/3/2017 FED LEI: 009503 ANO:1997 CTB-97 CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO ART : 00309 FED SUM: ANO: SUM (STJ) SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUM:000007 (CONDUÇÃO DE VEÍCULO SEM HABILITAÇÃO - REEXAME DE PROVA - SÚMULA 7) STJ - AgRg no AREsp 615500-RJ AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL AgRg no AREsp 1027420 SE 2016/0324034-5 (STJ) Ministro FELIX FISCHER.

 

Destarte, fica claramente demonstrado, de que para a configuração do crime em questão, é imprescindível que o agente coloque a vida de outrem em perigo, pode até não vir a acontecer algo que altere o mundo dos fatos, todavia, estará caracterizado o crime, apenas pela conduta.

Além de exigir a efetiva comprovação de um risco ao bem jurídico tutelado, o crime de perigo concreto se divide nas modalidades, individual e comum, sendo que nesta, o agente precisa expor a perigo, uma pessoa, ou um grupo determinados de pessoas, enquanto naquela, o agente expõe a perigo um numero indeterminado de pessoas, com no aso do crime de explosão, descrito no artigo 251 do código penal. (CUNHA, 2015, p. 164).

Diane da afirmativa exposta, a distinção da afirmativa acima explanada, entre modalidade individual e modalidade comum, gira em torno da quantidade de pessoas que estão relativamente expostas à um perigo, devendo sempre ser comprovado o perigo de dano.

O crime de perigo concreto, é considerado como um crime formal, pois não exige a produção de resultado para a consumação do crime, embora nesse caso seja possível tal ocorrência, destarte, o resultado naturalístico, embora possível, se torna irrelevante, para que o delito se consuma . É o caso, por exemplo, da ameaça, em que o agente pretende intimidar a vítima, todavia, intimidação é irrelevante para a consumação do crime, ou, ainda, da extorsão mediante sequestro, no qual o recebimento do resgate exigido é irrelevante para a realização do tipo. (CAPEZ, 2012, p. 294).

3.4 Crime de Perigo abstrato

O crime de perigo abstrato, consuma-se quando, o provável dano esta presumido no tipo penal, não necessitando de ter prova (NUCCI, 2014, p. 148).

Como exemplo, dispõe os artigos do código penal:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Art.33. Importar,exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Em nada se confunde o crime de perigo abstrato, com o crime de perigo concreto, pois neste, é preciso que seja provada a exposição de um bem jurídico tutelado, enquanto naquele, não há necessidade de prova, todavia, os dois são puníveis pela conduta do agente, neste sentido:

Abstrato ou presumido ou de simples desobediência: a própria lei presume perigosa a ação, dispensando-se a comprovação de que houve efetivo perigo ao bem jurídico tutelado. Há doutrinadores contestando a constitucionalidade desta modalidade de crime, que representaria ofensa ao princípio da lesividade porque a infração se perfaz mesmo sem que nenhuma afronta ao bem jurídico seja constatada. (CUNHA, 2015, p. 164).

 Por outo lado, Capez (2012) entende que existe a possibilidade de tipificação dos crimes de perigo abstrato no ordenamento jurídico, se tratando de legitima defesa de um bem jurídico, contra o que ele chama de “agressões em seu estado embrionário”, onde reprime a conduta, antes que ela produza um perigo concreto ou um dano efetivo, tratando-se de cautela reveladora de zelo do estado em proteger adequadamente certos interesses.

O crime de perigo abstrato, é considerado um crime de mera conduta, pois o resultado naturalístico não é só irrelevante, mas também impossível, é o caso do crime de desobediência ou da violação de domicilio, em que não existe nenhum resultado que provoque alguma modificação no mundo concreto. (CAPEZ, 2012, p. 294).

Outra peculiaridade que cabe salientar entre o crime de perigo concreto e o crime de perigo abstrato, é que neste, é impossível a modificação do mudo dos fatos, enquanto naquele, há a possibilidade de alteração no mundo concreto, assim como exemplos alhures, nesse diapasão, entende-se por resultado:

A expressão “resultado” é equívoca na linguagem do Direito Penal. Pode significar tanto a modificação no mundo exterior provocada pela conduta quanto a lesão ou perigo ao bem juridicamente tutelado. No primeiro caso, temos um resultado palpável, perceptível por meio dos sentidos humanos e, por isso, denominado de resultado material ou naturalístico. No outro, há um resultado imaterial, imperceptível sensorialmente, mas compreensível normativamente, daí chamar-se resultado jurídico ou normativo. (ESTEFAM e GONÇALVES, 2016, p. 144).

Claro fica descrito que enquanto um resultado é visível aos olhos humanos, o outro consiste em ser imperceptível, todavia compreendido juridicamente.

4. PRINCÍPIOS

4.1 Conceito

Os princípios são a base do direito, ou seja, definido como um ponto de partida, uma das fontes do direito, importante sobre a manutenção do sistema jurídico. Nesse sentido:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. (MELLO, 2002, p. 807-808).

A função dos princípios é de orientar o legislador, bem como o aplicador do direito penal, a fim de limitar o poder que o estado tem de punir, mediante dar garantia aos cidadãos, cabe salientar que a quantidade e a denominação dos princípios penais variam entre os doutrinadores. (MASSON, 2014, p. 86).

4.2 Princípio da Intervenção Mínima

Referido Princípio, significa que o direito penal, não pode interferir demasiadamente na vida do individuo, com o intuito de tirar sua autonomia e liberdade, afinal, a lei penal não pode ser vista como a (primeira ratio) do legislador para compor as desavenças da sociedade, uma vez que com o desenvolvimento ético e moral da sociedade hodiernamente, esses conflitos sempre estarão presentes, sendo que, há outros ramos do direito capazes de dirimir alguns tipos de controversas, compondo-se sem maiores traumas, o direito penal é considerado a ultima ratio, isto é, a última cartada. (NUCCI, 2014, p. 66).

Ainda de acordo com Nucci (2014), no caso de o bem jurídico puder ser protegido de outro modo, deve-se abrir mão da opção legislativa penal, justamente para que seja eficaz, e que não seja banalizada, podendo ser descumprida pelos destinatários da norma, e não aplicada pelos órgãos do estado encarregados da segurança pública, ou seja, a vulgarização do direito penal, como norma solucionadora de qualquer conflito, pode acarretar um possível descrédito e, consequentemente sua ineficiência dos referidos dispositivos legais, a exemplo disso, são as infrações administrativas de transito, pois possuem multas elevadas, sem contar a pontuação na carteira de habilitação, podendo levar até a perda do direito de dirigir, tudo isso sem o devido processo legal penal, em fim, o direito penal deve ser usado de forma subsidiaria, onde não cabendo a solução por outras esferas por punição ou outros meios de resolução de conflitos, usa-se o direito penal, a fim de coibir os comportamentos desregrados da sociedade, que possam trazer lesão aos bens jurídicos tutelados.

Referente à definição de bem jurídico tutelado, não dependendo da diversidade de formulações e conceitos, o ponto inicial é de que o bem jurídico possui natureza social e bem como o direito penal só deve intervir a fim de prevenir danos sociais, e não para proteger as concepções ideológicas ou morais, além do mais, a pena imposta pelo estado, não pode ser aplicada em busca apenas de mero respeito por determinadas concepções morais, o direito penal tem por função apenas de preservar as condições essenciais por uma boa convivência das pessoas. (RODRIGUES, 1995, p. 268, 282, 283).

Não menos correta, é a posição de Paulo Queiroz, onde sustenta que o direito penal precisa se ater àquelas condutas particularmente danosa, cuja a sua tutela não se pode confiar a outras instâncias mais adequadas, e socialmente menos onerosas, em síntese, o direito penal é um mal, todavia um mal necessário e inevitável, cuja função seja racionalizar e minimizar, cumprindo efetivamente o seu proposito, o direito penal, é um instrumento de tutela dos direitos fundamentais e orientado para tutela desses direitos contra a violência arbitraria do mais forte, serviria assim como a proteção dos mais débeis, seria um mal menor, frente do mal de delito.(QUEIROZ, 2002, p. 52, 53).

4.3 Princípio da ofensividade ou Lesividade

Referido princípio, discorre que não acontece a infração penal quando a conduta não tiver oferecido ao menos perigo de lesão ao bem jurídico, esse princípio também delimita o direito penal, tanto no âmbito legislativo, quanto no âmbito jurisdicional. (MASSON, 2014, p. 106).

Cabe ressaltar que, os princípios da intervenção mínima e da lesividade são como duas faces de uma mesma moeda, ou seja, funciona como se um fosse o complemento dou outro, Sendo que neste, o legislador não poderá incriminar condutas que não lesionem o bem jurídico tutelado, em quanto naquele, fala que o direito penal só pode interferir ante os ataques a bens jurídicos importantes. Na verdade, nos orientará no sentido de saber quais são as condutas que não poderão sofrer os rigores da lei penal. (GRECO, 2017, p. 131).

Ainda nesse sentido, afirma Sarrule:

As proibições penais somente se justificam quando se referem a condutas que afetem gravemente a direitos de terceiros; como consequência, não podem ser concebidas como respostas puramente éticas aos problemas que se apresentam senão como mecanismos de uso inevitável para que sejam assegurados os pactos que sustentam o ordenamento normativo, quando não existe outro modo de resolver o conflito.(GRECO, 2017, p. 131. apud, SARRULE, 1998).

Em outras palavras, os referidos princípios têm como função social, de limitar e regular as ações incriminadoras do estado, para com seus administrados (cidadãos), a fim de trazer segurança jurídica, e ser o mais correto e justo possível, evitando-se, que se criminalizem valores individuais, pensando na população como um coletivo.

 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante a pesquisa elaborada, pode-se verificar que o assunto da inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, é um assunto não definido, ou seja, não tem uma posição pacifica dentro da doutrina, e hodiernamente trás linhas de interpretação e raciocínios diversos, onde alguns defendem que é constitucional, e outros defendem a sua inconstitucionalidade.

Podemos notar que os crimes de perigo abstrato, pode ter sido um equívoco ser regido pelo direito penal, pois assim sendo, gera uma ideia de contra fluxo, no que tange ao chamado de ultima ratio, (o uso do direito penal, apenas em casos em que outras esferas não atendam os anseios da sociedade), ou seja, em ultimo caso.

Não se pode admitir que todos os problemas sejam levados à discussão pelo direito penal, onde tal fato acaba por deixar de lado a sua principal função, a tutela de bens jurídicos de maior potencial ofensivo ou de maior relevância.

Outras medidas podem ser adotadas e resolvidas na sociedade, por meio do direito administrativo e o direito civil, por exemplo.

 Cabe salientar que o intuito não é de menosprezar o tipo penal, pois quando há uma desavença em meio à sociedade, ela precisa sim, ser regulada, e deve haver as diretrizes de proteção àquela determinada conduta, todavia deve-se causar a reflexão de que outras esferas possam tutelar o perigo abstrato, já que nesse sentido, não ofendeu efetivamente nenhum bem jurídico tutelado, diferente do crime de perigo concreto, este sim precisa ser comprovado como que colocou a vida ou a saúde de outrem a perigo.

A discussão referente a tal assunto não se finda apenas com o que esta escrito, levando em consideração a difícil compreensão, bem como a margem de entendimentos diferenciados, podendo trazer incriminações, sem que haja verdadeira ofensa, entretanto cabe ressaltar que o direito deve ser uniforme, onde uma norma ou princípio não deva sobrepor um ao outro, todos tem o seu devido papel e eficácia norteadora dentro do ordenamento jurídico.

O princípio da ofensividade corolário do principio da intervenção mínima, vem efetivamente para dar o sentido, para frear, para limitar o legislador no que tange à edição das normas do ordenamento jurídico, portanto o fato de se criminalizar alguém, se que haja a efetiva ofensa ao bem jurídico tutelado, a que se falar em que seja uma conduta meramente arbitraria, devendo ser retirado do direito penal.

Verifica-se, portanto, que os crimes de perigo abstrato consideram-se inconstitucionais, na medida em que não ofende o bem jurídico tutelado (ofensividade), ou que ainda não pode ser buscada a solução do conflito em outras esferas do direito que antecedem o direito penal (intervenção mínima).

Importante salientar acerca de estudos futuros, e mais aprofundados, acerca da eficácia e o poder dos princípios, a consonância entre eles, e o poder de disciplinar o direito, norteando o legislador, e fazendo o sistema de limitação, no que tange a criação das normas, para que assim, seja criado um sistema justo no  ordenamento jurídico atual e futuro, visto que no estado democrático de direito, todos tem o direito de ser tutelado pelo estado, em todos os sentidos, em defesa aos direitos fundamentais de cada ser humano, além do que, se assim se fizer, pode contribuir grandemente para o descongestionamento do sistema judiciário, o que hoje toma conta do País.

 

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