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Adaptações do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ao processo do trabalho

Adaptações do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ao processo do trabalho

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A desconsideração sucessiva exige provas contundentes de que o terceiro responsável contribuiu de algum modo para o abuso da autonomia patrimonial ocorrida no inadimplemento da dívida. E mais: a exigência probatória aumenta de forma proporcional ao grau da desconsideração.

SUMÁRIO: Introdução - 1. A desconsideração da personalidade jurídica: noções conceituais; 2. Teorias “Maior” e “Menor” da desconsideração da personalidade jurídica; 3. O IDPJ como hipótese de intervenção de terceiros: regras dos arts. 133 a 137 do CPC; 4. Aplicabilidade do IDPJ ao processo do trabalho; 4.1. Desconsiderações múltiplas; 4.2. Marco temporal; 5. Adaptações do IDPJ ao processo do trabalho: abordagem crítica do art. 855-A da CLT; 5.1. Instauração de ofício do incidente no caso de jus postulandi; 5.2. Instauração de ofício do incidente na execução de contribuições sociais; 5.3. Suspensão parcial da execução; 5.4. Adaptações derivadas da adoção da teoria menor; 5.5. Importação do art. 792, §3º do CPC; 5.6. Cabimento de mandado de segurança contra decisões interlocutórias; 6. Entraves provocados pelo art. 855-A da CLT; Conclusão; Referências Bibliográficas.

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo desenvolver uma abordagem crítica do art. 855-A da CLT, novidade legislativa trazida pela Lei nº 13.467/17 (Reforma Trabalhista), ressaltando a necessidade de que o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), regulado pelos arts. 133 a 137 do CPC, sofra adaptações em sua aplicação subsidiária ao processo do trabalho, diante das peculiaridades do crédito tutelado nesta seara (art. 769 da CLT c/c art. 15 do CPC).

PALAVRAS-CHAVE: Reforma Trabalhista; Incidente de desconsideração da personalidade jurídica; Teoria Maior; Teoria Menor; Aplicação subsidiária.


INTRODUÇÃO

O art. 855-A, inserido no Decreto-Lei n.º 5.452/43 (Consolidação das Leis do Trabalho - CLT) pela Lei nº 13.467/17 (Reforma Trabalhista), aborda o instituto da desconsideração da personalidade jurídica pela primeira vez na legislação laboral, limitando-se, porém, à regulação do seu aspecto procedimental.

O texto contemplado no dispositivo reproduz em grande parte a redação do art. 6º da Instrução Normativa nº 39/16 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), com o declarado objetivo de conferir-lhe força de lei[1].

A norma repete a conclusão do TST no sentido de que o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) regulado pelo Código de Processo Civil de 2015 (CPC) é subsidiariamente aplicável ao processo do trabalho, com as adaptações trazidas em seus parágrafos.

A reprodução não é total, contudo. A reforma do art. 878 da CLT pela Lei nº 13.467/17 forçou a exclusão do trecho do art. 6º da IN 39/2016 que assegurava a iniciativa de instauração do incidente também ao juiz do trabalho na fase de execução.

Mais recentemente, a Resolução nº 221 de 21 de junho de 2018 editou a Instrução Normativa nº 41/2018 do Tribunal Superior do Trabalho, que dispõe sobre as normas da CLT, com as alterações da Lei nº 13.467/2017 e sua aplicação ao processo do trabalho, cuidando especificamente do IDPJ em seus arts. 13 e 17.

A instrução, que tem natureza meramente indicativa, ratifica a aplicabilidade do incidente ao processo do trabalho com as inovações trazidas pela Reforma Trabalhista em seu art. 17 e fixa o marco inicial regulatório para a exigência de iniciativa da parte em seu art. 13 (“a partir da vigência da Lei nº 13.467/2017”). Além disso, ressalta que a iniciativa de ofício ficará limitada aos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado.

Vale o registro de que a Medida Provisória nº 808/2017, publicada em 14/11/2017 e com vigência encerrada em 23/04/2018, não alterou o art. 855-A da CLT, razão pela qual não repercute no presente estudo.

Posto o panorama legislativo, tem-se que a literalidade do art. 855-A da CLT não expressa todas as peculiaridades da versão laboral do instituto do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, exigindo algum esforço do intérprete/aplicador do direito processual do trabalho na sua adaptação, como se passa a demonstrar.


1. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: NOÇÕES CONCEITUAIS

A compreensão do incidente criado pelo CPC/15 e carreado para o processo do trabalho com base no art. 855-A da CLT exige uma rápida abordagem conceitual do instituto de direito material ora procedimentalizado.

De início, convém trazer o conceito de pessoa jurídica, entendida como “um ente formado pelo conjunto de pessoas naturais ou por um acervo patrimonial afetado para uma finalidade, ganhando personalidade jurídica e patrimônio próprios, autônomos, distintos de seus instituidores” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 178). Sua nota distintiva é a separação patrimonial, “não se misturando a condição jurídica autonomamente conferida àquela entidade com a de quem lhe organizou” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 430).

A evolução jurisprudencial em diferentes ordenamentos jurídicos, notadamente aqueles filiados à tradição da Common Law, levou à compreensão de que o princípio da autonomia patrimonial pode ser pontualmente afastado como forma de preservar o instituto da pessoa jurídica, coibindo práticas fraudulentas e abusivas que dele se utilizam (COELHO, 2016, p. 64).

Nesse contexto é que, com origem na Disregard Doctrine anglo-saxã, também denominada Disregard Theory, Disregard of Legal Entity, ou ainda Lifting the Corporate Veil, a desconsideração da personalidade jurídica surge como a possibilidade de suprimir episodicamente a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para atingir bens de seus instituidores, combatendo, deste modo, seu uso antissocial. Produz responsabilidade patrimonial secundária, atingindo bens de terceiro que não se obrigou pelo cumprimento das obrigações (790, VII do CPC).

O conceito acima apresentado veicula uma noção geral do instituto. Adverte-se, porém, que há acentuado dissenso entre os juristas quanto aos seus reais contornos, requisitos e efeitos. Trata-se de rico debate cujo aprofundamento escapa às pretensões do presente trabalho, que possui enfoque processual.

Por isso, serão aqui adotadas concepções referidas por parcela majoritária da doutrina brasileira, restringido a abordagem dos embates doutrinários a algumas situações pontuais, quando importantes para o deslinde de questões processuais.

É nesse contexto que se aduz que a desconsideração da personalidade jurídica não se confunde com o fenômeno da despersonalização ou despersonificação, em que ocorre a efetiva anulação ou dissolvimento da personalidade jurídica. Na desconsideração há a mera suspensão temporária dos efeitos da autonomia patrimonial prevista no art. 1.024 do Código Civil, em relação a obrigações específicas discutidas no bojo de um processo judicial ou administrativo[2].

Também não se confunde com as hipóteses legais de responsabilização direta e individual dos sócios e administradores que extrapolam suas atribuições estatutárias ou infringem a lei, cometendo ato ilícito, a exemplo daquelas previstas nos arts.117 e 158 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976) e nos artigos 134, VII e 135, III do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966).

Nestes casos, os sócios e gestores, com fundamento em expressa previsão legal, são responsabilizados diretamente por suas próprias ações ou omissões irregulares. Na Disregard Doctrine, tal responsabilização se dá de forma secundária e episódica, a partir de decisão judicial ou administrativa, e se ancora na abusividade do instituidor camuflada em atos lícitos do ente moral. Na síntese de Ulhoa (2016, p. 68), “se o ilícito, desde logo, pode ser identificado como ato de sócio ou administrador, não é o caso de desconsideração”. Há que se reconhecer, porém, que boa parte da doutrina brasileira, com espeque na própria legislação pátria, adota acepção ampliativa da desconsideração que abarca hipóteses de atos ilícitos praticados diretamente por sócios e gestores, realidade que precisa ser respeitada na análise da aplicabilidade do IDPJ, como se verá.

A situação mais comum de aplicação do instituto é aquela em que a responsabilidade patrimonial da pessoa jurídica é estendida para os sócios, que respondem de forma subsidiária e ilimitada diante da constatação de que se favoreceram abusivamente do patrimônio do ente moral.Trata-se da desconsideração “direta”, “em sentido estrito” ou “clássica”.

Em outros casos, porém, o sócio é que transfere seu patrimônio pessoal para uma pessoa jurídica no intento de blindá-lo. Verificado o abuso, poderá o juiz direcionar a execução para o patrimônio da pessoa moral utilizada como anteparo. Aqui a desconsideração é “inversa” ou “às avessas”, pois a execução iniciada contra o instituidor é redirecionada para a sociedade.

Conforme lição de Claus (2013, p. 92), esta segunda modalidade “opera para coibir a confusão patrimonial entre sócio e sociedade, responsabilizando a sociedade personificada por obrigações do sócio que oculta seu patrimônio pessoal no patrimônio da sociedade”. Deste modo, o suporte fático da desconsideração inversa é a confusão patrimonial, conforme previsão do art. 50 do Código Civil (CLAUS, 2013, p. 86).

A operação de levantar o véu da personalidade jurídica pode ser empreendida mais de uma vez no mesmo processo judicial (ou administrativo), de modo que é possível falar em desconsiderações múltiplas, que podem ser paralelas ou sucessivas[3].

Há desconsiderações paralelas quando diferentes empresas[4], subsidiariamente ou solidariamente responsáveis, têm sua autonomia relativizada em um mesmo processo, por meio de operações independentes entre si. As operações podem ocorrer por força de diferentes decisões, ou por meio de um único ato que excepcione a autonomia patrimonial de duas ou mais sociedades de forma concomitante.

Já a desconsideração sucessiva ocorre quando a operação se repete em diferentes momentos, de modo gradual, sendo que a primeira intervenção é condição lógica da segunda. Aqui, cada operação exige um ato distinto que é sucedido por outro, em uma cadeia de eventos interligados.

Quando as desconsiderações encadeadas forem da mesma espécie (“direta-direta” ou “inversa-inversa”), pode-se falar em desconsideração sucessiva homogênea. É o caso da pessoa jurídica que tem em seu quadro societário outro ente moral. É preciso encadear duas desconsiderações diretas para que se consiga atingir os sócios desta última (desconsideração sucessiva “direta-direta”).

Por outro lado, combinando desconsideração direta com desconsideração inversa, em qualquer ordem, surge a desconsideração sucessiva heterogênea. É exemplo a corriqueira hipótese em que, aplicada a desconsideração direta em face da empresa “X” (devedora), chega-se ao sócio (responsável), cujo patrimônio está oculto na empresa “Y”. Para que esta última sociedade (empresa “Y”) seja também responsabilizada pela dívida da empresa “X”, exige-se nova penetração, agora do tipo inversa (caso de desconsideração sucessiva “direta-inversa”).

As desconsiderações sucessivas podem ainda revelar diferentes graus à medida que novos elos são adicionados à cadeia de eventos. Assim, podem ser de primeiro grau, quando resultarem da articulação de duas operações (quantidade mínima necessária); de segundo grau, quando houver encadeamento de três operações, etc.

Advirta-se, porém, que à medida que aumenta o grau, mais difícil é a justificação da desconsideração sucessiva, vez que se dilui o vínculo que deve haver entre o responsável secundário e o devedor.

Neste passo, defende-se que a desconsideração sucessiva exige provas contundentes de que o terceiro responsável contribuiu de algum modo para o abuso da autonomia patrimonial ocorrida no momento inicial de surgimento ou inadimplemento da dívida. E mais: tal exigência probatória aumenta de forma proporcional ao grau da desconsideração.

Os conceitos acima expostos serão resgatados mais à frente para embasar a discussão quanto aos novos contornos da aplicabilidade do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho.


2. TEORIAS “MAIOR” E “MENOR” DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

O estudo do procedimento previsto nos arts. 133 a 137 do CPC pressupõe ainda o conhecimento de duas formulações teóricas divisadas inicialmente por Coelho (2008, p. 36): a teoria maior e a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, por outros, denominadas respectivamente como teoria subjetiva e objetiva (SCHIAVI, 2018a, p. 151; MIESSA, 2018, p. 657)[5].

A teoria maior acentua a excepcionalidade da relativização da autonomia patrimonial do ente ao exigir, além do prejuízo sofrido pelo credor, consistente demonstração do abuso da personalidade. Para esta teoria, o patrimônio dos sócios somente pode ser atingido se restar comprovado o desvio de finalidade da empresa ou a confusão patrimonial.

Esta primeira proposição pode ter uma abordagem subjetiva, que condiciona a desconsideração à presença de um elemento anímico por parte do sócio (intenção de prejudicar terceiros ou fraudar a lei). Prepondera, porém, a abordagem objetiva, fundada na disfunção da empresa (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 490-491).

Já a teoria menor demanda apenas a verificação do prejuízo impingindo ao credor, cujo ressarcimento esbarra na autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Assim, a mera insolvência patrimonial da empresa é fato suficiente para justificar a superação pontual da eficácia da separação patrimonial.

Nesse caso, o uso antissocial da personalidade é consequência advinda diretamente do próprio inadimplemento de créditos privilegiados (consumerista, ambiental, trabalhista, etc.). Concorda-se com Claus (2013, p. 90), para quem o abuso da personificação societária configura-se in re ipsa “sempre que a autonomia patrimonial é invocada para sonegar obrigação decorrente de direito de natureza indisponível, como é o caso dos direitos fundamentais sociais (CF, art. 7º)”.

A teoria maior objetiva inspirou o art. 50 do Código Civil, que é atualmente a principal fonte de direito material do instituto. A teoria menor, por sua vez, está refletida no art. 4º da Lei nº 9.605/1988 (Lei dos Crimes Ambientais) e no §5º do art. 28 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).

A correlação entre as formulações doutrinárias e a legislação não é perfeita, contudo, até porque as normas aludem muitas vezes a hipóteses que se encaixam mais propriamente na ideia de responsabilização direta do sócio ou administrador, a exemplo de “excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou contrato social” (art. 28, caput, do CDC), revelando falta de consistência técnica (ULHOA, 2016, p. 76).

De todo modo, pensa-se que a verdadeira distinção entre as teorias maior e menor não está nos dispositivos que as consagram, mas na possibilidade de se extrair o abuso da personalidade diretamente do inadimplemento de obrigação qualificada atrelada à insolvência do devedor, o que culmina em uma maior relativização da autonomia patrimonial que é acatada apenas na teoria menor.


3. O IDPJ COMO HIPÓTESE DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS: REGRAS DOS ARTS. 133 A 137 DO CPC

O “incidente” criado pela Lei 13.105/15 (arts. 133 a 137) buscou instrumentalizar a aplicação do instituto de direito material, tratando-o processualmente como hipótese de intervenção de terceiros.

Para boa parte da doutrina, sua natureza jurídica é mesmo de mero incidente processual, por ter sido este o tratamento conferido pelo legislador[6]. Ocorre que a instauração do IDPJ envolve pedido, causa de pedir e partes distintas daquelas que caracterizam a demanda principal, a indicar a formação de nova relação jurídica processual. Por isso, cuida-se, na realidade, de demanda incidental proposta nos mesmos autos, a exemplo do que se verifica na reconvenção. A menção no art. 135 à “citação” (e não mera intimação) do sócio ou da pessoa jurídica reforça tal entendimento.

Adere-se, pois, à corrente liderada por Wambier e Talamini (2018, p. 374), para quem, diante da ampliação do objeto do processo, a natureza jurídica do IDPJ é de “ação incidental”.

A fixação deste ponto é relevante, pois dele dependem outras questões cruciais. Uma delas é a natureza da decisão que acolhe ou rejeita o pedido de desconsideração, ficando mais fácil perceber que se trata de decisão interlocutória de mérito, propícia a fazer coisa julgada material e sujeita à ação rescisória (MEDINA, 2018, p. 243; WAMBIER; TALAMINI, 2018, p. 377).

Outra questão é a possibilidade de condenação da parte sucumbente no incidente[7] em honorários advocatícios (WAMBIER; TALAMINI, 2018, p. 378), que também resta clara diante da natureza de procedimento de jurisdição contenciosa e da concepção ampliativa para os honorários de sucumbência, trazida pelo art. 85 do CPC/15 (e importado para o processo do trabalho pelo novo art. 791-A da CLT).

Esclarecida a natureza jurídica, passa-se à análise das regras que instrumentalizam o instituto.

O procedimento incidental instituído pelo Código de Processo Civil de 2015 mostra-se pautado: 1) na restrição à relativização da personalidade jurídica, ao exigir prévio requerimento da parte interessada e atribuir-lhe o ônus da comprovação dos pressupostos previstos em lei; 2)no prestígio ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal, além da garantia de segurança jurídica, ao normatizar o procedimento; 3) na discussão dos pressupostos para a desconsideração da personalidade jurídica, erigidos, em regra, com base na teoria maior objetiva.

Assim é que, fundado no primeiro escopo, o art. 133 do CPC exige que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, inclusive na hipótese de desconsideração inversa (§2º), seja instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo (na condição de parte). Veda, pois, a atuação ex officio do órgão julgador.

Prevê, também, que o pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei (art. 133, §1º), cabendo à parte interessada alegar[8] o preenchimento de tais pressupostos legais específicos (art. 134, §4º) e, no contexto da instrução, comprová-los.

Ainda com a finalidade de restringir os efeitos da desconsideração, o art. 134, § 3º estabelece que a instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese em que a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, já que a instauração do incidente fica dispensada. Neste último caso, será citado o sócio (desconsideração direta) ou a pessoa jurídica (desconsideração inversa) para compor o polo passivo da lide desde o início da fase de conhecimento, quando se conformará um litisconsórcio passivo facultativo (LEITE, 2016, p. 402).

O art.134, caput, ameniza as restrições acima referidas ao explicitar que o incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. Apesar do texto legal, o IDPJ não cabe no recurso especial (corresponde ao recurso de revista na sistemática trabalhista) e no recurso extraordinário (ALMEIDA, A. P., 2016, p. 384).

Caso seja acolhido o IDPJ instaurado na fase cognitiva, tem-se a formação de litisconsórcio passivo entre o réu original e as novas partes[9]. A situação abre espaço para dúvidas quanto aos poderes dos litisconsortes. É possível defender, por exemplo, que os sócios não podem contribuir para a defesa na ação principal, vez que não possuem legitimidade extraordinária para tutelar direitos da sociedade em juízo.

Parece mais acertada a posição trazida por Waki (2015), para quem as novas partes poderão se defender quanto ao mérito das questões que compõem o pedido do autor na ação principal, porém “dentro dos limites da assistência litisconsorcial”.

É certo que a posição dos sócios não é idêntica à de um assistente litisconsorcial, pois, formalmente, apenas a sociedade é titular do direito discutido na demanda originária. Contudo, a relativização da personalidade promovida no bojo do incidente faz com que a pessoa jurídica e seus instituidores passem a ser tratados como se fossem um só, pois pontualmente superada a autonomia patrimonial que até ali os separava. Na prática, os sócios suportam efeitos como se fossem também titulares do direito debatido na demanda principal, e como tal devem ser tratados. Além disso, a formação de litisconsórcio ulterior aproxima as figuras e justifica a aplicação das regras daquele instituto (art. 124 do CPC), por analogia.

O art. 135 do CPC emerge em consonância com o segundo objetivo, de prestigiar os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal (art. 5º, LIV e LV da CRFB), reforçados pelo advento do CPC e a proibição da decisão surpresa (art. 9º e 10º). A regra prevê que, instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para se manifestar e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias, prevendo, assim, um contraditório amplo e prévio. A inércia do terceiro citado produz os efeitos da revelia. Note-se ainda que o texto usa a conjunção “ou”, indicando ser dispensada a citação do devedor original[10].

Nesse mesmo intuito, o art. 136 do CPC dispõe que o incidente será resolvido por decisão interlocutória recorrível, cabendo agravo interno caso a decisão seja proferida pelo relator (art. 1.021 do CPC), no caso de processo que tramita junto ao tribunal (competência original ou grau recursal). Caso a decisão seja proferida no primeiro grau, caberá agravo de instrumento (art. 136, caput, c/c art. 1.015, IV do CPC).

Tal sistemática recursal sofre adaptações no processo do trabalho, vez que a decisão proferida na fase de conhecimento será irrecorrível de imediato (art. 855-A, §1º, I da CLT), podendo ser combatida por meio de recurso ordinário interposto contra a sentença final. Na fase de execução, o recurso cabível será o agravo de petição, no prazo de 8 dias, sem necessidade de garantia. Veiculado na petição inicial, o pedido de desconsideração da personalidade será resolvido em sentença, desafiando recurso ordinário na sistemática trabalhista.

A promoção da segurança jurídica é reforçada pelo §1º do art. 134 do CPC, segundo o qual a instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas. Busca-se dar maior publicidade e formalidade ao ato, além de viabilizar a distribuição por dependência de ações conexas propostas em face do responsável secundário. No campo trabalhista, a orientação já era adotada diante da previsão do art. 78, II da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, na redação anterior ao Ato n. 5/GCGJT, de 29 de março de 2016[11].

Também para prestigiar a segurança jurídica formulou-se a previsão do art. 137 do CPC, no sentido de que, acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente. Sua intenção é combater atos fraudulentos do responsável patrimonial secundário.

Surgiu debate diante da possível incompatibilidade entre o marco sugerido pelo art. 137 (momento do acolhimento do pedido de desconsideração) e o marco previsto no art. 792, §3ºdo CPC (momento da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar).

A colisão é tão somente aparente, pois os dispositivos são compatíveis e devem ser lidos em conjunto. O art. 137 reforça a possibilidade de configuração da fraude de execução pelo terceiro caso o IDPJ seja acolhido, enquanto o art. 792, §3º fixa como marco inicial o momento da citação do devedor original (a parte cuja personalidade se pretende desconsiderar). Não se pode deixar de registrar, porém, a pouca coerência da opção legislativa que, no tratamento da fraude à execução, assume a presunção de que o sócio sabe o que se passa com a sociedade, mas em relação ao IDPJ reforça as cautelas decorrentes da distinção entre o ente moral e seus instituidores.

O terceiro objetivo da novidade legislativa, como dito, foi amoldar o procedimento à complexidade da teoria maior objetiva da desconsideração. Com este intuito, além da exigência de que o requerimento aponte os pressupostos legais (art. 134, §4º), os arts. 135 e 136 trazem a possibilidade de realização de instrução, medida pensada para a comprovação daqueles pressupostos que caracterizam o abuso da personalidade jurídica, previstos principalmente no art. 50 do Código Civil.

Frise-se, contudo, que a instrução poderá ser dispensada, caso desnecessária, situação que melhor se adéqua à maioria dos casos de incidência da teoria menor.


4. APLICABILIDADE DO IDPJ AO PROCESSO DO TRABALHO

Tanto a procedimentalização da desconsideração direta quanto da inversa possuem clara previsão no art. 855-A da CLT c/c o art. 133, caput e §3º do CPC. Resta, assim, firmada a aplicabilidade do IDPJ à seara laboral, já antes defendida pelo Tribunal Superior do Trabalho na IN nº 39/2016, no que fica superada a ampla resistência doutrinária[13], alicerçada na alegação de incompatibilidade do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica com o processo do trabalho (arts. 769 e 889 da CLT c/c art. 15 do CPC).

Remanesce o debate, porém, quanto à aplicabilidade do incidente a outras hipóteses em que ocorra a extensão da responsabilidade patrimonial para terceiros que não participaram da relação obrigacional, a exemplo da situação do sócio retirante (art. 10-A da CLT) ou dos sócios ou administradores com responsabilidade pessoal e direta (art. 790, II do CPC).

Conforme a doutrina majoritária, é certo que as situações referidas no parágrafo anterior não se adéquam ao conceito de desconsideração da personalidade jurídica mais utilizado no Brasil, pois este tem por pressupostos o abuso da personalidade jurídica que leva à relativização casuística da sua autonomia patrimonial. No caso da responsabilização do sócio retirante, por exemplo, usualmente não há qualquer abuso e a empresa tem sua personalidade intocada.

Em razão das diferenças apontadas e do fato de que o IDPJ burocratiza e desacelera o processo, é possível sustentar a interpretação restritiva do instituto para considerar que o incidente deve ser exigido apenas na hipótese de aplicação tradicional da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Na seara laboral, a posição é reforçada pela informalidade e pela especial celeridade que norteiam o processo do trabalho.

Parece ser esse o entendimento de Silva (2017, p. 164), para quem é inaplicável o incidente de desconsideração da personalidade jurídica às execuções fiscais em curso na Justiça do Trabalho, vez que desnecessário, diante da previsão do art. 135 do CTN. De igual modo, Barba Filho (2017, p. 71) defende a aplicabilidade do IDPJ apenas às hipóteses em que se busca, efetivamente, “a responsabilização dos sócios para além dos limites de suas responsabilidades societárias”, ou a “investigação por meio de desconsideração inversa com vistas a se identificar eventual responsabilização de outras empresas que estejam sendo utilizadas para fraudar credores da sociedade demanda”.

Com o devido respeito, defende-se a aplicação do IDPJ também às situações análogas referidas, pois, havendo igualmente a extensão de responsabilidade patrimonial para instituidores que não participaram da relação obrigacional, exige-se a formalização de incidente que possibilite a ampla discussão de tal responsabilidade, em respeito ao contraditório, à ampla defesa e à segurança jurídica.

Veja-se, nessa linha, a posição de Nahas (2017, p. 83), dissertando sobre a aplicabilidade do IDPJ a toda hipótese de discussão da responsabilidade de sócios ou administradores e, em especial, ao caso do sócio retirante:

Embora o legislador não tenha tratado especificamente do tema, parece que qualquer das situações em que se discutir responsabilidade patrimonial de sócios ou administradores deverá sê-lo pela via do incidente, pois a intenção legislativa é de conferir segurança jurídica às relações e, embora o critério de responsabilidade direta seja mais objetivo, para que se possa invadir o patrimônio do responsável faz-se necessário o enquadramento jurídico e a apuração de sua responsabilidade. No mesmo diapasão, entendemos que deverá ser a solução para o caso da apuração de responsabilidade do sócio retirante, cujo fundamento material está no art. 10-A da CLT.

Lopes (2018, p. 181), cuidando especificamente do art. 10-A da CLT, sustenta que o dispositivo deve ser interpretado sistematicamente para que se reconheça que “não opera efeitos imediatos, mas precisará ser objeto de prova, na forma do incidente de desconsideração da personalidade jurídica [...]”.

Trazendo lição mais abrangente, Cunha (2017, p. 422) considera que não é adequado afastar a aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica apenas em razão da sua nomenclatura, já que é forma de intervenção de terceiro como qualquer outra, que busca converter o terceiro em parte, demandando, por isso, o prévio respeito ao contraditório. Vale a transcrição de trecho de sua cátedra, proferida no contexto do debate sobre a aplicabilidade do IDPJ na execução fiscal:

Na execução, a parte demandada é aquela que está no título ou cuja responsabilidade é reconhecida legal ou judicialmente. Se o sujeito não está no título e sua responsabilidade depende da aferição e comprovação de elementos subjetivos ou que não constem do título executivo, é preciso que se instaure um incidente cognitivo para que se avalie a presença desses elementos, em contraditório e com oportunidade de defesa (CUNHA, 2017, p. 422).

Mesmo Barba Filho (2017, p. 74-75), que caminha em sentido contrário, reconhece ser compreensível a adoção do IDPJ no caso, ao referir que a utilização do incidente evita nulidades ao impedir a futura alegação de cerceamento de defesa pela não utilização do novo instrumento processual, caso se entenda, posteriormente, que a hipótese não era de responsabilização direta do sócio ou administrador.

Adere-se, pois, à posição trazida por Thereza Nahas e complementada pelos demais juristas, acrescentando, como argumento, a melhor concretização do princípio da isonomia (art. 5º, caput da CRFB) e do princípio da proporcionalidade (sede material no art. 5º, LIV da CRFB).

De fato, o tratamento diferenciado dos responsáveis secundários pode gerar injustiça. Basta perceber que, se aplicado o entendimento restritivo, o sócio atual da pessoa jurídica, que ainda hoje se beneficia do uso antissocial da personalidade jurídica e que possivelmente já tinha ciência da ação movida originalmente contra a empresa, terá maiores chances de defesa do que o sócio que licitamente já se retirou do quadro societário há dois anos e provavelmente não tinha ciência prévia da demanda.

Apesar da posição ampliativa acima encampada, cabe fazer importante ressalva quanto à hipótese de reconhecimento de grupo econômico na execução trabalhista com supedâneo no art. 2º, §2º e §3º da CLT.

De início, ressalte-se que é respeitável, ainda que minoritária, a corrente doutrinária que identifica no dispositivo a fonte formal da desconsideração da personalidade jurídica no direito material do trabalho, posição endossada, entre outros, por Almeida, A.P. (2016, p. 375). É igualmente nesse sentido a cátedra de Koury (2018, p. 162), para quem o dispositivo veicula a aplicação da Disregard Doctrine com o fim de “evitar que a personalidade jurídica da empresa contratante seja abusivamente utilizada para encobrir a real vinculação do empregado com o grupo”.     

Segue-se, neste trabalho, a posição atualmente majoritária, que não reconhece na situação aludida os elementos característicos da Disregard Doctrine. De fato, há distinção entre os institutos quanto aos requisitos, vez que a formação de grupo econômico é normalmente baseada na relação lícita de subordinação ou coordenação entre empresas, não ocultando ato fraudulento ou abusivo. Por seu turno, a desconsideração, em sua acepção mais corriqueira no Brasil, deriva do uso abusivo da personalidade jurídica.

Há, de igual modo, diferença quanto aos efeitos, podendo-se citar, por exemplo, a responsabilidade subsidiária dos sócios como resultado da penetração da personalidade, em contraste com a responsabilização solidária dos membros do grupo econômico. Na mesma senda é a cátedra de Barba Filho (2017, p. 71) e Lopes (2018, p. 170).

Além disso, no grupo econômico a separação patrimonial não é relativizada para atingir sócios. Conforme o magistério de Farias e Rosenvald (2017, p. 511), na hipótese do dispositivo celetista “não se suprimirá, sequer por algum instante, a personalidade jurídica da empresa, apenas elastecendo os riscos da atividade econômica exercida para alcançar terceiros”.

Em que pese a predominância desta segunda corrente, o embate doutrinário torna pertinente o seguinte questionamento: é preciso instaurar o IDPJ para que seja reconhecido o grupo econômico na execução trabalhista[14]?

Ainda que a posição defendida no presente trabalho leve de pronto à resposta negativa, já que não se cuida de desconsideração propriamente dita, há que se reconhecer que foi feita a defesa, linhas atrás, da aplicação extensiva do IDPJ para atingir hipóteses de responsabilização de sócios ou administradores que não se encaixam na concepção tradicional de desconsideração da personalidade jurídica, por respeito ao contraditório, à ampla defesa e à segurança jurídica. Além disso, com espeque nas reflexões de Barba Filho (2017, p. 74-75), cabe considerar que a dúvida razoável, diante da celeuma doutrinária, tornaria recomendável a adoção do incidente para evitar nulidades futuras.

Mesmo que ponderosos os argumentos, tem-se por segura a afirmação de que a instauração do IDPJ é dispensável para o reconhecimento de grupo de empresas na execução trabalhista. Isso porque o art. 2º, §2º da CLT consagra a figura do grupo econômico como empregador único, o que faz com que os efeitos da coisa julgada afetem todos os membros do grupo, ainda que não constem formalmente no título executivo.

Adere-se, nesse ponto, ao pensamento de Koury (2018, p. 138):

No caso dos grupos de empresas, os efeitos da coisa julgada alcançam todas as empresas que os integram, na medida em que atuam como se uma só pessoa fossem, exatamente como prevê o art. 2º, § 2º, da CLT, de tal sorte que, citada uma ou algumas delas, considera-se que todas tiveram ampla e total possibilidade de defesa e que devem, por isso, suportar os efeitos da coisa julgada. [...]

Em outras palavras, não há que se falar em intervenção de terceiro se a integrante do grupo de empresas se confunde com a parte executada (logo, não é propriamente “terceiro”). Na verdade, quando se cuida de grupo econômico trabalhista o empregador é o próprio complexo patrimonial (OLIVEIRA, 2008, p. 421), que responde em sua totalidade pelas dívidas oriundas do contrato de trabalho. A atuação conjunta das empresas visando o lucro não pode ser apartada justamente no momento de distribuição do ônus da atividade econômica.

A execução imediata da empresa solidariamente responsável é concretização dos princípios da proteção do trabalhador, do contrato realidade e da despersonalização das obrigações decorrentes da relação de emprego, este último entendido como a norma segundo a qual “respondem pelos créditos do trabalhador todos aqueles que forem beneficiados pelos seus serviços” (ALMEIDA, C. L., 2015, p. 285).

Conclui-se, então, ser dispensável a instauração do incidente no caso de responsabilização do grupo econômico, sendo suficiente o pedido do credor veiculado em simples petição[15].

Isso não significa que seja possível negar à empresa incluída no polo passivo da execução a oportunidade de contraditório e de ampla defesa, até para que possa debater a própria existência do grupo econômico. A tese defensiva apenas dispensará maiores formalidades em sua apresentação, discussão e decisão.

Entende-se que é dispensável o IDPJ também para a hipótese da sucessão trabalhista, regulada pelo novo art. 448-A da CLT, que atribui responsabilidade apenas ao sucessor (regra), ou responsabilidade solidária entre sucessor e sucedido no caso de fraude (parágrafo único).

A situação não se amolda à ideia de desconsideração da personalidade, pois há simples sucessão de empregadores, que inclusive podem ser entes despersonalizados. Não há necessidade de tutelar o princípio da autonomia patrimonial ou o instituto da personalidade jurídica, devendo prevalecer o princípio da proteção. Assim, desde que respeitados o contraditório e a ampla defesa, resta dispensada a instauração de incidente burocrático para redirecionar a execução para a sociedade que suceder o empregador original plasmado no título executivo, ou para incluir o sucedido no polo passivo em caso de fraude.

Por fim, dentre as situações mais corriqueiras na Justiça do Trabalho, resta a figura do sócio “oculto” ou “de fato”, dizendo respeito àquele que, mesmo ocultando sua condição, controla a atividade da sociedade e dela aufere lucro.

Defende-se que a responsabilização destes sócios atende ao conceito amplo de desconsideração da personalidade jurídica, comumente adotado no Brasil (ainda que de forma pouco técnica), enquadrando-se na hipótese de “violação dos estatutos ou do contrato social” (art. 28 do CDC), razão pela qual aplicável o IDPJ.

Tais instituidores são sócios que abusam da personalidade jurídica da mesma forma que muitos sócios formais, apenas ficando mais evidente o intuito fraudulento diante da natureza recôndita de sua atuação. Além disso, a verificação da condição de sócio “oculto” costuma envolver complexa análise fática, exigindo farta produção de provas que poderá ser mais bem desenvolvida no contexto do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica.

O tema é polêmico, porém. Leonardo Dias Borges, por exemplo, posiciona-se pela inaplicabilidade do incidente, vez que “o sócio oculto é uma clara forma de burlar a legislação, inclusive a trabalhista”, sendo, pois, solidariamente responsável pelas dívidas da sociedade (CASSAR; BORGES, 2018, p. 216).

4.1. DESCONSIDERAÇÕES MÚLTIPLAS

Passa-se à análise do cabimento das desconsiderações paralelas e sucessivas, de modo a tornar abrangente o estudo das hipóteses de aplicação no processo do trabalho do incidente regulado pelos arts. 133 a 137 do CPC.

Quanto às desconsiderações paralelas, entende-se que tal figura não desafia maiores reflexões, sendo perfeitamente possível ao credor trabalhista, por exemplo, pedir, a um só tempo, a desconsideração da personalidade jurídica direta de duas ou mais empresas condenadas solidariamente. Para tanto, basta a instauração de um único IDPJ, com a citação de todos os sócios das diversas sociedades envolvidas, desde que não se promova tumulto processual.

As desconsiderações sucessivas também são, em regra, cabíveis no processo do trabalho. Tal aplicabilidade é reforçada pelo fato de que, na seara trabalhista, prevalece o entendimento de que a responsabilidade dos sócios não é limitada pelo valor da sua quota societária.

Confira-se, nessa senda, o magistério de Schiavi (2018b, p. 1153), em comentário ao art. 795 do CPC e seus parágrafos 1º e 2º:

O dispositivo acima consagra a responsabilidade subsidiária do sócio, pois prevê a faculdade deste invocar o benefício de ordem. Desse modo, a responsabilidade do sócio é subsidiária em face da pessoa jurídica, entretanto, a fim de dar maior garantia e solvabilidade ao crédito trabalhista, têm a doutrina e a jurisprudência, acertadamente, entendido que a responsabilidade dos sócios entre si é solidária. Sendo assim, se a pessoa jurídica tiver mais de um sócio, cada um deles responderá pela integralidade da dívida, independentemente do montante das cotas de cada um na participação societária. Aquele que pagou a dívida integralmente pode se voltar regressivamente em face dos demais sócios.

Desta forma, a pessoa jurídica “X” que é sócia minoritária da empresa “Y” responde subsidiariamente por toda a dívida da devedora original “Y”. Do mesmo modo, os sócios majoritários e minoritários da segunda empresa (“X”) podem responder subsidiariamente em relação a este ente, mas solidariamente entre si, pela condenação que foi redirecionada à pessoa jurídica “X”, antes originalmente imposta à empresa “Y”.

Ao final do encadeamento de operações, os sócios da empresa “X” poderão ser responsabilizados por toda a dívida da empresa “Y”. Nesse panorama, é possível a realização de uma desconsideração sucessiva homogênea do tipo “direta-direta”, desde que respeitados os requisitos legais e o benefício de ordem (art. 795, §1º do CPC), que leva à graduação da operação. É preciso constatar a inexistência de bens da empresa “Y”, depois da empresa sócia “X”, para, só então, em uma terceira etapa, alcançar bens dos instituidores da empresa “X”.

A situação se torna mais complexa no caso de desconsideração sucessiva heterogênea, notadamente a do tipo “inversa-direta”.

Imagine-se um empregador doméstico (pessoa física) que não pagou salários e oculta bens em uma pessoa jurídica. Atingido por meio de desconsideração inversa, este ente fica responsável por toda a dívida, já que não prevalece a limitação à quota do sócio devedor. Tal separação muitas vezes nem mesmo seria viável na prática, pois o pressuposto fático da desconsideração inversa é justamente a confusão patrimonial.

Entretanto, caso a sociedade personificada revele também não ter patrimônio penhorável, é possível aplicar agora, de forma sucessiva, a desconsideração direta para atingir os demais sócios do ente coletivo?

Pensa-se que a resposta será, na maioria dos casos, negativa, pois a operação é condicionada à prova robusta de ato fraudulento, que se revela dificultosa na prática.

Esta segunda hipótese torna mais perceptível um problema que é comum a todas as desconsiderações sucessivas, homogêneas ou heterogêneas, e que se torna mais grave na medida em que se eleva o grau da operação, com o acréscimo de novos elos na cadeia de operações. Refere-se aqui ao fenecimento do vínculo que deve existir entre o devedor original e o responsável patrimonial secundário.

A responsabilidade patrimonial de terceiros apenas se justifica “em razão de manterem ou terem mantido relações jurídicas próximas com o devedor, de cunho patrimonial, que podem comprometer a eficácia da execução processual, e daí a lei lhes atribuir tal responsabilidade, visando à garantia do crédito” (SCHIAVI, 2018b, p. 1142).

Nas desconsiderações sucessivas essa proximidade pode existir, mas é arrefecida, o que pode até não inviabilizar a configuração da responsabilidade patrimonial secundária, mas certamente impede a presunção do uso abusivo da pessoa jurídica pelos terceiros que se encontram mais distantes da origem da obrigação.

Considerando tal realidade, defende-se, neste trabalho, que as penetrações sucessivas apenas podem ser autorizadas com fundamento na teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, pois exigem prova do nexo causal com o fato que gerou ou perpetuou a dívida.

No caso da desconsideração sucessiva “inversa-direta”, por exemplo, ainda que a empresa, em razão do seu uso antissocial, possa responder de modo automático por dívidas de um dos sócios com base na teoria menor, não é razoável, em uma segunda desconsideração, que se transfira automaticamente aos demais integrantes do quadro societário a dívida que aquele primeiro sócio fez em âmbito particular. Tal responsabilização só é possível caso reste demonstrado (provado) que os demais instituidores agiram em conluio com o sócio devedor, no sentido de obstacularizar o pagamento da dívida trabalhista, ou, pelo menos, também participaram da confusão patrimonial.

Sustenta-se, então, que na desconsideração sucessiva a instauração dos incidentes deve ocorrer de forma também sucessiva, isto é, um incidente para cada operação. Isso porque:

1) a inclusão, no polo passivo de um único incidente, de todos os sócios e pessoas jurídicas envolvidos no encadeamento de operações gera tumulto processual;

2) o necessário respeito ao benefício de ordem abre espaço para pertinentes alegações de ilegitimidade passiva e falta de interesse de agir, relativas aos terceiros atingidos pelos elos finais da cadeia de atos;

3) a segunda operação de desconsideração costuma ser mais complexa que a primeira, porque norteada pela teoria maior, demandando a produção de provas contundentes para demonstrar fraude.

4.2. MARCO TEMPORAL

Outro ponto que merece ser abordado é quanto à aplicabilidade do IDPJ no tempo.

Por ser matéria não tratada pela CLT, a inovação trazida pelo CPC/15 passou a ser aplicável de imediato aos feitos em tramitação na Justiça do Trabalho, podendo ser inicialmente instaurada de ofício, conforme posição que prevaleceu a partir do art. 6º da IN 39/16 do TST, reforçada pelo art. 17 da IN nº 41/18.

Desde a vigência da Lei nº 13.467/17, com eficácia imediata e geral a partir de 11/11/17, o incidente passou a exigir a iniciativa da parte, restando vedada a iniciativa do juiz, ressalvados os casos de aplicação do jus postulandi.

Portanto, assim como havia se dado com a vigência do CPC/15, a novidade da Reforma Trabalhista é também aplicável a todos os processos em trâmite, sem atingir situações já consolidadas, a exemplo dos incidentes que até 10/11/17 já haviam sido instaurados de ofício. Adota-se, pois, o sistema do isolamento dos atos processuais associado à aplicabilidade imediata da lei nova aos processos em curso, observada a irretroatividade das leis (arts. 14 e 15 do CPC c/c art. 769 da CLT).

O entendimento é ratificado pela regra geral plasmada no art. 1º da IN nº 41/18 do TST, que afirma ser imediata a aplicação das normas processuais alteradas pela Lei nº 13.467/17, sem atingir situação pretéritas iniciadas ou consolidadas sob a égide da lei revogada. A posição foi ainda explicitada pelo art. 13 do mesmo instrumento, ao dispor que, desde 11/11/17, a atuação oficiosa do juiz na execução e no IDPJ fica restrita aos casos em que as partes não estiverem representadas por advogados.

Resta a dúvida quanto à validade dos incidentes iniciados oficiosamente a partir de 11/11/17, quando tal conduta já não era mais albergada pela lei.

Em uma primeira análise, é possível sustentar a total nulidade destes procedimentos, em função da mácula aos princípios da legalidade (art. 5º, II e art. 37, caput da CRFB) e do juiz natural (artigo 5º, XXXVII, LIII e LIV, da CRFB), o que exigiria que novo incidente fosse instaurado pelas partes, se do seu interesse.

Contudo, em respeito aos princípios da instrumentalidade das formas, da economia processual e da celeridade, e ainda por imperativos de proporcionalidade e boa-fé, defende-se que o IDPJ iniciado de forma irregular naquele período de transição possa ser ratificado pela parte interessada, por meio de mera manifestação no bojo no incidente, sanando o vício.


5. ADAPTAÇÕES DO IDPJ AO PROCESSO DO TRABALHO: ABORDAGEM CRÍTICA DO ART. 855-A DA CLT

Pela literalidade do art. 855-A da CLT, o procedimento sintetizado no item 3 (três) deste artigo deverá ser observado nos processos trabalhistas, com duas adaptações expressas: 1) na fase de cognição, não cabe recurso de imediato da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente, na forma do §1º do art. 893 da CLT; 2) na fase de execução, cabe agravo de petição, independentemente de garantia do juízo.

No primeiro caso, a falta de recurso imediato gera um problema inexistente no processo civil, na medida em que o terceiro que pretende recorrer da decisão mais à frente (por meio de Recurso Ordinário) assumirá, até lá, uma condição precária de litisconsorte passivo no processo principal que volta a correr. Deverá, pois, participar deste sem ter segurança quanto ao seu status processual, pois sua condição de parte pode ser alterada em breve.

Ainda assim, pensa-se que seus poderes processuais equivalentes ao de assistente litisconsorcial devem ser respeitados, até porque, se lograr êxito no auxílio da defesa relativa ao mérito da ação principal, poderá nem precisar manejar o Recurso Ordinário, já que o pedido de desconsideração tem caráter sucessivo e ficará prejudicado.

Sobre o agravo de petição, a regra, além de inovar ao dispensar a garantia do juízo, traz novo elemento para o debate doutrinário sobre o alcance do art. 897, “a” da CLT, que estabelece o cabimento do recurso em face de “decisões do Juiz ou Presidente, nas execuções”. Parte dos juristas considera que o termo “decisões” abarca apenas sentenças proferidas na fase de execução. Para outros, engloba sentenças e decisões interlocutórias proferidas na fase executiva, de qualquer tipo. A corrente intermediária aceita o agravo de petição que combate, além das sentenças, também “as decisões interlocutórias que criarem obstáculo intransponível ao prosseguimento da execução” e “as decisões interlocutórias capazes de produzir prejuízo grave e iminente ao agravante” (MIESSA, 2015, p. 236).

Ao que parece, a regra do inciso II do §1º do art. 855-A da CLT reflete a terceira corrente. De fato, a decisão que rejeita o IDPJ cria obstáculo intransponível para o prosseguimento da execução, que tende a se extinguir por prescrição intercorrente, diante da falta de patrimônio da devedora principal. Por outro lado, a decisão que acolhe o incidente pode produzir prejuízo grave e iminente ao terceiro agravante, que, se não recorrer, verá estabilizada sua condição de parte e terá seu patrimônio atacado.

Além dos ajustes trazidos pelos incisos I e II do §1º do art. 855-A, o inciso III reforça o cabimento do agravo interno se a decisão interlocutória for proferida pelo relator em incidente instaurado originariamente[16] no tribunal. Tal regra é compatível com a previsão da Súmula 214 do TST, de modo que não inova no conjunto de exceções ao princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias.

Por fim, o §2º do art. 855-A da CLT confirma o efeito suspensivo do incidente, ressaltando a possibilidade de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 do CPC.

Concluída a análise dogmática do novo artigo, dá-se início a uma abordagem crítica e prospectiva, baseada na percepção de que a importação das regras promovida pelo art. 855-A da CLT é imperfeita.

Vislumbra-se a necessidade de, pelo menos, oito outras adequações à sistemática processual trabalhista, abaixo enumeradas, a serem providenciadas pelos juízes no exercício do poder concedido pelo art. 765 da CLT, assim como em atenção à norma de contenção estabelecida pelo art. 769 da CLT e preservada pelo art. 15 do CPC/15 (PINTO, 2017).

INSTAURAÇÃO DE OFÍCIO DO INCIDENTE NO CASO DE JUS POSTULANDI

A primeira adaptação concerne à possibilidade de instauração de ofício do incidente pelo juiz quando a reclamação trabalhista tiver sido proposta pela parte no exercício do jus postulandi, sem assistência de advogado. Isso porque a nova redação do art. 878 da CLT permite a execução de ofício pelo juiz ou pelo Presidente do Tribunal nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado. Se a própria execução pode ser promovida de ofício nesta hipótese, com mais razão o incidente que busca conferir-lhe efetividade.

O entendimento foi recentemente endossado pelo Tribunal Superior do Trabalho na IN nº 41/18, cujo art. 13 possui a seguinte redação:

Art. 13. A partir da vigência da Lei nº 13.467/2017, a iniciativa do juiz na execução de que trata o art. 878 da CLT e no incidente de desconsideração da personalidade jurídica a que alude o art. 855-A da CLT ficará limitada aos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado.

Como se constata, o dispositivo ressalta que, a partir da vigência da Lei nº 13.467/17, a iniciativa do juiz no IDPJ somente será possível nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado.

Apesar do acerto quanto à posição adotada, a confusa redação do dispositivo merece críticas, pois dá a entender que o art. 855-A da CLT possui regramento que trata da iniciativa do juiz, à semelhança do art. 878 da CLT, o que não ocorre.

Ademais, ao separar a iniciativa do juiz “na execução” e “no incidente”, abre espaço para conclusão equivocada no sentido de que seria possível a instauração de ofício do IDPJ na fase de conhecimento.

O precitado art. 13 precisa ser lido em conjunto com o art. 17 da mesma IN nº 41/18, que reforça a aplicabilidade do incidente regulado nos arts. 133 a 137 do CPC ao processo do trabalho, com as inovações trazidas pela Lei nº 13.467/2017. Assim, como a iniciativa de ofício do IDPJ na fase de conhecimento é incompatível com a sistemática original do CPC e com as regras da CLT, tal entendimento deve ser rechaçado.

Note-se que os dispositivos da IN nº 41/18 deixam claro que antes da vigência da Reforma Trabalhista a instauração de ofício do IDPJ na fase de execução era possível. Nesse ponto, a IN nº 41/18 reafirma o teor do art. 6º da IN nº 39/16 do TST.

Perceba-se, ainda, que a presente adaptação (assim como a próxima) permite ao magistrado dar início a uma ação incidental, o que enquadra o IDPJ trabalhista como uma “exceção ao princípio de que uma tutela jurisdicional não será outorgada senão mediante pedido da parte legitimada (arts. 2.º e 492 do CPC/2015)” (WAMBIER; TALAMINI, 2018, p. 374).

5.2. INSTAURAÇÃO DE OFÍCIO DO INCIDENTE NA EXECUÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS

O segundo ajuste na importação do IDPJ para o processo do trabalho é quanto à possibilidade de atuação ex officio do juiz para desconsiderar a personalidade jurídica no caso da execução de contribuições sociais previstas na alínea “a” do inciso I e no inciso II do “caput” do art. 195 da Constituição Federal, diante da nova dicção do parágrafo único do art. 876 da CLT, que reproduz a regra do art. 114, VIII da CRFB[17].

Neste ponto, a IN nº 41/18 merece nova crítica porque, ao ignorar a previsão do parágrafo único do art. 876 da CLT, enseja a interpretação de que é vedada a atuação ex officio do juiz na execução de contribuições sociais e na instauração do IDPJ a este relativa. Por afrontar a literalidade da lei e da própria Constituição (art. 114, VIII), trata-se de entendimento que não prospera.

Há, ainda, importante questão a ser elucidada, originada de aparente colisão normativa. A vedação da atuação de ofício do magistrado na execução do crédito trabalhista (crédito principal) nos processos em que a parte atua assistida por causídico (art. 878 da CLT) é aparentemente incompatível com a interpretação literal do dispositivo que determina a execução de ofício das contribuições sociais, pois fere a lógica buscar o adimplemento da obrigação acessória sem a prévia quitação do principal, notadamente quando o crédito trabalhista tem natureza privilegiada em relação ao crédito tributário (art. 186 do CTN).

Tal incongruência tem fomentado o entendimento de que a nova regra do art. 878 da CLT seria inconstitucional, por ferir o art. 114, VIII da CRFB e quebrar a isonomia ao ensejar tratamento privilegiado à Fazenda Pública (CASTRO, 2018, p. 412).

A análise perfunctória da inconstitucionalidade do art. 878 da CLT foge das pretensões deste artigo. Defende-se, porém, que o problema decorrente da antinomia apontada pode ser superado com o condicionamento da atuação de ofício do juiz na execução das contribuições sociais à iniciativa do credor trabalhista na forma do art. 878 da CLT.

Melhor explicando: a previsão de atuação de ofício do juiz no parágrafo único do art. 876 da CLT não deve ser entendida como a possibilidade de o magistrado buscar a execução do crédito da União sem que o crédito trabalhista esteja em execução. O comando é para que, uma vez iniciada a execução do crédito principal por iniciativa da parte, o juiz tutele o crédito da União, sem depender da iniciativa da Fazenda Pública.

Portanto, a ordem é para que o juiz atue de ofício a favor da União na fase executiva já iniciada pelo trabalhador, e não para que dê início à própria fase executiva.

É possível alegar que a solução apontada também resta maculada por inconstitucionalidade por transferir para o particular a iniciativa para a execução do crédito da União. A objeção não se sustenta.

Perceba-se que, nessa sistemática, o magistrado é quem dará início à execução do crédito fiscal, já que este pedido não é feito pelo credor trabalhista quando pede o início da execução, até por falta de legitimidade ativa, vez que o crédito não lhe pertence. Portanto, a execução das contribuições sociais ainda se dará “de ofício”, porque iniciada pelo magistrado no bojo da fase executiva em andamento, restando respeitada a regra do art. 114, VIII da CRFB.

Ademais, não é nova a situação em que a execução do crédito fiscal fica logicamente condicionada à prática de atos pelas partes. É suficiente aludir às situações em que a liquidação depende da prática de ato pelo exequente. A inércia do credor não só impedirá a execução da parcela acessória, já que o crédito principal nem mesmo foi apurado, como poderá levar até mesmo à extinção de ambos os créditos em caso de configuração da prescrição intercorrente (art. 11-A da CLT).

Portanto, no que tange à antinomia aparente acima discutida, defende-se que o art. 878 e o parágrafo único do art. 876 da CLT possam receber interpretação conforme a Constituição para fixar que a atuação oficiosa do magistrado ocorra apenas em execução já promovida pelas partes. Nesse contexto, poderá o magistrado atuar amplamente na tutela do crédito fiscal, o que inclui a instauração de ofício do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

5.3. SUSPENSÃO PARCIAL DA EXECUÇÃO

A terceira adequação diz respeito à relativização do efeito suspensivo previsto no art. 134, §2º do CPC.

Dissertando sobre o tema no âmbito do processo civil, Menezes e Santos (2018, p. 114) defendem que a suspensão referida se adéqua melhor ao processo de execução/cumprimento de sentença, não sendo aplicável, porém, à fase de conhecimento. Isso porque “só tem sentido apreciar o pleito de desconsideração caso a demanda principal seja julgada procedente, com o reconhecimento do direito de crédito do autor, possibilitando, assim, a existência de uma futura execução”, de modo que a prévia decisão que decretar a desconsideração não terá qualquer serventia se ação principal for improcedente (MENEZES; SANTOS, 2018, p. 109).

Apoiados em tais premissas, os autores concluem que o incidente e a demanda principal devem correr paralelamente, sendo julgados conjuntamente na sentença. Nesse caso, o juiz poderá determinar a autuação da demanda incidental em outros autos, apensos aos principais, mas não deverá suspender o andamento do processo principal ainda em fase cognitiva (MENEZES; SANTOS, 2018, p. 112).

Tratando da matéria no âmbito laboral, Miessa (2018, p. 668) sustenta igualmente que a suspensão do processo é efeito que não se aplica ao IDPJ instaurado na fase de conhecimento de processo trabalhista, já que o art. 799 da CLT impede a instauração de incidentes com efeito suspensivo, salvo as exceções de suspeição, impedimento e incompetência. Ademais, argumenta o doutrinador que o prosseguimento do feito é favorável à economia processual, pois possibilita a prática de atos comuns ao processo principal e ao incidente, como a instrução e a sentença.

Com a devida vênia, em que pese a solidez dos argumentos e o respeitável intento de promover a celeridade e economia processual, diverge-se da posição dos juristas.

Quanto aos argumentos fundados na questão da prejudicialidade, discorda-se da conclusão que aponta a inutilidade do IDPJ resolvido antes da demanda principal julgada improcedente.

É que, como já referido, uma vez decretada a desconsideração na fase cognitiva, os sócios (ou pessoas jurídicas, na desconsideração inversa) passam a compor o polo passivo em litisconsórcio com o devedor original. A improcedência da demanda principal pode resultar justamente da atuação eficaz dos novos integrantes do polo passivo, e será, por certo, de grande utilidade para estes, que assim ficam livres de eventual cobrança.

Na realidade, a finalidade do IDPJ instaurado na fase de conhecimento não é apenas possibilitar a responsabilização dos sócios em caso de futura execução, mas também reconfigurar os elementos subjetivos da ação principal. Adotado este ponto de vista, conclui-se que a conformação dos elementos da ação é questão prejudicial ao julgamento da demanda, e não o contrário, razão pela qual a suspensão do feito principal se faz necessária.

No que se refere aos fundamentos colhidos no campo trabalhista, cabe objetar que o art. 799 da CLT não traz norma geral para a fase de conhecimento ou para os incidentes processuais, mas se limita a regular as exceções no processo do trabalho. Estas, por sua vez, são “defesas indiretas de natureza processual”, com natureza de incidente processual (GARCIA, 2017, p. 913). O IDPJ é tipo de incidente (na verdade, ação incidental), mas não é tipo de exceção, até porque nem mesmo é espécie de defesa, sendo geralmente instaurado pelo polo ativo da ação principal.

Também não socorre a tese a regra celetista do art. 852-G, segundo a qual “serão decididos, de plano, todos os incidentes e exceções que possam interferir no prosseguimento da audiência e do processo [...]”.Primeiro, porque se trata de regra aplicável ao rito sumaríssimo. Segundo, porque, à revelia do dispositivo, há incidentes que, mesmo no rito aludido, não podem ser resolvidos “de plano” em audiência, como o de falsidade e a exceção de suspeição (SAAD, 2016, p. 1268), o que demonstra que a regra não elide hipóteses em que tal efeito é insuperável.

Mesmo que se entenda que o art. 799 ou o art. 852-G da CLT regulam os incidentes na fase de conhecimento trabalhista, vedando, como regra geral, o efeito suspensivo, ainda assim seria preciso reconhecer que o art. 134, §2º do CPC traz exceção válida e compatível com o processo do trabalho, diante da necessidade de evitar tumulto processual e insegurança jurídica resultantes da atuação do sócio como parte “precária” no processo principal, decorrente da intensa instabilidade do seu status processual enquanto o incidente não for julgado.

Em acréscimo, há de se ressaltar que a instauração do IDPJ na fase de conhecimento é uma faculdade da parte, a quem cabe avaliar as vantagens e os prejuízos de sua estratégia processual, assumindo-os simultaneamente.

Conclui-se, pois, que o efeito suspensivo previsto no art. 134, §2º do CPC é não apenas útil e eficaz no processo comum, mas também aplicável ao IDPJ trabalhista, mesmo na fase de conhecimento[18]. Mais do que isso, é um direito da parte que integra a demanda (BARBA FILHO, 2018, p. 197).

Por outro lado, assiste razão a Miessa (2018, p. 668) quando defende a possibilidade de suspensão apenas parcial na fase de execução, quando for possível efetuar atos constritivos em face de outros devedores ou responsáveis, que não aqueles atingidos pela superação da personalidade jurídica.

A suspensão parcial na execução é hipótese aplicável ao processo comum. Contudo, vislumbra-se sua especial relevância no processo do trabalho, por serem corriqueiras as situações de responsabilização subsidiária de tomadores de serviço, que assim poderão ter seu patrimônio atingindo ao mesmo tempo em que se busca a desconsideração da personalidade jurídica do devedor principal.

ADAPTAÇÕES DERIVADAS DA ADOÇÃO DA TEORIA MENOR

Outras adaptações decorrem do fato de que prevalece, na seara laboral, a adoção da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica. Sua disseminação se justifica pela hipossuficiência do empregado, inclusive no campo probatório, que o coloca em situação equiparada à do consumidor, ensejando a aplicação subsidiária do art. 28 do CDC. Além disso, a formulação menos exigente adequa-se à informalidade do processo do trabalho e à natureza privilegiada do crédito trabalhista, que demanda o reforço da sua garantia e a máxima efetividade do processo de execução.

Não se ignora que a teoria maior é hoje prevalecente no ordenamento jurídico brasileiro, a ponto de Coelho (2016, p. 71) passar a nominá-la “aplicação correta” e considerar que se encontra superada a classificação por ele formulada em 1999, já que a teoria menor (“aplicação incorreta”) teria sido abandonada pela jurisprudência.

Em que pese a respeitabilidade da posição do renomado jurista, a consolidação da teoria maior não elide as normas fundadas na teoria menor, ainda vigentes, a exemplo do §5º do art. 28 da Lei 8.078/90. Ademais, é inegável que no campo laboral a teoria objetiva possui contundente ressonância, sendo albergada por parcela majoritária da doutrina e adotada em inúmeros julgados das mais diversas cortes trabalhistas.

Veja-se o cenário trazido por Schiavi, que prefere a expressão “teoria objetiva”:

Atualmente, a moderna doutrina e a jurisprudência trabalhista encamparam a chamada teoria objetiva da desconsideração da personalidade jurídica que disciplina a possibilidade de execução dos bens do sócio, independentemente de os atos deste violarem ou não o contrato, ou haver abuso de poder. Basta a pessoa jurídica não possuir bens para ter início a execução aos bens do sócio (SCHIAVI, 2018a, p. 151).

Não se olvide que o direito do trabalho ostenta autonomia científica, conformada pela presença de princípios, finalidades e institutos próprios, complementada ainda pela autonomia doutrinária. Logo, mesmo que a teoria menor seja depreciada pelos cultores do direito empresarial, porque incompatível com seus preceitos basilares, tal reclamo não abala sua importância no campo laboral, porque não elide a perfeita adequação da acepção aos fundamentos do direito do trabalho. É legítimo, pois, que a teoria menor continue a ser estimada e desenvolvida pela ciência jurídica trabalhista, especialmente quando incrementa a tutela de direitos fundamentais neste campo.

A novidade do art. 855-A da CLT, diante da sua natureza processual, não deve alterar esse panorama, que deriva da lacuna existente no direito material trabalhista. O direito do trabalho continua carente de regramento que detalhe requisitos para a superação da personalidade jurídica. Neste quadro, o julgador continuará a se socorrer do art. 28, caput e §5º do CDC, que mais bem atende aos imperativos do direito do trabalho (art. 8º, §1º da CLT e arts. 769 e 889 da CLT c/c art. 15 do CPC).

Diante de sua natureza instrumental, cabe ao processo amoldar-se ao direito material que busca concretizar. Como consequência da encampação na área laboral da teoria simplificada, e em razão da especial celeridade exigida da tutela trabalhista, defende-se que a instauração do IDPJ nessa área receba uma quarta adequação: logo na manifestação que impulsiona a execução (art. 878 da CLT) poderá o exequente adiantar o pedido pela aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no momento futuro em que verificada a frustração da execução. Tal petição suprirá a exigência do caput do art. 133 do CPC, ainda que condicionada a evento futuro.

De fato, por restar inexigível a comprovação pelo exequente de desvio de finalidade ou confusão patrimonial como requisitos para a instauração do incidente (art. 50 do Código Civil), não se justifica, na maioria dos processos trabalhistas, a vindicação de petição específica que demonstre o preenchimento dos pressupostos legais para desconsideração da personalidade jurídica (art. 134, §4º do CPC).

Deste modo, sustenta-se que a petição que promove a execução poderá trazer consigo o pedido para aplicação futura do IDPJ. Nesse caso, a citação do terceiro para manifestação no prazo de 15 dias será promovida pelo juiz no momento oportuno, após o insucesso dos atos de execução praticados contra o devedor original, sem necessidade de novo requerimento do exequente nesse sentido, vez que a inércia do juízo de execução já terá sido rompida.

Havendo inércia do exequente, o magistrado poderá, ainda, atuar no sentido de intimá-lo para, querendo, pedir a instauração do incidente, de modo a evitar a prescrição intercorrente[19].

Perceba-se que nestas situações a regra que veda a desconsideração da personalidade ex officio não é elidida, mas a exigência de requerimento específico é relativizada em prol da simplicidade e da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII da CRFB).

A quinta particularidade refere-se à utilidade da instrução, que resta mitigada no incidente instaurado em processo trabalhista. Isso porque geralmente não haverá pressupostos legais a serem comprovados pelas partes. O único requisito costuma ser o fracasso da execução contra o devedor original, que se conforma nos próprios autos e pode ser verificado diretamente pelo magistrado. No processo trabalhista, portanto, a instrução será muitas vezes dispensada.

O sexto ajuste está ligado ao ônus da prova. Diante da conformação do requisito legal nos próprios autos da reclamação trabalhista (frustração da execução), na maioria dos casos, não se exige do exequente o ônus de demonstrá-lo (art. 134, §4º do CPC). Caberá, então, aos terceiros responsáveis o ônus da prova da não configuração do requisito legal (art. 818 da CLT c/c art. 373 do CPC), comprovando em instrução, por exemplo, que o devedor original não é insolvente e possui bens penhoráveis.

Perceba-se que o §4º do art. 134 do CPC tem menor utilidade no IDPJ do processo trabalhista, chegando Teixeira Filho (2017, p. 178) a sustentar a inaplicabilidade do parágrafo na seara laboral.

Pensa-se, contudo, que o dispositivo é útil para orientar o pedido de penetração da personalidade quando feito antes mesmo da frustração da execução, cabendo ao interessado, nesse caso, fazer prova da insolvência da pessoa cuja personalidade se pretende desconsiderar.

Também se aplica para as hipóteses de incidência da teoria maior (art. 50 do CC), a exemplo das ações oriundas de relação de trabalho diversa da relação de emprego ou trabalho avulso[20], inclusive a execução fiscal de multas administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho, quando caberá à União comprovar o abuso da personalidade jurídica caracterizada pelo desvio da finalidade ou confusão patrimonial[21].

5.5. IMPORTAÇÃO DO ART. 792, §3º DO CPC

A sétima adaptação é a importação do art. 792, §3º do CPC, segundo o qual, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.

É que o caput do art. 855-A da CLT, ao dispor sobre a aplicação subsidiária dos arts. 133 a 137 do CPC, disse menos do que pretendia, pois almejava a importação de todas os dispositivos que regulam o incidente.

A partir desta interpretação extensiva, também a regra do art. 792, §3º do CPC deve indicar o marco inicial para verificação da fraude à execução trabalhista. Do contrário, a simples incidência do art. 137 poderia levar à adoção, como marco inicial para apuração da fraude à execução, do momento da decisão que resolve o IDPJ, solução indesejada que tornaria o crédito trabalhista menos protegido contra fraudes do que o crédito comum.

5.6. CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS

Relevante aludir, por fim, à necessidade de adequação do incidente a um outro aspecto da sistemática recursal trabalhista, concernente ao cabimento de Mandado de Segurança (que não é recurso, mas é utilizado como se fosse) em face de decisões interlocutórias.

Adotada esta premissa, é possível defender o cabimento do writ como remédio contra a decisão que decidir a tutela de urgência de natureza cautelar no IDPJ, ou que promover a superação da personalidade jurídica sem instaurar previamente o incidente, entre outras.

Convém advertir, contudo, que o cabimento do Mandado de Segurança é excepcional, acatado apenas quando se estiver diante de decisões judiciais teratológicas ou flagrantemente ilegais. A própria utilização do mandamus como sucedâneo recursal é criticável, por não ser essa sua finalidade constitucional (SCHIAVI, 2018b, p. 281). Exige-se vício grave (ilegalidade ou abuso de poder), a ponto de restar evidente a ofensa a direito líquido e certo (art. 5º, LXIX da CRFB).

No caso da desconsideração da personalidade efetivada de ofício e sem a prévia instauração do incidente, é mais adequado o manejo de embargos de terceiro pelo interessado, com supedâneo na aplicação subsidiária do art. 674, §2º, III do CPC.

Entretanto, considera-se admissível igualmente a impetração de mandado de segurança, já que o ato impugnado pode gerar prejuízos imediatos e irreparáveis ao lesado[22]. Nesse caso, a decisão será flagrantemente ilegal se proferida após a vigência da Lei nº 13.467/17 (Reforma Trabalhista), por ofensa direta ao art. 855-A da CLT c/c art. 795, §4º do CPC, dando ensejo à impetração do remédio constitucional pela parte prejudicada. Por outro lado, a mesma decisão, se proferida antes de 11/11/2017, será de legalidade duvidosa, o que afasta o cabimento do writ, ensejando tão somente a oposição dos embargos de terceiro.

Na mesma toada, como regra, não será cabível o mandado de segurança em face da decisão interlocutória que, na fase de cognição, acolher ou rejeitar o IDPJ. Fica ressalvada, porém, a hipótese de combate às decisões com ilegalidade “chapada”, a exemplo daquela que acolher o incidente sem a prévia oitiva dos sócios, sendo esta a oitava e última adaptação ora divisada[23].

ENTRAVES PROVOCADOS PELO ART. 855-A DA CLT

Observadas as peculiaridades acima apontadas, crê-se que o transporte do incidente de desconsideração da personalidade jurídica para o processo do trabalho avançará no sentido de alcançar o equilíbrio entre o direito ao contraditório dos responsáveis patrimoniais secundários e a exigência de efetividade e celeridade do processo do trabalho.

Contudo, mesmo com as adaptações, é inegável que o art. 855-A da CLT burocratiza e reduz a efetividade deste procedimento que tem sido responsável pela solução de inúmeras demandas trabalhistas.

O IDPJ revela-se prejudicial à efetividade da execução, verbi gratia, ao facilitar a ocultação de patrimônio pelos sócios de má-fé quando antecipa o contraditório. Este era antes diferido ou postergado, porque exercido no bojo dos embargos à execução ou exceção de pré-executividade (ou ainda embargos de terceiro, a depender do entendimento), muitas vezes já precedido da constrição de valores aptos a garantir integralmente a execução.

De outra ponta, o prazo para defesa do responsável secundário agora é de 15 dias. Trata-se de prazo extenso, discrepante em relação aos demais prazos processuais trabalhistas e incompatível com a celeridade que deve nortear a execução de crédito alimentar, especialmente diante do fato de que esta permanecerá suspensa. Não custa ainda lembrar que a contagem será em dias úteis (art. 775 da CLT).

A título de comparação, a antiga redação do art. 78, III da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho previa a citação do sócio para que, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, realizasse a indicação de bens da sociedade (artigo 795 do CPC) ou, não os havendo, garantisse a execução, sob pena de penhora, com o fim de habilitá-lo à via dos embargos à execução para imprimir, inclusive, discussão sobre a existência ou não da sua responsabilidade executiva secundária.

Logo, o prazo para manifestação do sócio antes praticado era de 48 (quarenta e oito horas), que poderia se somar a mais 5 dias corridos, contados após a garantia do juízo, caso houvesse oposição de embargos à execução.

Além de ser prazo muito superior ao anteriormente praticado, a recente dilatação não se justifica na maioria dos casos, vez que a matéria alegável pelo sócio no caso de adoção da teoria menor é restrita, se comparada àquela debatida no processo civil.

Ademais, dá-se ensejo a uma situação ilógica: o pedido de desconsideração feito na petição inicial poderá culminar na concessão de apenas 5 (cinco) dias de prazo para contestação pelo sócio incluído no polo passivo na petição inicial, diante da aplicação prática do art. 841 da CLT. De forma contraditória, logo na fase com matéria de defesa mais restrita (execução), fundada em título executivo e norteada pelo princípio da máxima efetividade da tutela executiva este prazo será triplicado para 15 dias[24].

Os problemas acima apontados são reforçados pelo fato de que muitas vezes a citação do sócio é dificultosa, especialmente na fase de execução, complicador que pode atravancar severamente o andamento do feito se o quadro societário do ente moral for numeroso[25].

Outro ponto criticável refere-se à suspensão automática da execução causada pela instauração do incidente, retardando seu trâmite. Semelhante efeito somente era alcançado por meio de decisão judicial. A suspensão da execução, que antes era excepcional, passará a ser regra, porque ope legis.

Cite-se ainda o cabimento imediato de agravo de petição em face da decisão que resolve o IDPJ na fase de execução, sem necessidade de garantia do juízo, o que certamente estimulará a interposição do recurso e postergará a conclusão do feito.

Perceba-se que, deferida a desconsideração e havendo penhora sobre bens do responsável secundário, este, agora na condição de litisconsorte passivo, poderá ainda opor embargos à execução em face do ato de constrição para discutir aspectos outros que não a desconsideração da personalidade. A decisão dos embargos à execução poderá ser posteriormente impugnada por novo agravo de petição e, em certos casos, recurso de revista e agravo de instrumento.

Fica evidente o calvário a que será submetido o credor trabalhista a partir de agora, sendo que antes toda a matéria defensiva era debatida em um único incidente e seus recursos, sequência geralmente iniciada a partir da oposição de embargos à execução com prévia garantia (art. 78, III da Consolidação dos Provimentos da CGJT, com redação anterior à revogação pelo Ato n. 5/GCGJT, de 29 de março de 2016).

Neste cenário de entraves à efetividade do processo, caso seja imperiosa a instauração do incidente, resta ao credor socorrer-se da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 do CPC de 2015, conforme autorização expressa do §2º do art. 855-A da CLT.

Por meio desta, com base em elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, poderá o exequente obter medidas que evitem o perecimento do direito, a exemplo da imediata constrição de valores nas contas dos instituidores, voltando o contraditório a ser diferido em tais circunstâncias. Note-se que, agora, o contraditório postergado, que era regra, é aplicado de forma excepcional.

Mesmo com a previsão do §2º do art. 855-A da CLT, é de se concordar com o parecer de Corrêa (2018, p. 84-85), no sentido de que “doravante, seria de grande valia que a parte autora, já na sua petição inicial, além de demandar a pessoa jurídica, também o fizesse em relação aos sócios, requerendo a desconsideração de logo”, tornando desnecessária a instauração do incidente.

Em acréscimo, a estratégia processual acima sugerida também minimiza, no caso concreto, as discussões quanto ao marco inicial para a configuração de fraude à execução por atos do responsável secundário, vez que a pessoa jurídica devedora e os sócios serão citados no mesmo ensejo. Reduz, igualmente, as dificuldades para citar os instituidores, já que estes muitas vezes desaparecem nas etapas mais avançadas do processo.

Silva (2008, p. 13), em momento anterior ao advento do CPC/15, tece crítica à solução por considerar que “despreza o conceito de personalidade jurídica desenvolvido ao longo de séculos e, ainda, provoca outra dificuldade enorme se, no curso do processo, houver alteração societária”.

Data maxima venia, a crítica quanto ao desrespeito ao instituto da personalidade jurídica apenas se sustenta se os sócios forem incluídos sem justo motivo no polo passivo da reclamação trabalhista em fase cognitiva, equívoco que deve ser combatido com a declaração da ilegitimidade passiva destes. Do contrário, havendo alegações devidamente fundamentadas e provadas, a superação da autonomia patrimonial é forma de preservar o instituto da pessoa jurídica, por coibir seu abuso, conforme escólio de Coelho (2016, p. 64).

Quanto às dificuldades decorrentes de alterações societárias, estas podem ser hodiernamente superadas pela aplicação do art.10-A da CLT e, se for preciso, pela instauração de novo IDPJ na fase de execução, para atingir os novos sócios não incluídos no título executivo.

Barba Filho (2018, p. 193), no mesmo tom, assevera que a estratégia de incluir o pedido de desconsideração na petição inicial parece temerária, vez que: 1) a instrução se torna complexa, o que facilita o julgamento de improcedência do pedido de superação da personalidade por falta de prova, que por sua vez fará coisa julgada em prejuízo do credor;2) a improcedência implicará efeitos para fins de honorários advocatícios.

As razões do jurista são relevantes e devem despertar a necessária cautela na parte que pretende a desconsideração da personalidade jurídica. Apesar disso, permissa venia, em um comparativo entre as estratégias processuais disponíveis, os argumentos não parecem justificar a predileção pela instauração do IDPJ na maioria dos casos trabalhistas.

O primeiro argumento do autor pressupõe que o julgamento pela improcedência do pedido de desconsideração em sentença, ao fazer coisa julgada, impede a ulterior renovação do pleito em sede de incidente processual. Ousa-se discordar de tal amplitude conferida à coisa julgada, pois é viável a repetição do pedido de desconsideração pela via incidental, desde que baseado em nova causa de pedir.

Assim, caso o reclamante se depare com a sentença de improcedência do pedido de superação da personalidade com base na alegação de confusão patrimonial (art. 50 do CC), nada impede que reitere o pedido na fase de execução por meio do IDPJ, agora com fundamento na insolvência do devedor (supondo-se caso de aplicação da teoria menor) ou com espeque na prova de desvio de finalidade (aplicação da teoria maior).

Ademais, mesmo que o efeito da desconsideração da personalidade decretada em sentença tenha a amplitude pretendida por Barba Filho, o critério não seria apto a diferenciar as estratégias processuais. Isso porque a decisão do IDPJ, ainda que interlocutória, também faz coisa julgada material, enquadrando-se na hipótese do art. 503 do CPC.

O mesmo raciocínio vale para o argumento quanto aos honorários advocatícios, pois estes serão devidos pelo reclamante também caso o pedido de desconsideração da personalidade jurídica seja veiculado incidentalmente, como já referido linhas passadas.

De qualquer modo, a advertência quanto aos possíveis efeitos negativos do indeferimento da desconsideração, veiculado na petição inicial ou no IDPJ, devem conduzir o advogado à cuidadosa reflexão quanto às peculiaridades do caso concreto, de modo a evitar estratégias processuais açodadas que acabem por prejudicar o cliente.

Em suma, mesmo com todas as adaptações citadas ao longo deste texto, pensa-se que, na maioria dos casos, a melhor opção para o credor trabalhista será evitar a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica sempre que possível, veiculando a pretensão já na petição inicial.

Pela leitura do art. 855-A da CLT, a importação do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica para o processo do trabalho deverá sofrer duas adaptações expressas: 1) na fase de cognição, não cabe recurso de imediato da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente, na forma do §1º do art. 893 da CLT; 2) na fase de execução, cabe agravo de petição, independentemente de garantia do juízo.

Ademais, cabe agravo interno se proferida pelo relator em incidente instaurado originariamente no tribunal, restando mantida, em essência, a regra do parágrafo único do art. 136 do CPC nesse ponto.

Além das conformações mais tranquilas acima referidas, a imperiosa adequação do IDPJ às peculiaridades do processo do trabalho (arts. 769 e 889 da CLT c/c art. 15 do CPC) se perfaz por meio da observância de ajustes menos óbvios, abaixo listados:

a) aplicabilidade do incidente a qualquer das situações em que se discutir responsabilidade patrimonial de sócios ou administradores, a exemplo da responsabilização do sócio retirante na forma do art. 10-A da CLT e do sócio “oculto”.

b) aplicabilidade do IDPJ para veicular desconsiderações paralelas e sucessivas, desde que, em relação a estas últimas, observe a gradação das operações e a aplicação da teoria maior.

c) inexigibilidade do IDPJ como requisito para a inclusão de membro de grupo econômico ou do sucedido/sucessor trabalhista no polo passivo da execução.

d) possibilidade de instauração de ofício do incidente pelo juiz quando a reclamação trabalhista tiver sido proposta pela parte sem assistência de advogado, conclusão endossada pela recente IN nº 41/18 do TST.

e) possibilidade de instauração de ofício pelo juiz quando da execução de contribuições sociais (art. 876, parágrafo único da CLT), porém condicionada à iniciativa do credor trabalhista quanto à execução do crédito principal (art. 878 da CLT);

f) possibilidade de suspensão parcial do feito na fase de execução, quando os atos expropriatórios puderem seguir em face de outros devedores ou responsáveis, que não aqueles atingidos pela desconsideração.

g) faculdade de o exequente requerer, já na petição que dá início à execução, a futura instauração do incidente no momento em que frustrada a execução contra o devedor original, a ser realizada pelo juiz sem necessidade de novo pedido, desde que no contexto da teoria menor;

h) inexigibilidade de demonstração dos requisitos legais (além da execução frustrada), assim como a desnecessidade da prática de atos de instrução, quando o pedido se embasar na teoria menor;

i) também nos casos fundados na teoria menor, a atribuição do ônus da prova ao terceiro responsável, a quem caberá elidir a presunção quanto à inexistência de bens do devedor original, gerada pela frustração da execução;

j) importação do art. 792, §3º do CPC, estabelecendo que a fraude à execução se verifica a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.

k) cabimento excepcional da impetração de mandado de segurança em face da decisão interlocutória teratológica ou flagrantemente ilegal.

Observadas as peculiaridades acima apontadas, crê-se que o transporte do incidente de desconsideração da personalidade jurídica para o processo do trabalho avançará no sentido de alcançar o equilíbrio entre o direito ao contraditório dos responsáveis patrimoniais secundários e a exigência de efetividade e celeridade do processo do trabalho.

Tais ajustes não afastam, porém, os entraves gerados pelo IDPJ, razão pela qual, na maioria dos casos, a melhor estratégia para o credor trabalhista ainda parece ser evitar a instauração do incidente, pedindo a superação da personalidade jurídica já na petição inicial, desde que devidamente fundamentado o pedido e sopesados os riscos processuais com base nas peculiaridades do caso concreto.


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Notas

[1] O objetivo é explicitado na Justificativa do Projeto de Lei nº 6.787/2016 (TEIXEIRA FILHO, 2017, p. 175).

[2] Farias e Rosenvald (2017, p. 489 e p. 501), a exemplo de outros doutrinadores, limitam a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica ao âmbito de processos judiciais, atribuindo-lhe a reserva de jurisdição. Entretanto, há expressa previsão de aplicação do instituto em processo administrativo no art. 14 da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013 (Lei Anticorrupção). Antes mesmo do advento desta norma, o Tribunal de Contas da União já vinha aplicando o instituto em processos administrativos. Escorava-se, para tanto, na teoria dos poderes implícitos, assim como no princípio constitucional da moralidade administrativa (art. 37, caput da CRFB). Quanto ao reconhecimento do poder para aplicação da Disregard Doctrine pelo TCU, confira-se o julgado da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça no processo RMS 15166/BA, de Relatoria do Ministro Castro Meira (DJ 08.09.2003, p. 262). No âmbito do Supremo Tribunal Federal, cite-se a decisão monocrática do Ministro Celso de Mello no MS 32494 MC/DF (DJ 11.11.2013).

[3] O estudo das desconsiderações múltiplas não é corriqueiro na doutrina brasileira e, quando empreendido, costuma se limitar a um único tipo de encadeamento, que recebe a denominação genérica de “desconsideração sucessiva”. Nessa linha, Figueiredo (2006, p. 12) sustenta que “o instituto da desconsideração pode ser aplicado de forma sucessiva, incidindo inicialmente a sua faceta direta, e posteriormente a indireta”.  Como se vê, o autor usa o termo com sentido mais restrito do que aquele empregado no presente trabalho, aludindo apenas à desconsideração sucessiva heterogênea do tipo “direta-inversa”. Já Bianqui (2010, p. 51) associa o termo ao “caso de sucessivas insolvências de sociedades” (grifos no original), referindo-se, pois, à desconsideração sucessiva homogênea do tipo “direta-direta”. Por seu turno, Silva (2008, p. 22) alude às duas situações, mas chama de desconsideração sucessiva apenas a segunda (tipo “direta-direta”), até porque rechaça o cabimento da primeira hipótese. Como se vê, a terminologia adotada pela doutrina não é consensual nem abrange todas as possibilidades de interações entre as operações, motivo pelo qual se optou por elaborar classificação e terminologia próprias. 

[4] O termo “empresa” é polissêmico e será utilizado aqui e em diversas passagens deste trabalho para designar a pessoa jurídica que desenvolve atividade empresarial.

[5] Adota-se, aqui, a terminologia de Farias e Rosenvald (2017, p. 490-491), que usa a expressão “teoria maior” com a subdivisão em “objetiva” e “subjetiva” para se referir à dispensa ou exigência do elemento anímico. Ulhoa (2016, p. 69) traz enfoque ligeiramente distinto, considerando que a formulação subjetiva é autorizada pela fraude e o abuso de direito, enquanto a objetiva se fia na confusão patrimonial, de modo que “a importância dessa diferença está ligada à facilitação da prova em juízo”.

[6] Nesse caminhar é a doutrina de Neves (2016, p. 308) e Barba Filho (2018, p. 199), ambos claros ao afirmar a natureza jurídica de incidente processual, e não processo incidente.

[7] Em que pese a natureza de demanda incidental, adota-se neste texto a expressão “incidente” para prestigiar a denominação utilizada pelo legislador.

[8] O texto legal do art. 134, §4º assevera que o requerimento deve “demonstrar” o preenchimento dos pressupostos legais, ensejando o entendimento de que é exigida prova pré-constituída. Concorda-se, porém, com a posição de Daniel Amorim Assumpção Neves, no sentido de que o requerente não deve demonstrar, “mas apenas alegar o preenchimento dos requisitos legais para a desconsideração, tendo o direito a produção de prova para convencer o juízo de sua alegação” (NEVES, 2017, p. 238). O dispositivo reforça, entretanto, o entendimento de que o ônus de provar o abuso de personalidade é daquele que requer a desconsideração da personalidade, por ser fato constitutivo do seu direito (art. 373, I do CPC).

[9] Enunciado 125 do VIII Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC: “Há litisconsórcio passivo facultativo quando requerida a desconsideração da personalidade jurídica, juntamente com outro pedido formulado na petição inicial ou incidentemente no processo em curso”.

[10] No mesmo sentido, ainda que lamentando a opção legislativa, é a posição de Neves (2017, p. 239). Em sentido contrário manifestam-se Marinoni; Arenhart e Mitidiero (2017, p. 280), considerando ser necessária também a intimação da pessoa jurídica cuja personalidade poderá ser desconsiderada.

[11] Atualmente o art. 78 foi reinserido na Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho pelo Ato n. 10/GCGJT, de 18 de agosto de 2016, sofrendo, porém, total reformulação, de modo que não mais cuida da procedimentalização da desconsideração da personalidade jurídica.

[12] Neves (2017, p. 1286) e Bueno (2016, p. 178) seguem a mesma orientação. É esse também o entendimento cristalizado no Enunciado 52 da ENFAM: “A citação a que se refere o art. 792, § 3º, do CPC/2015 (fraude à execução) é a do executado originário, e não aquela prevista para o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 135 do CPC/2015)”. Já Theodoro Júnior (2017, p. 336) representa a corrente divergente, que sustenta que o marco inicial é a citação do terceiro responsável, prevista no art. 135 do CPC.

[13] Confira-se, por todos: CLAUS, Bem-Hur Silveira. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no CPC/2015 e o direito processual do trabalho. Revista LTr: Legislação do Trabalho. São Paulo, v. 80, n. 1, p. 70-86, jan., 2016.

[14] Desde o cancelamento da Súmula 205 do TST, em 2003, é tranquila a possibilidade de execução do responsável solidário integrante de grupo econômico que não consta no título executivo judicial como devedor. A dúvida que surge com as recentes alterações legislativas é quanto à necessidade de instauração do IDPJ para a referida responsabilização.

[15] Em direção contrária, Bueno (2016, p. 177) defende que até mesmo a ocorrência de hipótese como a do art. 2º, §2º da CLT merece ser constada por meio do incidente em tela. 

[16] Cabe esclarecer que o IDPJ pode ser utilizado nos tribunais trabalhistas tanto nas ações de competência originária quanto naquelas que se encontram em grau recursal, cabendo o agravo interno em qualquer dos casos, de modo idêntico ao que se dá no processo civil. A expressão “originariamente”, portanto, diz respeito ao momento de instauração no IDPJ, e não ao tipo de competência dos tribunais.

[17] Vale lembrar que, em sentido contrário, Silva (2017, p. 164) sustenta ser inaplicável o IDPJ às execuções fiscais em curso na Justiça do Trabalho, vez que desnecessário, diante da previsão do art. 135 do CTN. Concorda-se, porém, com a cátedra de Cunha (2017, p. 422), para quem o incidente deve ser instaurado não apenas nos casos de desconsideração propriamente dita, mas também nos casos de responsabilidade do sócio, a exemplo das hipóteses previstas nos arts. 134, VII e 135, III do CTN. Cássio Scarpinella Bueno (2016, p. 177) corrobora o entendimento. A peculiaridade, na Justiça do Trabalho, será a possibilidade de instauração de ofício.

[18] Segue a mesma orientação a posição de Corrêa (2018, p. 86), para quem “sendo o incidente provocado no curso do processo de cognição, haverá a suspensão do feito e a citação dos interessados, pessoa jurídica ou física, no prazo de 15 (quinze) dias, inclusive para produzir provas, tudo sob o olhar atento do art. 135 do CPC”.

[19] Schiavi (2018a, p. 159) defende a mesma possibilidade, com espeque no princípio da cooperação previsto no art. 6º do CPC.

[20] Leite (2016, p. 406) defende ser inaplicável a teoria menor nessas hipóteses, razão pela qual, mesmo antes da reforma, já sustentava que o IDPJ previsto no NCPC seria aplicável às ações inseridas na competência da Justiça do Trabalho pela EC nº 45/2004, porém incompatível com as execuções de créditos de natureza alimentícia em ações oriundas da relação de emprego.

[21] Quanto à prevalência da teoria maior nesse caso: AIRR - 1557-78.2014.5.02.0057, Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 17/05/2017, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/05/2017.

[22] Vólia Bomfim Cassar aparentemente defende o cabimento do mandamus como única solução, vez que não faz referência aos Embargos de Terceiro: “Se o julgador desconsiderar a personalidade jurídica sem instaurar o incidente, impedindo a ampla defesa e deixando de suspender o processo, caberá mandado de segurança se praticado na fase de execução, por não ter recurso próprio contra esta decisão” (CASSAR; BORGES, 2018, p. 153).

[23] Portanto, diverge-se, ainda que em pequeno grau e com a devida vênia, da posição de Corrêa (2018, p. 84), para quem, na fase cognitiva, fica “afastada qualquer possibilidade de se manejar o Mandado de Segurança, o que retardaria ainda mais a decisão de mérito, o que criaria verdadeiro embaraço à duração razoável do processo”.

[24] É defensável a tese de que a inadequação do prazo do art. 135 do CPC/15 gera lacuna no processo laboral, o que viabilizaria a aplicação, pelo juiz, da regra trazida para os embargos à execução (art. 884 da CLT), com adoção por analogia do prazo de 5 dias para defesa no incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Entende-se, porém, que a modificação de prazo peremptório pelo magistrado é medida que extrapola os limites hermenêuticos dos arts. 8º, 765 e 769 da CLT, além de causar insegurança jurídica, restando ao legislador a tarefa de corrigir o equívoco.

[25] Como forma de atenuar o prejuízo, defende-se ser possível ao credor pretender que a penetração da personalidade jurídica culmine com a responsabilização de um único sócio, caso julgue que este tem patrimônio suficiente para suportar a dívida. Não é obrigatória, pois, a inclusão de todos os responsáveis secundários no polo passivo do IDPJ, até porque a responsabilidade entre eles é solidária.


Autor

  • Bruno Ítalo Sousa Pinto

    Especialista em Filosofia e Teoria do Direito pela PUC-MG, em Direito do Trabalho e Previdenciário na Atualidade pela PUC-MG e em Direito Civil e Processual Civil pela UCDB-MS. Bacharel em Direito (UFPI). Analista Judiciário, desempenhando a função de Assistente de Juiz no TRT da 16ª Região.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Bruno Ítalo Sousa. Adaptações do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ao processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5649, 19 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70950. Acesso em: 26 abr. 2024.