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Tutela específica dos deveres de fazer e não fazer

Tutela específica dos deveres de fazer e não fazer

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Sumário: 1 Da Jurisdição; 1.1 Conceito, Natureza e Características; 1.2 Das Etapas da Jurisdição; 1.2.1 Etapa Genérica e Abstrata; 1.2.2 Etapa Restrita e Materializada; 1.2.3 Etapa Específica e Eficaz; 2 Da Tutela Jurisdicional; 3 Tutela Jurisdicional Diferenciada; 4 Da Tutela Específica dos Deveres de Fazer e Não Fazer; 4.1 Das Espécies de Sanções; 4.1.1 Sanção Preventiva; 4.1.2 Sanção Restitutória; 4.1.3 Sanção Ressarcitória; 4.1.3.1 Ressarcimento pelo Equivalente Pecuniário; 4.1.3.2 Ressarcimento em Forma Específica; 4.2 Da Natureza do Provimento Jurisdicional que Concede a Tutela Específica; 4.2.1 Da Classificação das Sentenças; 4.3 Dos Mecanismos Processuais de Efetivação da Tutela Específica; 4.3.1 Dos Meios de Coerção Indireta; 4.3.1.1 Da Multa Processual; 4.3.1.2 Natureza e Cabimento; 4.3.1.3 Periodicidade de Incidência; 4.3.1.4 Valor da Multa; 4.1.3.5 Limites Temporais da Multa; 4.3.1.6 Exigibilidade da Multa; 4.3.1.7 Beneficiário da Multa; 4.4 Meios Sub-rogatórios; 4.5 Da Tutela Antecipada.


1 DA JURISDIÇÃO

            1.1 CONCEITO, NATUREZA E CARACTERÍSTICAS

            O termo jurisdição, que etimologicamente significa expressão ou dicção do direito, provem da fusão dos termos latinos juris (direito) e dicitionem (do verbo dicere: ato de dizer ou expressão).

            Chiovenda conceitua a jurisdição como "a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente efetiva" [01].

            Dinamarco define a atividade jurisdicional como a realização de uma "função do Estado, destinada à solução imperativa de conflitos e exercida mediante a atuação da vontade do direito em casos concretos". [02]

            Em complemento aos conceitos de Chiovenda e Dinamarco, Alexandre Freitas Câmara, enfatizando as três funções da atividade jurisdicional (cognitiva, cautelar e executiva) relativamente ao direito material, aduz ser a Jurisdição "a função do Estado de atuar a vontade concreta do direito objetivo, seja afirmando-a, seja assegurando a efetividade de sua afirmação ou de sua realização prática". [03]

            Da análise das conceituações acima transcritas podemos concluir que a jurisdição possui as seguintes características ou atributos essenciais:

            a) estatalidade - A Jurisdição "...é exclusivamente uma função do Estado, isto é, uma função da soberania do Estado". [04] Ao exercer a Jurisdição, o Poder Estatal impõe imperativamente a solução do conflito intersubjetivo que lhe é submetido, e o faz com "fundamento em sua própria capacidade de decidir imperativamente e impor decisões (definição do poder estatal, segundo a ciência política), sem a necessidade da anuência dos sujeitos" [05], que assumem uma posição jurídica de sujeição que os impossibilita de evitar os atos jurisdicionais ou furtar-se à sua eficácia (inevitabilidade da jurisdicção).

            b) substitutividade - O Estado-juiz, ao exercer a atividade jurisdicional, o faz de maneira a substituir a atividade da parte que não observou espontaneamente a norma jurídica aplicável ao caso concreto, afirmando, na tutela cognitiva, qual é a "vontade concreta da lei" (substituição da atividade intelectiva das partes), ou mediante a prática de atos materiais que outorguem ao autor vencedor da demanda o resultado que ele obteria caso o réu tivesse adotado, espontaneamente, o comportamento previsto pelo ordenamento jurídico. Para Chiovenda a diferença essencial entre a atividade jurisdicional e a administrativa reside justamente nessa característica, presente na primeira e ausente na segunda. Para impor imperativamente à parte vencida os efeitos decorrentes do exercício da jurisdição em um dado caso concreto, o Estado-juiz se substitui à parte na atividade cuja prática é determinada pelo Direito, ou que só pode ser exercida pela via jurisdicional [06].

            c) inevitabilidade - Conseqüência direta e óbvia da inserção da jurisdição no campo do poder estatal é a sua inevitabilidade, que outra coisa não é senão a inevitabilidade do próprio poder estatal como um todo, proclamada pela ciência política. O poder estatal não é exercido na medida em que o desejem ou aceitem os particulares, mas segundo os desígnios e decisões do próprio Estado, expressos pelos agentes regularmente investidos. A relação de autoridade e sujeição, existente entre o Estado e os particulares, é o fator legitimante da inevitabilidade do poder estatal e do seu exercício [07].

            d) definitividade (imunidade) - "Das funções realizadas pelo Estado, é a jurisdição a única dotada do predicado da definitividade, caracterizado pela imunidade dos efeitos dos atos realizados [08]".

            Para o direito romano, onde podemos encontrar os antecedentes históricos mais próximos da concepção atual da jurisdição – assim entendida como o poder/dever função do Estado de fazer atuar o direito material ao caso concreto, pondo fim a uma determinada situação conflituosa - advinda após o surgimento do Estado Democrático Contemporâneo, cujo marco histórico foi a Revolução Francesa, a atividade jurisdicional possuía os seguintes atributos [09]:

__Do - ato de se dar um juiz às partes (dare).

            - Dicom - publicação de uma regra geral em um edito (dicere) – ato de atribuir a posse provisória da coisa litigiosa a uma da partes (dicere vindictas).

            - Addico - decisão final da causa com o reconhecimento do direito em favor de uma das partes (addicere).

            - Addicere - ato dizer o direito, equivale também a um poder de mando de caráter imperativo (imperim) de fazer cumprir o decisum.

            A jurisdição moderna, cujo exercício é cometido pelo Estado Democrático de Direito ao Poder Judiciário, prescinde dos dois primeiros atributos da jurisdição romana, eis que, tanto a escolha do órgão jurisdicional que irá julgar uma dada demanda, quanto as regras reguladoras da atividade jurisdicional, são previamente fixadas em caráter abstrato e genérico pelo ordenamento jurídico. No entanto, o addico e o addicere mantêm-se como atributos da jurisdição hodierna, eis que à função jurisdicional compete, além da declaração do direito aplicável ao caso concreto, a realização prática dos efeitos de tal provimento.

            O direito material estabelece quais as relações intersubjetivas que merecem ser tuteladas pelo ordenamento jurídico. Em caso de não cumprimento espontâneo da conduta prevista pelo sistema como devida, é através da jurisdição que o titular do interesse violado pela transgressão obterá o resultado prático idêntico ou equivalente ao que teria se verificado em caso de observância espontânea do direito. Daí dizer-se que a atividade jurisdicional é secundária, "porque, através dela, o Estado realiza coativamente uma atividade que deveria ter sido primariamente exercida, de maneira pacífica e espontânea, pelos próprios sujeitos da relação submetida à decisão" [10] ; e substitutiva, haja vista que, consoante dito alhures, tem como escopo a atuação da vontade da lei ao caso concreto mediante a realização, independentemente do concurso da vontade do demandado - que nesse diapasão é substituída pela vontade do Estado-juiz de fazer atuar o direito objetivo -, que se sujeita aos efeitos decorrentes do provimento jurisdicional.

            Acerca da função jurisdicional como garantidora da observância do ordenamento, Calamandrei nos ensina que [11]:

            Da coercibilidade do direito, fundada no estabelecimento dos meios práticos de garantia jurisdicional mediante os quais a coercibilidade pode, se preciso, transforma-se em coação efetiva, decorre que toda norma jurídica em sua completa formulação não contém apenas um mandado, dirigido aos cidadãos para que observem um certo comportamento no caso em que se verifiquem determinadas circunstâncias previstas como possíveis, mas contém, além disso, explícita ou implicitamente, o anúncio (a praeformata tutela de Vico) daquilo que o Estado fará quando aquele mandado não seja concretamente obedecido; anúncio que depois se transforma na prática em outro mandado, secundário e acessório do primeiro, pelo qual o Estado ordena aos próprios órgãos (jurisdicionais) observar um certo comportamento se continuar sendo desrespeitado o primeiro mandado. Assim, com o fim de poder garantir pela força a observância prática do direito, toda norma jurídica pode, logicamente, descompor-se em um sistema de duas normas complementares, a primeira das quais (chamada norma principal ou primária) se direciona aos cidadãos, enquanto a segunda (normalmente chamada de sancionadora ou sanção) se dirige aos órgãos jurisdicionais do Estado. O nexo que tem lugar entre a norma primária, que estabelece uma regra de conduta para os cidadãos, e a norma sancionadora, que define o procedimento dos órgãos oficiais caso a conduta prescrita não seja observada concretamente, pode-se expressar dizendo que o fato específico legal da norma sancionadora é constituído pela hipótese da inobservância do preceito concreto nascido da norma primária. Observe-se que ao passar do primeiro para o segundo termo desse binômio o mandado contido na norma jurídica muda, por assim dizer, de direção: enquanto o mandado contido na norma primária se orienta à vontade do indivíduo para que ele tenha uma determinada conduta – o mandado contido na norma secundária se destina aos órgãos jurisdicionais para que coloquem em ação contra o indivíduo insubmisso os meios de coação estabelecidos.

            De seu turno, o instrumento de atuação da jurisdição é o processo, que deve ser enfocado sob dois planos que se justapõem: o externo, objetivo, concreto, do procedimento – sucessão coordenada de atos tendentes à solução do conflito de interesses (sentença de mérito) e o interno, subjetivo, abstrato, da relação processual, que se caracteriza pela alternância de situações jurídicas ativas (faculdades, poderes) e passivas (ônus, deveres) vivenciadas pelas partes durante a marcha do procedimento e que determinam quais os atos a serem praticados, seu conteúdo e forma [12].

            1.2 DAS ETAPAS DA JURISDIÇÃO – DA INÉRCIA À EFETIVAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL

            Pode-se dizer, na esteira dos ensinamentos do Professor William Couto Gonçalves [13], que a Jurisdição, exercida, através dos atos que compõem o processo, com vistas à efetivação da tutela jurisdicional, se apresenta - do ponto de vista de sua operacionalidade - sob modos diferentes, de acordo com as etapas desenvolvidas: desde o estado de inércia em que se encontra antes de ser provocada pela propositura da demanda, até a efetivação da tutela jurisdicional - etapas genérica e abstrata; restrita e materializada; e específica e eficaz [14].

            1.2.1 Etapa Genérica e Abstrata

            Antes de ser provocada pela propositura da demanda e sair do estado de inércia em que se encontra (fase pré-operacional), a jurisdição se caracteriza por sua generalidade (possibilidade de submeter aos seus efeitos um número indeterminado de indivíduos) e abstração (potencialidade para incidir sobre uma gama indeterminada de situações conflituosas).

            No seu estágio pré-operacional, podemos dizer que a jurisdição corresponde a um poder/direito do cidadão de invocar a tutela jurisdicional, cuja contrapartida corresponde ao poder/dever/função do Estado-juiz - decorrente da soberania nacional - de atuar o direito objeto nos casos concretos levados a julgamento [15].

            1.2.2 Etapa Restrita e Materializada

            A partir do momento em que a jurisdição é provocada com a apresentação da demanda ao juiz – ou excepcionalmente, ex officio – (fase operacional), ela sai do estado de inércia, generalidade e abstração no qual se encontrava para tornar-se restrita (a) às partes que figurarem no pólo ativo e passivo da demanda deduzida em juízo – ou, extraordinariamente, a todos ou a alguns dos titulares dos interesses em jogo, mesmo que não façam parte da relação processual (v.g. substituição processual, legitimidade autônoma do ministério público para a defesa de interesse meta-individuais - e (b) à situação fática afirmada pelo demandante; materializando-se nos atos que se sucedem no iter procedimental consubstanciador do processo [16].

            A etapa operacional da jurisdição tem como termo inicial a propositura da demanda - que pode se dar por iniciativa da parte ou ex officio -, encerrando-se com o trânsito em julgado da sentença, devendo desenvolver-se com observância das seguintes garantias constitucionalmente asseguradas: direito de acesso à jurisdição; direito ao juiz natural, independente e imparcial; direito à subministração de todas as provas imprescindíveis à elucidação do fato; direito à observância das formas e dos prazos; direito ao tratamento paritário; direito à ampla defesa; e a decisões fundamentadas [17].

            1.2.3 Etapa Específica e Eficaz

            No que pertine ao estágio ou fase pós-operacional da jurisdição, William Couto Gonçalves leciona que [18]:

            A terceira etapa compreende o momento em que, trabalhada nos limites restritos do processo que se instaurou e que a garantiu operacionalizada, responde ao pedido (contencioso ou voluntário) tornando-se assim específica daquele caso e fazendo-se eficaz na medida em que atua na situação de fato que a fez provocada (destaques nossos).


2 DA TUTELA JURISDICIONAL

            Marinoni [19] encara o significado do termo tutela jurisdicional sob dois enfoques: o da técnica processual – "conjunto de meios processuais estabelecidos para que o resultado do processo possa ser obtido"; e o da efetividade ou eficacidade do processo - o resultado que o processo proporciona no plano do direito material" (tutela jurisdicional stricto sensu).

            Para os limites do nosso estudo nos deteremos na análise da tutela jurisdicional sob o enfoque da efetividade do processo, reservando a utilização do termo exclusivamente para representar tal concepção.

            A tutela jurisdicional não se confunde com direito de demandar ou direito à administração da justiça decorrente do princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5°, XXXV, da Constituição Federal), o qual por sua vez não se difere substancialmente do direito de petição exercido pelo particular perante a autoridade administrativa (art. 5°, XXXIV, da Constituição Federal), de natureza incondicional; nem tampouco com o direito à prestação jurisdicional - condicionado à existência de certos requisitos (condições da ação) cuja presença é aferida pela análise da relação de direito material assim como deduzida pelo autor (teoria da asserção), que se realiza com o pronunciamento judicial definitivo que soluciona o conflito de interesses trazido a juízo, quer seja ele favorável ao demandante ou ao demandando [20].

            O processo como instrumento de efetivação da atividade jurisdicional deve ter como objetivo a realização prática do direito material aplicável ao caso sub judice. Em caso de improcedência da ação, tal desiderato é alcançado tão-somente pela declaração de inexistência da relação de direito material a ser tutelada. Contudo, na hipótese de procedência da ação tal fim só é alcançado quando o provimento jurisdicional objeto do processo produz no mundo fático os efeitos almejados pelo autor ao deduzir sua demanda [21].

            Nesse sentido, podemos falar que a tutela jurisdicional só é obtida pelo vencedor da demanda (seja ele autor ou réu) e consiste, na hipótese de procedência da ação, na entrega ao demandante do bem da vida por ele postulado (pedido mediato).

            Nesse sentido, Dinamarco [22]:

            Tutela jurisdicional é o amparo que, por obra dos juízes, o Estado ministra a quem tem razão num litígio deduzido em processo. Ela consiste na melhoria da situação de uma pessoa, pessoas ou grupo de pessoas, em relação ao bem pretendido ou à situação imaterial desejada ou indesejada. Receber tutela jurisdicional significa obter sensações felizes e favoráveis, propiciadas pelo Estado mediante o exercício da jurisdição.

            Tanto mais efetiva será a tutela jurisdicional quanto mais a atuação do Estado-juiz seja apta a proporcionar ao "titular do interesse juridicamente protegido" o resultado prático que mais se identifica com o que seria obtido com a observância espontânea do ordenamento jurídico por parte do réu [23].

            Efetividade da tutela jurisdicional significa a maior identidade possível entre o resultado do processo e o cumprimento espontâneo das regras de direito material. Ou seja, a parte somente necessita pedir a intervenção estatal se não houver satisfação voluntária do direito. Espera-se, pois, que essa atuação possa proporcionar ao titular do interesse juridicamente protegido resultado idêntico, ou, pelo menos semelhante, àquele previsto no ordenamento substancial e não obtido em decorrência da inobservância de uma conduta imposta pela lei.

            Marcelo Lima Guerra, citado por Bedaque, leciona que [24]:

            A tutela jurisdicional se revela efetiva, ou eficaz, quanto menor for, dentro dos limites do praticamente possível, a diferença entre o resultado que ela proporciona à parte vitoriosa e o resultado que esta última obteria, em face do ordenamento jurídico, se não tivesse recorrido ao processo para obter esse mesmo resultado (p.10).

            Portanto, é lícito concluir que a entrega da tutela jurisdicional ao titular do interesse juridicamente protegido pela norma material constitui-se em uma função/poder/dever de prestação a cargo do Estado-juiz que decorre de seu compromisso com a dignidade da pessoa humana e com a satisfabilidade dos direitos fundamentais constitucionalmente assegurados.

            Nesse diapasão, William Couto Gonçalves aduz que [25]:

            Imprósperos seriam os discursos em torno dos direitos fundamentais com vistas à criação de princípios objetivos de respeitabilidade da dignidade humana, se descurasse o estado de prover o cidadão do direito, como a jurisdição, de fazer valer tais princípios, caso inobservados no plano coexistencial com interferência intersubjetiva.

            À guisa de conclusão deste capítulo, podemos afirmar que para que tutela jurisdicional – assim compreendida tanto à prestada ao autor, em caso de procedência do pedido, quanto ao réu, na hipótese de improcedência – seja realizada de maneira efetiva, como reclama o princípio fundante da dignidade da pessoa humana e as garantias que lhe são instrumentais (devido processo legal e seus corolários), mister que as etapas nas quais se decompõe a função jurisdicional assegurem:

            (a) em seu estágio pré-operacional - a amplitude de acesso à jurisdição, eliminando-se os óbices à prestação jurisdicional;

            (b) na etapa operacional – a obtenção de um provimento justo, isto é, conforme o direito material, devendo para tanto ser garantido às partes os direitos processuais mencionados no item 3.2;

            (c) na fase pós-operacional – a satisfação do direito material, propiciando, em caso de procedência do pedido, ao demandante o resultado, idêntico ou equivalente, ao que teria se verificado no caso de observância espontânea do ordenamento, através da utilização de mecanismos processuais tais como a antecipação de tutela, a tutela específica dos direitos correlatos aos deveres de fazer, não fazer e dar coisa diversa de dinheiro e a tutela coletiva dos interesses transindividuais, entre outros.


3 TUTELA JURISDICIONAL DIFERENCIADA

            Determinadas relações jurídico-substanciais, cujo conteúdo estabelece um dever que corresponde à realização ou abstenção de um ato a cargo do "devedor", ou na entrega de um bem que não seja dinheiro, demandam uma tutela diferenciada, eis que a tutela condenatória, concebida tradicionalmente com a função "de conferir ao vencedor o poder de instaurar a execução, impondo ao demandado vencido uma prestação de dar, fazer ou não-fazer" [26], consubstanciada no binômio condenação-execução não representa uma resposta eficaz e adequada a tais relações de direito material, porquanto não realiza o escopo precípuo e imediato do processo plasmado na máxima Chiovendiana, segundo a qual "o processo deve dar quanto for possível praticamente, a quem tem um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha o direito de conseguir. [27]

            A inadequação da tutela condenatória clássica consubstanciada no binômio condenação-execução para a proteção a direitos subjetivos decorrentes de relações substanciais cuja natureza dos deveres impostos - pela lei ou pelo negócio jurídico - à parte que ocupa o pólo passivo dessa relação, demandam mecanismos processuais diferenciados para sua efetivação. Tal exigência decorrente da natureza da sanção (assim entendida como "toda e qualquer medida estabelecida pelo ordenamento para reforçar a observância de suas normas e remediar os efeitos da inobservância") [28]

            Isso porque, em tendo a jurisdição como escopo solucionar imperativamente os conflitos intersubjetivos mediante a atuação da vontade da norma jurídica aplicável ao caso concreto [29], não se pode admitir a impossibilidade de o ordenamento instituir mecanismos aptos a sujeitarem o "devedor" - quer seja através da coerção indireta, quer seja por intermédio da utilização de meios sub-rogatórios da conduta que se constitui no dever cujo cumprimento se exige – aos efeitos que seriam produzidos pelo adimplemento, sob pena de, na prática, facultar-se ao "devedor" a opção entre o cumprimento da vontade concreta da lei e o ressarcimento do seu equivalente monetário, tornando possível a "expropriação de direitos por quem se dispusesse a pagar por eles" [30].

            Convém frisar, ainda, que direitos há, como os chamados de segunda e terceira geração, cuja lesão não pode ser reparada pela imposição ao transgressor do pagamento do equivalente monetário, eis que tais direitos (direito à saúde, educação, higidez do meio ambiente, etc.), por não serem passíveis de aferição econômica, não se revestem de natureza patrimonial.

            Anteriormente às inovações legislativas indicadas no parágrafo anterior, somente havia previsão normativa expressa da tutela específica do(s) direito(s) do "credor" quando se tratasse de compelir o "devedor" ao cumprimento de uma obrigação de emitir uma declaração de vontade constitutiva de um determinado negócio jurídico. Tal modalidade de tutela jurisdicional era implementada mediante a obtenção do resultado prático equivalente produzido pelo provimento jurisdicional de mérito, que supriria a declaração de vontade sonegada.

            O presente trabalho restringir-se-á ao exame da tutela específica consignada nos artigos 461 e 461-A do Código de Processo Civil.


4 DA TUTELA ESPECÍFICA

            Atento à necessidade de aparelhar o processo de mecanismos preordenados à obtenção do resultado prático equivalente à situação jurídica que se verificaria caso o direito material tivesse sido observado espontaneamente pelo "devedor" através da realização da conduta (dever de fazer, não fazer e de dar coisa certa diversa de dinheiro) imposta pelo direito material, o legislador, que já havia, na época da edição do Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990), instituído a tutela específica do direito do "credor" de exigir o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes de relação de consumo (art. 84), inseriu no ordenamento processual positivo, por meio da alteração do art. 461 do Código de Processo Civil operada pela Lei n° 8.952, de 13 de dezembro de 1994, a tutela específica para o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes das relações de direito material não consumerista. Mais recentemente, a Lei n° 10.444, de 07 de maio de 2002, que acrescentou ao Código de Processo Civil o artigo 461-A, estendeu a aplicação dos mecanismos instituídos para a obtenção da tutela específica para solução de conflitos de interesses que tenham como objeto a entrega de coisa que não seja dinheiro.

            Doravante o termo tutela específica será utilizado para indicar o resultado a ser obtido no plano do direito material proporcionado pelo provimento jurisdicional que aplica a sanção, "determinando" o cumprimento in natura do dever imposto ao demandado pelo ordenamento, mediante a utilização de mecanismos processuais preordenados para tal fim.

            4.1 DAS ESPÉCIES DE SANÇOES

            Antes de analisarmos os meios de efetivação da tutela específica, mister que se proceda antes à delimitação do conceito de sanção e a enumeração de suas espécies que serão adotados como premissas do presente trabalho.

            Sanção, segundo Talamini consiste na "medida estabelecida pelo ordenamento para reforçar a observância de suas normas ou remediar os efeitos da inobservância" [31]. Esta definição é mais abrangente do que a que fornece Barbosa Moreira, que conceitua a sanção como "conseqüência de conduta antijurídica" [32], eis que considera possível a atuação da sanção antes de violado o direito material, como reforço do dever imposto a todos de cumprirem voluntariamente os comandos normativos.

            Dos diversos tipos de comandos sancionatórios elencados por Talamini, a análise de três deles se mostra relevante para o nosso estudo: sanção preventiva, restituitória e ressarcitória, que pode se dar pelo equivalente em dinheiro ou em forma específica.

            4.1.1 Sanção Preventiva

            São aqueles comandos que se "realizam antes que se desenvolva o comportamento do sujeito sancionado" [33], ou seja, atua de forma a evitar que a transgressão do direito material se consume.

            4.1.2 Sanção Restituitória

            Consiste naquela que "tem em mira a obtenção de resultado igual (rectius: o mais próximo possível)" [34], "restabelecendo a situação que era anterior ao ato contrário ao direito ou estabelecendo a situação que deveria estar vigorando caso a norma tivesse sido observada" [35].

            4.1.3 Sanção Ressarcitória

            4.1.3.1 Ressarcimento pelo Equivalente Pecuniário

            Tal modalidade de comando sancionatório tem como escopo "dar ao lesado o valor equivalente ao da diminuição patrimonial sofrida ou o valor equivalente ao do custo para a reparação do dano, ou ainda pode constituir uma sanção contra aquele que agrediu um bem de conteúdo não patrimonial".

            O comando sancionatório consistente no ressarcimento pelo equivalente pecuniário é realizado mediante um provimento jurisdicional de cunho condenatório que autoriza a execução por quantia certa.

            4.1.3.2 Ressarcimento em Forma Específica

            Consiste no estabelecimento em favor do lesado da "situação equivalente àquela que existiria caso o dano não houvesse sido praticado" [36]. Diferencia-se da sanção restituitória pelo fato desta atuar após a consumação da transgressão da norma [37], removendo o ilícito [38], enquanto que o ressarcimento em forma específica "dirige-se contra os danos advindos da transgressão". [39]

            Talamini defende a tese segundo a qual "no sistema brasileiro, a regra geral é a indenização pecuniária dos danos decorrentes de atos ilícitos (C. Civ. de 1916, art. 1.537 e seguintes; C. Civ. de 2002, art. 944 e seguintes)" [40], eis que a "preferência pelo cumprimento específico e a restauração natural" [41] é exceção e que a "regra geral é a da indenização pecuniária dos danos decorrentes de atos ilícitos" [42], devendo, para que o juiz aplique tal comando sancionatório, estar expressamente consignada no ordenamento tal possibilidade.

            Para Marinoni, o ressarcimento em forma específica prevalece sobre o ressarcimento pelo equivalente pecuniário, desde que (a) o "credor" opte por tal modalidade de tutela jurisdicional e (b) a adoção pelo juiz de tal mecanismo sancionatório não se mostre excessivamente onerosa ao "devedor" demandado [43].

            Em complemento à sua tese Marinoni leciona que [44]:

            Isto quer dizer que, nos casos em que a tutela ressarcitória na forma específica é, concretamente, possível, ela somente será excluída por opção do próprio lesado, ou quando o ressarcimento na forma específica, ainda que possível, não for justificável ou racional, em vista da sua excessiva onerosidade.

            Ao discorrer sobre a excessiva onerosidade decorrente da imposição da reparação in natura do dano, como "pressuposto negativo" para a concessão do ressarcimento em forma específica, o citado autor aduz que [45]:

            A regra que veda o ressarcimento na forma específica em caso de excessiva onerosidade não precisa estar expressa no ordenamento jurídico, já que decorre do princípio segundo o qual o lesado não tem o direito de impor ao causador do dano um ônus economicamente ineficiente. Não é racional o comportamento que exige o ressarcimento na forma específica quando o seu custo não justifica a opção por esta modalidade de ressarcimento.

            Há casos em que o custo da reparação do dano é superior ao valor que a coisa teria após ser reparada. Na hipótese em que, v.g., o custo para a reparação de um carro, já bastante rodado, é superior ao valor de mercado de um veículo em iguais condições, terá o demandado o direito de invocar "onerosidade excessiva". Note-se, porém, que no caso de "carro antigo", qualificado por suas condições especiais, que o tornam particular dentro do mercado de automóveis, não há como se estabelecer uma comparação entre o valor da reparação do dano e o valor de mercado de um automóvel similar, justamente porque não há como se falar em veículo similar, por ser o veículo danificado particularizado por suas condições especiais.

            Nos filiamos à corrente de pensamento esposa por Marinoni, eis que (a) do princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (artigo 5°, XXXV, da Constituição da República) extrai-se o poder/dever/função do Estado-juiz de prestar aos jurisdicionados uma tutela jurisdicional efetiva, ou seja, impõe-se que o provimento jurisdicional, em caso de procedência do pedido, realize no plano do direito material a supressão, criação ou modificação da situação jurídica desfavorável ao demandante – efeito esse que deve corresponder, o tanto quanto possível do ponto de vista prático, à integral satisfação do direito do demandante; e (b) dos artigos 1.537 do Código Civil de 1916 e seguintes e 944 do Código Civil de 2002 e seguintes, não se pode inferir, com fez Talamini, a regra geral do ressarcimento pelo equivalente pecuniário do(s) dano(s) decorrentes de ato ilícito.

            Sobre a prevalência do ressarcimento em forma específica como decorrência da injunção do princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional, aduz com muita propriedade Marinoni [46]:

            Ora, se o jurisdicionado tem direito constitucional à adequada tutela jurisdicional (art.5º, XXXV, da CF), e o lesado, de acordo com o direito material, tem direito à reparação do dano, cabe perguntar qual é a tutela adequada do sujeito que sofreu o dano. A tutela adequada, como é evidente, é aquela que proporciona a efetiva reparação do dano. Quando o dano tem reflexo patrimonial e, portanto, equivalente pecuniário, nada obsta que o lesado opte por ressarcimento pelo equivalente em pecúnia. De qualquer forma, como a tutela adequada é, antes de tudo, a tutela que efetivamente repara o dano, não há como impor ao lesado o equivalente em pecúnia, a não ser, como será melhor explicado adiante, nos casos de onerosidade excessiva.

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            Por outro lado, como o princípio constitucional da efetividade, insculpido no art. 5º, XXXV, da CF, incide de iure condenado e de iure condito sobre a estrutura técnica do processo, cabe ao processualista ler as normas infraconstitucionais de processo à luz do referido princípio, de modo a privilegiar a interpretação capaz de contribuir com a efetividade da tutela dos direitos. Neste sentido, se é evidente que a tutela ressarcitória na forma específica deve prevalecer sobre a tutela ressarcitória pelo equivalente pecuniário, não há como se deixar entender que a "obrigação", presente nos referidos parágrafos dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, também é "obrigação de reparar o dano.

            Ademais, das normas de direito material infraconstitucionais (C. Civ. de 1916, art. 1.537 e seguintes; C. Civ. de 2002, art. 944 e seguintes) citadas por Talamini não se pode deduzir a regra geral segundo a qual o ressarcimento pelo equivalente pecuniário prefere ao ressarcimento em forma específica (reparação in natura) do dano oriundo de ato ilícito, haja vista que o que ambos os dispositivos legais estabelecem é que a reparação do dano pode dar-se também através da indenização (ressarcimento por equivalente pecuniário), fornecendo os parâmetros para sua fixação, sem que tal ilação importe em exclusão da reparação in natura prevista implicitamente pelo artigo 159 do Código Civil de 1991 e 927 do Código Civil de 2002.

            4.2 DA NATUREZA DA SENTENÇA QUE CONCEDE A TUTELA ESPECÍFICA

            4.2.1 DA CLASSIFICAÇÃO DAS SENTENÇAS

            A doutrina tradicional classifica a sentença definitiva que concede a tutela jurisdicional postulada pelo demandante proferida no processo de conhecimento em três espécies, a saber:

            A) sentenças meramente declaratórias - A sentença meramente declaratória "... é a que contém apenas o acertamento da existência ou inexistência de uma relação jurídica ou autenticidade ou falsidade de documento" [47], cuja função é debelar a "crise de certeza" acerca da relação de direito material deduzida em juízo pelo autor [48].

            B) sentenças constitutivas - Além do acertamento da relação de direito material deduzida em juízo, a sentença constitutiva é apta, por si só, independentemente do comportamento posterior do réu ou de providências a serem adotadas pelo juiz, a produzir no plano material a criação, modificação ou extinção da relação ou situação jurídica que vigeria caso o direito violado fosse observado espontaneamente pelo demandado, aplicando a sanção respectiva.

            C) sentenças condenatórias - A sentença condenatória, além de declarar, como o fazem as sentenças meramente declaratórias e as constitutivas, a existência da relação material afirmada pelo demandante que lhe confere o direito a uma prestação a cargo do demandado, lhe "autorizam o desenvolvimento de atividades práticas para satisfazer tal direito (‘aplicam a sanção’ – na concepção de Liebman). [49]

            É de anotar que tal critério de classificação leva em consideração a eficácia (assim entendida como aptidão para produzir os efeitos pré-determinados pelo ordenamento) preponderante das três espécies de sentenças. As sentenças constitutivas também são dotadas de eficácia declaratória – estabelecem a certeza acerca de existência do direito material afirmado pelo autor –, ao passo que as condenatórias, além de promoverem o acertamento do da relação de direito material (eficácia declaratória), também possuem aptidão para – não imediatamente, independentemente de qualquer atividade do réu ou do juízo – produzirem uma alteração no plano material.

            O mesmo se diga em relação à sentença meramente declaratória de nulidade de ato ou negócio jurídico, porquanto, embora declare a invalidade do negócio ou ato jurídico, se este produziu efeitos jurídicos, o provimento que declarar a sua ineficácia terá o condão de desconstituir as relações jurídicas dele decorrentes [50].

            Ao proferir uma sentença de mérito favorável ao demandante, o juiz, nos casos em que os efeitos no plano do direito material de referido provimento implicarem na modificação, criação ou supressão de uma determinada situação ou relação jurídica - pouco importando que esses efeitos se produzam, via de regra, imediatamente, após o trânsito em julgado do decisum meritae, como ocorre nas sentenças constitutivas e nas declaratórias de nulidade de negócio ou ato jurídico, ou demandem, como nas sentenças condenatórias, cujo objeto constitui-se na declaração de existência da relação de direito material deduzida em juízo (eficácia declaratória) e na atribuição ao demandante do poder de exigir do Estado-juiz (na mesma relação processual ou em outro processo, instaurado especificamente para tal fim) a realização de atos materiais tendentes à efetiva satisfação do direito subjetivo decorrente da relação de direito material judicialmente reconhecida, acarretando, via de conseqüência lógica, a extinção desta (o que se dá com o exaurimento do seu objeto – obtenção da prestação devida e modificação do status jurídico das partes) -, além exercerem a função de declarar "a vontade concreta da lei", aplicarão a sanção prevista pelo direito ao descumprimento de suas normas, impondo "a medida estabelecida pelo ordenamento para reforçar a observância de suas normas ou remediar os efeitos da inobservância" [51].

            Nas sentenças constitutivas e nas declaratórias de nulidade de negócio ou ato jurídico, a sanção a ser imposta pelo provimento jurisdicional de mérito consiste na criação, modificação (sentenças constitutivas positivas ou modificativas) ou extinção (sentenças constitutivas negativas e declaratórias de nulidade de negócio ou ato jurídico) da situação jurídica contrária ao interesse do demandante.

            Já nas sentenças condenatórias que tenham como objeto o cumprimento de uma obrigação de pagar uma certa soma em dinheiro, a sanção consiste na atribuição ao credor do poder de exigir do Estado-juiz, mediante a instauração da relação processual executiva, a prática de atos materiais sub-rogatórios da vontade do devedor consistentes na invasão de sua esfera patrimonial para extrair, através da expropriação de parte de seu patrimônio (cujo produto será revertido, até o limite do crédito do demandante, para o pagamento do credor), a satisfação do seu direito, obtendo-se dessa forma o resultado prático equivalente ao adimplemento da obrigação.

            No caso das sentenças definitivas proferidas nas demandas que tenham por objeto a imposição da sanção correspondente ao descumprimento de um dever de fazer, não fazer ou de dar coisa diversa de dinheiro (tutela específica), os artigos 461 do Código de Processo Civil estabelecem, segundo a sistematização doutrinária adotada no presente estudo, explicita ou implicitamente, vários meios sancionatórios, os quais podem ser divididos em dois grupos: os meios de coerção indireta e os meios de sub-rogação da atividade do "devedor".

            A partir de Pontes de Miranda, parte da doutrina pátria tem adicionado à classificação tradicional das sentenças duas outras espécies: a sentença mandamental e a executiva lato sensu.

            Para os adeptos da classificação quinária, as sentenças mandamentais são "aquelas que têm por fim obter, como eficácia preponderante, ‘que o juiz emita uma ordem a ser observada pelo demandado, em vez de limitar-se a condená-lo a fazer ou não fazer alguma coisa’. Seria de sua essência, pois, conter uma ordem para que se expeça um mandado, donde a designação ‘sentença mandamental" [52].

            Já a sentença executiva lato sensu "é aquela que "traz em seu dispositivo a determinação de imediata atuação de meios de sujeitação (sub-rogatórios), independentemente de novo processo e sem a necessária submissão a um modelo procedimental rígido e preestabelecido" [53]. Difere-se da sentença mandamental "porque seu conteúdo não é uma ordem para o réu cumprir, mas a autorização para o órgão judicial executar (satisfazer o direito independentemente da vontade do devedor), dentro do próprio processo em que proferidas (exemplos: ações de despejo, reintegração de posse, demarcação, divisão, prestação de contas) [54]".

            Para os doutrinadores que aplicam a teoria da classificação quinária das sentenças (v.g Marinoni, Talamini) à tutela específica, o provimento de mérito que veicular o comando sancionatório através de um mecanismo de coerção indireta tem natureza mandamental, ao passo que a sentença que aplica a sanção mediante a utilização de meios de sub-rogação da atividade do "devedor" seria executiva latu sensu.

            No entanto, entendemos que, tanto a categoria das sentenças mandamentais quanto a das executivas latu sensu se amoldam perfeitamente à espécie das sentenças condenatórias, não havendo nenhuma utilidade prática na subdivisão pretendida, que, aliás, carece de cientificidade, eis que a classificação quinária não adota o mesmo critério ao diferenciar a natureza dos provimentos jurisdicionais, porquanto classifica as sentenças meramente declaratórias, as constitutivas e as condenatórias tendo em vista o seu conteúdo, ao passo que os provimentos "mandamentais" e os "executivos lato sensu" são classificados com base na forma procedimental pela qual os efeitos materiais decorrentes da sentença são concretizados na prática.

            A sentença que concede a tutela específica, quer veicule um comando sancionatório preventivo, restituitório ou ressarcitório pela forma específica, terá sempre natureza condenatória, eis que, além de declarar a existência da relação material afirmada pelo demandante, que lhe confere o direito a uma prestação a cargo do demandado, "autorizam [àquele] o desenvolvimento de atividades práticas para satisfazer tal direito (‘aplicam a sanção’ – na concepção de Liebman) [55], quer através de mecanismos de coerção indireta, quer por intermédio de meios de sub-rogação da atividade do "devedor".

            4.3 Dos Mecanismos Processuais De Efetivação Da Tutela Específica

            Da análise do art. 461 e parágrafos do Código de Processual pode-se inferir que os mecanismos predispostos pelo ordenamento processual para aplicação da sanção, ou seja, os meios processuais tendentes à obtenção do resultado prático idêntico ou equivalente ao cumprimento do dever de ação ou omissão imposto ao "devedor" pelo direito material - ou melhor, a técnica processual instituída para a efetiva tutela do direito do demandante - são os seguintes:

            a)meios de coerção indireta;

            b)meios de sub-rogação da atividade do "devedor".

            4.3.1 Dos Meios de Coerção Indireta

            Também denominados por Talamini de mecanismos indutivos negativos, são aqueles que "prestam-se a influenciar psicologicamente o sancionado, para que ele mesmo adote a conduta pretendida pela ordem jurídica. Busca-se induzir o comportamento do sujeito, mediante a ameaça de um mal caso ele desrespeite um comando". [56]

            O nosso sistema processual civil conhece dois meios de coerção para o cumprimento dos deveres de natureza material, a multa e a prisão civil; sendo certo que para compelir o "devedor" ao cumprimento dos deveres processuais há previsão de outros mecanismos, como, por exemplo, a proibição de falar autos até a purgação do atentado (artigo 881 do Código de Processo Civil).

            Relativamente aos deveres de fazer ou não fazer, que se constitui no objeto do nosso estudo, o artigo 461, parágrafo quarto, do Código de Processo Civil, prevê somente a multa como mecanismo de coerção indireta da vontade do "devedor".

            4.3.2 Da Multa Processual

            4.3.2.1 Natureza e Cabimento

            Acerca da multa como meio de coerção indireta, Marinoni ensina que [57]:

            A multa referida nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC possuí o visível objetivo de garantir a efetividade da sentença e da tutela antecipatória, fazendo com que a ordem de fazer ou de não-fazer nelas contidas sejam efetivamente observadas.

            A multa presente em tais normas, desta forma, é apenas um meio processual de coerção indireta voltado a dar a efetividade "as ordens do juiz; não tem ela, como é óbvio, qualquer finalidade sancionatória ou reparatória. A multa é um meio de coerção indireta que tem por fim propiciar a efetividade das ordens de fazer e de não fazer do juiz, sejam elas impostas na tutela antecipatória ou na sentença.

            Se a multa não atinge seus escopos, não levando o demandado a adimplir a ordem do juiz, converte-se automaticamente em desvantagem patrimonial que recai ao réu inadimplente. Neste momento, é certo, acaba por possuir a mera feição de sanção pecuniária; entretanto tal feição, assumida pela multa justamente quando ela não cumpre seus objetivos, é acidental em relação à sua verdadeira função e natureza.

            O parágrafo 2° do artigo 461 do Código de Processo Civil confirma tal assertiva ao aduzir que "a indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa".

            Para que cumpra a sua finalidade intimidatória, a multa não pode ser imposta em valor que não seja suficiente para convencer o réu a adimplir. Isto porque, dependendo do valor estabelecido para a multa, pode ser "conveniente ao réu suportá-la para, livremente, praticar o ato que se deseja ver inibido". [58]

            Talamini assevera que: [59]

            A multa deverá ser combinada toda vez que se evidenciar sua utilidade, ainda que mínima, para influenciar a vontade do réu. Vale dizer: sempre que a multa revelar-se "suficiente ou compatível com a obrigação", segundo a formula adotada no art. 461, § 4°. Só ficara descartado o emprego da multa quando esta revelar-se absolutamente inócua ou desnecessária, em virtude das circunstâncias concretas.

            Tal mecanismo processual pode constituir-se em instrumento de efetivação da sanção preventiva, restituitória ou ressarcitória em forma específica, sendo que sua imposição pode dar-se por requerimento do demandante ou ex officio.

            Quadra ressaltar que inexiste óbice quanto à fixação de multa para o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer a cargo das pessoas jurídicas de direito público, "não se olvidando da "possibilidade de a multa ser cominada diretamente contra a pessoa do agente público, e não contra o ente público que ele ‘presenta’ – afim de a medida funcionar mais eficientemente como instrumento de pressão psicológica" [60].

            4.3.2.2 Periodicidade de Incidência

            A multa poderá incidir diariamente (art. 461, § 4º) ou pode ser estipulada em um valor fixo com "um único momento de incidência" [61].

            A multa diária só exerce a sua função quando for cominada para compelir o "devedor" a cumprir um dever de fazer ou não fazer cuja "violação não se exaure em um único momento" [62]; ou, nas hipóteses em que for possível a reiteração do ato ilícito cuja abstenção constitui-se em um dever do demandado, para que se evite a repetição do ilícito [63].

            Isso porque, a cominação de multa com periodicidade diária de incidência não se revela adequada a evitar "violações de natureza instantânea", ou seja, aquelas que decorrem do descumprimento de um dever de não fazer cuja remoção dos seus efeitos (restituição ao status quo ante) se mostra inviável do ponto de vista prático [64] (v.g. a violação indevida da intimidade de uma pessoa através da exibição de programa televiso ofensivo à sua imagem). Isso porque "nos casos em que, inobservado o dever torna-se, ato contínuo, impossível a consecução específica do direito material que lhe é correlato, a multa por dia de descumprimento não se revela um instrumento eficaz para a realização da tutela específica (mesmo porque o meio coercitivo só pode incidir enquanto viável o cumprimento voluntário do dever). [65]

            O mesmo raciocínio pode ser aplicado aos deveres de fazer que consistem numa conduta que só será útil e eficaz ao titular do direito se realizada na "oportunidade exata". Talamini dá o exemplo de uma "obrigação de prestar um serviço em um evento específico", aduzindo que "em hipóteses como essas, a cominação de multa por dia de descumprimento carece de sentido, pois ou ocorre o cumprimento do dever de fazer, na exata ocasião em que haveria de ocorrer, ou torna-se, de imediato, impossível o resultado específico". [66]

            Nos deveres de não fazer cuja violação possa ser repetida, a multa diária terá como função inibir o réu a reiterar a conduta comissiva indevida.

            Já no que concerne aos deveres de não fazer passíveis de "violação de natureza instantânea", a multa diária poderá ser utilizada para a obtenção do ressarcimento em forma específica, exercendo uma coação psicológica no devedor a fim de que desfaça os efeitos do ato cuja prática deveria ter se abstido.

            Ainda quanto à periodicidade da multa, nada obsta que o juiz ao conceder a tutela específica opte por cominar uma multa que incida sobre unidades de tempo superiores a um dia (semana, quinzena, mês, etc.) ou inferiores (horas, minutos), "desde que consentânea com as circunstâncias concretas" [67]

            4.3.2.3 Valor da Multa

            O art. 461, § 4º, do Código de Processo Civil prescreve que o valor da multa deverá ser fixado tendo em conta a sua suficiência e compatibilidade como mecanismo de prevenção do ilícito e/ou restituição do status quo anterior à transgressão da norma, ou seja: se o valor fixado é o bastante para influenciar o réu a adimplir e se mostra adequado – proporcional - à espécie de prestação exigida.

            Assim como o juiz pode impor ex officio a multa e a deteminar a periodicidade de sua incidência - de acordo com as necessidades do caso concreto –, também pode alterar o valor inicialmente fixado, reduzindo-o nos casos em que se mostrar incompatível (rectius: inadequada) por exigir do réu um sacrifício desproporcional ao benefício que vier a auferir o autor com o adimplemento; ou quando se revelar insuficiente para influenciar o comportamento do demandante tendente à realização da conduta devida.

            Acerca do tema em foco Talamini aduz que [68]:

            Obviamente, também essa atividade não fica subordinada ao mero arbítrio do juiz, sendo, por igual, controlável mediante recurso. A modificação do valor terá de estar fundamentada na mudança dos fatos que haviam ensejado sua definição originária. Por exemplo, o cumprimento de uma parte do comando judicial poderá ensejar sua diminuição. Da mesma forma, a persistência do demandado em descumpri-lo é elemento fático bastante para autorizar seu aumento (não se exaurem nesses dois exemplos, evidentemente as hipóteses de eventos autorizadores da alteração do valor da multa).

            Por aumento da multa, a fim de torná-la adequada aos fatos novos, há de se entender inclusive sua ampliação em valores reais – e não apenas sua atualização monetária. Pode-se cogitar, até, de a própria decisão originária veicular, desde logo, previsão de aumento progressivo no valor real diário da multa, conforme persista o descumprimento.

            A alteração do valor da multa pode ocorrer inclusive após o transito em julgado da sentença, sem que tal fato importe violação da coisa julgada. Isso porque, em sendo a coisa julgada delimitada pela providência jurisdicional postulada pelo demandante, que nas demandas veiculatórias da tutela específica têm natureza condenatória, autorizando o autor a exigir o resultado prático idêntico ou equivalente ao que teria sido obtido com o cumprimento espontâneo do dever, a imposição de multa constitui-se em um meio de execução do comando sentencial.

            4.3.2.4 Limites Temporais da Multa

            O juiz, ao determinar ao demandado que realize a conduta devida (prática ou abstenção de determinado ato), sob pena de multa de incidência diária ou fixa, deverá, consoante prescreve o artigo 461, § 4º, do Código de Processo Civil, estabelecer um "prazo razoável para cumprimento do preceito".

            Após o decurso do prazo concedido pelo juiz ao demandado para o cumprimento do seu dever, a multa passa a incidir, tendo como termo final o momento (a) em que ocorrer o cumprimento da "obrigação"; (b) em que a prestação devida se tornar juridicamente ou materialmente impossível; e (c) em que o autor requerer a conversão do procedimento tendente ao cumprimento específico do dever inadimplido para o procedimento que objetiva a obtenção do equivalente pecuniário ao restabelecimento ou estabelecimento - quer se trate de dever de não-fazer ou fazer – da situação vigente em caso de adimplemento espontâneo.

            Talamini leciona que [69]:

            Persistindo o réu no desatendimento do comando judicial e, posteriormente, tornando-se jurídica ou materialmente inviável que conduta sua atinja o resultado específico, deixa de incidir a multa, do momento da ocorrência da impossibilidade em diante. Evidentemente, o demandado arcará com todas as conseqüências civis (custeios de eventuais providencias sub-rogatórias; indenização pelas perdas e danos) e, eventualmente, penais da sua desobediência. Arcará, por igual, com o crédito decorrente do período em que a multa incidiu, que não permanecerá devido, como não será abatido do valor da indenização por perdas e danos (art. 461, § 2°), nem do montante necessário ao custeio da eventual produção de resultado prático equivalente. Apenas, a partir da impossibilidade, a multa, que não tem diretamente finalidade reparatória ou punitiva, e não é meio de pressão aplicável ao pagamento de indenização pecuniária, não mais incidirá.

            4.3.2.5 Exigibilidade da Multa

            No nosso entendimento a multa só poderá ser exigida após o trânsito em julgado da sentença que julgar procedente a ação de cumprimento dos deveres de fazer ou não-fazer, pouco importando se foi imposta em sede de antecipação de tutela ou na própria sentença, ainda que pendente de recurso recebido no efeito meramente devolutivo.

            Isso porque, o artigo 12 da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985) prescreve textualmente que "a multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento". Ora, a disciplina referente ao momento em que a multa pode ser exigida adotada pela Lei de Ação Civil Pública é extensível também à antecipação de tutela do art. 461 do Código de Processo Civil, eis que ocupando a tutela jurisdicional dos direitos transindividuais um "patamar hierárquico superior" à da tutela dos direitos meramente individuais – posição justificada pela opção do legislador pela adoção de mecanismos jurisdicionais diferenciados que possibilitam uma proteção mais efetiva dos direitos metaindividuais – é vedada a utilização de mecanismos processuais que estabeleçam situações processuais passivas que impliquem desvantagens ao demandante para além das previstas para a tutela dos interesses metaindividuais.

            Na hipótese de o dever - para cujo cumprimento foi imposta ao demandado a multa – vier a ser, posteriormente a sua cominação, reconhecido como inexistente (v.g. pelo não confirmação na sentença da antecipação dos efeitos da tutela específica; pelo provimento do recurso de agravo de instrumento ou apelação interposto pelo réu; julgamento de procedência da ação rescisória, etc.), o crédito decorrente da incidência da multa será automaticamente desconstituído.

            Portanto, podemos concluir que a exigibilidade da multa cominada para o caso de descumprimento do preceito se sujeita a uma condição suspensiva, cujo implemento consiste no trânsito em julgado da sentença de mérito que acolher o pedido do autor (evento futuro e incerto). Mas, uma vez exeqüível a decisão cominatória da multa, a sua incidência retroagirá ao momento em que restar caracterizada a mora do demandante em cumprir o ato comissivo ou omissivo determinado pelo juiz, ou seja, depois de expirado o prazo razoável concedido pelo magistrado.

            4.3.2.6 Beneficiário da Multa

            Muito embora inexista regra específica, é assente o entendimento jurisprudencial e doutrinário segundo o qual o demandante – caso tenha lhe sido concedida a tutela jurisdicional específica em caráter definitivo – é o titular do direito de crédito decorrente da incidência da multa.

            Tal entendimento se fundamenta na própria função institucional da multa, qual seja: mecanismo de pressão psicológica tendente a influenciar o comportamento do réu, de maneira que ocorra o cumprimento voluntário do dever que lhe foi imposto. Ora, se a multa fosse devida ao Estado ou a um fundo especial como o tratado pela Lei n° 7.347/85 o seu grau de coercibilidade (aptidão para exercer a coação) seria sensivelmente reduzido, haja vista que o Estado não teria o mesmo interesse que teria o demandante em cobrá-la. Além do que, é sabido que a Fazenda Pública não detém a estrutura operacional necessária a uma célere recuperação dos seus créditos.

            Poder-se-ia objetar, quanto à legitimidade do demandante para executar o valor correspondente à incidência da multa, que a função de tal medida coercitiva restaria desvirtuada – passando a multa a ter caráter indenizatório e punitivo -, ante a possibilidade de o seu valor superar o equivalente monetário do dever descumprido, ou o valor da indenização devida, em caso de cumulação da tutela específica com o pedido indenizatório, ou quando houver conversão em perdas e danos. No entanto, apesar dessa possibilidade, faz-se mister que se tenha em mente, ao pensar na legitimidade para a cobrança da multa, a necessidade de se sopesar, sob o enfoque da efetividade da função jurisdicional (art. 5°, XXXV, da Constituição da República), através da ponderação de valores. Ou seja, cumpre sopesar se o benefício auferido pelo ordenamento processual com a instituição da multa em favor do autor deve prevalecer sobre o prejuízo decorrente da quebra do princípio geral de direito que veda o enriquecimento sem causa e que está positivado em nosso ordenamento – artigo 884 do Código Civil de 2002. Concluo que o benefício deve prevalecer sobre o eventual prejuízo, porquanto a entrega da tutela jurisdicional – que deve ser célere e efetiva – ao titular do direito material constitui-se em uma garantia fundamental que decorre do princípio da dignidade da pessoa humana, circunstância que impõe ao sistema processual a tolerância de eventuais inconvenientes decorrentes das vicissitudes da aplicação prática de certos mecanismos processuais.

            Ademais, o montante devido pela incidência da multa decorre de ato imputável ao próprio réu, que ao se recusar a cumprir o comando judicial, assumiu o os riscos provenientes de sua deliberada conduta.

            Convém ressaltar, ainda, pela conveniência prática de se conferir ao demandante o crédito decorrente da aplicação da multa, em virtude da possibilidade das partes transacionarem, podendo o demandante abrir mão do recebimento da multa em contrapartida à realização da prestação do demandado [70], circunstância viabilizadora de uma solução mais célere do conflito de interesses.

            4.4 MEIOS SUB-ROGATÓRIOS

            O artigo 461, § 5°, do Código de Processo Civil aduz que para "a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias tais como a imposição de [omissis], busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial".

            As medidas sub-rogatórias previstas no dispositivo legal acima transcrito não são taxativas, podendo o juiz adotar o mecanismo mais consentâneo com a obtenção do resultado prático equivalente que teria se verificado em caso de adimplemento espontâneo do "devedor".

            Tais mecanismos devem ser aptos a estabelecer (nos casos de descumprimento de um dever de fazer) ou restabelecer (nos casos de descumprimento de um dever de não-fazer) a situação fática que vigeria se o ordenamento jurídico fosse observado espontaneamente pelo "devedor".

            Na escolha do meio sub-rogatório para a obtenção da tutela específica, o juiz deverá aplicar subsidiariamente a regra do artigo 620 do Código de Processo Civil, segundo a qual "quando, por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor" (princípio da menor onerosidade possível) [71].

            Isso significa que a medida a ser aplicada deverá ser ao mesmo tempo (a) a mais adequada à obtenção do resultado prático equivalente ao adimplemento, e (b) a que imponha o menor prejuízo possível ao "devedor".

            4.5 DA TUTELA ANTECIPADA

            Para garantia da efetividade da tutela específica, o legislador conferiu ao juiz o poder/dever de antecipar os efeitos do provimento jurisdicional favorável ao demandante, através da aplicação dos meios coercitivos ou sub-rogatórios tendentes à obtenção do resultado específico, desde que presentes os requisitos catalogados no artigo 461, § 3°, do Código de Processo Civil.

            O dispositivo legal supramencionado estatui como requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela perseguida pelo autor consubstanciada na condenação do requerido no cumprimento de um dever de fazer ou não fazer, a ser objeto de um provimento jurisdicional definitivo, o fumus boni juris, ou seja, a relevância do fundamento da demanda, e o periculum in mora.

            O primeiro requisito pode ser definido como a probabilidade de existência da relação de direito material que reclama a tutela específica. Tal requisito não se difere da "verossimilhança das alegações mediante prova inequívoca" exigida pelo artigo 273, I, do Código do Processo Civil e do fumus boni juris do processo cautelar.

            No que se refere ao periculum in mora, tal pressuposto reside no risco de ineficácia do provimento final concessivo da tutela específica, isto é, a ocorrência de uma situação fática – advinda do comportamento, provável ou efetivo, do réu; de fatores naturais ou do decurso do tempo – que possa vir a impossibilitar a obtenção do resultado prático equivalente ao cumprimento espontâneo do dever imposto pelo ordenamento.


REFERÊNCIAS:

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NOTAS

            01 Giuseppe Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, Vol II, Ed. Bookseller, 3ª ed., p. 08.

            02 Alexandre Freitas Câmara, Lições de Direito Processual Civil, Vol. I, Ed. Lumen Juris, 7ª ed., p. 309.

            03 Idem, p. 70

            04 Giuseppe Chiovenda, ob. cit., p. 09.

            05 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil, Vol. I, Ed. Malheiros, 4ª ed., p. 310.

            06 Giuseppe Chiovenda, ob. cit.

            07 Cândido Rangel Dinamarco, ob. cit., p. 311-312

            08 Cândido Rangel Dinmarco, ob. cit., p. 313-314.

            09 William do Couto Gonçalves, Garantismo, Finalismo e Segurança Jurídica no Processo Judicial, Ed. Lumen Júris, passim.

            10 Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, Ed. Forense, 12ª ed., p. 37

            11 Piero Calamandrei, Instituições de Direito Processual Civil, Vol. I, Ed. Bookseller, p. 120.

            12 Cândido Rangel Dinamarco, ob. cit., Vol. II, p. 27-28.

            13 Idem, passim.

            14 Convém ressalvar que as etapas operacionais da jurisdição não necessariamente se sucedem em uma ordem cronológica, porquanto, por razões de política legislativa – que nem sempre tem em mira a efetividade da tutela jurisdicional (v.g. ao instituir uma medida antecipatória satisfativa nos procedimentos de busca e apreensão do bem objeto de alienação fiduciária em garantia) -, pode haver a possibilidade da antecipação ou supressão das etapas. No primeiro caso, a etapa na qual a jurisdição se torna específica - à situação fática deduzida em juízo e eficaz - atuando efetivamente na situação que a fez provocada. É o que se verifica quando o juiz antecipa os efeitos do provimento jurisdicional de mérito. Quando o demandante postular tutela jurisdicional executiva com base em título executivo extrajudicial, suprimir-se-á a segunda etapa, na qual a jurisdição se restringe e materializa.

            15 William Couto Gonçalves, ob. cit., passim.

            16 Idem.

            17 William Couto Gonçalves, ob. cit., passim.

            18 William Couto Gonçalves, ob. cit., p. 43.

            19 Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Específica, Ed. Revista dos Tribunais, 2ª ed., p. 61

            20 José Roberto dos Santos Bedaque, Direito e Processo, Ed. Malheiros, 2ª ed., passim.

            21 Dinamarco, ob. cit., Vol I, p. 104-108.

            22 Dinamarco, ob. cit., Vol I, p. 104-105.

            23 Bedaque, Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência (tentativa de sistematização), Ed. Malheiros, 3ª ed., p. 24.

            24 Idem, 24-25, nota 34.

            25 William Couto Gonçalves, ob. cit., p. 28-29

            26 Flávio Luiz Yarshel, Tutela Jurisdicional Específica nas Obrigações de Declaração de Vontade, Ed. Malheiros, 1993, p. 23.

            27 Chiovenda, ob. cit.Vol I, p. 67.

            28 Eduardo Talamini, Tutela Relativa aos Deveres de Fazer e de Não Fazer, Ed. Revista dos Tribunais, 2ª ed., p. 169.

            29 Dinamarco, ob. cit., p. 309.

            30 Marinoni, ob. cit., p. 38.

            31 Talamini, ob. cit., 169.

            32 Apud, Yarshell, ob. cit., p. 23.

            33 Talamini, ob. cit., 175.

            34 Idem, p. 182.

            35 Marinoni, ob. cit., p.134-135.

            36 Idem, p. 157.

            37 Talamini, ob. cit., p. 184.

            38 Marinoni, ob. cit., passim.

            39 Talamini, ob. cit., p. 184.

            40 Idem, p. 185.

            41 Idem, p. 185

            42 Idem.

            43 Marinoni, ob. cit., 161.

            44 Idem.

            45 Marinoni, ob. cit., 175-176

            46 Idem, p. 162.

            47 Alexandre Freitas Câmara, ob. cit., 439

            48 Bedaque, Direito e Processo, p. 31.

            49 Talamini, ob. cit., p. 188.

            50 Luiz Flávio Yarshell, ob. cit., p. 30, nota 52).

            51 Talamini, ob. cit.

            52 Freitas Câmara, ob. cit., p. 449.

            53 Talamini, ob. cit., p. 194.

            54 Luiz Rodrigues Wambier, et al, Curso Avançado de Processo Civil, Vol. II, Ed. Revista dos Tribunais, 5ª ed., p. 283.

            55 Talamini, ob. cit., p. 188.

            56 Talamini, ob. cit., p. 171.

            57 Marinoni, ob. cit., p. 106-107

            58 Idem, p. 107.

            59 Talamini, ob. cit., 242.

            60 Talamini, ob. cit., p. 242

            61 Talamini, ob. cit., p. 242.

            62 Idem.

            63 Marinoni, ob. cit., passim.

            64 Talamini, ob. cit., p. 242.

            65 Idem.

            66 Idem.

            67 Idem, p. 244.

            68 Talamini, ob. cit., p. 249.

            69 Talamini, ob. cit., p. 254.

            70 Talamini, ob. cit., p. 265

            71 Marinoni, ob. cit., passim


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO JÚNIOR, Odilair. Tutela específica dos deveres de fazer e não fazer. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 761, 4 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7110. Acesso em: 26 abr. 2024.