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Ordenador de despesas não responde perante a lei de improbidade administrativa de forma objetiva.

Responsabilidade subjetiva com má-fé e com desonestidade

Ordenador de despesas não responde perante a lei de improbidade administrativa de forma objetiva. Responsabilidade subjetiva com má-fé e com desonestidade

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Para que haja a subsunção da conduta do ordenador de despesas, deve a mesma ser subjetiva e precedida de nota qualificadora dos três tipos do ato ímprobo, a má-fé e a desonestidade.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Improbidade Administrativa é identificada pelo elemento subjetivo de uma conduta extremada (grave) do agente público com a nota qualificadora da má-fé e da desonestidade. O agir ou deixar de praticar o ato deve vir precedido de dolo e de uma imoralidade qualificada, visto que qualquer  ato ilegal, para se subsumir aos tipos elencados na Lei de Improbidade Administrativa deve conter a má-fé e a desonestidade como fundamento do agir ímprobo.

A simples ilegalidade administrativa sem o dolo e uma imoralidade qualificada não é suficiente para caracterizar a improbidade administrativa. Apesar de tal situação jurídica já estar consolidada perante a jurisprudência majoritária do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ainda se presencia o manejo de ações de improbidade administrativa visando a desconstituição de atos meramente ilegais sem a presença do elemento subjetivo da conduta qualificadora, descaracterizando, por completo, a validade da via eleita pelo Ministério Público.

Isso porque, a boa-fé do agente público inviabiliza a aplicação da Lei nº 8.429/92, que é voltada ao combate do ato administrativo ilícito praticado com dolo e má-fé.

A jurisprudência pacificada no colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já se consolidou no sentido de a subsunção da conduta do agente público nos tipos descritos nos artigos 9º e 11 da Lei nº 8.429/92 deve ser sempre precedida do elemento subjetivo dos tipos, qual seja, o dolo, não havendo o enquadramento do ato nas hipóteses dos artigos citados se o elemento subjetivo da conduta do agente for meramente a culpa (STJ. EREsp 479.812/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavaski, 1ª Seção, DJ de 27.09.2010; AgRg no REsp nº 11224/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª T., DJ de 02.02.2011 e AgRg no REsp 1065588/SP, 1ª T., DJ de 21.02.2011).

E quando for a subsunção da conduta do agente público tipificada no art. 10, da Lei nº 8.429/92, a culpa grave deve estar devidamente identificada na prática do ato impugnado pela ação de improbidade administrativa.

Em sede doutrinaria, o Ministro Alexandre de Moraes[1] também se filia ao entendimento declinado:

“Ressalte-se. Novamente, que a Lei de Improbidade não pune a mera ilegalidade, mas a conduta ilegal ou imoral do agente público, e de todo aquele que o auxilie, voltada para a corrupção, exigindo, dessa forma, o elemento subjetivo para a sua caracterização (...)”

Da mesma forma, definiu o STJ:[2]

“Não se pode confundir ilegalidade com improbidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente... A ilegalidade do ato, se houver, estará sujeita a sanção de outra natureza, estranha ao âmbito da ação de improbidade.”

Esses esclarecimentos se fazem necessários logo no início de nossa explanação, pois a máquina administrativa se movimenta mediante à prática dos atos e, diante de determinados acontecimentos, é comum ouvir a seguinte indagação: quem foi o responsável?

Essa responsabilidade se subsume a um dos tipos descritos na Lei º 8.429/92? Principalmente quando o agente público ostenta função de alto escalão na pirâmide da hierarquia da Administração Pública, muitas das vezes lhe é imputada a prática do ato de improbidade administrativa por ele ser o ordenador de despesas, e só por isso.

A ideia de responsabilidade pela prática de ato omissivo ou comissivo no direito administrativo é de curial importância, pois o ato ilícito é aquele que o agente público pratica violando um dever jurídico. Se essa ofensa gera danos à Administração Pública ou a terceiros, surge um novo dever jurídico, que é o de reparar o prejuízo.

Na improbidade administrativa, nem sempre a violação de um dever jurídico, praticado de forma dolosa ou com culpa grave irá gerar o dever de se ressarcir ao erário, ou a de gerar a responsabilidade perante os termos da Lei nº 8.429/92,pois deverá vir precedida de má-fé e de desonestidade,  mas convém distinguir os institutos da obrigação e da responsabilidade”.

Em feliz síntese sobre os aludidos institutos, Jessé Torres Pereira Júnior,[3] citando Santiago Dantas, faz a devida ilustração da diferença de ambos os institutos:

“... Os atos ilícitos constituem uma das fontes da obrigação, mas não se poderá dar um passo na dogmática civil se não se fizer uma distinção muito clara entre o conceito de obrigação e o conceito de responsabilidade ...

A primeira diferença que se tem de fazer é que em toda a obrigação há um dever jurídico originário, e na responsabilidade se tem o dever jurídico sucessivo, consequente à violação do primeiro.

Um homem toma emprestado de outro uma quantia, constituindo-se, portanto, seu devedor. Tem-se uma obrigação. O devedor tem o dever de pagar e o credor o direito de receber; esse dever jurídico, que pesa sobre o devedor, é uma obrigação, porque é um dever jurídico originário. Formou-se em consequência deste contrato, que foi o mútuo.

Outro exemplo: um homem oferece os seus serviços profissionais a outro, que os contrata. Existe aí uma obrigação sobre o devedor, que é quem vai prestar o serviço - pesa uma obrigação de fazer e essa obrigação é um dever jurídico originário. Esse homem, porém, que tinha de prestar os seus serviços ao outro, não cumpre a sua obrigação; viola o dever jurídico originário. Que acontece? Surge daí um outro dever jurídico, que é dever de compor o prejuízo causado pelo não cumprimento da obrigação. O dever será o mesmo, mas em vez do dever a que anteriormente estava adstrito – o trabalho, ela passa a dever uma nova coisa: a composição do prejuízo... Este segundo dever é sucessivo; toma o lugar o primeiro. Diz-se, então, que isto não é uma obrigação; é uma responsabilidade.

Pode-se, na prática, baralhar os termos e chamar a ambos obrigação ou a ambos responsabilidade. É preciso, porém, que esteja bem claro que a obrigação é um dever jurídico originário e que responsabilidade é um dever jurídico sucessivo.”

No âmbito do nosso estudo essa situação se revela fundamental, pois a regra geral na Lei nº 8.429/92 é a de responsabilizar o agente público devasso e imoral, aquele que se locupleta às custas do erário ou permite que terceiros obtenham vantagens ilícitas.

Nunca se pode perde de vista que uma ilegalidade apontada pelos Tribunais de Contas ou pelo Ministério Público, gerando responsabilidades ao gestor, ensejará automaticamente a condição da prática de ato de improbidade administrativa.

Nas Cortes de Contas, por exemplo, tem-se como regra geral a obrigação dos gestores públicos de demonstrar a correta aplicação dos recursos públicos, ao passo que a responsabilidade de recompor o erário surge após o descumprimento daquele dever jurídico originário.

Daí porque é necessário investigar a conduta antijurídica, as normas violadas, a natureza das sanções, os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, para após identificar se a responsabilidade do agente é de natureza penal, civil, administrativa disciplinar, administrativa perante o Tribunal de Contas, ou se praticou ato de improbidade administrativa.

Obrigatoriamente, deverá o intérprete de normas sobre gestão pública considerar os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas conforme o estabelecido no art. 22, da LIND (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro):

“Art. 22.  Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

§ 1º  Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.”

Também se houver revisão quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, nas esferas administrativas, controladora ou judicial, cuja produção já se houver completado, serão levadas em conta as orientações gerais da época, sendo vedado, com base em mudança posterior de orientação geral, se declararem situações plenamente constituídas.[4]

Em algumas situações temos presenciado um certo açodamento do Ministério Público no ajuizamento compulsório e automático da ação de improbidade administrativa contra os ordenadores de despesas, quando o Tribunal de Contas aponta algumas irregularidades administrativas, como por exemplo, na concessão de direitos e de vantagens a servidores públicos, ou quando há uma contratação de servidores para trabalhos excepcionais e de interesse público, ou outras práticas de atos gerenciais que não foram praticados diretamente pelo ordenador de despesas originário e sim  por agentes públicos responsáveis pela prática de tais atos. Ou até mesmo quando o ordenador de despesas assina contratos administrativos após pareceres dos órgãos técnicos responsáveis pela fiscalização da lisura e da legalidade da contratação.

A ideia de culpa está imbricada à responsabilidade  que perante a Lei nº 8.429/92 deve ser subjetiva, já perante o Tribunal de Contas poderá o gestor público ser punido por uma responsabilidade objetiva, que, como se sabe, não se subsume aos tipos descritos na Lei de Improbidade Administrativa. A culpa sem o elemento subjetivo, como se sabe, não é suficiente para atrair responsabilidade perante a Lei nº 8.429/92.

Portanto, para que o ordenador de despesa seja responsabilizado perante os termos da  Lei de Improbidade Administrativa a sua responsabilidade deve ser subjetiva, caracterizada por uma atuação com culpa grave ou com dolo, não bastando a simples demonstração da prática de ato ilícito, ou da verificação de uma ilegalidade. Prevalecerá a formação da vontade do agente, que na improbidade administrativa deverá ser de má-fé e com desonestidade.

Sendo certo, segundo a melhor doutrina, a responsabilidade subjetiva demanda a presença simultânea de quatro fatores, quais sejam:

- ação ou omissão;

- dano;

- nexo causal;

- culpa ou dolo.

A culpa, no plano subjetivo, deve ser demonstrada, através de um robusto acervo probatório, daquele que pleiteia a reparação cível, a quem cabe o ônus da prova.

Assume inquestionável relevo, a necessidade de dados probatórios evidenciadores da prática do ato de improbidade administrativa pelo ordenador de despesa ou por qualquer outro gestor público.

Isso porque, em nosso sistema jurídico, como ninguém desconhece, a situação de dúvida razoável, só pode se beneficiar o réu, jamais prejudicá-lo, pois esse é um princípio básico que deve prevalecer nos modelos constitucionais que consagram o Estado Democrático de Direito.

É preciso relembrar que as limitações à atividade persecutória estatal, aí incluída a ação de improbidade administrativa, traduzem garantias constitucionais insuprimíveis que a ordem jurídica confere ao suspeito, ao indiciado e ao acusado com a finalidade de fazer prevalecer o seu estado de liberdade em razão do direito fundamental de ser presumido inocente.

Por pior que seja a imputação, ela não poderá ser fruto de criação intelectual de seu subscritor, ou de meras suspeitas, totalmente divorciadas de elemento probatório mínimo e confiável.

Cumpre ter presente, bem por isso, neste ponto, em face  de sua permanente atualidade, a advertência feita por Rui Barbosa[5] no sentido de que: 

“Quanto mais abominável é o crime, tanto mais imperiosa, para os guardas da ordem social, a obrigação de não aventurar interferência, não revelar prevenções, de não se extraviar em conjecturas (...) (g.n.)

Nesse ponto, o Ministério Público possui o inquérito civil, que é o instrumento legal apto a busca de provas, para capacitar  o membro do parquet  a propor a ação de improbidade administrativa contra quem viole o bem jurídico tutelado pela mesma, de forma segura, através de uma acusação bem estruturada e respaldada por robustas provas que demonstrem, em tese, a prática de um ato administrativo de extremada gravidade.

Devendo ser ressaltado neste ponto, que a ação de improbidade administrativa rege-se pelo princípio da contraposição dialética, que, além de não admitir condenações jurídicas baseadas em prova alguma, também não tolera decretos condenatórios apoiados em elementos de informação unilateralmente produzidos pelo Ministério Público. A condenação do ordenador de despesas, ou a inclusão do ordenador de despesas como Réu na ação de improbidade administrativa, somente se justificará quando existentes, no processo, e sempre colhidos sob a égide do postulado constitucional do contraditório, elementos de convicção que, demonstrem dados consistentes que possam  legitimar um juízo condenatório pelo Poder Judiciário.

Alguns magistrados entendem que a prova produzida no inquérito civil público é suficiente para o deslinde da controvérsia e, um possível juízo condenatório do acusado.

Nos opomos a tal postura, por entender que somente a prova produzida em juízo pelo  Ministério ou por outro órgão de acusação, sob a égide da garantia constitucional do contraditório, pode revestir-se de eficácia jurídica bastante para legitimar a prolação de uma sentença de condenação pela prática de ato de improbidade administrativa.

Essa é a razão pela qual o art. 155, do Código de Processo Penal, na redação que lhe deu a Lei nº 11.690/2008, dispõe que: “Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”

Já, no Código de Processo Civil de 1973, o seu artigo 131 estabelecia que o juiz deveria apreciar livremente a prova, devendo  indicar, na sentença, os motivos que formaram o seu convencimento.

Contudo, o NCPC, no atual artigo 371 diz  que: “O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.”

No atual modelo processual civil (Art. 6º, do NCPC), o juiz e as partes atuam juntos para um mesmo fim comum: um processo justo. Assim, não seria compatível com esse modelo um juiz passivo, neutro, que se limitasse a chancelar a prova produzida unilateralmente, sem o crivo do contraditório, produzido no inquérito civil público.

Isso porque, na atualidade, ao proferir a decisão, incumbe ao juiz, apresentar uma valoração discursiva da prova, justificando seu convencimento acerca da veracidade das alegações e, indicando os motivos pelos quais acolhe ou rejeita cada elemento do conjunto probatório.

Sendo assegurado aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, como plasmado de garantia fundamental no texto constitucional (art. 5º, inc. LV, da CF), não há como se admitir, sem que se viole a CF, que a prova produzida de forma unilateral e sem o contraditório, sirva de juizo condenatório na ação de improbidade administrativa.

Em outros termos, cabe ao juiz, na valoração da prova, encontrar a verdade que tenha sido demonstrado no processo através dos elementos de prova a ele fornecidos, devendo possibilitar, contudo, que as provas produzidas unilaterais pelas investigações desenvolvidas pelo Ministério Público, sejam contraditadas em juízo, em prol da busca de um processo justo.

Outro não é o magistério de José Frederico Marques[6] para quem "não há prova (ou como tal não se considera), quando não produzida contraditoriamente”. Afinal, salienta o saudoso mestre paulista, “se a Constituição solenemente assegura aos acusados ampla defesa, importa violar essa garantia valer-se o Juiz de provas colhidas em procedimento em que o réu não podia usar do direito de defender-se com os meios e recursos inerentes a esse direito"[7]

Vale referir, ante a extrema pertinência de suas observações, a lição de Fernando da Costa Tourinho Filho[8]:

"(...) Para que o Juiz possa proferir um decreto condenatório, é preciso haja prova da materialidade delitiva da autoria. Na dúvida, a absolvição se impõe. Evidente que a prova deve ser séria, ao menos sensata. Mais ainda: prova séria é aquela colhida sob o crivo do contraditório. Na hipótese de, na instrução, não ter sido feita nenhuma prova a respeito da autoria, não pode o juiz louvar-se no apurado na fase inquisitorial presidida pela Autoridade Policial. Não que o inquérito não apresente valor probatório; este, contudo, somente poderá ser levado em conta se, na instrução, surgir alguma prova, quando então, é lícito ao Juiz considerar tanto as provas do inquérito quanto aquelas por ele colhidas, mesmo porque, não fosse, não fosse assim, estaria proferindo um decreto condenatório sem permitir ao réu o direito constitucional do contraditório. (...)." (g.n.)

Assim, não basta o agente público ou político ostentar a qualificação de ordenador de despesas ou gestor público, para pura e simplesmente ser alçado a condição de Réu, visto que para ele ser responsabilizado subjetivamente, é necessário que esteja caracterizado pelo acervo probatório que atuou com culpa grave ou dolo com má-fé, para fins de subsunção de uma conduta de extrema gravidade violadora de um dos tipos descritos na Lei de Improbidade Administrativa.

O fato de ser ordenador de despesas ou pertencer a posição hierárquica superior no órgão público, por si só, não é suficiente para imputar-lhe responsabilidade perante a Lei nº 8.429/92, visto que a conduta é que será subsumida a um dos tipos da improbidade administrativa se for a hipótese jurídica mais adequada, porquanto tal lei não contempla a hipótese de responsabilidade objetiva, pois vincula-se a atuar contra aquele que praticou até de má-fé e com devassidão.


DA RESPONSABILIDADE CIVIL E ADMINISTRATIVA

DO ORDENADOR DE DESPESA

A doutrina dominante sobre a responsabilidade civil é uníssona em preconizar a necessidade de se ter configurado simultaneamente quatro elementos capazes de demonstrar a responsabilidade subjetiva do agente: ação ou omissão; dano; nexo causal e culpa (negligência, imperícia e imprudência).

O primeiro elemento, ação ou omissão do agente pode ser entendido como, na primeira situação, a ação é o agir positivo, a prática de determinado ato; já a omissão é desprezar ou esquecer algo ou alguém. O direito penal entende por omissão algo que deixa de ser feito quando a pessoa estaria obrigada a fazê-lo por norma jurídica, ou teria condições para tal.

A ação é o ato praticado e a omissão o agir negativo à não-ação.

O segundo elemento, o dano é o prejuízo sofrido ou causados por alguém. Ele pode ser financeiro (patrimonial), físico ou moral.

O terceiro elemento, o nexo causal se vincula à causa e resultado do ato omissivo ou comissivo do agente e o resultado por ela produzido. Examinar o nexo de causalidade é descobrir quais as condutas positivas ou negativas deram causa ao resultado previsto em lei.

Já o quarto elemento, culpa é a falta de diligência na observância norma de conduta, isto é, a ação ou omissão desatenta do agente que gerou prejuízo a outrem, mesmo sem intenção para tal.

Aguiar Dias[9], define a culpa:

“A culpa é falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o  desprezo por parte do agente, do esforço necessário para observa-lo, como resultado, não objetivado, mas previsível, desde que o agente detivesse na consideração das consequências eventuais da sua atitude.”

E o artigo 186, do Código Civil define da seguinte maneira a prática de ato ilícito:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Com efeito, a negligência, a imprudência e a imperícia, que são formas do núcleo objetivo da prática do ato ilícito se aperfeiçoam pela falta de diligência, prevenção e cuidado do agente.

Mais uma vez, abra-se parênteses para registrar a autorizada ótica de Aguiar Dias[10] sobre a matriz do ato ilícito culposo:

“Negligência é a omissão daquilo que razoavelmente se faz, ajustadas condições emergentes às considerações que regem a conduta normas dos negócios humanos. É a inobservância das normas que os ordenam operar com atenção, capacidade, solicitude e discernimento. Consiste na imprudência da precipitação do procedimento sensato. É a afoiteza no agir, o desprezo das cautelas que devemos tomar em nossos atos. Omissão e abstenção usam-se abusivamente como sinônimos, não obstante sua bem perceptível diferença. Omissão é negligência, o esquecimento das regras de proceder, no desenvolvimento da atividade. A abstenção é a inatividade. Genericamente encarada, a omissão pressupõe a iniciativa. A abstenção a excluir. O mesmo se dá em relação à omissão e inércia. Ambos os conceitos exprimem o procedimento negativo, mas a omissão tem significado mais amplo e mais complexo. Em essência, é culpa.”

Dessa forma, se constata que a negligência se relaciona diretamente com a desídia do agente; a imprudência consiste na precipitação; e a imperícia na falta de habilidade.

Já na responsabilidade administrativa o ordenador de despesas, como os demais gestores públicos, respondem perante o o Tribunal de Contas (Controle Externo da Administração Pública), perante o Controle Interno e são fiscalizados pelo Ministério Público, possuindo responsabilidade de natureza subjetiva, não se admitindo a imputação de responsabilidade objetiva, apesar de alguns casos, de forma equivocada, vem ocorrendo a responsabilização de forma objetiva.

Contudo, o Tribunal de Contas da União – TCU pacificou o entendimento de que a responsabilidade do gestor público quando administra recursos públicos é subjetiva.

Nesse sentido, extrai-se trecho do Acórdão nº 386/1995 – 2ª Câmara/TCU/TC nº 574.084/93-2) no qual foi afirmada a impossibilidade de ser invocada a responsabilidade objetiva do agente público pela prática de atos administrativos:

“Por outro lado, o art. 37, § 6°, da Constituição Federal disciplina a responsabilidade objetiva do risco administrativo das pessoas jurídicas de direito público e

das legatárias, por atos praticados pelos agentes públicos, violando direitos de outras pessoas, causando-lhes danos ou prejuízos, uma evolução da responsabilidade civilista. ln fine, o citado parágrafo disciplina que o agente público praticante do ato responde perante a pessoa jurídica responsável por culpa lato sensu. No caso em exame, não se trata de lesão singular a direito, mas à sociedade, por descumprir um dever implícito na função pública, fundado em princípios que norteiam o Direito Público, cujo controle ab initio cabe ao Tribunal, nos termos do retromencionado art. 71 e seguintes da Constituição Federal.

Preleciona o mestre Hely Lopes Meirelles: ‘A responsabilização de que cuida a Constituição é a civil,

visto que a administrativa decorre da situação estatutária e a penal está prevista no respectivo Código, em capítulo dedicado aos crimes funcionais (arts. 312 a 317).'

Tal entendimento foi reiterado no acórdão nº 67/2003 – 2ª Câmara/TCU (TC nº 325.165/1997-1):

'A responsabilidade dos administradores de recursos públicos, escorada no parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal e no artigo 159 da Lei n° 3.071/1916, segue a regra geral da responsabilidade civil. Quer dizer, trata-se de responsabilidade subjetiva. O fato de o ônus de provar a correta aplicação dos recursos caber ao administrador público não faz com que a responsabilidade deixe de ser subjetiva e torne-se objetiva. Esta, vale frisar, é responsabilidade excepcional, a exemplo do que ocorre com os danos causados pelo Estado em sua interação com particulares - art. 37, § 6°, da Constituição Federal.

A responsabilidade subjetiva, vale dizer, possui como um dos seus pressupostos a existência do elemento culpa. Neste sentido, permito-me transcrever Silvio Rodrigues (Direito Civil, Responsabilidade Civil, pág. 16): 'Culpa do agente. O segundo elemento, diria, o segundo pressuposto para caracterizar a responsabilidade pela reparação do dano é a culpa ou o dolo do agente que causou o prejuízo. A lei declara que se alguém causou o

prejuízo a outrem por meio de ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, fica obrigado a reparar. De modo que, nos termos da lei, para que responsabilidade se caracterize mister se faz a prova de que o comportamento do agente causador do dano tenha sido doloso ou pelos menos culposo.'.”

Da mesma forma, no Acórdão nº 249/2010-Plenário,[11] foi averbado:

“Preliminarmente, ressalto que a responsabilidade desses agentes é subjetiva.”

Diversos outros julgados do TCU, Plenário, mantiveram-se fiéis a essa orientação da responsabilidade subjetiva dos administradores de recursos públicos: Acórdãos nº 46/2001; 175/2003; 33/2005; 46/2006; 975/2006 e 487/2008.

Cabendo ressaltar que o Tribunal de Contas exerce competência constitucional privativa de julgar as contas dos Administradores Públicos,[12] formulando, dessa forma, juízo de valor acerca da gestão dos   responsáveis por seus bens e valores públicos, podendo condenar em débito e aplicar sanções de natureza pecuniária e restritivas de direitos que encontram paralelo na esfera penal.

Apesar de haver uma confluência na atuação dos Tribunais de Contas com os princípios da responsabilidade civil e da responsabilidade penal, não se pode perder de vista que nem toda infração cometida pelo gestor público se desdobrará compulsoriamente em improbidade administrativa, porquanto é de se identificar a conduta e o núcleo do tipo do ato lesivo, para depois concluir qual a responsabilidade a ser imputada ao mesmo, pela prática de ato de extrema gravidade, subsumindo com dolo, má-fé e de desonestidade.

Nessa direção, o art. 21, inc. II, da Lei nº 8.429/92, esclarece que a aplicação das sanções previstas no aludido ordenamento jurídico independe “da aprovação ou rejeição da contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas.”

Assim esclarece o próprio Tribunal de Contas da União quanto a responsabilidade do agente público:[13]

“A responsabilização nos processos dos tribunais de contas se origina de conduta comissiva do agente, dolosa ou culposa, cujo resultado seja a violação dos deveres impostos pelo regime de direito público aplicável àqueles que administram recursos do Estado ou ainda aos que, sem deter essa condição, causarem prejuízo aos cofres públicos.

Considerando a natureza subjetiva e o caráter peculiar acima expostos, os requisitos indispensáveis à configuração da responsabilidade no âmbito nos Tribunais de Contas, que serão examinados detidamente mais adiante, são

- prática de ato ilícito na gestão de recursos federais por agente sob a jurisdição do tribunal, havendo ou não prejuízo ao erário;

- existência de dolo ou culpa como elemento subjetivo da ação;

- existência de nexo de causalidade entre a ação ou omissão do agente público ou privado e o resultado nocivo observado.”

O artigo 5º, da Lei Orgânica do TCU estabelece a seguinte jurisdição:

“Art. 5° A jurisdição do Tribunal abrange:

I - qualquer pessoa física, órgão ou entidade a que se refere o inciso I do art. 1° desta Lei, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária;

II - aqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao Erário;

III - os dirigentes ou liquidantes das empresas encampadas ou sob intervenção ou que de qualquer modo venham a integrar, provisória ou permanentemente, o patrimônio da União ou de outra entidade pública federal;

IV - os responsáveis pelas contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo.

V - os responsáveis por entidades dotadas de personalidade jurídica de direito privado que recebam contribuições parafiscais e prestem serviço de interesse público ou social;

VI - todos aqueles que lhe devam prestar contas ou cujos atos estejam sujeitos à sua fiscalização por expressa disposição de Lei;

VII - os responsáveis pela aplicação de quaisquer recursos repassados pela União, mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;

VIII - os sucessores dos administradores e responsáveis a que se refere este artigo, até o limite do valor do patrimônio transferido, nos termos do inciso XLV do art. 5° da Constituição Federal;

IX - os representantes da União ou do Poder Público na Assembleia Geral das empresas estatais e sociedades anônimas de cujo capital a União ou o Poder Público participem, solidariamente, com os membros dos Conselhos Fiscal e de Administração, pela prática de atos de gestão ruinosa ou liberalidade à custa das respectivas sociedades.”

Não havendo conduta culposa ou dolosa do ordenador de despesa, não há, em regra, responsabilidade perante o Tribunal de Contas.

Como se sabe, o dolo corresponde à vontade livre e consciente de alcançar o resultado. Ele decorre da previsão consciente do agente de causar um resultado danoso quando age de forma contrária ao dever jurídico.

Para haver a responsabilidade do ordenador de despesas perante a Lei nº 8.429/92 a conduta deve vir precedida de culpa grave ou dolo exteriorizados na prática de ato de  extremada gravidade.

O tipo culposo (culpa simples) não é suficiente para a subsunção da conduta do ordenador de despesas ou do agente público, no tipo descrito no artigo 10, da Lei nº 8.429/92, mas sim a culpa na forma grave, caracterizada por uma extrema inobservância do dever de lealdade e de probidade, visto que na improbidade administrativa deve haver o componente má-fé  e desonestidade no ato administrativo praticado pelo agente.


ORDENADOR DE DESPESA QUE NÃO PRATICA ATO DE MÁ-FÉ COM DOLO OU CULPA GRAVE NÃO RESPONDE AOS TERMOS DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

No Brasil, o servidor público chamado de Ordenador de Despesa é aquela autoridade que seus atos resultam em emissão de empenho, autorização de pagamento, suprimento ou dispêndio de recursos, segundo dispõe o Decreto-Lei nº 200/67. Também pode ser caracterizado como autoridade com atribuições definidas em ato próprio, entre os quais as de movimentar créditos orçamentários, empenhar despesas e efetuar pagamentos.

O Ordenador de Despesas deve possuir conhecimento em diversas áreas, visto que terá que tomar decisões e informações em finanças, contratos, licitações, obras, recursos humanos, transparência, bens patrimoniais, dentre outros.

Como nem todo ordenador de despesas possui qualificação técnica em Contabilidade ou em Administração, deverá se socorrer de equipe com conhecimento básico na área de gestão. Ou servidores responsáveis pelas áreas de gestão financeira e de pessoal.

Os atos do ordenador de despesas devem ser pautados pela regularidade de uma gestão equilibrada, pois ele é o responsável pela aplicação orçamentária do ente público ao qual se encontra vinculado, na forma do art. 70, da CF.

Por outro lado, é importante destacar a distinção entre ordenador de despesa, autoridade responsável e gestor fiscal.

A autoridade responsável por bens públicos ou pelos pagamentos de RH (Recursos Humanos) possuem funções muito mais amplas que o do ordenador de despesa.  O responsável por bens públicos e pelo setor de pessoal tem competência de deferir a realização de despesas, além de ser o responsável pela administração dos haveres públicos. No campo da Administração de Pessoal, o responsável pelo setor faz o devido cotejo entre os direitos, obrigações e a legislação aplicável a servidores estatutários, servidores celetistas, servidores contratados, aposentados e pensionistas. Essas autoridades responsáveis por essas atribuições também se submetem à fiscalização orçamentária, financeira, contábil, patrimonial e operacional. Portanto, as funções desempenhadas pela autoridade responsável incluem aquelas desempenhadas pelo ordenador de despesa.

O Gestor Fiscal é o dirigente máximo do poder e é responsável pelo cumprimento das regras estabelecidas na Lei de Responsabilidade Fiscal.

O Ordenador de Despesas, como visto, é a autoridade administrativa detentora de competência de ordenar a execução de despesas orçamentárias como a emissão de notas e empenho e a autorização para liquidação de despesas, na forma do art. 80, do Decreto-Lei nº 200/67. Salvo se praticar ato em conluio com a autoridade responsável (gestor público) ele responderá pela prática de atos praticados por seus subordinados.

Eis a dicção do art. 80, do Decreto-Lei nº 200/67:

 “Art. 80. Os órgãos de contabilidade inscreverão como responsável todo o ordenador da despesa, o qual só poderá ser exonerado de sua responsabilidade após julgadas regulares suas contas pelo Tribunal de Contas.

 § 1° Ordenador de despesas é toda e qualquer autoridade de cujos atos resultarem emissão de empenho, autorização de pagamento, suprimento ou dispêndio de recursos da União ou pela qual esta responda.

§ 2º O ordenador de despesa, salvo conivência, não é responsável por prejuízos causados à Fazenda Nacional decorrentes de atos praticados por agente subordinado que exorbitar das ordens recebidas.” (g.n.)

Do contrário, somente pela ação ou omissão subsumidos em um dos tipos descritos na Lei nº 8.429/92 é que o ordenador de despesas responderá subjetivamente.

Como visto, o ordenador de despesas não é responsável por atos praticados por agente subordinado, necessitando atuar em culpa grave ou dolo na prática de ato ilícito para, em tese, ser responsabilizado por ato ímprobo, pelo fato de não responder objetivamente por falhas ou por atos ilegais.

O ordenador de despesas, que pode ser originário ou principal, é a autoridade que possui poderes e competências para ordenar as despesas orçamentárias definidas em lei e/ou em regulamento específico. Por se tratar de autoridade que detém legalmente tais atribuições, fala-se que seu poder ordenatório é originário.

Os ordenadores de despesas originários são os Prefeitos, Presidentes dos Poderes Legislativo e Judiciário, os Ministros e Secretários de Estado, assim como dirigentes de Autarquias, Fundações, Sociedades de Economia Mista, empresas públicas, etc.

Já o ordenador de despesas derivado ou secundário é aquele que recebe, via instituto da delegação, as competências e atribuições do ordenador de despesas originário.

Assim sendo, para o exame e inspeção de qualquer despesa pública torna-se necessário, antes de mais nada, identificar quem autorizou a despesa.

Geralmente, os ordenadores de despesas que desempenharam cargos políticos, como, por exemplo, os Prefeitos,  exerceram função política, possuem servidores públicos profissionais, inclusive na área de orçamento, de contratações e de gestão de pessoal, dentre outras áreas, com atribuições específicas de observar os direitos e os deveres de todos os que recebem verbas municipais, bem como são responsáveis por contratações e pelo processo de licitação, praticando todos os atos necessários à fiel observância da melhor contratação pública, em respeito ao princípio da economicidade.

Por essa razão, como dito por Rui Cirne Lima, é importante distinguir os ordenadores, chamados “condutores políticos” (caso do Prefeito, como por exemplo), dos ordenadores ditos “funcionários profissionais” e dos responsáveis pela prática do ato.

Eis a diferenciação feita por Rui Cirne Lima[14]:

“(...)

Condutores políticos são essencialmente todos quantos, isoladamente ou em grupo, exercem o poder de orientar e dirigir as atividades do Estado, dividir a tarefa estatal, determinar funções, ordenar serviços, fixar competências ‘São, antes de tudo, portadores de ideias.’

Quatro características, independentes entre si, sinalam o funcionário público profissional: a) a natureza técnica ou prática do serviço prestado; b) a retribuição, de cunho profissional; c) a vinculação jurídica à União, ao Estado, ao Distrito Federal ou ao Município: d) o caráter permanente dessa vinculação, segundo uma disciplina legal específica.

(...)”

Essa diferenciação é fundamental no exame da ordenação de despesa pública, pois se é distinta a responsabilidade, diversa deverá ser a sanção caso haja a responsabilidade por pagamento indevido ou gasto excessivo em uma contratação.

Dentre os condutores políticos, pode-se enumerar: o Presidente da República, os Ministros de Estado, o Governador, os Secretários de Estado, o Prefeito e os Secretários de Estado.

Esses ordenadores, pelas funções que lhes incumbem e que condicionam as forças da ação administrativa, são detentores primários e originários.

Os ordenadores de despesa secundários, como já dito, são os funcionários públicos profissionais, os quais possuem competência para tal fim, bem como qualificação técnica.

Assim, para que haja a responsabilidade dos ordenadores, torna-se necessária a verificação da ilegalidade ou ilegitimidade dos atos de ordenação de despesa, ou seja, se os mesmo praticaram infrações graves, visto que a responsabilidade perante a Lei de Improbidade Administrativa é subjetiva e deve ter o substrato da má-fé e da desonestidade no âmago do ato ilícito.

Por outro lado, a área administrativa comumente denominada de “Recursos Humanos”, ou RH, é a responsável por diversos atos de pessoal, como por exemplo: concurso, registros, documentações, pagamentos, concessão de benefícios, controle de ponto e etc.

Esse setor também pode ser reconhecido por outros nomes, como gestão de pessoas e gestão de recursos humanos.

O RH é o setor responsável pelo pagamento de atribuições técnicas e direitos e vantagem dos servidores públicos de uma maneira geral, e não os seus Prefeitos no caso do Município, ou do Ordenador de Despesa primário, que não possuem qualificações técnicas, visto que são políticos, e não possuem conhecimento para verificarem ou interpretarem normas jurídicas para a correta aplicação de direitos e vantagens dos servidores públicos.

A moderna gestão entende que o gerenciamento de pessoas é compromisso de todos os gestores e/ou chefias dos órgãos públicos. Por ser o elemento de continuidade de uma organização entre as diferentes gestões, o gestor deve ser desenvolvido, orientado e motivado de forma sistêmica e contextualizada.

Como o ordenador de despesas primário geralmente não consegue controlar todos os gastos públicos, a Constituição Federal, em seu artigo 74, estabeleceu individualmente o controle interno nos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

As atividades de auditoria interna do órgão público são regidas pela Constituição Federal (arts. 70 e 74), Lei nº 4.320/67 (arts. 75 a 80 e 84) e Lei Complementar nº  101/2000 (arts. 49 e 56), cabendo à auditoria interna, por meio de análises de amostras e por critérios de relevância, verificar toda a realidade administrativa do órgão, desde o seu planejamento orçamentário até a folha de pagamento e a economicidade nas aquisições.

Conforme entendimento do TCU, a auditoria interna é essencial para detectar precocemente riscos ainda não adequadamente tratados, e fornecer a certeza de que os controles internos administrativos são efetivos. (Acórdão TCU ° 3023/2013 - Plenário), Este foi um levantamento de governança e gestão de pessoas em unidades da Administração Pública Federal, onde foram fiscalizadas 330 unidades jurisdicionadas pelo TCU.

Extrai-se do acórdão do TCU a necessidade de uma boa governança de pessoas vinculada a permanentes auditorias na folha de pagamentos, não só para verificar a existência de pagamentos irregulares, mas também para detectar riscos e restabelecer o controle interno da área.[15]

“3.2.6 Controle de Concessão de direitos e vantagens

171. A figura abaixo apresenta a distribuição em ‘Controle da concessão de direitos e vantagens:

172. Esse é o único componente do modelo em que poucas organizações foram avaliadas com capacidade inicial. O resultado era esperado, uma vez que os gestores e os órgãos de controle da APF costumam concentrar mais esforços no aspecto da legalidade que nos da eficiência e da efetividade da gestão de pessoas.

173. A única situação merecedora de destaque é que 42% das organizações informaram não realizar auditorias internas na folha de pagamento de forma sistemática (Questão 83). Entre essas, 7% não têm previsão para adotar a prática, 9% pretendem adotá-la, 4% iniciaram ou

concluíram planejamento para adotá-la e 22% adotam-na de forma assistemática. Somente no segmento EXE- Mil (órgãos das Forças Armadas), 100% das organizações responderam que adotam integralmente a prática.

174. Com base na experiência desta Unidade Técnica, é possível afirmar que os benefícios gerados pela adoção dessa prática costumam superar muito os seus custos, haja vista se tratar de despesas continuadas. A interrupção de eventuais pagamentos irregulares continuados gera elevado benefício financeiro para os cofres públicos; pois, ainda que se trate de parcelas de pequeno valor, quando o pagamento é efetuado durante longo período, o montante total do prejuízo torna-se significativo. Ademais, os custos decorrentes da adoção sistemática de tal prática podem ser reduzidos, por exemplo, por meio da automatização de trilhas de auditoria ou da celebração de acordos de cooperação que visem ao compartilhamento de custos entre mais de uma organização.

175. Ressalte-se que a boa governança de pessoas pressupõe razoável garantia de regularidade dos pagamentos, e a auditoria em folha é um instrumento relevante para esse fim. Portanto, as organizações públicas devem garantir a realização sistemática desse tipo de auditoria não apenas para verificar a existência de pagamentos irregulares, mas também para detectar tempestivamente riscos ainda não adequadamente tratados e fortalecer os controles internos da área.”

O setor responsável deve realizar auditorias, inspeções e fiscalizações anuais em relação à economicidade, eficácia, eficiência, legitimidade e legalidade da gestão contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, bem como das metas, transparência e programas realizados pelo órgão. Tal controle se estende para as contratações e serviços que o órgão público efetivar.

Mais especificamente, por exigência dos art. 70, 74 e 75 da Constituição Federal, art. 54 e 59 da Lei Complementar nº 101/2000, art. 77 e 78 da Lei nº 4.327/64 e art. 7°, VII, letra "b" da Lei nº 12.527/2011, os procedimentos de fiscalização do Controle Interno devem abarcar todas as despesas com pessoal, folha de pagamento, rotinas de controle de ponto dos servidores, licitações, contratos, obras, convênios, utilização dos veículos oficiais, inventários anuais, almoxarifado, e etc.

Assim dispõe o art. 74 da CF:

“Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;

II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;

III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;

IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

§ 1º Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.” (g.n.)

Dessa forma, o responsável pela folha de pagamento de órgão Público é o Chefe de RH, que sofre fiscalização do controle interno, que se tomar conhecimento ou for omisso em sua função de controle de legalidade no pagamento das obrigações, inclusive com a sua folha de pagamento, será responsabilizado por seus atos e não o ordenador de despesas objetivamente.

Nesse sentido, segue a orientação de Fernando Facury Scaff e Luma Cavaleiro de Macedo Sacaff,[16] ao comentarem o disposto no § 1º, do art. 74, da CF:

“(...)

O § 1º estabelece a responsabilidade dos órgãos de controle interno com a apuração de eventuais ilegalidades ou irregularidades que tomarem conhecimento em razão de sua atividade funcional. Diferente dos órgãos de controle externo, que possuem poderes expressos na Constituição (vide artigos 71 e 72) para sustação de atos considerados ilegais, os órgãos de controle interno têm o dever de relatar ao Tribunal de Contas da União, as irregularidades que forem encontradas sob pena de responsabilidade funcional solidária.

Duas são tônicas do preceito. A primeira é a de tentar vincular dos sistemas, fazendo que a atividade de controle interno sirva de auxiliar para a de controle externo.

E a segunda é a de tentar desvincular os órgãos de controle interno da submissão aos Poderes dos quais faz parte, sob pena de responsabilidade funcional e solidária dos envolvidos, com as irregularidades que forem apuradas e não informadas, por aqueles que tinham o dever funcional de conhecê-los e, delas tomando conhecimento, não as comunicaram.

(...)” (grifamos)

Dessa forma, os atos praticados pelo RH das Prefeituras, como por exemplo, ou qualquer outro ente público sofrem, obrigatoriamente, a fiscalização do controle interno, órgãos responsáveis pela fiel aplicação da legislação aos servidores públicos, no que se refere ao recebimento de direitos e de vantagens.

A omissão do controle interno do órgão gera responsabilidade por ato de improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429/92, como destaca o Ministro Alexandre de Morais[17], nos seus comentários ao § 1º, do art. 74, da CF:

“(...)

Importante ressaltar que esse sistema integrado de controle externo, pois o próprio § 1º, do art. 74 prevê a obrigatoriedade dos responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darem ciência ao Tribunal de Contas, sob pela de responsabilidade solidária. Note-se, inclusive, sob pena de, em tese, responsabilidade por ato de improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429/92. (...)” (grifamos)

O Ordenador de Despesas originário geralmente, não é o responsável por esse controle interno, e nem é a sua função fiscalizar o Departamento Pessoal para verificar a fiel execução da legislação aplicável aos servidores públicos efetivos, celetistas, contratados, aposentados e pensionistas.

É dever do Tribunal de Contas quando de sua fiscalização verificar se o órgão inspecionado possui controle interno, responsável pelo cumprimento da legalidade, eficácia e eficiência, na atividade pública fiscalizada, na forma do art. 74 da CF.

Dessa forma, compete ao Tribunal de Contas, quando de sua inspeção, atestar se a estrutura administrativa fiscalizada funciona um sistema de Controle Interno implementado, responsável não só pela salvaguarda dos registros administrativos, mas sobretudo pela realização de atividade pública voltada para que a área do departamento de pessoal seja realizada com legalidade, eficácia e eficiência .                      

Constatada a existência do Controle Interno na estrutura administrativa,  o Tribunal de Contas identificará se o Departamento de Pessoal também é operante, e possui as informações necessárias para a prevenção de erros na concessão de benefícios e na folha de pagamentos.

Assim, a responsabilidade por erros ou equívocos na área de pessoal é do respectivo departamento e do controle interno, que são os ordenadores de despesas secundários, que praticam diretamente atos inerentes à fiel e correta aplicação dos direitos e das vantagens aos servidores públicos estatutários e celetistas, bem como dos contratados temporariamente, se houver aposentados, pensionistas e etc.

É dever da Corte de Contas na sua inspeção ou no julgamento das despesas, verificada irregularidade ou ilegalidades, identificar os responsáveis pelas diversas áreas e escalões da Administração Pública inspecionada, para que os mesmos possam se defender de futuras imputações, inclusive perante a Lei nº 8.429/92, visto que o ordenador de despesa primário ou originário não responde objetivamente aos termos da lei de improbidade administrativa.

No caso de serem constatadas ilegalidades pela inspeção do Tribunal de Contas é necessária a identificação dos responsáveis pela prática do ato ou do respectivo controle do mesmo, para se não se impute a responsabilidade objetiva ao ordenador de despesa primário.

Cabendo ressaltar que o § 2º, do art. 80, do Decreto-Lei nº 200/67, retira a responsabilidade do ordenador de despesa , salvo conivência, por prejuízos causados ao erário por agente subordinado que exorbitar das ordens recebidas.


DA ATUAÇÃO DO ORDENADOR DE DESPESAS EM RELAÇÃO AOS CONTRATOS COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Da mesma forma que o ordenador de despesa originário nem sempre é responsável pela prática de atos voltados à gestão de pessoal, em relação aos contratos firmados pela Administração Pública, apesar dele geralmente assinar o contrato administrativo (prática de ato de ofício), deve atuar um gestor público, com a finalidade de verificar a regularidade e a economicidade da respectiva contratação.

Nos pregões (Lei nº 10.520/2002) o ordenador de despesa nomeará autoridade competente para tomar todos os atos necessários para o fiel e bom cumprimento da delegação recebida, que visa contratar a melhor proposta para o poder público, dentro dos princípios de economicidade, eficiência, legalidade, isonomia, dentre outros.

Já na fase preparatória do pregão, o art. 3º, da Lei nº 10.520/2002, determina as seguintes providências:

“Art. 3º  A fase preparatória do pregão observará o seguinte:

I - a autoridade competente justificará a necessidade de contratação e definirá o objeto do certame, as exigências de habilitação, os critérios de aceitação das propostas, as sanções por inadimplemento e as cláusulas do contrato, inclusive com fixação dos prazos para fornecimento;

II - a definição do objeto deverá ser precisa, suficiente e clara, vedadas especificações que, por excessivas, irrelevantes ou desnecessárias, limitem a competição;

III - dos autos do procedimento constarão a justificativa das definições referidas no inciso I deste artigo e os indispensáveis elementos técnicos sobre os quais estiverem apoiados, bem como o orçamento, elaborado pelo órgão ou entidade promotora da     licitação, dos bens ou serviços a serem licitados; e

IV - a autoridade competente designará, dentre os servidores do órgão ou entidade promotora da licitação, o pregoeiro e respectiva equipe de apoio, cuja atribuição inclui, dentre outras, o recebimento das propostas e lances, a análise de sua aceitabilidade e sua classificação, bem como a habilitação e a adjudicação do objeto do certame ao licitante vencedor.”

Designados pela autoridade competente, os servidores do órgão tomador do serviço, o pregoeiro e a respectiva equipe de apoio, se houver qualquer vício de legalidade no certame capaz de ensejar a responsabilidade perante os termos da Lei nº 8.429/92, deve-se identificar os responsáveis diretos pelas falhas, deixando de lado o ordenador de despesas, salvo se tiver atuado em conluio com o subordinado, porquanto se apenas e tão somente tenha praticado ato de ofício de assinar o instrumento contratual com o vencedor do certame, não lhe poderá ser atribuída a responsabilidade objetiva. Todavia, se for comprovada a prática de ato ilícito do ordenador de despesas, como por exemplo, o conluio, a simulação ou o ardil ligadas a uma desonestidade, o mesmo terá responsabilidade subjetiva para responder sob uma possível prática de ato de improbidade administrativa.

Não existindo essas hipóteses narradas, não há como se sustentar a responsabilidade objetiva do ordenador de despesa pelo fato dele ter subscrito o contrato com o vencedor da licitação.

Já a Lei nº 8.666/93 aborda as seguintes atribuições de responsabilidade da autoridade do órgão público designado pelo ordenador de despesas ou pela autoridade máxima:

  • O pagamento de todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações deverá obedecer, para cada fonte de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante justificativa da autoridade competente, devidamente publicada  (art. 5º).
  • As licitações para execução de obras e para a prestação de serviços será precedida da conclusão e aprovação pela autoridade competente, dos trabalhos relativos às etapas anteriores, à execução do projeto executivo, o qual poderá ser desenvolvido concomitantemente com a execução das obras e serviços será precedida da conclusão e aprovação pela autoridade competente, dos trabalhos relativos às etapas anteriores, à execução do projeto executivo, o qual poderá ser desenvolvido concomitantemente com a execução das obras e serviços, desde que autorizado pela Administração. Compete também à autoridade competente aprovar o projeto básico das obras e dos serviços, quando houver a necessidade (art. 7º, § 1º e § 2º);
  • “É proibido o retardamento imotivado da execução da obra ou serviço, ou de suas parcelas, se existente previsão orçamentária para sua execução total, salvo insuficiência financeira ou comprovado motivo de ordem técnica, justificados em despacho circunstanciado da autoridade...” (art. 8º, parágrafo único);
  • Autoridade competente poderá alienar os bens imóveis da Administração Pública, cuja aquisição haja derivado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento (art. 19);
  • As dispensas de licitação previstas nos §§ 2º e 4º, do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade constantes no art. 25, necessariamente justificadas, deverão ser comunicados, dentro de três dias, à autoridade superior, para satisfação e publicação na imprensa oficial,  no prazo  de 5 (cinco) dias, como condição de validade dos atos (art. 26);
  • “Sempre que o valor estimado para uma licitação ou para um conjunto de licitações simultâneas ou sucessivas for superior a 100 (cem) vezes o limite previsto no art. 23, inciso I, alínea “c” desta Lei, o processo licitatório será iniciado, obrigatoriamente, com uma audiência pública concedida pela autoridade responsável com antecedência mínima de 15 (quinze) dias úteis da data prevista para a publicação do edital, e divulgada, com antecedência mínima de 10 (dez) dias úteis de sua realização, pelos mesmos meios previstos para a publicação da licitação, a qual terão acesso o direito a todas as informações pertinentes e se manifestar todos os interessados.” (art. 39);
  • O original do Edital deverá ser datado, rubricado em todas as folhas e assinado pela autoridade que o expedir, permanecendo no processo de licitação, e dele extraindo-se cópias integrais ou resumidas, para sua divulgação e fornecimento aos interessados.” (§ 1º, do art. 40);
  • A licitação será processada e julgada com deliberação da autoridade competente quanto à homologação e adjudicação do objeto da licitação. Também é facultada à Comissão ou autoridade superior, em qualquer fase da licitação, a promoção de diligência destinada a esclarecer ou complementar a instrução do processo, vedada a inclusão posterior de documento ou informação que deveria constar originalmente da proposta (art. 43, VI e § 3º);
  • “Excepcionalmente, os tipos de licitação previstos neste artigo poderão ser adotados, por autorização expressa e mediante justificativa circunstanciada da maior autoridade da Administração promotora constante do ato convocatório, para fornecimento de bens e execução de obras ou prestação de serviços de grande vulto majoritariamente dependentes de tecnologia nitidamente sofisticada e de domínio restrito, atestado por autoridades técnicas de reconhecida qualificação, nos casos em que o objeto pretendido admitir soluções alternativas e variações de execução, com repercussões significativas sobre sua qualidade, produtividade, rendimento e durabilidade concretamente mensuráveis, e estas puderem ser adotadas à livre escolha dos licitantes, na conformidade dos critérios objetivamente fixados no ato convocatório.” (§ 3º, do art. 46);
  • “A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado.” (art. 49);
  • “No caso de convite, a Comissão de licitação, excepcionalmente, nas pequenas unidades administrativas e em face da exiguidade de pessoal disponível, poderá ser substituída por servidor formalmente designado pela autoridade competente.” (§ 1º, do art. 51);
  • O critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras. Para obras e serviços de grande vulto envolvendo alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis, demonstrados através de parecer tecnicamente aprovado pela autoridade competente, o limite de garantia previsto no parágrafo anterior poderá ser elevado para até dez por cento do contrato.” (art. 56 e § 3º);
  • Toda prorrogação de prazo deverá ser justificada por escrito e previamente autorizada pela autoridade competente para celebrar o contrato.” (art. 57, § 2º);
  • Constitui motivo para rescisão do contrato o desatendimento das determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução, assim como a de seus superiores, bem como as razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato (art. 78, VII e XII);
  • “A rescisão administrativa ou amigável deverá ser precedida de autorização escrita e fundamentada da autoridade competente.” (§ 1º, do art. 79);
  • “A declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.” (inc. IV, do art. 87);
  • “O recurso previsto nas alíneas "a" e "b" do inciso I deste artigo terá efeito suspensivo, podendo a autoridade competente, motivadamente e presentes razões de interesse público, atribuir ao recurso interposto eficácia suspensiva aos demais recursos”. “O recurso será dirigido à autoridade superior, por intermédio da que praticou o ato recorrido, a qual poderá reconsiderar sua decisão, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, ou, nesse mesmo prazo, fazê-lo subir, devidamente informado, devendo, neste caso, a decisão ser proferida dentro do prazo de 5 (cinco) dias úteis, contado do recebimento do recurso, sob pena de responsabilidade” (Art. 109, §§ 2º e 4º);
  • “A adoção do procedimento de pré-qualificação será feita mediante proposta da autoridade competente, aprovada pela imediatamente superior.” (Art. 114, § 1º)
  • “Os órgãos da Administração poderão expedir normas relativas aos procedimentos operacionais a serem observados na execução das licitações, no âmbito de sua competência, observadas as disposições desta Lei”. “As normas a que se refere este artigo, após aprovação da autoridade competente, deverão ser publicadas na imprensa oficial.” (Art. 115, § único).

Geralmente esses atos são praticados por gestores públicos designados pelo ordenador de despesa ou pela autoridade máxima do órgão público, onde são nomeadas Comissões responsáveis para a fiel execução do contrato administrativo e da licitação.

A autoridade máxima delega poderes para os seus comandados, pois seria muito difícil que ela controlasse a legalidade de todos os atos praticados por seus comandados.

Dessa forma, nasce a responsabilidade funcional dos gestores públicos responsáveis pela prática de atos funcionais necessários ao fiel cumprimento das normas de condutas, caso sejam identificadas ilegalidades extremas que estejam tipificadas na Lei de Improbidade Administrativa, sendo vedada a imputação objetiva ao ordenador de despesas, salvo se ele tenha praticado ato de má-fé e desonesta em detrimento da probidade administrativa,

Isso porque, a improbidade é conduta subjetiva, ligada à prática de atos imorais e desonestos, construídos pela má-fé do agente.

Ou pela definição de Marçal Justen Filho[18]:

“A improbidade por responsabilidade extraordinária se verifica nos casos em que o sujeito atua dolosamente para violar os deveres inerentes à função pública, de modo a gerar resultados ilícitos. Existe a improbidade porque o sujeito atua consciente e voluntariamente com o intento de violar a ordem administrativa, usualmente para propiciar para si ou para outrem benefícios econômicos indevidos. Essa hipótese está prevista nos arts. 9º e 11 da LIA.

A improboidade por danosidade extraordinária é aquela em que a reparação resulta da conduta do agente de produzir um dano insuportável e inadmissível no âmbito da atividade administrativa. a probabilidade de dano extraordinário exige do sujeito um dever de diligência especial.”

Existindo gestores e controle interno, a ausência de relação causal retira do ordenador de despesa a prática de ato de improbidade administrativa:

“ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE   ADMINISTRATIVA.  AGRAVO  INTERNO  NO

RECURSO  ESPECIAL. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA E O   ATO   ILÍCITO.   MERA   IRREGULARIDADE.   ATO   DE   IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NÃO  CARACTERIZADO.

1.  A  declaração  da  existência,  ou  não,  da  prática de atos de improbidade,  em  casos  como  o  presente, não reclama o reexame de fatos  ou  provas.  Com efeito, o juízo que se impõe restringe-se ao enquadramento  jurídico,  ou  seja,  à  consequência  que  o Direito atribui aos fatos e provas que, tal como delineados pelas instâncias ordinárias,  darão  suporte  à condenação. 2. A decisão agravada, em momento  algum,  alterou  as premissas estabelecidas pela origem; ao invés,  limitou-se  a  asseverar  que,  segundo  o  arcabouço fático delineado,  não  restou  comprovada  prática  de  ato de improbidade administrativa,  porquanto  inexistente  nexo  de causalidade direto entre   a   conduta   perpetrada  pelo  recorrente  (solicitação  de patrocínio) e a contratação direta da empresa.

3.  A existência de meras irregularidades administrativas não enseja a aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.429/1992. A razão para tanto  é  que  "a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil,  mas  sim  o  desonesto,  o  corrupto,  aquele desprovido de lealdade e boa-fé; e por isso, necessário o dolo genérico na conduta do  agente" (REsp 1512047/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2015, DJe 30/06/2015).

4. Agravo interno improvido.”[19]

As irregularidades administrativas que possam ser identificadas pelo Tribunal de Contas ou pelo Ministério Público devem ser precisas e voltadas para os agentes públicos responsáveis por tais falhas, praticadas de má-fé e com uma reprovabilidade extraordinária vinculada a desonestidade.

Não existe responsabilidade compulsória e automática do ordenador de despesa ou da autoridade máxima do órgão, se ele não praticou ato imoral ou ímprobo, pois a sua responsabilidade é subjetiva. Não é cabível ter-se como presente o elemento doloso  ou a má-fé do gestor público se ele adota exatamente a mesma conduta que sempre fora praticada e que merecera aprovação de órgãos de controle. Mesmo que se reconheça uma irregularidade de conduta, exclui-se a presença do elemento subjetivo que caracteriza a improbidade.

Seria o mesmo, à guisa de exemplo, que punir o Presidente da República ou os seus Ministros por uma eventual pagamento de vantagens indevidas aos servidores públicos federais ou que fossem detectadas contratações ou licitações irregulares. Existem controles de Recursos Humanos e o controle interno dos órgãos públicos que possuem a atribuição de verificar a correta aplicação da legislação de pessoal e da Lei nº 8.666/93, sem que com isso, detectada falha dos controles, a responsabilidade recaia para o gestor público político ou originário.  

Não sendo apontada uma única conduta do ordenador desonesta  capaz de caracterizar ato de improbidade administrativa, não há como prosperar a ação de improbidade administrativa contra ele:

“A Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé, e por, necessário o dolo genérico na conduta do agente.”[20]                      

No mesmo sentido, seguem os seguintes precedentes do STJ:

“PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ELEMENTO  SUBJETIVO  DOLO  NÃO  CARACTERIZADO.  AUSÊNCIA  DE DANO AO ERÁRIO,  ENRIQUECIMENTO  ILÍCITO  OU  VIOLAÇÃO  A  PRINCÍPIO. SÚMULA 7/STJ.

1.  Cuida-se  de  ação  civil  pública,  que  busca ressarcimento de pretenso  dano ao erário, decorrente de licitação para compra de uma unidade  móvel  de  saúde,  alegando  o  Ministério  Público Federal improbidade  administrativa  por ausência de publicação do edital em

jornal de circulação estadual.

2.  Na sentença de primeiro grau, o pedido foi julgado improcedente, absolvendo os agravados das acusações de improbidade administrativa. O  Tribunal  de  origem  manteve  a  sentença  de primeiro grau, que afastou  a  improbidade  administrativa,  afirmando que houve apenas "mera  irregularidade,  não  caracterizando  desonestidade, má-fé ou improbidade, na conduta dos recorridos".

3. As considerações feitas pelo Tribunal de origem afastam a prática do  ato  de  improbidade  administrativa,  caso  em que a conduta do agente  não  se  amolda  ao  disposto  nos  arts. 9º, 10 ou 11 da Lei 8.429/1992,  pois  não ficou caracterizado o elemento subjetivo dolo na conduta do recorrido ou dano ao erário ou violação de princípios. Incidência  da  Súmula  83/STJ,  verbis:  "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida".

4.  Demais  disso, entender diversamente do Tribunal de origem, para concluir pela ocorrência de dano ao erário ou violação de princípios ou  enriquecimento  ilícito,  uma vez que houve publicação do edital apenas  em  âmbito  regional  e  municipal,  e,  não,  em  jornal de circulação     estadual,     demandaria     análise    de    matéria fático-probatória, vedada pela Súmula 7 desta Corte. Agravo regimental improvido.”[21]

“PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS. AUSÊNCIA DE PROVA DO DOLO OU CULPA DO AGENTE. ABSOLVIÇÃO COM FUNDAMENTO NA NÃO COMPROVAÇÃO DOS FATOS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO.

1. Afigura-se indispensável a presença de dolo ou culpa do agente público para ensejar a aplicação das sanções previstas na Lei  n. 8.429/1992, sendo insuficiente, para tanto, meras irregularidades administrativas.

2. A absolvição do acusado quanto à suposta prática de atos ímprobos baseada na não comprovação dos fatos narrados na inicial inviabiliza a análise da pretensão recursal, conforme orientação da Súmula 7 desta Corte.

3. O cotejo analítico entre os casos confrontados perpassa, necessariamente, pela análise das peculiaridades fáticas da causa, o que não se fez no caso concreto.

4. Recurso especial conhecido, em parte, para, nessa medida, negar-lhe provimento.”[22]

Portanto, não há que se falar em ato de Improbidade Administrativa praticado pelo ordenador de despesa se ausente a prática de ato devasso ou imoral, pois a suposta ilegalidade dos atos só adquire o status de improbidade se presentes o elemento subjetivo da contratação de obras e serviços  a Lei 8.66/93 dota de responsabilidade os gestores públicos que deverão cumprir seus deveres de lealdade e de probidade no trato da coisa pública.


DA NECESSIDADE DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA PARA FINS DE SUBSUNÇÃO NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – JUSTA CAUSA

A ação de improbidade administrativa não pode ser um veículo  de picuinhas pessoais ou de perseguições políticas ou ideológicas, visto que a petição inicial possui o dever de atribuir comportamento específico e individidualizado aos acusados, que demonstre desde o início da plausibilidade do direito explicitado.

A imputação ao agente tido como Réu do suposto fato ímprobo, apenas em razão dele ser ordenador de despesas ou possuir cargo de hierarquia superior, viola o plasmado do due process of law, visto que obrigatoriamente deve constar na petição inicial da ação de improbidade a descrição dos fatos e a participação dos Réus.

Se os fatos narrados na petição inicial foram descritos de “modo genérico”, reconhecido estará que o fato acoimado de ímprobo não foi descrito em todas as suas circunstâncias, uma vez que a sua descrição pode ser sucinta, resumida, condensada, marrada com poucas palavras, mas devem conter todos os elementos necessários para a delimitação da conduta dos acusados.

Pela conjugação dos princípios constitucionais da reserva legal e da responsabilidade pessoal, clara está que a Constituição repele o princípio da responsabilidade objetiva perante a Lei de Improbidade Administrativa.

Cumpre ter presente, desse modo, que se impõe, ao Ministério Público, órgão acusador, ao plano da persecução da improbidade administrativa, o dever de definir, com precisão, a participação individual dos autores de quaisquer delitos, inclusive do ato tido como ímprobo.

O Poder Público, tendo presente a norma inscrita no art. 17, § 6º, da Lei nº 8.429/92, não pode deixar de observar as exigências que emanam desse preceito legal, sob pena de incidir em grave desvio jurídico-constitucional no momento em que exerce o seu dever-poder de fazer instaurar a “persecução estatal” contra aqueles que, alegadamente, transgrediram a Lei de Improbidade Administrativa.

A ação deve ser instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentais da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas.

Sobre o tema, importantes considerações traçadas por Luiz Manoel Gomes Júnior e Rogério Favreto[23]:

“O que se exige é uma inicial clara e precisa, acompanhada de provas e indícios mínimos que justifiquem o recebimento e processamento de uma ação judicial de evidente gravidade, com reflexos políticos, pessoais e econômicos (...)”

Mesmo prevalecendo o princípio do in dúbio pro societate, a petição inicial deverá descrever circunstanciadamente a prática do pseudo ato ímprobo, com a participação ativa ou passiva do Réu, sob pena de inépcia. Os fatos típicos atribuídos a cada um dos acusados devem guardar correlação com a Lei nº 8.429/92, no que diz respeito, em tese, a materialidade do ilícito e a sua provável autoria.

Em sintonia como que foi dito, segue o presente precedente do STJ[24]:

“(...) ações sancionatórias – essa é uma lição repassadas pelos melhores doutrinadores – é indispensável que a postulação inicial demonstre a presença de elementos confiáveis e seguros quanto a maerialidade do ilícito e a sua provável autoria, sem que não se revela a sua justa causa, esse quarto elemento próprio das ações sancionadoras, ao lado do interesse processual, da possibilidade jurídica do interesse de agir.”

As acusações genéricas são repudiadas pelo nosso sistema processual, que repele as sentenças indeterminadas e adverte, especialmente no contexto do delitos que envolvam a prática de ato de improbidade administrativa, que mera presunção de culpa, decorrente unicamente do fato de ser ordenador de despesas ou ocupar cargo de direção em órgão público, não pode alicerçar uma imputação de prática de improbidade administrativa, pois a submissão de uma pessoa aos rigores de um processo de improbidade administrativa exige um mínimo de prova de que tenha praticado ato ímprobo, ou concorrido para a sua prática. Se isto não existir, haverá o que se denomina o abuso do poder de denúncia.

Essa necessidade de individualização das respectivas condutas dos acusados, elencados como Réus na ação de improbidade administrativa deve observar os princípios do devido processo legal (CF, art. 5º, inc. LIV), da ampla defesa, contraditório (CF, art. 5º, inc. LV) e dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, inc. III).

A petição inicial é inepta se não pormenorizar, de modo adequado e suficiente, a conduta ímproba dos Réus, respaldada por indícios de autoria e de materialidade, acompanhado de documentos que comprovem a plausibilidade do direito postulado em juízo.

A pessoa sob investigação administrativa ou penal possui o direito de não ser acusado com base em denúncia inepta.

Isso porque, a petição inicial, enquanto instrumento formalmente consubstanciador da acusação da ação de improbidade constitui peça processual de indiscutível relevo jurídico. Ela, antes de mais nada, ao delimitar o âmbito temático da ação prática do ato ímprobo, define, a própria res in judicio deducta.

A petição inicial, por isso mesmo, deve estabelecer a exposição do ato ímprobo, em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, com respaldo probatório confiável. Essa narração, ainda que suscinta, impõe ao órgão acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura ao acusado, o exercício, em plenitude, do direito de defesa.

Acusação que não descreve, adequadamente, o ato ímprobo e que também deixa de estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada agente ao evento delituoso qualifica-se como acusação inepta.

Não basta a mera invocação da condição de ordenador de despesas em ente de direito público, sem a correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que o vincule ao resultado ímprobo, apto a legitimar a formulação da acusação estatal ou autorizar a prolação de decreto judicial condenatório.

A circunstância objetiva de alguém meramente exercer cargo de direção máximo em ente público não se revela suficiente, por si só, para autorizar qualquer presunção de culpa (inexistente em nosso sistema jurídico) e, menos ainda, para justificar, como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente persecução estatal em juízo.

Preocupado com o reducionismo dos indícios e das provas, alicerçadas a presunção de culpas dos acusados nas ações de improbidade administrativa, característica de autoritarismos violentos, o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho[25] faz a observação precisa e certeira:

“Mas os agentes do poder estatal de punir, porém, tendem a fazer tabula rasa da exigência da justa causa para inaugurar e desenvolver os processos punitivos, porquanto as suas consolidadas vocações autoritárias, violentas e discriminatórias sempre encontram, fora das instâncias administrativas, apoiadores oportunos, dessintonizados das ideias do aludido garantismo jurídico e judicial, negligentes quanto à centralidade das garantias subjetivas e da necessidade de impor limites ao poder punitivo do Estado. Contudo, é preciso deixar bem claro, para não se incidir em abstracionismos ou em ingenuidades imperdoáveis, que estes, hoje em dia, veem-se em acelerada marcha ascendente e já são praticamente majoritários; para eles, o reducionismo dos indícios e das provas a presunções de culpa são o grande mote para os seguidos autoritarismos violentos, carreados por justificações jurídicas muitas vezes bem verbalizadas.”

Para iniciar-se a ação de improbidade administrativa é de se observar a locução justa causa para se avaliar, logo de início, se o pleito é legítimo, afim de que o mesmo não resulte, ou para potencialmente resultar efeitos prejudiciais ou danosos a direito ou a interesses de pessoas.

Apesar da teoria da justa causa possuir matriz no direito penal e processual, o direito sancionador, aí inclui-se a ação de improbidade administrativa, passou a adotar tal teoria como forma de minimizar as açodadas demandas, bem como os processo disciplinares, movimentados por parâmetro subjetivo de justiça de seu subscritor, sem qualquer isenção ou critério de aplicação do direito justo.

A justa causa é uma exigência de qualquer formulação judicial, máxime aquela que carrega pretensão sancionadora, capaz de devastar a integridade de uma pessoa, com sérios reflexos patrimoniais, sociais e familiares.

A formulação de acusações genéricas, em prática de atos de improbidade administrativa, culmina por consagrar uma inaceitável hipótese de responsabilidade objetiva, ausente de mínima justa causa para a persecução estatal.

Preocupado com denúncias genéricas por parte do Ministério Público, Ronaldo Augusto Brestas Marzagão[26], aduna:

"Se há compromisso da lei com a culpabilidade, não se admite responsabilidade objetiva, decorrente da imputação genérica, que não permite ao acusado conhecer se houve e qual a medida da sua participação no fato, para poder se defender.

Desconbecendo o teor preciso da acusação, o defensor não terá como orientar o interrogatório, a defesa prévia e o requerimento de provas, bem assim não terá como avaliar eventual colidência de defesas entre a do seu constituinte e a do co-réu. O acusado será obrigado a fazer prova negativa de que não praticou o crime, assumindo o ônus da prova que é do Ministério Público, tendo em vista o princípio constitucional da presunção de inocência.

A denúncia genérica, nos crimes de sonegação fiscal, impossibi1ita a ampla defesa e, por isso, não pode ser admitida.” (grifei)

Cumpre ter presente, bem por isso, que ser ordenador de despesas, por si só, não gera responsabilidades perante a Lei de Improbidade Administrativa. logo, a invocação dessa condição, sem descrição de condutas específicas que vinculem cada autoridade administrativa à prática de ato ímprobo, não basta para viabilizar o recebimento da petição inicial.

É preciso ressaltar que mesmo o STJ tendo fixado o entendimento de que o art. 17, § 8º, da Lei nº 8.429/92 funciona como in dúbio pro societa ao estabelecer que a inicial somente será rejeitada quando constatada a inexistência do ato de improbidade, a improcedência da ação ou a inadequação da via eleita, a inexistência de elementos mínimos para a admissibilidade da ação de improbidade em desfavor do demandado, autoriza a sua rejeição, a fundamental justa causa para o prosseguimento da ação.

Em preciso julgado, o STJ[27] afastou a argumentação do órgão acusador de que basta a descrição genérica dos fatos e imputação dos Réus para o recebimento da petição inicial, totalmente carente de elementos mínimos para a sua admissibilidade:

“(...)

1.  A  imprescindibilidade  da comprovação da justa causa decorre da possível  utilização  do  direito  de  ação de forma temerária, que,conforme  sustenta  o  jurista  MAURO  ROBERTO  GOMES DE MATTOS, sem provas ou elementos de convicção para o julgador, deve ser rejeitada (O Limite da Improbidade Administrativa: Comentários à Lei 8.429/92. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 552).

2.  Na  presente  demanda, o TRF da 2a. Região, com base nos fatos e provas constantes  dos  autos  -  impermeáveis  a  modificações  e insindicáveis em sede de recorribilidade extraordinária -, verificou que  a  conduta  da  acusada  não foi suficientemente filigranada na petição  inicial,  apontado-se  a  insuficiência, para os efeitos de processamento de ação de improbidade, da simples referência de que a implicada  ocupava  o cargo de gerente de relacionamento da CEF e de que  era dela a responsabilidade pela concessão dos dois empréstimos

alegadamente irregulares (fls. 206).

3.  Portanto,  ausente  a  descrição  do  fato típico que teria sido praticado  pela  implicada,  não  há  falar-se  em  conduta ímproba, contrariamente,  portanto,  ao  que  pretende  a  parte agravante na insurgência  em  testilha,  uma  vez  que  alega  a  suficiência  de descrição  genérica  dos  fatos. Rejeita-se, portanto, a alegação da parte recorrente de violação aos arts. 9º., 10 e 11 da Lei 8.429/92, porquanto  o  que  se  exige  de uma promoção judicial, sobretudo em matéria de sanções, é a individualização do suposto malfeito do réu, com  a  pormenorização  dos  fatos,  até  mesmo para que a defesa do acionado  tenha  a  mínima  viabilidade; providência não atendida na demanda em espeque.

4.   Agravo Interno do Órgão Acusador desprovido.” (g.n.)

Em sede doutrinária, destaca-se a firme posição do Min. Napoleão Nunes Maia Filho[28]:

“A exigência de justa causa nas iniciativas sancionadoras representa, portanto, um freio às afoitezas acusatórias, criando um limite não ultrapassável ao exercício do poder de acusar, impondo ao acusador que, antes de exercer a iniciativa punitiva, vale dizer, antes da inauguração do processo punitivo, recolha, previamente, com seriedade e método, provas sérias da materialidade do ilícito e indícios veementes e seguros da sua provável autoria, porquanto, sem o cumprimento dessas exigências, a promoção punitiva resvalará para o perigoso território do possível – e não do provável – e a ação sancionadora poderá se converter apenas em meio de tormento, em detrimento da sua feição de meio de justiça.”

Meras conjecturas,  sequer podem conferir suporte material a persecução estatal. É que, sem base probatória consistente, dados conjecturais não se revertem, em sede de ação de improbidade administrativa, de idoneidade  jurídica, quer para efeito de formulação de imputação em violação aos tipos descritos na Lei nº 8.429/92, quer, com maior razão, para fins de prolatação de juízo condenatório.

A RESPONSABILIDADE É PESSOAL DO ORDENADOR DE DESPESAS E A ILEGALIDADE DEVE DEMONSTRAR DESLEALDADE E DESONESTIDADE

Os atos imputados ao ordenador de despesas, como qualquer outro gestor público, refere-se à má qualidade de uma administração, à prática de atos que impliquem em enriquecimento ilícito do agente ou em prejuízo ao erário, ou, ainda em violação aos princípios que orientam a Administração Pública de forma grave e extremada, demonstrando deslealdade e desonestidade.

De forma acertada, o Superior Tribunal de Justiça – STJ identificou que a sua jurisprudência exige para a aplicação da violação de princípios, a que alude o art. 11, da Lei nº 8.429/92 a observância de duas fases:

- dolo (ato voluntário consciente);

- deslealdade e desonestidade

Explicitando tais valores, o Min. Og Fernandes[29] esclarece:

“Destarte, ao proferir voto no Resp 1.573.026/SE, cujo julgamento encontra-se suspenso na Segunda Turma deste Sodalício com pedido de vista do ilustre Ministro Herman Benjamim, explicitei que, após verificada a sequência de julgados desta Corte Superior, é possível deduzir que a jurisprudência exige para aplicação do art. 11 da Lei n. 8.429/1992 a observância de duas fases: a) a existência de um ato voluntário e consciente – doloso, no sentido genérico – que afronte um princípio da administração pública ou uma das figuras do art. 11 da Lei n. 8.429/1992. Inexistindo o primeiro, ou seja, se não há ato doloso – no sentido de dolo genérico –, nem se há de perquirir sobre existência de má-fé, a qual deve ser buscada na fase seguinte não como um fim especial de agir (basta o dolo genérico), mas como uma nota qualificativa da conduta ilícita. b) que esse atuar se revele desleal ou desonesto para com a administração pública, isto é, uma nota qualificada para que aquele ato – objetivamente descrito no item "a" supra – configure a prática de improbidade administrativa. No que concerne a esta segunda fase e sendo uma decorrência da linha evolutiva da jurisprudência desta Corte, pode-se citar o seguinte julgado:

Com essas premissas, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA alterou a sua jurisprudência para consolidar a necessidade de má-fé e de desonestidade do gestor público quanto sua conduta se subsume ao tipo descrito no art. 11, da Lei nº 8.429/92[30]

“RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALEGADA VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO E DE MOBILIÁRIO PARA IMÓVEL FUNCIONAL UTILIZADO PELA REITORIA DA UNB, COM RECURSOS DO FUNDO DE APOIO INSTITUCIONAL À FUB. CAPITULAÇÃO DO FATO EXCLUSIVAMENTE NA REGRA DO ART. 11 DA LEI N. 8.429/1992. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE RECONHECE A INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ E DE QUALQUER INTENÇÃO DESONESTA OU DESLEAL DOS IMPUTADOS. REVALORAÇÃO DAS PREMISSAS ADOTADAS NO ARESTO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSÁRIO REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. A orientação jurisprudencial sedimentada no Superior Tribunal de Justiça estabelece que a configuração do ato de improbidade por ofensa a princípio da administração depende da demonstração do chamado dolo genérico. 2. "Para a correta fundamentação da condenação por improbidade administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à norma, estar caracterizada a presença do elemento subjetivo. A razão para tanto é que a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé. [...] Precedentes: AgRg no REsp 1.500.812/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28/5/2015; REsp 1.512.047/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/6/2015; AgRg no REsp 1.397.590/CE, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 5/3/2015; AgRg no AREsp 532.421/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28/8/2014" (REsp 1.508.169/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016). 3. No caso, o acórdão recorrido consigna que, em face da prova dos autos e levando em consideração a forma com que foram feitas as aquisições do mobiliário e do automóvel, não ficou evidenciada a prática de desonestidade e de má-fé por parte dos réus. Acrescenta que "o exame dos autos conduz à conclusão de que, ao seguir a rotina repetida em grande número de órgãos públicos, o Conselho Deliberativo da FUB e os ordenadores de despesas tiveram, para si, a convicção de que seu comportamento não era censurável e que a iniciativa destinava-se ao desenvolvimento institucional da FUB, de natureza infraestrutural, tal como previsto pela Lei 8.958/1994 e pelo art. 1º, § 3º, do Decreto 5.205/2004, mencionados na inicial. Pautando-se nessa praxe, na pior das hipóteses, os agentes públicos teriam agido com culpa, mas não com dolo, elemento indissociável de qualquer atividade punitiva do Estado Democrático, especialmente nas hipóteses previstas no art. 11 da Lei 8.429/1992, a que se refere a inicial". 4. Logo, o Tribunal local, através de fundamentação idônea e contextualizando todos os fatos, demonstrou inexistir qualquer nota qualificadora de um atuar de má-fé ou desonesto (no sentido da deslealdade) para com o cumprimento dos deveres no âmbito da administração pública. 5. Nesse ínterim, a revisão das conclusões adotadas configuraria, de forma inequívoca, infringência ao enunciado n. 7 da súmula de jurisprudência do STJ, o que inviabiliza adentrar-se no mérito do presente recurso especial. Tal óbice, como cediço, impede também o conhecimento do recurso pela divergência jurisprudencial (alínea "c" do permissivo constitucional). 6. Recurso especial não conhecido.”

Nesse particular, interpretando o que seja a desonestidade revelada pela má-fé exigida pela jurisprudência do STJ, para efeito de configuração da prática descrita no art. 11, da Lei nº 8.429/92, o Min. Og Fernandes, Relator do REsp nº 1622.001/DF, deixou explicitado em seu voto:

“Com efeito, uma coisa é atuar o agente em desacordo com a lei. Outra é se, além de atuar em desacordo com a lei, existe na sua conduta a nota especial da má-fé, desonestidade ou deslealdade, como bem anotado no julgamento do REsp 1.508.169/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin. A conduta desonesta, de má-fé ou desleal, para efeito de aplicação do art. 11 da Lei n. 8.429/1992, é aquela que, ante o contexto, exsurge com algum dos elementos abaixo: a) reiteração de atos da mesma espécie em certo procedimento, mesmo diante do já conhecimento, cientificado por outrem, ou não, de que a sua conduta pode incidir em grave ilícito violador de determinado princípio da administração pública; b) ciência anterior, em decorrência de manifestação havida por parte de órgãos da fiscalização, de que atuar daquela forma pode redundar em violação de princípio da administração pública; c) conduta desleal, no sentido de ocultar a real condição do agente, na tentativa de induzir alguém a erro ou evitar o conhecimento do fato; e d) prova devidamente produzida nos autos, a demonstrar que o agente violador do princípio da administração pública já incidira nas mesmas práticas anteriormente.”

A improbidade administrativa não é apenas um mero fato de se descumprir determinada norma legal ou princípio constitucional, caracterizado apenas por uma atuação do agente público inconsistente, involuntária ou até mesmo, se for praticado com o dolo genérico, mas sem o substrato da má-fé, não há a configuração do ato ímprobo.

O descumprimento de um dever legal pela prática de ato de inabilidade precedida de dolo deve vir com uma atuação com a nota qualificadora do tipo do artigo 11, da Lei nº 8.429/92, pois o desastrado e o inábil não se inserem no presente contexto.

Assim, para a nota qualificadora do artigo 11, da Lei nº 8.429/92, deve estar presente a desonestidade, como condição do núcleo do tipo do ato ilícito ímprobo, já nos casos previstos nos artigos 9º e 10º, da Lei de Improbidade Administrativa, além desse comportamento desonesto é exigido o próprio enriquecimento ilícito do agente ou do terceiro por ele indicado e o grave dano ao erário, respectivamente.

A presença do elemento subjetivo para a tipificação da conduta do agente público como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa é de crucial importância, visto que somente os atos desleais e desonestos se subsumem ao escopo da Lei nº 8.429/92.

Dessa forma, não basta estar conectado ao ato ímprobo o dolo, visto que ele deve vir acompanhado de uma conduta desonesta e desleal.

Nesse sentido, segue o seguinte procedente do Superior Tribunal de Justiça – STJ[31]:

“IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESENÇA DO ELEMENTO SUBJETIVO. RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. [...]. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Cuida-se, na origem, de Ação de Improbidade Administrativa proposta pelo Ministério Público estadual contra o ora recorrente, Prefeito do Município de Ibaiti, objetivando a condenação deste pela prática de atos ímprobos, em razão de fatos apurados pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (Resolução 2.593/2005), quais sejam: abertura de créditos adicionais suplementares sem autorização legal; déficit orçamentário injustificado e variação do percentual das despesas com pessoal acima dos índices fixados no art. 71 da Lei de Responsabilidade Fiscal. [...] PRESENÇA DO ELEMENTO SUBJETIVO 5. O entendimento do STJ é no sentido de que, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10. 6. É pacífico nesta Corte que o ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8.429/92 exige a demonstração de dolo, o qual, contudo, não precisa ser específico, sendo suficiente o dolo genérico. 7. Assim, para a correta fundamentação da condenação por improbidade administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à norma, estar caracterizada a presença do elemento subjetivo. A razão para tanto é que a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé. 8. Precedentes: AgRg no REsp 1.500.812/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28/5/2015; REsp 1.512.047/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/6/2015; AgRg no REsp 1.397.590/CE, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 5/3/2015; AgRg no AREsp 532.421/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28/8/2014. [...]

Influenciado por essa atual interpretação jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça – STJ afastou a prática de ato de improbidade administrativa por parte de ordenadores de despesas da Universidade de Brasília, que autorizaram a aquisição de veículo e de mobiliário para imóvel funcional utilizado pela Reitoria da UNB, com recursos do Fundo de Apoio Institucional à FUB. A capitulação do fato foi exclusivamente na regra do art. 10, da Lei nº 8.429/92, sem demonstrar a existência de má-fé e de qualquer intenção desonesta ou desleal dos imputados.

Ou seja, não basta a simples  a demonstração do dolo genérico do ordenador de despesas para a configuração do ato de improbidade por ofensa a princípio da administração, pois as provas produzidas no processo devem demonstrar, de forma cabal e indiscutível também, a prática de ato de má-fé ou desonesto.

Assim a alegação do desvio de finalidade de recurso do Fundo de Apoio Institucional à Universidade de Brasília, originária da FINATEL, para a aquisição de automóvel e mobiliário para decoração de imóvel funcional cedido ao Reitor da Universidade de Brasília, por si só não é suficiente para configurar, no caso, a má-fé tida por premissa de configuração do ato ilegal e ímprobo.

Com essas premissas, o Superior Tribunal de Justiça[32] decidiu:

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALEGADA VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO E DE MOBILIÁRIO PARA IMÓVEL FUNCIONAL UTILIZADO PELA REITORIA DA UNB, COM RECURSOS DO FUNDO DE APOIO INSTITUCIONAL À FUB. CAPITULAÇÃO DO FATO EXCLUSIVAMENTE NA REGRA DO ART. 11 DA LEI N. 8.429/1992. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE RECONHECE A INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ E DE QUALQUER INTENÇÃO DESONESTA OU DESLEAL DOS IMPUTADOS. REVALORAÇÃO DAS PREMISSAS ADOTADAS NO ARESTO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSÁRIO REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. A orientação jurisprudencial sedimentada no Superior Tribunal de Justiça estabelece que a configuração do ato de improbidade por ofensa a princípio da administração depende da demonstração do chamado dolo genérico. 2. "Para a correta fundamentação da condenação por improbidade administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à norma, estar caracterizada a presença do elemento subjetivo. A razão para tanto é que a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé. [...] Precedentes: AgRg no REsp 1.500.812/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28/5/2015; REsp 1.512.047/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/6/2015; AgRg no REsp 1.397.590/CE, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 5/3/2015; AgRg no AREsp 532.421/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28/8/2014" (REsp 1.508.169/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016). 3. No caso, o acórdão recorrido consigna que, em face da prova dos autos e levando em consideração a forma com que foram feitas as aquisições do mobiliário e do automóvel, não ficou evidenciada a prática de desonestidade e de má-fé por parte dos réus. Acrescenta que "o exame dos autos conduz à conclusão de que, ao seguir a rotina repetida em grande número de órgãos públicos, o Conselho Deliberativo da FUB e os ordenadores de despesas tiveram, para si, a convicção de que seu comportamento não era censurável e que a iniciativa destinava-se ao desenvolvimento institucional da FUB, de natureza infraestrutural, tal como previsto pela Lei 8.958/1994 e pelo art. 1º, § 3º, do Decreto 5.205/2004, mencionados na inicial. Pautando-se nessa praxe, na pior das hipóteses, os agentes públicos teriam agido com culpa, mas não com dolo, elemento indissociável de qualquer atividade punitiva do Estado Democrático, especialmente nas hipóteses previstas no art. 11 da Lei 8.429/1992, a que se refere a inicial". 4. Logo, o Tribunal local, através de fundamentação idônea e contextualizando todos os fatos, demonstrou inexistir qualquer nota qualificadora de um atuar de má-fé ou desonesto (no sentido da deslealdade) para com o cumprimento dos deveres no âmbito da administração pública. 5. Nesse ínterim, a revisão das conclusões adotadas configuraria, de forma inequívoca, infringência ao enunciado n. 7 da súmula de jurisprudência do STJ, o que inviabiliza adentrar-se no mérito do presente recurso especial. Tal óbice, como cediço, impede também o conhecimento do recurso pela divergência jurisprudencial (alínea "c" do permissivo constitucional). 6. Recurso especial não conhecido.”

A má-fé, portanto, premissa do ato ímprobo. Em consequência, a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública pela má-fé do agente Público. Se assim não fosse, qualquer irregularidade praticada por agente público poderia ser tida como improbidade, por violação ao princípio da legalidade, sujeitando-se às severas sanções impostas pela respectiva lei, o que por certo, tornaria inviável a própria atividade administrativa, pois o erro ou o equívoco é inerente ao ser humano, e não pode ser encarado como ato de desonestidade para com o ente público.

Essa lição deve ser estendida para as situações concretas do ordenador de despesas, pois ele somente responderá aos termos da Lei nº 8.429/92 por atos que tenha praticado com desonestidade ou má-fé.

Outro exemplo explícito do que fora afirmado, foi quando determinado ordenador de despesas, sem ter praticado ato foi alçado à condição de Réu na ação de Improbidade Administrativa por ostentar posição hierárquica superior, pelo fato de um agente administrativo subalterno (responsável pelo processo de licitação) ter realizado compras,  que segundo o Ministério Público seriam irregulares, feitas ilegalmente.

O Superior Tribunal de Justiça-STJ[33] concluiu pela ausência de elemento subjetivo e também destacou a ínfima ou nenhuma participação do ordenador de despesas na prática do ato contestado pelo autor da ação, afastando a própria prática do ato ímprobo:

“ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. FUNDAMENTO INATACADO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 182/STJ. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ACÓRDÃO QUE, EM FACE DOS ELEMENTOS DE PROVA DOS AUTOS, CONCLUIU PELA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO E NÃO CONFIGURAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SÚMULA 7/STJ. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE DOLO GENÉRICO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INOVAÇÃO RECURSAL. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE CONHECIDO, E, NESSA PARTE, IMPROVIDO.

(...)

IV. O acórdão recorrido, mediante exame do conjunto probatório dos autos, concluiu que (a) "as aquisições, especialmente de leite e material de construção, tinham uma razão de ser, estando plenamente justificada a variação do preço do litro de leite e o porquê de se ter feito a aquisição em estabelecimentos diversos, e nas quantidades adquiridas para suprir as necessidades das escolas e creches municipais"; e (b) "é segura a prova testemunhal acerca da lisura do segundo réu, no sentido de afastar qualquer possibilidade de enriquecimento ilícito. O primeiro réu, na verdade, agindo como ordenador de despesas, nos fatos narrados na inicial, pouco ou nenhuma participação teria. E o segundo réu, que realizou efetivamente as compras que estariam irregulares, comprovou toda a sistemática, afastando qualquer conduta ilícita da sua parte. Assim, além de não se prova segura de que as aquisições foram feitas ilegalmente, também não restou evidenciado que os réus agiram de má-fé, com a intenção de lesar os cofres públicos e/ou de obter proveito próprio, enriquecendo-se indevidamente". V. Em se tratando de improbidade administrativa, é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "a improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10" (STJ, AIA 30/AM, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, DJe de 28/09/2011). Em igual sentido: STJ, REsp 1.420.979/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 10/10/2014; REsp 1.273.583/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 02/09/2014; AgRg no AREsp 456.655/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 31/03/2014. VI. A questão referente à possibilidade da configuração de ato de improbidade administrativa pela presença do dolo genérico, além de não ter sido debatida, na origem – o que ensejaria a incidência do óbice previsto nas Súmulas 282 e 356/STF –, não consta das razões de Recurso Especial, somente tendo suscitada no presente Agravo interno, de modo que inviável o seu exame, por se tratar de indevida inovação recursal. VII. Nos termos em que a causa fora decidida, infirmar os fundamentos do acórdão – para acolher a pretensão do agravante e reconhecer a prática de ato de improbidade administrativa, do elemento subjetivo doloso e da ocorrência de dano ao Erário – demandaria o reexame de matéria fática, o que é vedado, em Recurso Especial, nos termos da Súmula 7/STJ. VIII. Agravo Regimental parcialmente conhecido, e, nessa parte, improvido.”

Em outra hipótese jurídica, o Superior Tribunal de Justiça[34], prestigiando o delineamento fático-probatório contido no acórdão recorrido, manteve a absolvição de ex-Secretário de Educação, que realizou processo licitatório na modalidade concorrência para aquisição de livros didáticos pelo critério de menor preço, sendo certo que, embora tenha sido auferida a regularidade da licitação, o Ministério Público pediu a condenação pela prática de ato de improbidade, com base do artigo 10, da Lei nº 8.429/92, por entender haver imprudência na aquisição dos livros, uma vez que entendia ser possível adquiri-los por preço menor daquele alcançado no certame se comparados diretamente na editora.

Não houve prova de que o então acusado, ex-Secretário de Educação teria facilitado ou concorrido para incorporação indevida de verba pública ao patrimônio particular (art. 10, inc. I, da Lei nº 8.429/92); ou que frustrou a licitude do processo licitatório (art. 10, inc. VIII, da Lei nº 8.429/92); ou permitiu, facilitou ou concorreu para que terceiro se enriquecesse ilicitamente (art. 10, inc. XII, da Lei nº 8.429/92).

A ação foi distribuída apoiando-se em decisão do Tribunal de Contas que condenou o ordenador de despesas, apesar de ter agentes responsáveis pelo processo licitatório, condenou o ordenador de despesas por entender que a aquisição de livros didáticos foram em preço superior ao de mercado,  incidindo em prejuízo ao erário e, por essa razão, houve a tipificação em violação ao art. 10, da Lei nº 8.429/92.

Ora, ao ser reconhecida a licitude do certame licitatório, afastando-se qualquer tipo de fraude, ardil ou conluio,  não há em se cogitar a imprudência do administrador, que apenas homologou o certame e firmou o competente contrato administrativo.

Ratificando o que foi dito, o Min. Gurgel de Faria, no seu voto condutor no já citado Agravo em Recurso Especial nº 553150/ES, deixou explicitado:

“Nessa linha e considerada a situação fática descrita pelas instâncias ordinárias, com base na qual se afastaram a ilicitude na realização do procedimento licitatório e eventual conluio do administrador com sociedades empresárias licitantes, deve-se reconhecer, no caso, que a conduta do ex-Secretário de Educação não pode ser considerada ímproba, ainda que o contrato decorrente da licitação realizada para a aquisição dos livros tenha-se "revelado" mais custoso do que aquele que, em tese, poderia ter sido realizado outrora, diretamente, com as editoras dos livros.

Com efeito, está consignado que o recorrente, em atenção à comprovada necessidade da Administração Pública, procedeu à licitação na modalidade concorrência, pelo menor preço, para aquisição dos referidos livros; procedimento este considerado regular. E o que o Parquet, apoiando-se em decisão do Tribunal de Contas, pede a condenação do réu porque, "à época, ordenador de despesas da Secretaria de Estado da Educação, deu causa à aquisição de livros didáticos em preço superior ao de mercado, incidindo nas hipóteses de atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário estabelecidas no art. 10 da LIA, tanto em seu caput, como também nos incisos I, V, VIII e XII [...] os atos buscaram finalidade diversa a qualquer interesse público - buscaram, na verdade, o fim pessoal caracterizador do benefício pessoal, ainda mais por se valerem de espúrios artifícios, ensejadores da tomada de providências na esfera criminal" (e-STJ fl. 15/16).

Tanto o magistrado de primeiro grau, como o Tribunal de Justiça, decidiram pela licitude do procedimento licitatório, com a absolvição das sociedades empresárias, mas pela condenação do ex-Secretário de Educação.

O juiz sentenciante porque: "o pagamento superior pelos livros finalizados proporcionou prejuízo ao erário, já que se eles tivessem sido editados em conjunto com a própria Secretaria Educacional de Educação e não comprados diretamente da iniciativa privada, o custo ao patrimônio público seria consideravelmente inferior" (e-STJ fl. 1.511).

Enquanto o Tribunal de Justiça porque: "o desrespeito ao dever objetivo de cuidado com as verbas públicas é tão flagrante, tal como exposto acima, que verifica-se culpa grave na conduta do apelante [...] inegável a existência do dano ao erário e da culpa (imprudência), o que autoriza o apenamento administrativo do apelante, nos termos do caput do artigo 10 da Lei de Improbidade Administrativa".

Ora, afastada a ocorrência de fraude/conluio e atestada a licitude do procedimento licitatório, não há espaço para se concluir pela imprudência do administrador e enquadrar o ato em nenhum dos incisos do art. 10 indicados na inicial, pois não há nenhum fato registrado que sirva de prova de que o réu facilitou ou concorreu para a incorporação indevida de verba pública ao patrimônio particular (inc. I); frustrou a licitude do processo licitatório (inc. VIII); ou permitiu, facilitou ou concorreu para que terceiro se enriquecesse ilicitamente (inc. XII).”

Em seguida, não deixando margem para qualquer dúvida, o Ministro Gurgel de Faria finaliza:

“Quanto à hipótese do inciso V do art. 10 da Lei n. 8.429/1992, única que poderia dar ensejo à eventual condenação do réu, data maxima venia daqueles que entendem o contrário, não se pode entender que a realização de uma licitação, sem restrição de participação às editoras, possa ser qualificada com fato "permissivo ou facilitador da aquisição de serviço por preço superior ao de mercado", ainda que, de fato, ao final da licitação, o preço venha a ser superior àquele que poderia ter sido alcançado por meio de outro projeto administrativo.

Os fatos descritos na inicial da ação de improbidade e no acórdão recorrido não indicam que o processo licitatório, ao final, não cumpriu o objetivo de escolher a proposta mais vantajosa para a administração, pois, assegurada a regular competição entre licitantes interessados, nos termos do edital, essa qualidade/finalidade não significa, por si, aquisição pelo menor custo possível que se poderia alcançar.

A isso deve-se somar o fato de o anterior projeto administrativo de aquisição dos livros não servir de parâmetro comparativo adequado à comprovação de que a autoridade teria permitido ou facilitado a aquisição dos livros por preço superior ao de mercado, porquanto, como registrado nos autos, a estratégia administrativa anterior era diversa, como, p.ex., com a co-edição dos livros. Ou seja, o "produto final" do projeto anterior é diferente do bem adquirido por meio do processo licitatório ora em discussão.

Ademais, à luz do art. 49 da Lei n. 8.666/1993 e em atenção ao caso específico dos autos, observada a regularidade das fases do processo administrativo e não havendo indícios de favorecimento nem de descumprimento de eventual dever funcional, a autoridade competente não estava obrigada a anular a licitação, tendo em vista a inexistência de ilegalidade; e, de outro lado, não ocorrido fato superveniente que afetasse o interesse público, também não estava obrigada a revogá-la, embora pudesse.

Como dito pela orientação jurisprudencial deste Tribunal, a improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente, sendo indispensável para a caracterização do tipo do art. 10 da Lei 8.429/1992 o dolo, afastado, in casu, pelas instâncias ordinárias, ou culpa grave, a qual entendo não configurada tão somente em razão de haver discrepância entre os valores efetivamente alcançados e aqueles que, em tese, poderiam ser praticados pelas editoras, as quais, de outro lado, não estavam impedidas de participar da licitação.”

Importante deixar explícito que nos termos do art. 21, inc. II, da Lei nº 8.429/92, a aplicação das sanções por improbidade independe da aprovação ou sujeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal de Contas não inibe a propositura da ação de improbidade, bem como não deve ser o libelo acusatório compulsório de uma futura ação.

Extraia-se do Supremo Tribunal Federal – STF a ratificação do que foi dito:

“1. O Tribunal de Contas tem atribuição fiscalizadora acerca de verbas recebidas do Poder Público, sejam públicas ou privadas (MS n° 21.644/DF), máxime porquanto implícito ao sistema constitucional a aferição da escorreita aplicação de recursos oriundos da União, mercê da interpretação extensiva do inciso II do art. 71 da Lei Fundamental. 2. O art. 71, inciso II, da CRFB/88 eclipsa no seu âmago a fiscalização da Administração Pública e das entidades privadas. 3. É cediço na doutrina pátria que “o alcance do inciso [II do art. 71] é vasto, de forma a alcançar todos os que detenham, de alguma forma, dinheiro público, sem seu sentido amplo. Não há exceção e a interpretação deve ser a mais abrangente possível, diante do princípio republicano, (...)”. (OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro . 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 564). 4. O Decreto nº 200/67, dispõe de há muito que “quem quer que utilize dinheiros públicos terá de justificar seu bom e regular emprego na conformidade das leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas competentes.”. 5. O Tribunal de Contas da União, sem prejuízo de sua atuação secundum constitutionem, atua com fundamento infraconstitucional, previsto no art. 8º da Lei Orgânica desse órgão fiscalizatório. 6. As instâncias judicial e administrativa não se confundem, razão pela qual a fiscalização do TCU não inibe a propositura da ação civil pública, tanto mais que, consoante informações prestadas pela autoridade coatora, “na hipótese de ser condenada ao final do processo judicial, bastaria à Impetrante a apresentação dos documentos comprobatórios da quitação do débito na esfera administrativa ou vice-versa.”. Assim, não ocorreria duplo ressarcimento em favor da União pelo mesmo fato. 7. Denegação da segurança, sem resolução do mérito, diante da falta de apresentação, nesta ação, de fundamento capaz de afastar a exigibilidade do título constituído pelo TCU em face da Impetrante, ficando ressalvado, ex vi do art. 19 da Lei nº 12.016, o direito de propositura de ação própria, ou mesmo de eventual oposição na execução fiscal.”[35]

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APROVAÇÃO DAS CONTAS DO AGENTE PÚBLICO PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. POSSIBILIDADE DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. NECESSIDADE DE ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE OFENSA CONSTITUCIONAL DIRETA. ACÓRDÃO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.”[36]

O princípio é o mesmo quando Tribunal de Contas identifica irregularidades administrativas, que somente irá repercutir perante a Lei nº 8.429/92 se a ilegalidade for tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do ordenador de despesas. Isso quer dizer que o ordenador de despesas responderá pelos atos que praticar ou pelos atos que deixou de praticar, tendo o elemento subjetivo de sua conduta avaliado de modo a qualificar-se ou não perante os tipos elencados da Lei nº 8.429/92.

Jamais um julgado da Corte de Contas, ou de qualquer órgão administrativo, que se fundamente em responsabilidade objetiva do ordenador de despesas poderá ser o libelo acusatório de uma ação de improbidade administrativa que a responsabilidade é subjetiva.[37]


CONCLUSÃO

Após verificar uma ausência de doutrina específica sobre a responsabilidade administrativa do ordenador de despesas perante os termos da Lei nº 8.429/92, verificamos a necessidade de pautar as seguintes razões, com base em precedentes uniformes do Superior Tribunal de Justiça, a fim de deixar explícito que o gestor público, como os demais agentes, não respondem perante a Lei de Improbidade Administrativa de forma objetiva.

Para que haja a subsunção da conduta do ordenador de despesas, deve a mesma ser subjetiva e precedida de nota qualificadora dos três tipos do ato ímprobo, que é a má-fé e a desonestidade.


Notas

[1] MORAES, Alexandre de. “A Necessidade de Ajuizamento ou Prosseguimento da Ação Civil de Improbidade Administrativa para fins de Ressarcimento ao Erário Público, mesmo nos casos de Prescrição das demais sanções previstas na Lei 8.429/92”, in Improbidade Administrativa. Temas atuais e contravertidos. MARQUES, Mauro Campbell (coord.) Rio de Janeiro: Forense: 2016, p. 30.

[2] STJ, Rel. Min. Teori Albino Zavaski, REsp nº 827445/SP, 1ª T., DJ de 08.03.2010

[3] PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública. 7. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 674.

[4] Cf. art. 24, da LIND.

[5] BARBOSA, Rui, Novos Discursos e Conferências. São Paulo: Saraiva, 1933, p. 75.

[6] MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, vol. I, 1980, p. 194.

[7] MARQUES, José Frederico. op. cit. ant., p. 104.

[8] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado, vol. 1/655, 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

[9] DIAS, José de Aguiar apud  VENOSA, Sílvio de Salvo.  Direito Civil. Responsabilidade Civil. 3. ed. V. 4. São Paulo: Atlas, 2003, p. 32.

[10] DIAS, Aguiar. Da Responsabilidade Civil, 11. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2006. Revisado e atualizado de acordo com o Código Civil de 2002 por DIAS, Rui Belford, p. 149.

[11] TCU, Rel. Min. Walton Alencar, Acórdão nº 249/2010, Plenário, julgado em 24.02.2010.

[12] A Constituição Federal de 1988 dispõe que: “Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.      

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

(...)

II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;               

                           

[13] “A responsabilização de Agentes segundo a jurisprudência do TCU – Uma abordagem a partir de Licitações e Contratos, Instituto Serzedello Corrêa, TCU, in  portal tcu.gov.br, consulta feita em 03.09.2018.

[14] LIMA, Rui Cirne. Princípios de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1954, ps. 163/164.

[15] TCU, Rel. Min. Marcos Bemquerer Costa, Acórdão 3023/2013, Plenário (Processo nº 022.557/2012-2, julgado em 13.11.2013).

[16] Fernando Facury Scaff e Luma Cavaleiro de Macedo Scaff, in  Comentários à Constituição do Brasil, coordenada por JJ Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Inga Wolfgang Scarlet, 2. ed., São Paulo: Saraiva e Almedina, 2018, ps. 1263/1264.

[17] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2006, p. 1269.

[18] JUSTEN FILHO, Marçal. Contratação Temporária e a Configuração do Ato de Improbidade Administrativa. cit. ant., p. 185/186.

[19] STJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, AgInt no RESp nº 1561858/RS, 1ª T., DJ de 14.05.2018.

[20] STJ, Rel. Min. Herman Benjamin, REsp nº 151204/PE, 2ª T., DJ de 30.06.2015.

[21] STJ, Rel. Min. Humberto Martins, AgRg no AREsp nº 822.214/PR, 2ª T., DJ de 15.03.2016.

[22] STJ, REsp nº 1186435/DF, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., DJ de 29.04.2014.

[23] GAJARDONI, Fernando da Fonseca et al. Comentários à Lei de Improbidade Administrativa – Lei 8.429/92, de 2 de julho de 1992. 3. ed., São Paulo: RT, 2014, p. 337.

[24] STJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, REsp nº 1259350/MS, 1ª T., DJ de 29.08.2014.

[25] MAIA FILHO, Napoleão Nunes. Breves Estudos sobre a Ação de Improbidade Administrativa, a Justa Causa e outros temas relevantes de Direito Sancionador. Ceará: Curumin, 2014, p. 36.

[26] MARZAGÃO, Ronaldo Augusto Brestas. Denúncias Genéricas em Crime de Sonegação Fiscal, in Justiça e Democracia, vol. 1/207-211, 210-211, São Paulo: RT, 1996.

[27] STJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, AgInt no REsp nº 1485027/RJ, 1ª T., DJcde 31.08.2017.

[28] MAIA FILHO, Napoleão Nunes. op. cit. ant., p. 41.

[29] STJ, Rel. Min. Og Fernandes, REsp nº 1622001/DF, 2ª T., julgado em 5.12.2017.

[30] STJ, Rel. Min. Og Fernandes, REsp nº 1622001/DF, 2ª T., julgado em 5.12.2017.

[31] STJ, Rel. Min. Herman Benjamin, REsp nº 1508.169/PR, 2ª T., DJ de 19.12.2016.

[32] STJ, Rel. Min. Og Fernandes, REsp nº 1622.001/DF, 2ª T., julgado em 5.12.2017.

[33] STJ, Rel. Min. Assussete Magalhães, AgRg no REsp nº 170921/MG, 2ª T., julgado em 21.02.2017.

[34] STJ, REl. Min. Gurgel de Faria, AREsp nº 553150/ES, 1ª T., DJ de 23.10.2017.

[35] STF, Rel. Min. Luiz Fux, MS nº 26.969, 1ª T., DJ de 12.12.2014.

[36] STF, Rel. Min. Cármen Lúcia, AgReg no RE nº 888.214/CE, 2ª T., julgado em 17.11.2015.

[37] ADMINISTRATIVO  E  PROCESSUAL  CIVIL.  AGRAVO  INTERNO  NO AGRAVO EM RECURSO  ESPECIAL.  IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ACÓRDÃO QUE, EM FACE DOS  ELEMENTOS  DE  PROVA  DOS  AUTOS,  CONCLUIU  PELA  AUSÊNCIA  DE COMPROVAÇÃO  DO ELEMENTO SUBJETIVO E PELA NÃO CONFIGURAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO  (...)

II.  No  acórdão  objeto  do  Recurso Especial, o Tribunal de origem manteve  sentença  que  julgara improcedente o pedido, em Ação Civil Pública  ajuizada  pelo  Município de Mirassol/SP, na qual postula a condenação  dos  ora agravados, então Prefeito e empresa contratada, pela prática de atos de improbidade administrativa, consubstanciados na indevida celebração de aditivos a contrato de coleta de lixo.

III.  O acórdão recorrido, mediante exame do conjunto probatório dos autos,  concluiu  (a) que,  "conquanto  se verifique a ocorrência de algumas    irregularidades    no    procedimento   de   contratação, especialmente  com  relação aos aditamentos supramencionados, não se vislumbra a existência de dano ao erário. Não há prova segura de que os contratos entabulados foram superfaturados ou que houve desvio de verbas  públicas";  (b)  que "o contrato foi efetivamente cumprido"; (c)  que  "mesmo  que o administrador tenha dispensado a licitação e adotado  o  regime  de  aditamento,  não foram colhidos elementos de prova  suficientes para evidenciar a imprescindível conduta dolosa"; e  (d)  que,  "no  caso concreto, porém, inexiste prejuízo ao erário público  e  tampouco houve enriquecimento ilícito do administrador e sua  contratada  e, da mesma forma, inexiste violação aos Princípios da  Administração  Pública.  Consequentemente não restou configurada ofensa à figura prevista no art. 11 da LIA".

IV.  Em  se  tratando  de  improbidade  administrativa,  é  firme  a jurisprudência  do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "a improbidade  é  ilegalidade  tipificada  e qualificada pelo elemento subjetivo  da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ  considera  indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas  nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de  culpa  grave,  nas  do artigo 10" (STJ, AIA 30/AM, Rel. Ministro TEORI  ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, DJe de 28/09/2011). Em igual sentido:  STJ,  REsp  1.420.979/CE,  Rel.  Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA  TURMA,  DJe de 10/10/2014; REsp 1.273.583/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 02/09/2014; AgRg no AREsp 456.655/PR,  Rel.  Ministro  HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 31/03/2014.

V.  Nos  termos em que a causa foi decidida, infirmar os fundamentos do  acórdão  -  para acolher a pretensão do agravante e reconhecer a prática  de  ato  de  improbidade  administrativa  e a existência do elemento  subjetivo doloso - demandaria o reexame de matéria fática, o que é vedado, em Recurso Especial, nos termos da Súmula 7/STJ.

VI. Agravo interno improvido.” (STJ, REl. Min. Assusete Magalhães, AgInt no AREsp nº 1190179/SP, 2ª T., DJ de 21.05.2018).


Autor

  • Mauro Roberto Gomes de Mattos

    Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

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MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Ordenador de despesas não responde perante a lei de improbidade administrativa de forma objetiva. Responsabilidade subjetiva com má-fé e com desonestidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5670, 9 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71172. Acesso em: 28 mar. 2024.