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Usucapião extrajudicial da teoria à prática: difícil missão

Usucapião extrajudicial da teoria à prática: difícil missão

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A usucapião extrajudicial é realidade desde a entrada em vigor do atual CPC. Porém, há dificuldade na efetivação do registro da propriedade através desta via.

RESUMO: A mudança legislativa que possibilitou a realização da usucapião de forma extrajudicial está prevista no Código de Processo Civil, no artigo 1.071, que revolucionou o instituto e trouxe novo vigor ao mesmo. Entretanto, quase três anos após a vigência da lei, a efetividade na realização deste procedimento pela via administrativa não alcançou o esperado. Inicialmente, em razão da própria disposição legal, que gerava entraves considerados difíceis de transpor, o que foi superado pelas alterações posteriores. Mesmo assim, a realização de usucapião extrajudicial ainda gera dúvidas, desconhecimento jurídico e impugnações registrais muitas vezes surpreendentes. A análise deste artigo visa verificar o porquê, passado tempo suficiente para que o mundo jurídico assimilasse o instituto, ainda há tanta ineficácia e resistência em torná-lo efetivo e passar da teoria à realização prática deste procedimento extrajudicial.


INTRODUÇÃO

O desejo de ter, de ser proprietário, dono, de algum bem é inerente ao ser humano. Tanto que, desde os primórdios de nossa civilização, já se buscava, embora de forma embrionária, dar um sentido jurídico a este direito. Com a evolução do direito, a propriedade passou por várias situações jurídicas distintas, até chegar, no nosso ordenamento, a ser constitucionalmente garantida.

A atual Constituição Federal, no artigo 5º, caput, consagra o direito de propriedade como garantia fundamental, corolário da dignidade da pessoa humana.

Ocorre que, embora seja garantia fundamental, nem sempre o direito de propriedade consegue estar juridicamente comprovado, com oponibilidade erga omnes, decorrendo daí que pode haver dúvidas quanto a sua titularidade.

O instituto da usucapião, presente no mundo jurídico desde tempos imemoriais, apresenta-se como uma das possibilidades que o homem tem, de forma legal, para comprovar que é proprietário de determinado bem, pelo implemento de condições consagradas em lei. Embora tal instituto não se preste para declarar o direito de alguém somente como proprietário, visto que outros direitos reais (e até mesmo pessoais, excepcionalmente) podem ser objeto da chamada prescrição aquisitiva, o direito de propriedade é, de longe, o mais buscado quando se trata de ação de usucapião.

A usucapião extrajudicial é faculdade do requerente, que pode optar, querendo, pela via judicial.

Inicia com o requerimento de ata notarial, que será lavrada pelo tabelião de notas, a fim de comprovar o tempo de posse, a existência do imóvel a ser usucapido, podendo ser incluídos todos os documentos comprobatórios, como declaração dos lindeiros e do proprietário registral, recibos de pagamento de fornecimento de água, eletricidade e telefonia, pagamento de IPTU e tudo o mais que, ao ver da parte, seja importante para provar que é possuidor pelo tempo alegado.

O requerente deve constituir advogado, que peticionará, assistindo-o, ao registrador de imóveis, que declare a propriedade e registre o imóvel em seu nome, após juntar os documentos previstos na lei e convencer o oficial de registro.

Na entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, no ano de 2016, alguns pontos não ficaram claros na lei, dúvidas existiam quanto à possibilidade de registrar o imóvel, caso não haja a anuência expressa do proprietário registral e dos lindeiros, que foi extirpada com a nova redação do artigo 216- A, recentemente modificado. A dúvida, não sanada pela nova lei,  se é viável o reconhecimento da usucapião para imóvel que não esteja previamente registrado, também foi espancada com a regulamentação do Conselho Nacional de Justiça.  A lei não trata do assunto, nem especifica se, caso seja imóvel rural, há necessidade de georreferenciamento se o imóvel não atingir o limite obrigatório em lei. O provimento do CNJ remete à exigência constante na lei 10.267/2001 e seus decretos regulamentadores.

A nova dicção da lei 13.465/17,  que trouxe significativas modificações ao instituto, em conjunto com o Provimento apresentado pelo CNJ,  torna mais efetiva  a realização da usucapião extrajudicial, tendo o legislador reconhecido que, da forma em que estava   autorizado, o procedimento não alcançaria o objetivo da lei, que é facilitar a implementação da via extrajudicial e não criar embaraços a tantos quantos militem na seara jurídica. Da forma que constava na lei, praticamente inviabilizava a realização de tal procedimento, pois não é crível se esperar que o proprietário registral, após longos anos de desídia, fosse, no prazo exíguo de quinze dias, interessar-se em manifestar concordância ou não com o feito, entrando a  antiga possibilidade na contramão de tudo o que o  legislador espera, com o desafogamento do  Poder Judiciário.

Entretanto, após considerável transcurso de tempo após a vigência e as demais alterações da lei, não é possível se afirmar que há efetividade na utilização do instituto, seja por desconhecimento, temor de assumir a responsabilização pela declaração de propriedade, sem o aval judicial ou por continuísmo da tradição de acionar o Poder Judiciário, mesmo quando há a possibilidade extrajudicial.

Uma análise mais apurada leva a concluir que, em muitas comarcas, não houve o reconhecimento registral de nenhuma aquisição de propriedade imóvel através da usucapião pela via administrativa, o que causa surpresa, visto que o intuito da lei era justamente agilizar este procedimento.


1 A USUCAPIÃO

Presente no ordenamento jurídico brasileiro, desde o Código Civil de 1.916, a Usucapião tem suas raízes, segundo a doutrina majoritária, no Direito Romano, da criação de Roma à expansão do Império e todas as evoluções do direito e do instituto, no tempo e no espaço. As civilizações ocidentais abrigaram a usucapião, que atravessou séculos, e permanece ainda no Século XXI, como instrumento para resolver dúvidas dos mesmos tipos de problemas sociais que existiam no passado mais remoto da humanidade.

Estudar o instituto, de forma aprofundada, buscando sua origem bem como a sua história no Direito brasileiro demanda voltar a milênios, e, no caso pátrio, a séculos, pois que nosso ordenamento teve e tem forte influência do direito romano.

1.1 CONCEITO

Usucapião é um modo de aquisição originária da propriedade e/ou de qualquer direito real que se caracteriza pela posse da coisa, prolongada no tempo, atendendo os requisitos legais. Esse é seu conceito clássico. Também é denominada de prescrição aquisitiva, em confronto com a prescrição extintiva, que é disciplinada nos artigos 205 e 206 do Código Civil, em ambas aparecendo o elemento tempo influindo na aquisição e na extinção de direitos, conforme ensina Gonçalves (2013, p. 256).

Sobre a prescrição aquisitiva, continua Gonçalves: “é uma instituição multissecular, que nos foi transmitida pelos romanos. Por favorecer o usurpador contra o verdadeiro proprietário, parece, à primeira vista que ela ofende o direito de propriedade, permitindo que o possuidor passe a ocupar o lugar do primeiro, despojando- o de seu domínio. Segundo Lafayette, tal perda sai fora das regras fundamentais do Direito; mas é determinada por imperiosos motivos de utilidade pública. A negligência do proprietário, aduz, “não é propriamente uma razão determinante da prescrição aquisitiva, mas intervém como uma consideração moral de grande valor para pô-la sob uma luz mais favorável, tirando-lhe o caráter espoliativo, que à primeira vista se lhe atribui (p. 257)”.

Para Pontes de Miranda (2001, p. 153) “não se adquire, pela usucapião “de alguém”, porque na usucapião o fato principal é a posse, suficiente para adquirir de forma originária e não para se adquirir de outra pessoa”.

Brandelli (2016, p. 42-43 ) explica que “ser aquisição originária significa que o direito adquirido não se apoia em direito antecessor, analisando-se esta característica no momento da aquisição”.

Embora o caráter de perpetuidade da propriedade, de acordo com a moderna configuração do direito, deve esta atentar para sua função social, razão pela qual não se afigura espoliação o fato de alguém que, com ânimo de dono, apossa-se e cuida de um bem, como se seu fosse, por lapso considerável de tempo, sem qualquer   manifestação ou oposição do proprietário. Há que se presumir, como de fato assim o faz a lei, que se alguém, por longos anos não necessita ou se importa com seu patrimônio, relegando-o ao esquecimento, outra pessoa possa adquirir seu domínio, pois há interesse social na utilização de bens móveis e imóveis. Desta forma, “o fundamento da usucapião está assentado no princípio da utilidade social, na conveniência de se dar segurança e estabilidade à propriedade, bem como se consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio” (GONÇALVES, 2013, p. 258).

Diz Nunes (2000, p. 6) que, o fundamento que o direito moderno empresta a [ao] usucapião é a necessidade, ordem social, parecendo injustiça ao legítimo proprietário o que se afigura como uma espoliação, à primeira vista, mas que a lei responde dizendo que este foi negligente, deixando ao abandono o seu direito, durante tanto tempo e quem tem um direito deve velar por sua conservação. Conclui: “Se dorme durante vinte anos, perece a coisa, perece o direito. Eis uma sábia advertência aos indolentes” (p. 7)

1.2 ESPÉCIES DE USUCAPIÃO

O Código Civil de 2002 (Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002), trouxe uma compilação das várias espécies de usucapião previstas em nosso ordenamento esparso e entre os artigos 1.238 e 1.244 estabelece as regras atuais do direito material.

Inicia com a usucapião extraordinária, onde o possuidor, provando quinze anos de posse mansa, pacífica e ininterrupta, sem nenhum requisito a mais a ser cumprido, obtém a sentença declaratória de propriedade, reduzindo-se este prazo, no teor do parágrafo único do artigo 1.238, “a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo”.

Repetindo o artigo 191 da Constituição Federal, a atual codificação civil traz, no artigo 1.239, a usucapião especial rural e preceitua que aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade, fazendo o mesmo, no artigo 1.240, ao consagrar a letra garantida na Carta Maior, no artigo 183, estendendo os mesmos requisitos para a aquisição da propriedade urbana, desde que a área não ultrapasse duzentos e cinquenta metros quadrados.

A chamada usucapião ordinária foi contemplada no artigo 1.242 do Código Civil, exigindo-se, neste caso, o lapso temporal de dez anos, justo título e boa-fé. Assim como na usucapião extraordinária, o fato de redução do prazo, neste caso para cinco anos, fica por conta do que reza o parágrafo único, ou seja, que será de cinco anos o prazo previsto no artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.

No capítulo da propriedade, o Código de 2002 trouxe uma previsão semelhante a estabelecida no Estatuto da Cidade, ao prever, no parágrafo 4º do artigo 1.228 que o proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante, fixando o juiz, justa indenização devida ao proprietário e pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.

Esta espécie de usucapião, contemplada em separado das demais, diferentemente da chamada usucapião coletiva prevista no Estatuto da Cidade, não exige que os requerentes possuidores tenham baixa renda (BLASKESI, 2018, p. 66).

Na esteira da codificação civil, em 2011, a Lei 12.424 incluiu o que a doutrina chama de usucapião familiar ou conjugal, introduzindo o artigo 1.240- A e trazendo para o ordenamento a usucapião com o menor prazo, este de dois anos, para que possa ser requerida a propriedade do imóvel possuído, devendo, neste caso, ser comprovado o abandono do lar, pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro.

   Dentre as possibilidades previstas no Código Civil de 2002, com referência a usucapião, existe por exemplo a de usucapir o usufruto, no teor do artigo 1.391 e da usucapião das servidões (neste caso somente as aparentes), que poderá ser a ordinária, com dez anos ou a extraordinária, com vinte anos de posse sobre o direito (BLASKESI, 2018, p. 69).

Os artigos 1.260 e 1.261 da legislação civil pátria consagram  a usucapião de bens móveis, ordinária, com três anos, e extraordinária, com cinco anos de posse.

Além destas espécies, ainda encontra-se no ordenamento, a usucapião indígena que está disposta no artigo 33 do Estatuto do Índio (Lei 6.001/1973), que estabelece: “ O índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos consecutivos, trecho de terra inferior a cinquenta hectares, adquirir-lhe-á a propriedade plena”. Esta espécie de usucapião, semelhante à usucapião ordinária, deve atender todos os requisitos das demais, com exceção do justo título e boa-fé, visto que a lei não os exige (BLASKESI, 2018, p. 67).

O parágrafo único do artigo 33, do Estatuto do Índio, traz a vedação expressa de serem usucapidas, pelos indígenas, terras públicas. Veja-se: “o disposto neste artigo não se aplica às terras do domínio da União, ocupadas por grupos tribais, às áreas reservadas de que se trata esta Lei, nem às terras de propriedade coletiva de grupo tribal”.

O fundamento da aquisição da propriedade pela usucapião é de que o tempo deve consolidar uma situação de quem “exterioriza a propriedade sem tê-la, porém querendo tê- la, em detrimento do proprietário desidioso que não reivindica o que é seu” (DONIZETTI e QUINTELLA, 2016, p. 771).

Correia (2016, p. 59) ressalta que “os fundamentos da usucapião são: favorecer aqueles que fazem uso das propriedades requisitadas para moradia e trabalho, boicotar proprietários que não cuidam de seus bens como deveriam e regularizar situações de posse clandestina”.

Não é qualquer posse que gerará o direito de propriedade a ser declarada por sentença ou comprovada extrajudicialmente, senão aquela posse qualificada e que atenda os requisitos da lei.

Como essenciais, tem-se que a coisa a ser usucapida deve se prestar a tanto, isto é, deve ser bem particular, deve estar na posse do requerente e deve ser observado o fator tempo. Além disso, determinadas espécies de usucapião exigem justo título e boa-fé.

No dizer de Gonçalves (2013, p. 276), os pressupostos da usucapião são: coisa hábil (res habilis) ou suscetível de usucapião, posse (possessio), decurso do tempo (tempus), justo título (titulus) e boa-fé (fides)

A posse usucapionem e o lapso temporal prescrito em lei, conforme Donizetti e Quintella, devem estar reunidos para que se configure a usucapião, sendo que os demais requisitos variarão conforme a modalidade de usucapião que se enquadrarem.


2 USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL

A usucapião extrajudicial ingressou como possibilidade, à escolha das partes, em nosso ordenamento, positivada no artigo 1.071 do Código de Processo Civil, que acrescentou o artigo 216-A, à Lei 6.015 de 31 de dezembro de 1973 (Lei dos Registros Públicos), alterada pela Lei 13.465 de 11 de julho de 2017 e pelo Provimento 65, de 14 de dezembro de 2017, editado pelo Conselho Nacional de Justiça- CNJ, que veio regulamentar o procedimento (BLASKESI, 2018, p. 87).

Ressalte-se que a usucapião extrajudicial somente se aplica aos bens imóveis. A usucapião de bem móvel somente poderá ser realizada através de ação judicial.

O caput do artigo 1.071 do CPC expressamente modifica a Lei de Registros Públicos, acrescentando um novo dispositivo, ao ditar: “O Capítulo III do Título V da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 216-A”, remetendo à atividade registrária a incumbência do procedimento da usucapião administrativa. Este artigo foi, posteriormente à entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, modificado, em parte, de forma importante, bem como foram acrescentados outros parágrafos.

O introduzido e já modificado artigo da Lei dos Registros Públicos vem assim dizendo: “Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado”.

“Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião” significa que o legislador atendeu ao comando constitucional previsto no artigo 5º, XXXV, de que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito.

Neste dispositivo, conforme Campos (2003, p. 1) a Constituição da República espalmou o princípio da inafastabilidade da jurisdição, que, em síntese, de um lado, outorga ao Poder Judiciário o monopólio da jurisdição e, de outro, faculta ao indivíduo o direito de ação, ou seja, o direito de provocação daquele.

Se é certo que todos podem socorrer-se do Poder Judiciário para defender direitos que julgam ter, também é certo que a desjudicialização de atos de vontade em que não haja litígio é uma realidade cada vez mais presente no dia-a-dia do cidadão.

Por estas e outras razões, o Conselho Nacional de Justiça reforçou a faculdade conferida às partes, estabelecendo, no parágrafo  2º do Provimento 65 que “será facultada aos interessados a opção pela via judicial ou pela extrajudicial; podendo ser solicitada, a qualquer momento, a suspensão do procedimento pelo prazo de trinta dias ou a desistência da via judicial para promoção da via extrajudicial” e que, uma ver homologada a desistência, poderão ser usadas as mesmas provas apresentadas na via judicial.

Desta forma, ao possibilitar a usucapião pela forma administrativa, embora sem vedar o acesso ao Judiciário, o legislador visou desafogar o sistema judiciário, para que seja o Estado- Juiz acionado somente quando não há a possibilidade da via administrativa.

A segunda parte do artigo 213-A diz “...que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado”.

Caso o oficial de registro entenda que os requisitos todos da lei não foram atendidos, recusar-se-á à declarar a propriedade e o consequente registro em nome do requerente e enviará ao juízo competente para que seja processado judicialmente.

O caput do referido artigo encerra dizendo que o requerente, isto é, a parte que visa usucapir o bem, deverá ser representado por advogado.

Assim como na lei que modificou o Código de Processo Civil anterior e possibilitou a lavratura de inventários e divórcios extrajudiciais (Lei 11.441/2007), esta também exige a assistência do advogado, que é o profissional técnico habilitado para a análise de documentos e demais provas de que a posse alegada alcançou tempo e requisitos necessários para a usucapião.

O advogado, juntando os documentos previstos na lei, encaminhará o requerimento, em forma de petição, ao oficial registrador, para a análise e convencimento do mesmo.

O requerimento do possuidor, assistido por seu advogado deverá conter os elementos e documentos que abaixo enumera- se e explica-se.

2.1 ATA NOTARIAL

O requerimento do possuidor, representado pelo advogado, ao registrador imobiliário, deverá ser instruído com vários documentos, previstos no artigo. O primeiro deles  remete à competência do Tabelião de Notas, que deverá lavrar uma ata notarial onde deverá conter informações sobre o tempo de posse, se houve possuidor anterior. O teor do primeiro inciso diz: “I -  ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e de seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias, aplicando-se o disposto no art. 384 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).”

No artigo 4º do Provimento 65- CNJ, foi detalhado o conteúdo que deve abranger a ata notarial, o que não tinha ocorrido nem no artigo 1.071 do CPC e nem no artigo 216-A da Lei dos Registros Públicos.

Para lavrar a ata notarial, o tabelião de notas deverá atentar para os seguintes requisitos, ditados pelo citado artigo 4º do Provimento 65: “I – ata notarial com a qualificação, endereço eletrônico, domicílio e residência do requerente e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver, e do titular do imóvel lançado na matrícula objeto da usucapião que ateste: a)  a descrição do imóvel conforme consta na matrícula do registro em caso de bem individualizado ou a descrição da área em caso de não individualização, devendo ainda constar as características do imóvel, tais como a existência de edificação, de benfeitoria ou de qualquer acessão no imóvel usucapiendo, b)  o tempo e as características da posse do requerente e de seus antecessores; c) a forma de aquisição da posse do imóvel usucapiendo pela parte requerente, d) a modalidade de usucapião pretendida e sua base legal ou constitucional, e) o número de imóveis atingidos pela pretensão aquisitiva e a localização: se estão situados em uma ou em mais circunscrições, f) o valor do imóvel, g) outras informações que o tabelião de notas considere necessárias à instrução do procedimento, tais como depoimentos de testemunhas ou partes confrontantes”.

Para a lavratura da ata notarial, pela atual dicção da lei, deverão ser preenchidos os requisitos acima. A regulamentação pelo Provimento 65 veio espantar as dúvidas que pairavam sobre o conteúdo que deveria abranger o instrumento público (BLASKESI, 2018, p. 92).   

Para ser lavrada a ata, o interessado deverá requerer por escrito ao tabelião de notas, indicando os dados acima, no próprio pedido. Pode solicitar ainda, que o notário se desloque até o imóvel indicado, fornecendo o endereço correto, para que seja certificado que efetivamente a pessoa está na posse, ouvindo os confinantes, que deverão estar previamente convocados pelo possuidor. Estes serão identificados e deverão declarar que efetivamente o solicitante está na posse do imóvel pelo tempo alegado. Também é possível seja requerido somente que seja tomada a declaração dos possuidores e dos lindeiros, no próprio tabelionato de notas, sendo a diligência ao local realizada pelo registrador de imóveis, se assim julgar necessário, no momento oportuno. O solicitante deverá juntar os documentos comprobatórios da posse, tais como recibos de pagamento de IPTU, de taxas de energia elétrica, de água, bem como se, tendo justo título (contratos particulares ou recibos de compra e venda, por exemplo), deverá apresentá-lo.  Estes últimos requisitos estão na parte final das alíneas do Inciso I, do artigo 4º, do Provimento 65- CNJ (alínea g), que deixa um campo mais amplo para juntada das provas da posse, na ata notarial. O  Inciso IV, do artigo 213- A, da lei 6.015/73, prescreve que deverá ser apresentado “ justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel”.

Finalizada a lavratura da ata notarial, o tabelião deve cientificar o requerente e consignar no ato que a ata notarial não tem valor como confirmação ou estabelecimento de propriedade, servindo apenas para a instrução de requerimento extrajudicial de usucapião para processamento perante o registrador de imóveis (§ 3º, artigo 5º, Provimento 65-CNJ).

Embora não haja a previsão da necessidade da assistência do advogado para a apresentação do requerimento para lavratura da ata notarial ao tabelião de notas, é sabido que o leigo não terá a mesma facilidade para encaminhar este, com todos os requisitos necessários.

No requerimento para a lavratura da ata notarial, deverá conter a qualificação do requerente e seu cônjuge, se casado, com o pedido de que o tabelião colha sua declaração de tempo de posse, bem como a indicação do local do imóvel, com endereço completo, inclusive o endereço eletrônico, o pedido para que os lindeiros, que deverão ser nominados no requerimento, sejam ouvidos, e a juntada dos documentos que serão apresentados. Estes documentos também deverão ser nominados no pedido, como por exemplo, justo título, que poderá ser uma escritura pública que não pôde ser registrada, contrato particular de compra e venda, cessão de direitos hereditários e os recibos de pagamento de IPTU, água, luz, telefone, notas fiscais de compra de material de construção, declaração do imóvel no Imposto de Renda, no ITR, no CCIR, entre outros.

O comparecimento e/ou anuência dos lindeiros na ata notarial não são elementos imprescindíveis para sua lavratura, mas será uma forte prova da posse e do que foi declarado pelo requerente.

2.2  ASSISTÊNCIA DO ADVOGADO

O advogado é o profissional, com habilitação técnica, para a postulação em juízo.

A Constituição Federal prevê, em seu artigo 133 que “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

A partir do momento em que a Ata Notarial for lavrada, a função do tabelião estará concluída, restando, pois, ao advogado dar andamento ao procedimento perante o registrador de imóveis, onde deverá apresentar os demais documentos previstos no artigo 213- A, da lei 6.015/73, através do chamado requerimento, firmado pelo interessado, que nada mais é do que a petição que o profissional fará ao ofício imobiliário.

A previsão legal, na usucapião extrajudicial, dispensa o Poder Judiciário,  porém exige a assistência do advogado ou do defensor público, na mesma linha da lei 11.441/2007, que possibilitou a separação, divórcio e inventário extrajudiciais, tornando nulo o ato que não atentar a este requisito. A inclusão do defensor público (que não estava explícito na lei), foi introduzida pelos artigos 2º e 4º, do Provimento 65-CNJ.

Ao profissional do direito caberá assistir o requerente no pedido de reconhecimento da usucapião, encaminhando a petição ao registrador de imóveis, analisando a espécie de usucapião cabível, verificando a existência dos documentos previstos na lei, bem como acompanhar o processo administrativo até seu final e, caso julgado improcedente pelo oficial de registro, peticionar judicialmente a  usucapião.

Para a assistência perante o Registro de Imóveis deverá ser anexada a procuração com poderes para tanto, do requerente e seu cônjuge, se casado, para o advogado constituído. A procuração poderá ser pública ou particular. Neste caso, deverá trazer a assinatura reconhecida (Inciso VI, art. 4º, Provimento 65-CNJ). No inciso seguinte traz que deverá, se for o caso, juntar “ declaração do requerente, do seu cônjuge ou companheiro que outorgue ao defensor público a capacidade postulatória da usucapião”.

A regulamentação do Conselho Nacional de Justiça- CNJ, traz, ainda, no parágrafo 1º, do artigo 9º, a disposição de que “todas as notificações destinadas ao requerente serão efetivadas na pessoa do seu advogado ou do defensor público, por e-mail”.

2.3 PLANTA E MEMORIAL DESCRITIVO DO IMÓVEL

   Após lavrada a ata notarial pelo tabelião, a petição do advogado deverá começar pela juntada de documentos para instruir o procedimento perante o registrador, iniciando com a planta e memorial descritivo do imóvel a ser usucapido, o que dará as medidas e proporções do mesmo, bem como sua localização e seus confinantes, pois deverá ser devidamente identificado e descrito, para atender ao princípio da especialização registral. Também poderá requerer o que o registrador de imóveis chama de “certidão para fins de usucapião”, onde é feita uma pesquisa sobre o imóvel, a fim de verificar se ele está sobreposto em uma matrícula, determinando assim, quem é o proprietário registral, se houver, e se existem, averbados ou registrados outros direitos reais ou pessoais sobre o imóvel.

   Para isso, prevê o segundo inciso II, do artigo 216- A da Lei dos Registros Públicos que deverá constar planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica (ART) no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes.

O Inciso II do artigo 4º do Provimento 65 do Conselho Nacional de Justiça detalhou as exigências, dizendo que deverá conter “ planta e memorial descritivo assinados por profissional legalmente habilitado e com prova da Anotação da Responsabilidade Técnica – ART ou do Registro de Responsabilidade Técnica –  RTT no respectivo conselho de fiscalização profissional e pelos titulares dos direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes ou pelos ocupantes a qualquer título” e que “será exigido o reconhecimento de firma, por semelhança ou autenticidade, das assinaturas lançadas na planta e no memorial mencionados no inciso II do caput deste artigo (§6º)”.

No memorial descritivo que acompanhará a planta deverão constar os proprietários registrais, em consonância com o que constar no cadastro da Prefeitura, para que não haja divergências na hora do registro da usucapião. Caso não haja proprietários registrais, deverão constar os proprietários de fato, ou, conforme acima mencionado, incluído pelo Provimento do CNJ, “pelos ocupantes a qualquer título”. Também deverá o profissional ter cuidado para descrever o imóvel fazendo constar a distância da esquina, se o imóvel situa- se do lado par ou ímpar da numeração, o quarteirão onde estiver situado e, se há casas ou construções, também deverão estar descritas.

   Prevê o parágrafo 2º, com a redação atual, dada pela Lei 13.465 de 2017 que “Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, o titular será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar consentimento expresso em quinze dias, interpretado o silêncio como concordância.”

   O Provimento 65 do Conselho Nacional de Justiça- CNJ, no artigo 10, esclarece que “se a planta mencionada no inciso II do caput do art. 4º deste provimento não estiver assinada pelos titulares dos direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes ou ocupantes a qualquer título e não for apresentado documento autônomo de anuência expressa, eles serão notificados pelo oficial de registro de imóveis ou por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos para que manifestem consentimento no prazo de quinze dias, considerando-se sua inércia como concordância”.

Espantando quaisquer dúvidas que possam advir da notificação aos proprietários ou a quem tenha qualquer direito real, bem como ocupe a qualquer título o imóvel, o parágrafo 5º diz que “deverá constar expressamente na notificação a informação de que o transcurso do prazo previsto no caput sem manifestação do titular do direito sobre o imóvel consistirá em anuência ao pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião do bem imóvel”.

O parágrafo 6º alerta que “se a planta não estiver assinada por algum confrontante, este será notificado pelo oficial de registro de imóveis mediante carta com aviso de recebimento, para manifestar-se no prazo de quinze dias, aplicando-se ao que couber o disposto nos §§ 2º e seguintes do art. 213 e seguintes da LRP”.

Uma das novidades do Provimento 65-CNJ diz respeito ao imóvel que já esteja matriculado, quando o pedido de usucapião tiver por objeto imóvel com a descrição idêntica à constante no fólio registral. Neste caso, conforme o § 10, fica dispensada a intimação dos lindeiros e o registro da usucapião será registrado na matrícula já existente.

Brandelli (2016, p. 55) diz que “não há necessidade na precisão do imóvel dado que o tabelião poderá não ter elementos técnicos para tanto, embora nada obste que ele seja acompanhado por profissional técnico indicado pela parte requerente, o qual indique as descrições levantadas, sendo isso narrado na ata notarial”.

Segundo ele, “o que importa é que a ata não conflite com o projeto e memorial, que terão a descrição do imóvel que será levada em conta em caso de deferimento do pedido”.

2.4 DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS DA POSSE: JUSTO TÍTULO

O Inciso IV do artigo 216- A da Lei dos Registros Públicos requer, para comprovação da posse “justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.”

O conceito de justo título não é pacífico, porém, a maior parte dos doutrinadores entende que é o documento hábil para transferir a propriedade, porém, por alguma razão que foge à vontade das partes, não é possível obter o registro. Para Farias e Rosenvald (2008, p. 580), “justo título é o instrumento que conduz um possuidor a iludir-se, por acreditar que lhe outorga a condição de proprietário. Trata-se de um título que, em tese, apresenta-se como instrumento formalmente idôneo a transferir a propriedade, malgrado apresente algum defeito que impeça a sua aquisição. Em outras palavras, é o ato translativo inapto a transferir a propriedade”.

O Provimento 65 do CNJ, no artigo 13, traz a dispensa do titular da propriedade dizendo que “ considera-se outorgado o consentimento mencionado no caput do art. 10 deste provimento, dispensada a notificação, quando for apresentado pelo requerente justo título ou instrumento que demonstre a existência de relação jurídica com o titular registral, acompanhado de prova da quitação das obrigações e de certidão do distribuidor cível expedida até trinta dias antes do requerimento que demonstre a inexistência de ação judicial contra o requerente ou contra seus cessionários envolvendo o imóvel usucapiendo”. O provimento regulamentador vai além, para dissipar quaisquer dúvidas advindas da interpretação do que é justo título, no caso da usucapião, estabelecendo, no mesmo artigo: “§ 1º São exemplos de títulos ou instrumentos a que se refere o caput: I – compromisso ou recibo de compra e venda; II – cessão de direitos e promessa de cessão; III – pré-contrato; IV – proposta de compra;V – reserva de lote ou outro instrumento no qual conste a manifestação de vontade das partes, contendo a indicação da fração ideal, do lote ou unidade, o preço, o modo de pagamento e a promessa de contratar; VI – procuração pública com poderes de alienação para si ou para outrem, especificando o imóvel; VII – escritura de cessão de direitos hereditários, especificando o imóvel; VIII – documentos judiciais de partilha, arrematação ou adjudicação”.

Essa interpretação do Conselho traz a certeza de que tais documentos apresentados, servirão para comprovar a existência da vontade da transmissão do domínio do bem, que não foi obtido por razões adversas.

2.5 IMÓVEL NÃO REGISTRADO

Mas, e se o imóvel usucapiendo ou algum dos imóveis lindeiros não estiverem registrados no Registro de Imóveis?

Ao requerer a chamada certidão para fins de usucapião, perante o registro de imóveis, o solicitante saberá se o imóvel encontra-se registrado ou não, se há proprietário registral ou registro ou averbações de outros direitos reais ou pessoais.

Pode ser que o imóvel objeto do pedido de usucapião não se encontre matriculado, o que significa que não há proprietário registral.

Neste caso, embora o inciso II do artigo 216- A da Lei dos Registros Públicos diga que deverá ser apresentada planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, parece não ter sido a vontade do legislador que somente imóveis que já possuam, originariamente registro, possam ser objeto de usucapião extrajudicial (BLASKESI, 2018, p. 116).

Pela letra da lei, o legislador, embora não tenha autorizado, expressamente, que possam ser usucapidos imóveis que não constem no fólio registral, também não vedou esta possibilidade, o que tornaria o instituto sem sua real utilidade, que é o de tornar possível a existência registral de bens que não existem juridicamente. Imóveis em que constem proprietários registrais tem grandes chances de serem regularizados por outras formas de transmissão derivada, como venda, doação, inventário e partilha, porém, os bens que não possuem matrícula têm somente a via da usucapião, o que parece, no meu entender, ter sido a vontade legislativa.

Desta forma, caso não haja matrícula ou transcrição do imóvel usucapiendo, o que se depreenderá da certidão negativa de existência de registro do mesmo, expedida pelo Registro de Imóveis, deverá ser encaminhada a documentação, com a ata notarial, planta, memorial descritivo, assinado pelos proprietários dos imóveis lindeiros e demais documentos exigidos pelo artigo.

Não resta dúvida que o ordenamento jurídico permite a usucapião extrajudicial de bens imóveis que não se encontrem registrados ou matriculados no registro de imóveis, ficando cristalino, com as disposições do Provimento do CNJ, que tal possibilidade encontra amparo legal.

2.6 REQUERIMENTO AO REGISTRADOR

Após a juntada de todos os documentos previstos, isto é, ata notarial, planta e memorial descritivo, certidões dos imóveis, tanto do usucapiendo quanto dos lindeiros, documentos de identidade, CPF, certidão de casamento, pacto antenupcial, se forem os requerentes casados por regime diferente do legal, bem como documentos de identidade e CPF dos lindeiros, certidões negativas de distribuição, o requerimento apresentado pelo advogado, conforme prescreve o parágrafo 1º do artigo 213 A da Lei dos Registros Públicos “ será autuado pelo registrador, prorrogando-se o prazo da prenotação até o acolhimento ou a rejeição do pedido”.

Essa ressalva quanto à prorrogação da prenotação, justifica-se porque este procedimento a própria Lei 6.015/73 estabelece: “Art. 188 - Protocolizado o título, proceder-se-á ao registro, dentro do prazo de 30 (trinta) dias, salvo nos casos previstos nos artigos seguintes”.

Tendo em vista a complexidade do procedimento da usucapião administrativa e todas as providências que deverão ser tomadas pelo registrador, atendendo aos prazos fixados no artigo 213-A, certamente excederá o prazo de trinta dias para o registro e/ou abertura da matrícula, se for reconhecida a propriedade do imóvel, razão pela qual, foi louvável o cuidado do legislador, ao prorrogar o prazo até a conclusão do feito (BLASKESI, 2018, p. 124).

Recebido o requerimento do possuidor, devidamente assistido por seu advogado, ambos assinando o documento, o registrador de imóveis analisará a documentação apresentada.

O Provimento 65- CNJ, traz, no artigo 3º, o rol dos documentos que deverão ser apresentados no requerimento ao registrador, que atenderá, no que couber, os requisitos da petição inicial,  estabelecidos pelo art. 319 do Código de Processo Civil – CPC, bem como indicará: “I – a modalidade de usucapião requerida e sua base legal ou constitucional; II – a origem e as características da posse, a existência de edificação, de benfeitoria ou de qualquer acessão no imóvel usucapiendo, com a referência às respectivas datas de ocorrência; III – o nome e estado civil de todos os possuidores anteriores cujo tempo de posse foi somado ao do requerente para completar o período aquisitivo; IV – o número da matrícula ou transcrição da área onde se encontra inserido o imóvel usucapiendo ou a informação de que não se encontra matriculado ou transcrito; V – o valor atribuído ao imóvel usucapiendo”.

Com a edição do provimento regulamentador, tornou-se inquestionável a documentação obrigatória a ser apresentada ao registrador de imóveis, para seu convencimento e reconhecimento da usucapião. O artigo  4º diz que “o requerimento será assinado por advogado ou por defensor público constituído pelo requerente e instruído com os seguintes documentos: I – ata notarial com a qualificação, endereço eletrônico, domicílio e residência do requerente e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver, e do titular do imóvel lançado na matrícula objeto da usucapião que ateste: a)  a descrição do imóvel conforme consta na matrícula do registro em caso de bem individualizado ou a descrição da área em caso de não individualização, devendo ainda constar as características do imóvel, tais como a existência de edificação, de benfeitoria ou de qualquer acessão no imóvel usucapiendo; b) o tempo e as características da posse do requerente e de seus antecessores; c) a forma de aquisição da posse do imóvel usucapiendo pela parte requerente; d)  a modalidade de usucapião pretendida e sua base legal ou constitucional; e)  o número de imóveis atingidos pela pretensão aquisitiva e a localização: se estão situados em uma ou em mais circunscrições; f) o valor do imóvel; g) outras informações que o tabelião de notas considere necessárias à instrução do procedimento, tais como depoimentos de testemunhas ou partes confrontantes; II – planta e memorial descritivo assinados por profissional legalmente habilitado e com prova da Anotação da Responsabilidade Técnica – ART ou do Registro de Responsabilidade Técnica –  RTT no respectivo conselho de fiscalização profissional e pelos titulares dos direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes ou pelos ocupantes a qualquer título; III – justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a cadeia possessória e o tempo de posse; IV – certidões negativas dos distribuidores da Justiça Estadual e da Justiça Federal do local da situação do imóvel usucapiendo expedidas nos últimos trinta dias, demonstrando a inexistência de ações que caracterizem oposição à posse do imóvel, em nome das seguintes pessoas: a) do requerente e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver; b) do proprietário do imóvel usucapiendo e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver; c) de todos os demais possuidores e respectivos cônjuges ou companheiros, se houver, em caso de sucessão de posse, que é somada à do requerente para completar o período aquisitivo da usucapião; V – descrição georreferenciada nas hipóteses previstas na Lei n. 10.267, de 28 de agosto de 2001, e nos decretos regulamentadores; VI – instrumento de mandato, público ou particular, com poderes especiais e com firma reconhecida, por semelhança ou autenticidade, outorgado ao advogado pelo requerente e por seu cônjuge ou companheiro; VII – declaração do requerente, do seu cônjuge ou companheiro que outorgue ao defensor público a capacidade postulatória da usucapião; VIII – certidão dos órgãos municipais e/ou federais que demonstre a natureza urbana ou rural do imóvel usucapiendo, nos termos da Instrução Normativa Incra n. 82/2015 e da Nota Técnica Incra/DF/DFC n. 2/2016, expedida até trinta dias antes do requerimento. § 1º Os documentos a que se refere o caput deste artigo serão apresentados no original. Sendo a documentação prevista em lei apresentada, o registrador de imóveis passará a analisar a documentação e tomar as providências necessárias para o andamento do procedimento”.

Como visto, o procedimento foi detalhado passo a passo pelo Conselho Nacional de Justiça. O parágrafo  1º do artigo acima exige que os documentos a que se refere o caput sejam apresentados no original, devendo ser instruído com tantas cópias quantas forem os titulares de direitos reais ou de outros direitos registrados sobre o imóvel usucapiendo e os proprietários confinantes ou ocupantes cujas assinaturas não constem da planta nem do memorial descritivo referidos no inciso II do artigo (§ 2º) . Ainda estabelece que a cópia juntada no requerimento poderá ser declarada autêntica pelo advogado ou defensor público, sob sua responsabilidade, dispensando, neste caso, que as cópias sejam autenticadas pelo tabelião.

A ata notarial é um dos documentos exigidos para o requerimento da usucapião. Conforme o parágrafo 7º, este poderá “ser instruído com mais de uma ata notarial, por ata notarial complementar ou por escrituras declaratórias lavradas pelo mesmo ou por diversos notários, ainda que de diferentes municípios, as quais descreverão os fatos conforme sucederem no tempo”.

O procedimento da usucapião extrajudicial é ato complexo, que demanda várias exigências e a apresentação de muitos documentos. Ciente disto, o CNJ estabeleceu, no parágrafo único, do artigo 26 que as “diligências, reconhecimento de firmas, escrituras declaratórias, notificações e atos preparatórios e instrutórios para a lavratura da ata notarial, certidões, buscas, averbações, notificações e editais relacionados ao processamento do pedido da usucapião serão considerados atos autônomos para efeito de cobrança de emolumentos nos termos da legislação local, devendo as despesas ser adiantadas pelo requerente”. Desta forma, quem requerer a usucapião extrajudicial arcará com as despesas, além da ata notarial lavrada pelo tabelião de notas e do requerimento do reconhecimento da usucapião, ao registrador de imóveis, com as despesas dos demais atos necessários para alcançar o objetivo do registro da propriedade.

Ao protocolar o requerimento do reconhecimento da usucapião extrajudicial, o solicitante pode se deparar com a notícia de que já existe pedido neste sentido, feito por outra pessoa. Neste caso, “ a prenotação do procedimento permanecerá sobrestada até o acolhimento ou rejeição do procedimento anterior ( 4º, VIII,§ 9º, Provimento 65-CNJ). Caso o pedido se refira somente a parcela do imóvel, com relação à parte incontroversa terá acolhimento, permanecendo sobrestada a prenotação somente quanto a parcela que é objeto do primeiro requerimento (§ 10).

Pode que o requerimento abranja mais de um imóvel, com diferentes titulares de direitos reais e, neste caso, o parágrafo 11, traz como solução a realização de um único requerimento e ata notarial, bastando para isto que as áreas sejam contíguas.  Se houver mais de um requerente pleiteando o reconhecimento da usucapião, será acolhido como exercício comum de posse, nos termos do artigo 8º do Provimento do CNJ.

Uma vez apresentado o pedido e todos os documentos necessários, será protocolado no registro de imóveis, prorrogando-se os efeitos da prenotação até o acolhimento ou rejeição do pedido (artigo 9º), sem todas as notificações destinadas ao requerente, enviadas ao advogado ou defensor público, através de e-mail (§1°).

O requerente poderá acostar o pedido no registro de imóveis e não demonstrar interesse em seu prosseguimento, seja não apresentando a documentação solicitada, seja não solucionando eventuais impugnações ou não pagando as despesas que se fizerem necessárias para as notificações, editais, etc. Neste caso, poderá ocorrer o arquivamento do pedido, conforme parágrafo 2º e o cancelamento da prenotação, nos termos do artigo 205 da LRP que estabelece: “cessarão automaticamente os efeitos da prenotação se, decorridos 30 (trinta) dias do seu lançamento no Protocolo, o título não tiver sido registrado por omissão do interessado em atender às exigências legais”.

No caso de prosseguimento do feito, deverá ser feita a notificação aos entes públicos, conforme o teor do parágrafo 3º, do artigo 213-A, da LRP que afirma: “o oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio com aviso de recebimento, para que se manifestem, em 15 (quinze) dias, sobre o pedido”. A mesma dicção tem o artigo 15 do Provimento 65 do Conselho Nacional de Justiça.

O Provimento 65/2017 do Conselho Nacional de Justiça traz , no parágrafo 1º do artigo 15 que “a inércia dos órgãos públicos diante da notificação de que trata este artigo não impedirá o regular andamento do procedimento nem o eventual reconhecimento extrajudicial da usucapião” e que “será admitida a manifestação do Poder Público em qualquer fase do procedimento (§2º)”.

Havendo manifestação de qualquer dos entes públicos, discordando da usucapião, em razão do bem estar sob seu domínio, o registrador de imóveis impugnará o pedido e remeterá o feito para o juízo competente.

No transcorrer do procedimento da usucapião extrajudicial, após o encaminhamento da documentação na forma já mencionada, o registrador de imóveis fará publicar edital em jornal de grande circulação, para a ciência de terceiros eventualmente interessados no feito. Na dicção do § 4º, do artigo 1.071 do CPC: “O oficial de registro de imóveis promoverá a publicação de edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar em 15 (quinze) dias”.

O Provimento 65 do CNJ foi mais preciso quanto ao edital de notificação de possíveis interessados no procedimento da usucapião extrajudicial, ao prever no artigo 16: “após a notificação prevista no caput do art. 15 deste provimento, o oficial de registro de imóveis expedirá edital, que será publicado pelo requerente e às expensas dele, na forma do art. 257, III, do CPC, para ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão manifestar-se nos quinze dias subsequentes ao da publicação”.

Apresentada a documentação ao registrador de imóveis, estando notificados por edital os entes públicos, União, Estado, Distrito Federal e Município, ou, no caso recente, através de requerimento pela via virtual, perante a União, bem como os terceiros eventualmente interessados, na forma do disposto acima e não havendo manifestação destes, o registrador de imóveis poderá dar prosseguimento ao feito, deferindo o pedido da usucapião.

É o teor do parágrafo 6º do artigo 216- A, com a redação dada pela lei 13.645/17: “transcorrido o prazo de que trata o § 4o deste artigo, sem pendência de diligências na forma do § 5o deste artigo e achando-se em ordem a documentação, o oficial de registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso”.  

Após tomadas estas providências e convencido o registrador de imóveis que o requerente atendeu ao comando legal para comprovar a propriedade, registrará a aquisição do imóvel em seu nome, com abertura de nova matrícula, se for o caso. Estará assim, concluído o feito, o que espera-se que se deslinde em prazo bem menor que o existente, atualmente, para a realização da usucapião judicial, visto ter sido este o intuito do legislador, isto é, agilizar os procedimentos, optando o possuidor pela via extrajudicial, desafogando o Poder Judiciário e trazendo estes bens para o mercado imobiliário.


3 DIFICULDADES PARA O RECONHECIMENTO DA USUCAPIÃO PELA VIA EXTRAJUDICIAL

   Mudar paradigmas gera resistência, acompanhada de desconhecimento e, muitas vezes, de desconforto. Porém, quando se trata de operadores do Direito, nas suas mais variadas funções e profissões, espera-se que as mudanças sejam encaradas como novas formas de solução de problemas.

  A  faculdade do reconhecimento da propriedade via usucapião administrativa tem despertado interesse, embora não se traduza em números desejáveis de realização de atos registrários.

  Assim, questiona-se: se o legislador pátrio vislumbrou a possibilidade de tal reconhecimento da propriedade pelo registrador de imóveis, por que o número de procedimentos é tão pequeno nos cartórios registrais?

     Como instituto recente no ordenamento jurídico, entende-se que até chegar a sua efetiva aplicação demanda certo tempo, porém, este tempo não pode ser demasiado longo a ponto de colocar em xeque a sua efetividade.

    Não há números oficiais de efetivos registros destes procedimentos, porém a vivência cartorária, bem como docente e como palestrante sobre o tema, leva a se ter o conhecimento de que na maioria dos ofícios registrais ainda não foi reconhecida de registrada esta nova forma de aquisição de propriedade.

   Dada a sua existência relativamente recente, há pouca jurisprudência sobre o tema e os estudiosos, doutrinadores e pesquisadores ainda não tem parâmetros para comparações. Como vivenciadora da prática e professora da teoria e também com base em obra já escrita sobre o tema, pode-se elencar, de forma exemplificativa, atual e com base na experiência profissional, alguns fatores que podem facilitar a prática do registro da usucapião extrajudicial.

   Primeiramente, a aquisição de conhecimento  teórico sobre o procedimento, por quem deve iniciá-lo, isto é, o advogado. Este conhecimento envolve desde o direito material, onde deve ser verificada a possibilidade ou não do procedimento, passando pela espécie a ser requerida, bem como todas as demais etapas que devem ser seguidas. A viabilidade do reconhecimento está intrinsecamente ligada a este primeiro tópico.

     Após, o advogado deve acostar a petição (requerimento) perante o ofício de registro de imóveis competente, protocolando os documentos. Neste momento, importante se faz o acompanhamento rotineiro do profissional de Direito, para verificar as eventuais impugnações registrais e suprir as documentações faltantes.

   O convencimento do registrador de imóveis se faz através do requerimento e dos documentos comprobatórios acostados. A partir daí, há a presidência do procedimento, a cargo do registrador de imóveis e, justamente neste momento é que será definido se ocorre ou não o reconhecimento da propriedade. Este caminho a ser trilhado, muitas vezes esbarra na dúvida e, por que não dizer, no temor do registro da propriedade, pois, quando o imóvel submetido ao feito já encontra-se matriculado, para ocorrer o registro reconhecendo como propriedade do requerente, haverá a perda da propriedade para o proprietário registral.

     O principal entrave, ou a maior dificuldade ocorre justamente neste ato. Pela experiência profissional nestes feitos, entende-se que, além do reconhecimento de todos os requisitos registrais, há de ter o registrador de imóveis certa coragem para trazer para si esta responsabilidade, mesmo porque a lei lhe faculta recusar o registro e enviar para a via judicial a documentação, caso entenda que falta comprovação de que o requerente é de fato e de direito o proprietário e que preenche todos os requisitos de lei.

      De todo modo, com o passar do tempo e a realização de registros (que atualmente ocorre de forma morosa e difícil, diga-se de passagem), mais e mais oficiais registradores enfrentarão estas situações que chegam diariamente as suas mãos, solucionando, de forma jurídica e legal, a propriedade para quem efetivamente tem o direito.


CONCLUSÃO

Obviamente, não se esgota o assunto nestas páginas. Pelo contrário, busca-se neste trabalho, apanhado de ideias e pesquisa, fomentar a discussão sobre procedimento tão recentemente instalado no ordenamento jurídico, trazendo à baila todas as dúvidas surgidas com o andamento e aparecimento de situações a que os operadores jurídicos que trataram destas se deparem. Atualmente, tanto  advogados, notários e registradores debatem-se em entendimento diferentes sobre as mesmas questões colocadas. Ao trazer para a realidade, na prática, o comando legislativo carece de clareza e certeza, razão pela qual, com o surgimento de obras jurídicas, jurisprudência, provimentos dos tribunais de justiça estaduais e resoluções do Conselho Nacional de Justiça se assentarão as interpretações e, nos moldes do que ocorreu com a autorização para lavratura de inventários e divórcios extrajudiciais, em tempo não muito longínquo será, naturalmente, realizado este procedimento.

A usucapião é instituto milenar, já conhecido nas formas mais remotas do Direito, de acordo com a história. Seu aprimoramento se deu com a evolução da humanidade, adequando-se ao tempo e ao tipo de civilização em que era (e é) aplicado.

Seu conceito clássico (aquisição originária da propriedade) vem sofrendo mutações com o passar do tempo, assim como as diversas espécies de usucapião que podem ser alegadas, as vias em que podem ser requeridas e os direitos reais que podem ser objeto de pedido.

Hodiernamente, a usucapião está prevista no Código Civil Brasil, no Livro do Direito das Coisas e em legislações esparsas. São espécies de usucapião a extraordinária, ordinária, ambas podendo ter seus prazos reduzidos por implemento de determinadas condições previstas em lei e as especiais: rural, urbana e familiar (esta, a última a integrar as espécies), além da indígena. 

Podem ser objeto de usucapião, além do direito de propriedade, outros direitos reais, como direito de usufruto, de superfície, de servidão, de domínio útil, além de usucapião sobre a propriedade intelectual. A lei prevê, ainda, a possibilidade de se usucapir bens móveis.

Até a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, em março de 2016, a única via autorizada no ordenamento jurídico brasileiro era a judicial. Quem pretendesse requerer a declaração da usucapião deveria ajuizar ação perante o Poder Judiciário.

Com o processo de desjudicialização, recorrente no direito brasileiro, o legislador achou por bem autorizar a quem preencher determinados requisitos, requerer esta declaração de usucapião pela via extrajudicial, isto é, perante os chamados “cartórios”.

Estes são os ofícios de registro de imóveis, onde o requerente da usucapião, assistido por advogado, pode protocolar seu pedido de reconhecimento da usucapião de bens imóveis.

Preenchendo os requisitos da Lei dos Registros Públicos (alterada pelo atual CPC), o requerente pode obter a declaração da propriedade ou do direito real usucapido, diretamente do registrador de imóveis.

Para tanto, o requerente, assistido por advogado, deve protocolar o pedido junto ao registro de imóveis da localidade do imóvel, nele contendo, além da própria petição, a ata notarial, com comprovação do tempo de posse, planta e memorial descritivo assinado pelo requerente, pelo proprietário registral (se houver), pelos lindeiros registrais e demais titulares de direitos reais, acaso existentes, além de todo e qualquer documento que possa comprovar a efetiva posse alegada.

O requerimento apresentado ao registrador de imóveis deverá conter todas as informações, como a espécie de usucapião alegada, juntada de documentos e o pedido de deferimento do que foi solicitado. Algumas dúvidas pairam sobre a necessidade de apresentação de georreferenciamento, caso o imóvel rural tenha área inferior à exigida pela lei para registro do direito real usucapido. A lei não é clara, o que poderá acarretar, em alguns casos, o indeferimento do pedido de registro da usucapião.

Outro fator que provocava  dúvidas, atualmente sanado, através da Lei 13.465/17, e do Provimento 65/2017 do Conselho Nacional de Justiça, é a possibilidade ou não, de registro de imóveis cujos proprietários registrais não se manifestem, nem assinando a planta e memorial descritivo e nem anuindo no prazo de quinze dias, após a notificação do registrador. A lei, nestes casos, a partir da nova redação dada ao artigo 216-A,  entende o silêncio como concordância.

O registrador de imóveis fará a notificação, por edital em jornal de grande circulação, dos entes públicos (União, Estado, Distrito Federal e Município) e de terceiros eventualmente interessados. Neste caso, o silêncio será entendido como concordância. Com relação à notificação da União, recentemente foi disponibilizado, de forma virtual, um requerimento a SPU para manifestação se  imóvel pertence ou não a este ente.

Após estas providências, estando convencido o registrador de imóveis, este declarará a propriedade e registrará a usucapião, com o direito real requerido.

Em caso de impugnação, o requerente poderá suscitar dúvida ao registrador de imóveis, que enviará a documentação ao juiz para que decida.

Julgada improcedente a dúvida, será registrada a usucapião. Caso seja procedente, o registrador de imóveis devolverá a documentação ao advogado, que deverá, então, intentar ação de usucapião judicial.

Esta nova possibilidade de requerer a usucapião de bens imóveis, pela via extrajudicial traz agilidade a estes procedimentos e desafoga o Poder Judiciário, encurtando o tempo de espera pela declaração de propriedade ou aquisição do direito real pretendido.

Embora, desde a entrada em vigor do Código de Processo Civil, que modificou a Lei dos Registros Públicos e possibilitou a opção por esta via para solução de situações que não envolvam litígio, ainda pairem dúvidas e a agilidade pretendida ainda não tenha sido alcançada, por ser procedimento recente e gerar incerteza, com o passar do tempo e a realização destes procedimentos de forma contínua, por advogados, notários e registradores, os entendimentos tendem a se padronizar,

O certo é que esta nova via colocada à disposição do requerente, após a uniformização de procedimentos, trará agilidade e desafogará sobremaneira o Poder Judiciário, e atenderá aos comandos constitucionais de garantia da propriedade e dignidade da pessoa humana, além de colocar no mercado imobiliário bens que até então não podiam ser comercializados, por não terem o seu registro de imóveis.

A dificuldade de efetivação do reconhecimento da propriedade pela via extrajudicial depende de uma série de fatores, desde a correta e precisa petição, com a juntada dos documentos comprobatórios, até o convencimento do registrador de imóveis, que deve ter a certeza da adequada aquisição originária da propriedade, pelo requerente.


FONTES DE CONSULTA E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BLASKESI, Eliane. Evolução da Usucapião: da judicial à extrajudicial. 3 ed. Ediurcamp. Bagé, RS: 2018

BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial. 3 ed. Saraiva. São Paulo, SP, 2009

__________. Usucapião administrativa: de acordo com o novo Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm. Acesso em 01 jul 2016.

 ___________. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm. Acesso em 03 jul 2016.

  ___________. Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6001.htm. Acesso em 15 jun 2016.

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Autor

  • Eliane Blaskesi

    Maria Eliane Blaskesi Silveira. Nome bibliográfico para citações: BLASKESI, Eliane. Bacharela em Direito pela Universidade da Região da Campanha- URCAMP, Especialista em Direito Notarial e Registral, pela PUC/MG, Especialista em Direito Processual Civil pela UNISC, Especialista em Formação de Professores para a área jurídica superior pela LFG/Anhanguera, Mestra em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul- UCS, Pós-graduanda em Metodologias Ativas de Aprendizagem pela Urcamp/Uniamérica;Tabeliã de Notas e professora universitária do Curso de Direito da URCAMP/Campus Alegrete/RS. Autora de vários artigos publicados e do Livro Evolução da Usucapião: da judicial à extrajudicial, que já está em sua 4ª edição. Autora do Livro Estatuto da Cidade e a Inclusão da área rural no Plano Diretor e do Livro Direito de Laje: o longo Caminho da Teoria à Prática. E-mail: [email protected]. Whats app 55 9 99918551. Instagran: Eliane Blaskesi. Canal You Tube: Professora Eliane Blaskesi. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7325639277704271

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BLASKESI, Eliane. Usucapião extrajudicial da teoria à prática: difícil missão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5681, 20 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71460. Acesso em: 29 mar. 2024.