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O direito e a Justiça do Trabalho: A situação atual do judiciário brasileiro

O direito e a Justiça do Trabalho: A situação atual do judiciário brasileiro

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RESUMO: Este trabalho tem como objetivo principal analisar os princípios do Direito do Trabalho que coadunam com a proteção ao trabalhador enquanto parte hipossuficiente da relação jurídica e a importância do debate sobre sua preservação diante da ineficácia de prestação jurisdicional. Primeiramente, serão analisados os conceitos e fundamentos dos princípios da proteção ao trabalhador, da irrenunciabilidade de direitos, da continuidade do emprego e da intangibilidade salarial. Posteriormente, será discutido se o judiciário brasileiro se encontra atualmente em situação de colapso, bem como a necessidade de se buscar outras formas de composição de conflitos que atendam ao princípio da eficiência. A metodologia utilizada será a dedutiva, partindo do estudo de conceitos gerais de Direito e Justiça do Trabalho, correlacionando os dois enunciados. Os referenciais teóricos servirão de pressupostos, utilizando-os como objeto de comparação para a construção das hipóteses e justificando os objetivos que o artigo pretende alcançar.

PALAVRAS-CHAVE: Justiça do Trabalho. Dissídios Trabalhistas. Princípios.

Abstract:The main objective of this work is to analyze the most important principles of Labor Law, which are consistent with the protection of workers as part of the legal relationship. First, the concepts and foundations of the principles of worker protection, non-renunciation of rights, continuity of employment and wage intangibility will be analyzed. Later it will be discussed if the Brazilian judiciary is currently in a collapse situation. The methodology used will be deductive, starting from the study of general concepts of Labor Law and Justice, correlating the two statements. The theoretical references will serve as presuppositions, using them as an object of comparison for the construction of the hypotheses and justifying the objectives that the work intends to achieve.

KEYWORDS: Labor Justice. Labor Disputes. Principles.


1 INTRODUÇÃO

Na relação jurídica trabalhista existe uma parte hipossuficiente, o trabalhador, que necessita ter seus direitos protegidos ante a imposta diferença de forças entre ele e o empregador. Esse é o elemento primário e essencial que norteia os princípios de proteção ao trabalhador.

O Poder Judiciário, responsável pela preservação e aplicação desses princípios, enfrenta, há muito tempo, diversos problemas, dentre eles a crescente demanda que combinada com o número insuficiente de juízes, e auxiliares da justiça de um modo geral, fazem com que os litigantes esperem por anos até o deslinde processual.

Na Justiça do Trabalho não é diferente, a tramitação lenta dos processos ameaça o Direito Constitucional dos cidadãos, de acesso à justiça e faz com que a entrega da prestação jurisdicional do Estado se torne morosa. O colapso[1] no Poder Judiciário afeta a todos os brasileiros, principalmente a parte mais fraca da relação de trabalho, uma vez que a maioria das pessoas necessita em algum momento buscar a prestação jurisdicional do Estado para resolver conflitos.

Para compreensão dos objetivos propostos, será utilizada nesse trabalho, a metodologia dedutiva, partindo do estudo de conceitos gerais de Direito e Justiça do Trabalho, correlacionando os dois enunciados. Os referenciais teóricos servirão de pressupostos, utilizando-os como objeto de comparação para a construção das hipóteses e justificando os objetivos que a obra pretende alcançar.

Por óbvio, não se pretende esgotar as possibilidades de discussão do tema e problemas enfrentados no presente artigo, o que se espera é contribuir na pesquisa e auxiliar no debate para a construção de uma densidade, reflexividade e diálogo sobre o acesso à Justiça do Trabalho a partir da análise de uma perspectiva de colapso na situação atual do judiciário brasileiro.


2 O DIREITO E A JUSTIÇA DO TRABALHO

No ano de 1988, mais precisamente no dia 5 de outubro, após um longo e massacrante período de ditadura, era promulgada a mais completa e mais democrática Constituição Federal que o Brasil já possuiu. A nova Carta Magna, conhecida também como Constituição Cidadã foi instituída com o objetivo de restaurar os direitos políticos, sociais, culturais e econômicos suprimidos pelo Regime Militar.

"A Constituição de 1988 inaugurou um novo arcabouço jurídico-institucional no país, com ampliação das liberdades civis e os direitos e garantias individuais" (NOVO, 2000, p. 38). Nessa perspectiva, a emergente envergadura jurídica estabelecida pela Lei Maior, entabula novos significados para as palavras Direito e Justiça.

Consequentemente é necessário definir os significados destas palavras para nos aproximarmos do tema a ser proposto por este trabalho. Traduzindo nas palavras de Garcia (2015).

 Ao se procurar apresentar uma definição do Direito, primeiramente, deve-se ter em mente que o vocábulo “direito” compreende enfoques e significados diversos. Exemplificando, o termo em questão pode ser utilizado para significar o justo, ou o conjunto de normas jurídicas, ou a prerrogativa que tem a pessoa de fazer valer determinada posição jurídica, etc (GARCIA, 2015, p. 15).

Então, Direito pode significar a norma legislada ou aquilo que a própria sociedade entende como correto e justo. Direito pode ainda, ser uma prerrogativa, ou seja, uma possibilidade jurídica de obtenção de algo perante a justiça.

Seguindo este conceito, Garcia (2015), também explica “[...] o Direito pode ser definido como o conjunto de normas imperativas que regulam a vida em sociedade, dotadas de coercibilidade quanto à sua observância”. Ninguém pode fugir ao alcance da lei, ela tem validade erga omnes, ou seja, diante de todos.

Em qualquer grupo social independentemente do tamanho ou de quantidade de pessoas o surgimento de conflitos é algo natural e corriqueiro, não se torna viável e nem mesmo eficaz alcançar a solução dessas lides através da autotutela, assim entrega-se ao Estado o poder de interferir nas relações pessoais e entregar sua tutela, adequando os interesses individuais e coletivos às normas existentes. Essas normas podem ser àquelas positivadas, de natureza jurídica ou dotadas apenas de moral, porém não escritas. Monteiro (2005, p. 3) distingue os dois conceitos, “[...] o campo da Moral é mais amplo, ao abranger deveres da pessoa não apenas com outros membros da coletividade, mas também consigo mesmo e para com Deus. O Direito, por sua vez, rege as relações da pessoa com seus semelhantes”.

Pode se dizer que a coerção moral vem do interior do indivíduo e a coerção advinda da norma é uma força externa.

Ademais, o Direito pode se apresentar na forma de princípios, que também são norteadores na entrega da prestação jurisdicional pelo Estado. A diferença é que os princípios não determinam condutas, eles são elementares na medida em que dão um sentido, podendo ser aplicados de maneira mais ampla, norteando a aplicação de regras, sendo padrões, seguidos para a obtenção da justiça desejada (SILVA, 2015).

De acordo com a explicação de Dworkin (2002), os princípios jurídicos podem ser obrigatórios, devendo ser sempre aplicados se interpretado dessa forma ou podem ser entendidos apenas como orientadores, de maneira que, se alguém não os cumprir, não estaria se comportando de maneira errada, mas apenas agindo diferentemente de uma orientação.

Assim pode ser resumido o conceito de Direito.

O direito não é esgotado por nenhum catálogo de regras ou princípios, cada qual com seu próprio domínio sobre uma diferente esfera de comportamentos. [...] É uma atitude contestadora que torna todo cidadão responsável por imaginar quais são os compromissos públicos de sua sociedade com os princípios, e o que tais compromissos exigem em cada nova circunstância. [...] A atitude do direito é construtiva: sua finalidade, no espírito interpretativo, é colocar o princípio acima da prática para mostrar o melhor caminho para um futuro melhor, mantendo a boa-fé com relação ao passado. É, por último, uma atitude fraterna, uma expressão de como somos unidos pela comunidade apesar de divididos por nossos projetos, interesses e convicções (CAMINHA, 2000).

Pode-se dizer então, que Direito não é um conceito facilmente exaurido, é uma definição em constante transformação, que evolui juntamente com a sociedade que tenta alcançá-lo. Similarmente temos o conceito de Justiça.

Desde a Antiguidade Clássica até as discussões travadas no mundo contemporâneo, direito e justiça são termos que costuma estar profundamente associados. Isso porque, entre os diversos anseios fundamentais do ser humano, destaca-se a busca incessante pelo justo, seja na orientação das condutas individuais, seja na organização coletiva da vida em sociedade. (SOARES, 2010, p. 23).

A Justiça se apresenta então, sob dois aspectos, é aquilo que se apresenta como justo, ou seja, os direitos sendo exercidos de maneira plena pelos indivíduos, mas também é o mecanismo institucional pelo qual esses direitos podem ser alcançados. Com enfoque nesta última concepção, a história nos revela que ela sofreu inúmeras mudanças com o passar do tempo.

Primordialmente a justiça era exercida através da autotutela, ou seja, aquele que teve seu bem ofendido é o mesmo responsável por defendê-lo, agindo conforme sua vontade e, muitas vezes, motivado por um sentimento de vingança. Barbosa (2011) entende que na autotutela não há ponderação no emprego da justiça, pois o ofendido tem o arbítrio de agir de acordo com sua vontade que será solvida somente quando tiver o sentimento de vingança liquidado.

Em seguida a justiça evoluiu para a chamada justiça privada, onde terceiros nomeados de árbitros e mediadores são chamados a decidir ou auxiliar as partes de um conflito na busca de uma solução.  Para Barbosa (2011) a justiça privada se mostrou mais equilibrada que a autotutela, pois nela havia uma terceira pessoa responsável por aproximar os interessados e facilitar a composição do conflito.

Contemporaneamente, cabe ao Estado a aplicação do Direito nas soluções de conflitos e na busca pela Justiça, ele substitui a vontade das partes e possui o poder de decidir por elas exaurindo a lide. Segundo Barbosa (2011) esse é o melhor modelo de composição de conflitos e foi bem recebido em muitos países.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 organizou o Poder Judiciário atribuindo a ele o dever de aplicar o direito e zelar pela justiça. “Ao Judiciário coube, portanto, em linhas bem gerais, a precípua tarefa de exercer a jurisdição, ou seja, de exercer a atividade preordenada à concreção terminal do direito”. (ROCHA, 1995, p. 27).

O Judiciário é um poder uno, entretanto um mesmo juiz não é responsável para processar e julgar diferentes tipos de conflitos. O Estado concede a cada juiz ou tribunal a capacidade de julgar uma matéria específica, definindo sua competência.

A distribuição do poder de julgar é feita por meio da instituição de organismos distintos, em que se outorga a cada um deles um setor das grandes “massas de litígio” que precisam ser processadas no país, visando obter uma divisão racional do trabalho. (CINTRA et al, 2011, p. 195).

Por este motivo, a Carta Constitucional de 1988 segmentou o Judiciário em Justiça Comum, constituída pelas justiças Estadual e Federal, e em Justiça Epecial, constituída pelas justiças Militar, Eleitoral e do Trabalho, explica Lima (2015). Mais relevante a este estudo é a Justiça do Trabalho, considerada, como já explanado, uma justiça especial, implementada muito antes da república e consolidada a partir de um processo histórico de lutas dos trabalhadores pelos seus direitos.

Instituída a Justiça Trabalhista primeiramente na Constituição de 1934 e mantida com algumas alterações pela Constituição de 1937, ela tem sua inauguração finalmente em 1941, mas, de acordo com Morel e Pessanha (2007, p. 91) “Apenas na Constituição de 1946 a Justiça do Trabalho torna-se efetivamente parte do Poder Judiciário, autônoma em relação ao Poder Executivo em todos os níveis[...]”.

Essa justiça especial se destaca por um maior intervencionismo Estatal nas relações por considerar que um dos polos dessa relação, o trabalhador, é hipossuficiente em relação ao outro, o empregador. É também uma justiça menos vinculada às predileções locais porque se insere na esfera Federal de poder.

A Justiça do Trabalho é autônoma em relação as outras pois tem o escopo privativo de regular, processar e julgar as relações de emprego, possui também algumas teorias não adotadas por outros ramos do direito como por exemplo a hierarquia entre as normas consubstanciada no princípio da aplicabilidade da norma mais benéfica, e uma metodologia específica como a alternativa de se criar normas gerais por meio de sentença normativa ou até mesmo de negociação coletiva.

Toda essa especialidade da Justiça trabalhista corrobora para que o direito do trabalho também possua alguns princípios muito específicos dirigidos à proteção dos direitos indisponíveis do trabalhador, princípios esses, estudados a seguir.


3 ALGUNS PRINCÍPIOS INERENTES AO DIREITO DO TRABALHO

Como já explanado, além das normas e costumes o Direito do Trabalho também é regulado a partir de princípios que também são norteadores à entrega da prestação jurisdicional pelo Estado. Muitos destes princípios servem de proteção à hipossuficiência do trabalhador.

Dentre os princípios gerais que cuidam de todos os ramos do Direito incluindo o do trabalho e alguns específicos do direito trabalhista, podemos destacar o princípio da proteção ao trabalhador, o princípio da irrenunciabilidade ou da indisponibilidade de direitos, princípio da continuidade do emprego e o princípio da intangibilidade salarial.

Importante salientar que os princípios aqui apresentados não esgotam o elenco dos princípios aplicáveis às relações de emprego. No entanto, os destacados a seguir são de maior importância no que tange a proteção do trabalhador diante da sua hipossuficiência no liame trabalhista.

3.1 Princípio da proteção ao trabalhador

Na relação jurídica que envolva empregador e trabalhador haverá sempre a necessidade de proteger este último em razão da notável diferença de poder econômico existente entre os dois, que o deixa em posição de vulnerabilidade. Pode se dizer então que a proteção é o princípio mais importante do Direito do Trabalho e que dele se desdobrará todos os outros princípios.

Bertolin (2007) define o princípio da proteção como orientador do Direito do Trabalho e tem como objetivo amparar o trabalhador para diminuir a desigualdade econômica que marca a relação de emprego, diminuído consequentemente a desigualdade jurídica entre eles.

Parte da doutrina entende que o princípio da proteção se subdivide em outros três princípios:

O princípio do “in dubio pro operário”, utilizado quando uma norma trabalhista comporta mais de uma interpretação ou existe divergência na nesta interpretação, nestes casos aplica-se a interpretação mais favorável ao trabalhador.

O princípio da norma mais favorável, aplicável quando existirem duas ou mais normas que versem sobre o mesmo assunto, assim deverá ser utilizada a norma mais aproveitável ao empregado.

O princípio da condição mais benéfica, assegura que os trabalhadores não percam vantagens adquiridas na relação de emprego, este princípio origina-se na Teoria do Direito Adquirido.

3.2 Princípio da irrenunciabilidade de direitos

Este princípio é o exemplo mais claro do intervencionismo Estatal na justiça trabalhista, pois ele priva o indivíduo de dispor livremente de um direito entendido como irrenunciável, sendo assim, imperativo nas relações de emprego. Garcia (2016, p. 98) define este princípio dizendo que “[...] o empregado não pode dispor de seus direitos, os quais são assegurados por meio de normas cogentes e de ordem pública”. Ainda nesse sentido temos o seguinte entendimento.

[...]as leis trabalhistas, enquanto concedentes de garantias mínimas aos trabalhadores, não podem ser modificadas in pejus dos mesmos, nem mesmo com o seu consentimento expresso. Em todos os demais casos, ou quando superado o limite mínimo, caberia a renúncia, desde que por mútuo acordo. Registre-se que a irrenunciabilidade, ao contrário do que possa parecer, não tem caráter absoluto, pois a própria legislação pode autorizar a conciliação, a transação, a prescrição, a desistência, etc. (BERTOLIN, 2007)

Em suma, apesar de os direitos trabalhistas serem indisponíveis, percebe-se a relatividade deste princípio uma vez que a própria legislação pode conferir a possibilidade, desde que obedecidos certos limites, de transacionar alguns deles.

3.3 Princípio da continuidade do emprego

A natureza alimentícia do salário é o que fundamenta o princípio da continuidade da relação empregatícia, pois o trabalhador retira seu sustento através da relação de subordinação e de dependência econômica que possui com o empregador.

Para Viera (2010), mesmo que haja na empresa alguma mudança estrutural, funcional ou até mesmo jurídica, o contrato de trabalho já estabelecido não pode ser afetado, esse entendimento se relaciona com o preceito fundamental e constitucional do direito adquirido.

De um modo geral a relação laboral deve ser contínua e por tempo indeterminado, isso confere maior segurança ao trabalhador. O empregador não pode, por exemplo, demitir arbitrariamente o empregado, assegurando uma maior probabilidade de continuidade do contrato de trabalho.

3.4 Princípio da intangibilidade salarial

 Conforme já aludido, a prestação salário tem natureza fundamentalmente alimentar, primordialmente serve para o sustento do trabalhador e de sua família por isso goza de especial proteção.

No entendimento de Nascimento (1996), a prestação salarial não pode ser alterada por um ato de vontade unilateral do empregador que seja prejudicial ao trabalhador. O salário é considerado alterado apenas quando há modificação no modo e forma de seu pagamento, por outro lado, redução salarial significa omissão de parte do pagamento. É muito importante que não haja confusão desses conceitos.

O princípio da intangibilidade prevê a impossibilidade de descontos na folha salarial, salvo os casos previstos legalmente ou no caso de convenções coletivas ou danos causados pelo empregado, constatando-se neste último o dolo do empregado no âmbito do local de trabalho ou prestação do serviço (SILVA JÚNIOR, 2006).

Pelo que vimos, podemos concluir que todos os princípios inerentes ao direito e à justiça do trabalho são regidos pelo magno princípio da Dignidade da pessoa humana. Ilustrado na Constituição Federal da República de 1988 e na Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1993 este princípio dificilmente é definido com exatidão, porém traz em seu bojo a valoração do ser humano, pois é dele que partem e é nele que findam todos os direitos. Cada indivíduo possui necessidades que devem ser dignamente mantidas, tais como os direitos de personalidade, a cidadania, os valores sociais, o trabalho e etc.


4 O COLAPSO DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Com a promulgação da Constituição de 1988, depois de duas décadas de autoritarismo militar que tornou precário a sensação de justiça dos brasileiros, era necessário que houvessem mecanismos que garantissem o acesso de todo cidadão a justiça. Através de garantias constitucionais, ocorreu uma transformação na possibilidade de acesso dos indivíduos ao Poder Judiciário na busca pela solução dos seus litígios.

Para Andrade (2014), a sociedade depositou no poder judiciário a esperança de solução dos seus conflitos que aliada a maior facilidade de acesso gerou uma demanda crescente.

[...]a Constituição de 1988 fez renascer o exercício da cidadania, e surgir, por consequência, forte expectativa na sociedade, de que o Poder Judiciário teria solução para todas as mazelas sociais, todos os problemas enfrentados pela população. Essa expectativa traduziu-se em uma incessante e progressiva busca pelo acesso formal ao Poder Judiciário (ANDRADE, 2014, p. 3).

De fato, a constituição delegou ao Estado o dever de solução dos desacordos particulares, e é preciso garantir que todos tenham acesso a essa função estatal para  efetividade dessa garantia constitucional. No entanto, no encalço da crescente demanda pela busca do judiciário também se encontram outros fatores que corroboram para a ineficácia do sistema.

Intrínseco à personalidade humana está o comportamento de rivalidade, um costume de transformar a controvérsia em disputa, como se ganhar uma competição pudesse comprovar a superioridade de um sobre o outro. Com isso, ao invés de tentar compor o conflito de maneira pacífica com ambos os lados renunciando a parte do que lhe interessa para tentar um acordo de interesse mútuo, os litigantes preferem enfrentar uma disputa judicial que pode ser demorada e complexa a fim de vislumbrar quem sairá vitorioso.

“Outro fator que contribui enormemente para a dificuldade de se buscar caminhos que respondam de maneira mais profunda e perene, à pacificação dos conflitos, é a existência de uma cultura adversarial para a compreensão e a solução desses conflitos”. (ANDRADE, 2014, p.3). E na busca de encontrar outros motivos para a crescente demanda ao Poder Judiciário Andrade (2014, p.3) complementa “A formação do próprio jurista é comprometida com essa cultura adversarial, estimulando-se nas bancas universitárias a concepção das partes de uma pretensão resistida apenas como ganhador ou perdedor, autor ou réu, etc”.

Sob a luz deste entendimento, além de trazer na personalidade humana uma característica predispondo a competição o indivíduo que ingressa na academia buscando a formação de um operador do Direito é incentivado pelas instituições universitárias a exercitar esse costume de hostilidade entre as partes de uma demanda.

Juntamente com outros motivos, como por exemplo, uma extensa quantidade de recursos possíveis e o número de instancias de recorribilidade, a crescente demanda versus um número de servidores insuficiente gerou um Poder Judiciário inflado, moroso e ineficiente. Ferindo alguns princípios constitucionais como a garantia da duração razoável do processo, da economia processual e da celeridade.

A Justiça do Trabalho sofre o mesmo processo, cada demanda acrescentada se esbarra na morosidade. Segundo dados do programa Justiça em Números de iniciativa Conselho Nacional de Justiça, em 2016 o tempo médio da sentença nas fases de conhecimento e execução no 1º grau de jurisdição era de 3 anos e 4 meses, o Justiça em Números demonstra ainda que a despesa do judiciário tem aumentado a cada ano.

Investigar os motivos que levam à uma crise não é tarefa fácil nem exata, muitos sãos os possíveis fatores desencadeadores. No entendimento de alguns autores a crise na justiça laboral tem como protagonista os seus servidores.

De fato, a lentidão é o vilão do judiciário e seus atores são os protagonistas dessa situação. A inabilidade, a leniência, a postura totalmente avessa às reações sociedade, é a resposta da prestadora de serviços públicos e seus agentes, tudo derivando para o mais insensato do comportamento. Cercada de incerteza, contrariedade e morosa, a justiça especializada é hoje uma caricatura da Carta Celetista idealizada em 1943, deformada pelas injunções dos seus integrantes que pugnam pela reserva de mercado, em flagrante desafio sua realidade material e jurisdicional, definha-se em meio à judicialização, manobra ardil dos magistrados que ganham na hora da avaliação para promoção (PINHO, 2014, p. 1).

A flexibilização dos direitos trabalhistas trazida pela grande reforma trabalhista de 2017 pode ajudar a diminuir a demanda de processos novos, pois maior possibilidade de negociação entre trabalhador sobre as cláusulas do contrato de trabalho e empregador diminuiria os conflitos passíveis de litígio no judiciário, além do bônus de possivelmente aumentarem as vagas de emprego. Esta pode ser uma solução perigosa pois existe o risco dessa flexibilização trazer prejuízos aos direitos trabalhistas adquiridos ao longo da história recente[2].

Outras tentativas, como a implementação do processo eletrônico, por exemplo, auxiliam no desenvolvimento do judiciário, pois através dele diminuem-se o número de carimbos e de uso dos Correios, auxilia a preservação do meio ambiente na medida em que diminui a utilização de papel e otimiza o acompanhamento de processos mais antigos diante da desnecessidade de manipulação de documentos deteriorados pelo tempo. Apesar disso, com a demanda e despesas em ascensão, a eficiência diminui, a entrega da prestação jurisdicional do Estado fica cada vez menos viável.

Batista (2009), propõe conhecermos a importância da Justiça do Trabalho através de um exercício mental de sua fictícia extinção.

Extinguindo-se a justiça do trabalho, estaríamos deixando uma grande parcela da sociedade, a mais carente por sinal, sem o menor amparo jurídico, haja vista que as relações a partir de então, passariam a ser reguladas pelos próprios particulares e pelas normas do direito civilista, que possuem outra formatação totalmente diversa, pois editadas visando a outros fins e lhe dando com outro campo e objeto de atuação. Não há dúvida de que nesta hipótese o direito seria prejudicado em demasia, provocando as mais variadas formas de desrespeito aos direitos dos trabalhadores (BATISTA, 2009).

Primordialmente é de extrema importância observarmos a função que a Justiça do Trabalho exerce no Poder Judiciário, é uma justiça especial que tem a função social de proteger um dos fundamentos sociais da República que é o trabalho. Em um regime capitalista em que os trabalhadores não têm força diante dos detentores dos meios de produção, a Justiça Trabalhista tem o papel protetor evidente e sem ela não haveria meio de alcançar o equilíbrio entre essas forças.

Um desafio para a Justiça do Trabalho é encontrar uma maneira mais eficiente de utilizar outras formas de composição de conflitos, como por exemplo a mediação, a conciliação e a arbitragem. Estes métodos alternativos além de serem mais céleres e mais baratos, podem diminuir os números de processos novos.

Concluindo, a Justiça do Trabalho, assim como todo Judiciário, se tornou inflada, morosa e onerosa, obrigando os cidadãos a pensar nela como a última instância para a solução das suas lides. Antes de enfrentar o tradicional processo judicial é necessário se pensar em métodos alternativos. O próprio judiciário, vislumbrando um futuro de colapso deve investir nesses meios alternativos de composição para continuar atendendo o principal motivo para qual foi criado, a aspiração por justiça e ordem social.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Direito é uma ciência dinâmica que se constrói e reconstrói através de movimentos sócio-políticos constantes, para atender os anseios institucionais de ordenamento e soberania estatal.

Diante disso, é difícil alcançar uma conclusão estanque e linear dos aspectos apresentados em relação à Justiça Trabalhista e à complexidade da situação de crise que vem enfrentando, no entanto, pode-se dizer que alcançamos o objetivo geral de demonstrar, através dos princípios apresentados, a necessidade de se proteger o trabalhador enquanto parte hipossuficiente da relação de emprego, independente dos entraves jurídicos e processuais que envolvem uma lide.

Outro aspecto importante a se notar, é o papel essencial do judiciário na solução dos dissídios trabalhistas e que o colapso atual em que ele se encontra prejudica a todos que buscam a jurisdição estatal e em especial os trabalhadores, o que implica diretamente no sentido de ineficácia.

Se o legislador optou por entregar a tutela dos conflitos particulares nas mãos do Estado e banir do nosso ordenamento jurídico a autotutela, não é razoável enfrentar com naturalidade que o judiciário não crie mecanismos eficazes para acompanhar a crescente demanda de ações judiciais, bem como zelar pela efetiva entrega da prestação jurisdicional.

O Direito contemporâneo passa por profundas mudanças, a exemplo, da recente alteração do Código de Processo Civil; da provável reforma do Código Penal; da Reforma Trabalhista e da crescente relativização dos princípios fundamentais por parte dos nossos julgadores.

Nesse contexto de constantes transformações legislativas é certo que muitas dúvidas serão ainda levantadas e inúmeras discussões se propagarão por nossas cortes, no que tange a aplicabilidade ou não dos princípios basilares de proteção ao trabalhador como método de solução de conflitos entre normas.

Insurge-se a oportunidade para os tribunais, magistrados, serventuários e cidadãos entenderem e colocarem em pauta o papel dos meios alternativos de resolução de conflitos na elucidação dos problemas sociais inerentes à morosidade da justiça, sem deixar de lado o debate sobre os princípios fundamentais do trabalhador.


5 REFERÊNCIAS

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Nota

[1] Nesse sentido, entende-se por colapso o sentido de crise, momento em que há uma paralisação diante de um emaranhado de eventos negativos, sem que exista uma possibilidade de ação imediata para a solução dos conflitos.


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