Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/71929
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL DOS ÚLTIMOS ANOS DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX – Marcas das lutas e dos movimentos sociais que culminaram em ações de reconhecimento Estatal

Saúde pública brasileira

A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL DOS ÚLTIMOS ANOS DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX – Marcas das lutas e dos movimentos sociais que culminaram em ações de reconhecimento Estatal. Saúde pública brasileira

||

Publicado em . Elaborado em .

Análise das ações de saúde púbica construídas no território brasileiro a partir do final do século XIX e inicio do século XX.

A História da Saúde Pública no Brasil é bem recente passando a ganhar atenção efetiva do Estado apenas na fase histórica brasileira definida como República Nova. Essa realidade pode ser entendida a partir de uma série de contextos que a justificam, sendo um deles de grande relevância as próprias condições de identidade do povo brasileiro, pois até 1822, com o advento do “grito do Ipiranga”, ainda não existia um sentimento de nação e mesmo após o rompimento com Portugal esse sentimento não conseguiu atingir a sua legitimidade total – subjugando-se ao fato de o país nascente ainda manter-se atrelado à metrópole portuguesa, principalmente pelo fato de mantermos uma monarquia aos moldes e à sanguinidade ibérica – sendo fortalecido aos poucos após a proclamação da República, em 1889.

Ao se fazer um recorte no que tange a Saúde pública no Brasil, levando-se em conta o início do Século XX – principalmente os 10 (dez) primeiros anos – pode-se afirmar que o seu modelo ainda estava bastante distanciado das ações governamentais ao levarmos em conta os conceitos de saúde pública atuais. Como reflexo de uma época em que o próprio país engatinhava os seus primeiros passos rumo aos ideais democráticos – esses ainda subjugados por uma elite aristocrática que ao mesmo tempo que ansiava pelo “colorido” burguês aos moldes da Europa revolucionária mantinha firme os seus pés nas tradições patriarcais, criando o escopo e a solidez da então chamada República Velha (1889-1930), criava-se o cenário propício para o eclodir de revoltas populares, geradas na própria  insatisfação do povo, em face das suas condições de vida e de trabalho.

Anteriormente ao período em epígrafe a questão da saúde no Brasil caracterizava-se pelas praticas assistencialistas estando intimamente ligada ao controle de insetos e miasmas. No período do Brasil colônia, por exemplo, os enfermos só dispunham do atendimento filantrópico das Santas Casas da Misericórdia, que prestavam acolhimento aos pacientes doentes. nesse período a taxa de mortalidade ainda era alta e agressiva, a escassez dos remédios era tanta que as vezes o medicamento era apenas canja de galinha e assim foi até a criação das primeiras terapias antibacteriana (GUIMARÃES et al., 2018).

Com a chegada da Corte Portuguesa que começam a criar-se os primeiros contornos das ações estatais como afirmam (ESCORES e TEXEIRA, 2008)

 

A partir de 1808, foram criadas as primeiras instâncias de saúde pública por aqui, basicamente encarregadas de habilitar e fiscalizar o registro daqueles que se dedicavam à arte da cura (médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras, sangradores, etc.) e fiscalizar os navios para impedir que chegassem novas doenças nas cidades costeiras. Com a independência, parte destas tarefas de fiscalização foi transferida aos municípios que também realizavam vacinação antivariólica em períodos de epidemias, controle da entrada de escravos doentes nas cidades, expulsão das áreas urbanas de acometidos por doenças contagiosas e purificação do ambiente. Também surgiram as primeiras faculdades e agremiações médicas. (ESCORES e TEXEIRA, p. 01, 2008)

 

É no século XIX que é dada a importância em estudar as condições de vida na saúde da população através do movimento da medicina social, com o avanço dos estudos em todas as partes do mundo, trazidos para o Brasil, que se fez entender o que causava as doenças e as epidemias, dando o pontapé inicial para a “era bacteriológica” que guia as pesquisas cientificas, denominando os agentes etiológicos, as formas de controlar e prevenir os microrganismos. (BARROS, 2017).

De acordo com Galvão:

 

O século XIX assinala para o Brasil um processo de transformação política e econômica que atinge igualmente o âmbito da Medicina, inaugurando duas de suas características: a penetração na sociedade, que incorpora o meio urbano como alvo da reflexão e da prática médica, e a situação de apoio científico indispensável ao exercício de poder do Estado. (GALVÃO)

 

Tomando-se como base apenas as duas últimas décadas de século XIX é possível se perceber diversos avanços no que tange a saúde nacional. Ainda de acordo com Galvão, em uma sequência cronológica dos acontecimentos, em 1889, se organizaria um laboratório sob direção de Vital Brasil, para fabricação de soros e vacinas contra a doença. Com a epidemia de peste no Rio de Janeiro, ainda nesse mesmo ano, acelera-se a criação de instituições médicas dedicadas ao seu combate assim como ao combate da febre amarela e da varíola, sendo também formalizado o Conselho de Saúde Pública. Em 1892, foi criado o Laboratório de Bacteriologia. Em 1893, foi criada a Inspetoria Geral de Saúde dos portos e ainda nesse mesmo ano, sob à direção de Adolfo Luiz, o Instituto Bacteriológico realizou uma série de investigações sobre doenças e epidemias no Estado e na cidade de São Paulo. Em 1894, foi criado o Instituto Sanitário Federal e cria-se, por fim, o Instituto Soroterápico Municipal do Rio de Janeiro, em 1900, fechando-se o ciclo das principais realizações desse período. (GALVÃO).

Mas, quais as novidades do século XIX, principalmente em suas últimas décadas – quer sejam no cenário político, ideológico, educacional, social, trabalhista – que fazem coincidir com esse contexto de mudanças e avanços no pensar e nas ações da saúde pública brasileira?

Ao se analisar o contexto econômico do Brasil do século XIX pode-se perceber que muitas mudanças se processavam em face das transformações ocorridas na Europa – trabalho livre, movimento iluminista, instauração de governos republicanos etc. – nossa principal referência contextual daquele momento. Em se tratando dessa realidade, vale destacar algumas medidas tomadas em solo nacional que direcionavam o país, ainda que de forma tímida a essa nova realidade.

De acordo com Crocé (2015), durante o período oitocentista, o Brasil apresentou uma economia baseada na agroexportação, mas permitindo a criação de condições para o fortalecimento do mercado interno. No período histórico em questão, o Brasil chegou a representar 80% da produção de cafeeira mundial e mais de 50% da produção da borracha. Ele ainda chegou a ser o maior produtor de mate do mundo e o 2° maior exportador de cacau. (TOPIK, 1987)

É nesse cenário, portanto que algumas transformações começam a se processar. Entre elas podemos destacar um conjunto de Leis datadas de 1850, tais como a Lei de Terras, a qual passava a limitar o acesso à terra; sendo esse permitido apenas através da compra; a Lei Eusébo de Queiroz, que suspendendo o tráfico negreiro passa a incentivar a entrada de mão de obra imigrante; além do Código Comercial que buscou regulamentar alguns setores da economia nacional, entre eles destacam-se o setor bancário, as instituições de crédito, as companhias de seguro. O Código Comercial criou ainda uma nova legislação de sociedades anônimas. (PAULA, 2012), (COSTA, 1987) e (FURTADO, 1980).

Pode-se destacar ainda nesse cenário a assinatura da Lei Áurea, em 1888, abolindo a escravidão no Brasil e a Proclamação da República, fato ocorrido em 1889. Tinha-se, portanto, um cenário repleto de contradições. Havia uma camada social representada pelos ex-escravos, sem habilidades técnicas para a realização de diversos trabalhos; uma grande leva de imigrantes originários da Europa e insatisfeitos com as condições de vida e trabalho. Tinha-se ainda, nesse contexto a emergência da indústria fabril, principalmente na Região Sudeste, proveniente das riquezas produzidas na lavoura cafeeira; o crescimento da vida urbana com o aumento da população das cidades, as quais surgiam de forma desorganizada e com total falta de estrutura sanitária criando-se portanto um ambiente para a eclosão de novas políticas públicas e, entre elas, as da saúde.

Trazendo como herança as fortes contradições advindas da segunda metade do século XIX, o alvorecer do século XX traz consigo uma situação de agravamento dos regimes da democracia liberal mediante a deterioração das condições de vida das camadas sociais menos favorecidos. Como pontos fontes dessa época pode-se destacar a queda dos salários reais no período de 1900-1914. A intensificação da agitação laboral. A recrudescência do movimento grevista e a exploração dos partidos de esquerda dessa situação, desencadeando uma campanha violenta contra os partidos no poder. Fatos esse que culminarão na eclosão da 1ª Guerra Mundial (1914-1918), (FURTADO, 1980).

São ainda características desse período o defronte dos governos liberais com o fracasso de suas doutrinas de igualdade. O liberalismo económico favorecera os mais ricos em detrimento das camadas populares. O fosso social entre a alta burguesia e o operariado era cada vez mais profunda; as instituições políticas, eram controladas pela alta burguesia em detrimento da classe média e do operariado. (PAULA, 2012).

Em se tratando do pensamento em saúde brasileiro, construído no século XX, ele vai herdar não apenas resquícios do século XIX, mas também influências do pensamento europeu, conforme afirma Mello et al, (2010) ao afirmar:

 

Os discursos sanitaristas sobre a saúde durante a República Velha revelam ser tanto modelos de conhecimento sobre a estrutura das doenças e suas causas, como propostas práticas de intervenção saneadora e reorganizadora do espaço físico das cidades brasileiras. A ideologia da Eugenia no Brasil foi a primeira da América do Sul a ter um movimento organizado, embora tenha sido bastante heterogêneo, trabalhando com a saúde pública e com a saúde psiquiátrica, seus esforços eram aplicados ao movimento racial. Ambos colocaram-se como discursos de controle social, cujas idéias provinham da Europa e que o Brasil não tardava a aplicar. (MELLO, et al, p. 97, 2010)

 

Ainda de acordo com Mello (2010) O movimento sanitarista caracterizou-se, assim como as ações de saúde de um modo geral, no Brasil, por uma função determinada a qual iria a partir da intervenção direta no corpo social, integrá-lo à nova sociedade. Mas como isso se processaria? A partir de uma reorganização espacial da urbanidade como também através de medidas que visavam higienizá-lo, discipliná-lo e organizá-lo para que os indivíduos pudessem ser moldados a luz do novo tipo de relações sociais que estavam em implantação na sociedade brasileira.

Consoante destaca Teixeira (2016), nessa mesma época o Estado de São Paulo, à medida que se desenvolvia com os recursos oriundos do café, expandia a criação de ferrovias indústrias e mão-de-obra, o que elevou o crescimento populacional dos imigrantes, motivo para o surgimento de diversas epidemias dentre elas a febre amarela e varíola, a constituição de 1891 tornará a saúde pública competência dos governos estaduais. Com o advento do serviço sanitário de são Paulo, foram criados inúmeros laboratórios que diagnosticava as doenças auxiliando no controle das epidemias. A partir desses institutos foram criadas muitas vacinas, contribuindo na proteção das pessoas. Em 1900 foi criado o instituto Butantã, para combater a peste tendo o governo do Estado chamado o médico Vital Brasil (1865-1950) para ajudar nessa questão.

Oswaldo Cruz e Vital Brasil uniram forças, o que foi de suma importância para a saúde pública, orientando um novo caminho na luta contra as doenças infecciosas e desenvolvimento de novos tratamentos e prevenção. Teixeira (2016) ainda afirma que o instituto Butantã foi construído numa fazenda distante do bairro, que mesmo com a escassez de recursos, o laboratório dirigido por Vital Brasil, manteve-se firme ao longo dos anos e focando sua pesquisa no ofidismo, criando antídotos contra picadas de serpentes. O foco de Rodrigues Alves era investir nas obras públicas de saneamento e reforma urbana, Oswaldo Cruz designado ao combate á febre amarela, aplicando seu conhecimento originado de Cuba, no ano de 1904, segundo semestre já havia sido feita vistorias em: 153 ruas, 110.224 vistorias domiciliares, 12.971 intimações, 626 interditos. Oswaldo Cruz instaurou a obrigatoriedade da vacina da Jenner, que já era usada no Brasil desde 1801, para extinção da varíola, com a resistência da população, no dia 20 de julho, o governo aprovou no senado um projeto de lei, que no dia 31 de outubro tornava-se lei obrigatória à vacinação de Jenner (CUNHA, 2015).

Em 1903, Oswaldo Cruz foi nomeado como diretor-geral da saúde pública, pelo ministro da justiça José Joaquim Seabra, e pelo então atual presidente Rodrigues Alves, organizando uma movimentação como se fosse a guerra, com objetivo de erradicar a febre amarela e varíola, quem  não cooperasse seria um inimigo da saúde pública e como tal seria tratado, os doentes de moléstias contagiosas eram mantidos em quarentena, organizou o batalhão de ‘’mata-mosquitos’’, convenceu Rodrigues Alves a decretar a vacina obrigatória para toda a população, invadindo as casas forçando assim a vacinação, com isso a população revoltou-se (CANTISANO, 2015).

Antes da republica ser consolidada, os capoeiras já eram a oposição do governo republicano, contrários á monarquia e propaganda republicando, foram obstáculos na luta contra as epidemias dando suporte a revolta da vacina, os capoeiras eram os soldados da guarda negra, sempre estavam nas movimentações e eventos políticos, com o objetivo de causar revolta, a revolta da vacina aconteceu, por divergências dos grupos políticos, de um lado o governo querendo pôr um fim na epidemia da varíola, submetendo a população a um decreto da vacina obrigatória e do outro lado à oposição discordando, afirmando que seria uma invasão ao corpo do cidadão (CUNHA, 2015).  Com toda essa revolução profilática veio a ideologia de limpeza da cidade, o que se fez direciona para os grupos sociais menos favorecidos. A população reprimida enfrentava: a destruição dos cortiços que abrigavam os humildes, agora era um risco a saúde e o caráter urbano, as campanhas e o consenso de saúde pública era um incentivo a reconstruir um novo centro urbano, erradicando as moradias habitacionais, expulsando os pobres, com forte violência policial, extinção de cães sem dono, invasões aos domicílios a qualquer hora, vacas nas ruas agora eram recolhidas, entre outros decretos (ALVES, 2013).

Oswaldo Cruz, monumenta histórica:

 

Ecoa nas colunas dos jornais e nas páginas das revistas ilustradas da época, sobretudo as humorísticas, a luta travada entre as medidas profiláticas ordenadas por OSWALDO e a grande massa da população. Artigos de fundo estirados e caricaturas de todos os feitios, desenhadas pelos maiores artistas da época e até por crianças precoces na arte, lançavam o ridículo sobre os passos acertados do jovem sanitarista. Com aparência de mosquito, rato, gato, peixe e encarnando todos os autocratas mais intransigentes que já existiram na face da terra, em todos os tempos, faziam-lhe a festa. A tudo e a todos respondia OSWALDO com sua acção itemerata, despresando os apodos. Apenas coleccionava para o conhecimento das gerações vindouras, as injúrias que recebia (FALCÃO, 1971, p. 17).

 

Consoante destaca Nascimento (2012), a revolta da vacina não foi apenas expressa na mídia através de charges, as letras de músicas também tinham sua conotação direta a o que o governo empunhava, retratando todo aquele cenário conturbado, as letras vinham carregadas com linguagem política, sexual e humorística, como se pode ver a seguir:

 

Rato, rato (1904)

Febre Amarela (1907)

Vacina obrigatória (1904)

Autores: Casimiro da Rocha e Claudino Costa

Intérprete: Claudino M. da Costa

Gênero: Polca

Gravadora: Odeon

Autores: Casimiro da Rocha e Claudino Costa Intérprete: Geraldo Magalhães

Gênero: humor

Gravadora: Odeon

Autor: desconhecido Intérprete: Mário Pinheiro Gênero: Cançoneta Gravadora: Odeon

Rato, rato, rato / Porque motivo tu roeste meu baú?

Rato, rato, rato / Audacioso e malfazejo gabiru.

Rato, rato, rato / Eu hei de ver ainda o teu dia final

A ratoeira te persiga e consiga, / Satisfazer meu ideal.

Quem te inventou? / Foi o diabo, não foi outro, podes crer Quem te gerou? / Foi uma sogra pouco antes de morrer!

Quem te criou?/ Foi a vingança, penso eu

Rato, rato, rato, rato / Emissário do judeu

Quando a ratoeira te pegar, / Monstro covarde, não me venhas

A gritar, por favor.

Rato velho, descarado, roedor/ Rato velho, como tu faz horror! Vou provar-te que sou mau / Meu tostão é garantido

Não te solto nem a pau.

 

Fonte:

(NASCIMENTO, 2012)

“Hoje em dia em falso rente (?)

Acabou-se a sua guerra Do senhor, seu Presidente Não há mais febre amarela Entornou-se todo o caldo E o mosquito já não grita Porque o grande mestre Oswaldo

Vai dar cabo da maldita Foi-se (.........),

Foi de embrulho,

Foi de embrulho a passeata Um manata fez barulho, Arrumou-se a grande lata Diz o Oswaldo da amarela Que lhe tira o seu topete Antes de 7 de março

De 907 (Ri)

Pois compra sempre o Oswaldo

Por subir com o figurão Ratos 300 réis Camundongos a tostão Isso todo vale cobre

E o micróbio lança grito Porque o Oswaldo anda comprando

Esqueleto de mosquito Fiz economia, fiz barulho

Foi de embrulho, passeata, Um manata fez barulho, Arrumou-se a grande lata Diz Oswaldo da amarela

Que lhe tira o seu topete

Antes de 7 de março De 907

(Ri)

Que ela acaba ou não acaba Se apertar muito as varetas Machucar todo o micróbio Eu estou vendo as coisas pretas

Quero o tal mata-mosquito Pra que não se faça feio Que se bote (...........)

Que tem mais de metro e meio

E a economia foi de embrulho

Foi de embrulho, passeata Um manata fez barulho, Arrumou-lhe a grande lata Diz Oswaldo da amarela Que lhe tira o seu topete Antes de 7 de março

De 907

Fonte:

(NASCIMENTO, 2012)

Anda o povo acelerado com horror a palmatória

Por causa dessa lambança da vacina obrigatória

Os manatas da sabença estão teimando desta vez

Em meter o ferro a pulso bem no braço do freguês

E os doutores da higiene vão deitando logo a mão

Sem saber se o sujeito quer levar o ferro ou não

Seja moço ou seja velho, ou mulatinha que tem visgo Homem sério, tudo, tudo leva ferro, que é servido.

Bem no braço do Zé povo, chega um tipo e logo vai

Enfiando aquele troço, a lanceta e tudo o mais

Mas a lei manda que o povo e o coitado do freguês

Vá gemendo na vacina ou então vá pro xadrez

Contam um caso sucedido que o negócio tudo logra

O doutor foi lá em casa vacinar a minha sogra

A velha como uma bicha teve um riso contrafeito

E peitou com o doutor bem na cara do sujeito

E quando o ferro foi entrando fez a velha uma careta

Teve mesmo um chilique eu vi a coisa preta

Mas eu disse pro doutor: vá

furando até o cabo

Que a senhora minha sogra é levada dos diabos

Tem um casal de namorados que eu conheço a triste sina

Houve forte rebuliço só por causa da vacina

A moça que era inocente e um pouquinho adiantada

Quando foi para pretoria já estava vacinada

Eu não nesse arrastão sem fazer o meu barulho

Os doutores da ciência terão mesmo que ir no embrulho Não embarco na canoa que a vacina me persegue

Vão meter ferro no boi ou nos diabos que os carregue.”

Fonte:

(NASCIMENTO, 2012)

 

Observando-se o recorte histórico brasileiro em epígrafe – final do século XIX e início do século XX – percebe-se a importância das transformações ocorridas no Brasil, advindas da forma de produzir, da construção de uma identidade nacional, das nova forma de governo adotada – de Monarquia para República – assim como da ocupação de novos espaços – o espaço urbano ocupando um novo significado – como também dos movimentos migratórios e o avanço da própria ciência para que novos contornos fossem sendo admitidos no que tange à saúde pública da época.

 

REFERÊNCIAS

 

Almanack do Biotonico. São Paulo: Instituto Medicamenta – Fontoura, Serpe & Cia. 1934.

ALVES, Wendencley. Um jornal no dissenso: o Correio da Manhã e a campanha conta a vacinação obrigatória. RECIIS – R. Eletr. de Com. Inf. Inov. Saúde. Rio de Janeiro, v.6, n.4 – Suplemento, Fev., 2013. Disponível em: < https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/17327/2/6.pdf> Acesso em 03/02/19.

BARROS M. B. A. Desigualdade social em saúde: revisitando momentos e tendências nos 50 anos de publicação da RSP. Revista de saúde pública, v. 51, n. 17, p. 1-8, 2017.

CANTISANO, Pedro Jimenez. Lares, Tribunais e ruas: A inviolabilidade de Domicilio e a Revolta da Vacina. Revista Direito e Praxis. Vol. 6. Núm. 11. Pp. 294-325. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. RJ. 2015.

COSTA, E. V. Da monarquia à república. 5º ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

CROCE, Marcus Antônio. A Economia do Brasil no século XIX. XI Congresso de História Econômica. 12ª Conferência Internacional de História de Empresas. UFES. Vitória-ES. Disponível em: <http://www.abphe.org.br/arquivos/2015_marcus_antonio_croce_a-economia-do-brasil-no-seculo-xix.pdf> Acesso em 02/02/19

CUNHA, Fábio Samu da. Capoeiras e a Revolta da Vacina. Revista Espaço Acadêmico – N° 166 – Março/2015.

ESCORES, Sarah; TEIXEIRA, Luiz Antonio. História das políticas de saúde no Brasil de 1822 a 1963: do império ao desenvolvimentismo populista. In: GIOVANELLA, L. et al. (org.), Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2008. P. 333 ‐ 384. Disponível em: <http://assistenciafarmaceutica.fepese.ufsc.br/pages/arquivos/Escorel_2008_I.pdf> Acesso em 31/01/19.

FALCÃO, Edgard Cerqueira (org.). Oswaldo Cruz: monumenta histórica. A incompreensão de uma época – Oswaldo Cruz e a caricatura. Coleção Brasiliensia Documenta, Volume VI, São Paulo, 1971.   

FURTADO, C. Formação Econômica do Brasil. Rio de Janeiro, 1980.

GALVÃO, Márcio Antônio Moreira. Origem das políticas de saúde pública no Brasil: Do Brasil-colônia a 1930. Textos do Departamento de Ciências Médicas/Escola de Farmácia. Disponível em: <https://docplayer.com.br/8959434-Origem-das-politicas-de-saude-publica-no-brasil-do-brasil-colonia-a-1930.html> Acesso em 31/01/19

GUIMARÃES A. B. G., MELLO D. C., SOUSA L. A. C., SILVA S. T. F., SOUZA V. F. A história da tuberculose associada ao perfil socioeconômico no Brasil: uma revisão da literatura. Ciências biológicas e de saúde unit, v. 3, n. 3, p. 43-52,2018.

MELLO, Alex Oestreich de, et al. O discurso sanitarista como discurso político e ideológico na República Velha. Revista Historiador Número 03. Ano 03. Dezembro de 2010 Disponível em: <http://www.historialivre.com/revistahistoriador>. Acesso em 03/02/19.

NASCIMENTO, Luciana Marino e SILVA, Francisco Bento da. De protestos e levantes: As revoltas da vacina e da Chibata na música popular. Recorte – Revista eletrônica. Ano 9 – n° 2. 2012

PAULA, J. A. O Processo Econômico in: CARVALHO, J. M. (coord.) A Construção Nacional (1830-1889). Editora Objetiva e Fundação MAPFRE. 2012.

TEXEIRA, Paulo R.: NETO, Antonio Ruffino. Ministerio da Saúde. Atualização das recomendações para tratamento da co-infecção HIV-tuberculose em adultos e adolescentes. 2000. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/peblicacao/44338/co_infin_o_hiv_tuberculose_20035.pdf>.Acesso em 03/02/19

TOPIK, S. A Presença do estado na Economia Política do Brasil. 1889 a 1930. Editora Record. São Paulo, 1987.


Autores

  • Antonio Rosembergue Pinheiro e Mota

    Possui graduação em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2001) e Graduação em Letras (Língua Inglesa) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2014). Atualmente é professor de história - Secretaria Municipal de Educação do Município de Natal e professor de história - Secretaria de Estado de Educação e Cultura. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Antiga e Medieval e atuando como Gestor Escolar na Escola Municipal Ferreira Itajubá.

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor

  • Adriano Menino de Macedo Júnior

    Graduando em farmácia pela Faculdade Natalense de Ensino e Cultura (FANEC) com experiência em saúde pública e microbiologia.

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor

  • Benigno Núñez Novo

    Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheira no TCE/PI.

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.