Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/72027
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A ESCOLA ESTATUTÁRIA HOLANDESA

A ESCOLA ESTATUTÁRIA HOLANDESA

Publicado em . Elaborado em .

O ARTIGO FAZ MENÇÃO À CHAMADA ESCOLA ESTATUTÁRIA HOLANDESA DE FUNDAMENTAL IMPORTÂNCIA NOS ESTUDOS DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO.

A ESCOLA ESTATUTÁRIA  HOLANDESA

Rogério Tadeu Romano

A chamada escola holandesa surgiu no último terço do século XVII, de Paulus(1610 – 1677),  a seu filho Johanes Voetius(1647 – 17614) e Ulricus Huber1636 – 1694), que consolida o territorialismo, base da independência das províncias unidas, verdadeiros “Estadeos”, proclamando com o primeiro deles, “quia nullum statum.... sese extendit ultra statuentis territorium”, regra que o segundo fazia decorrer “ex summo iure et ratione naturali” e “ae pari in parem nullum competete imperium”; a extraterritorialidade, fora de poucos casos, qual o dos bens móveis, “propter expressos textos iuris civilis”(J. Voetius) só podia ser admitida por benevolência dos povos, por mútua condescendência, para facilitar o intercâmbio entre seus súditos, “comiter vult observare(P. Voetis), “ex comitate gentes”, consiste de convenções ou tratados ou decorrentes reais e pessoais, os mistos, referentes às solenidades, à forma de todos os negócios judiciais e extrajudiciais, que se rege pela lei do lugar(de caráter facultativo) mas com efeitos extraterritoriais.

A Escola Holandesa (séculos XVII e XVIII), que apareceu nos Países Baixos, como extensão da Escola da Culta Jurisprudência. Também procurava estudar o Direito Romano como direito histórico, como critério crítico, dirigido, contudo, predominantemente, à prática jurídica, numa reação à postura excessivamente teórica da Escola da Culta Jurisprudência. Foram seus principais representantes: Arnold Vinnen (15881657), Jacobus Maestert (1610-1657), Ulrich Huber (1636-1694), Johann Voet (1647-1714), Gerhardt Noodt (1647-1725), Laurens Theodor Gronow (1659-1710), Antonie Schulting (1659-1734), Cornelius von Bynkershoeck (1673-1743), Johannes Jacobus Wissenbach (1607-1665) e Everhard Otto (1685-1756). (Paulo Jorge de Lima, ver Dicionário de Filosofia do Direito, São Paulo, Sugestões Literárias, 1968, pp. 76 e segs.)

É considerada, como lecionou Haroldo Valladão(volume I, 4ª edição, pág. 111), a grande figura da escola, de influência universal e decisiva no direito anglo-americano, Huber com seu trabalho “De Conflictum Legum diversarum in diversiis imperiiis”, título III, do Livro I, da Pare II, das Praelectionem Iuris Civilis”, de apenas algumas páginas, mas objeto de três traduções inglesas e uma portuguesa em cujo prefácio Haroldo Valadão declarou: “um verdadeiro e profundo tratado de conflito de leis no espaço(Conflitos de leis de U. Huber, tradução de Haroldo Valladão e alunos no Seminário de DIP, na Faculdade de Direito da PUC do Rio de Janeiro, de 1951, 4 e ss). Apresentou “três axiomas para aplainar o caminho”, que ficaram célebres: “I – As leis de cada império têm força dentro dos limites da respectiva república, e obrigam a todos os seus súditos – e limites da respectiva república, e oi brigam a todos os seus súditos – e não além, per. 1, ult. Ff. De Jurisdict. ..(Dig. 2,1,1). II – Por súditos do Império devem ser considerados todos os que se encontram dentro de seus limites, permanente ou temporariamente, per 1, Vii, § 10, in fine, d. Interd. Et Releg. III – As autoridades supremas dos impérios procedem “comiter”, de forma que o direito de cada povo aplicado dentro de suas fronteiras ao direito ou ao poder de outro imperante, ou dos respectivos súditos.”

O territorialismo absoluto é mitigado com um novo princípio, o do reconhecimento dos direitos adquiridos, salvo a ordem pública e a colocação dos conflitos de leis no plano internacional do Ius Gentium(do direito internacional público), das conveniências e do consentimento dos povos acerca da eficácia de suas leis e não do estrito ius civile.

Ensinou Jacob Doelinger(História e teoria do direito internacional privado) com relação a escola holandesa:

“A Holanda aspirava emancipar-se, daí ter sido muito bem-vinda a teoria territorialista de D'Argentré, de fundo eminentemente nacionalista. Paul e Jean Voet, Christian Rodenburg e Ulrich Huber, as figuras principais do Direito Internacional Privado holandês do século XVII, comentaram as idéias da escola estatutária francesa, principalmente a doutrina de D'Argentré, nascendo assim a escola estatutária holandesa.

Os holandeses evoluíram para um territorialismo ainda mais acentuado do que D'Argentré, eis que, enquanto este admitia que os bens móveis seguissem a pessoa, de acordo com o brocardo mobilia sequuntur personam, ficando submetidos ao estatuto pessoal do proprietário, os jus-internacionalistas holandeses submetiam os móveis ao estatuto real.

Huber notabilizou-se por seu escrito "De conflictu legum diversarum in diversis imperiis", em que enunciou três princípios:

a.         as leis de cada Estado imperam dentro das suas fronteiras e obrigam a todos os súditos deste Estado, mas não produzem efeitos além destes limites;

b.         súditos de cada Estado são todos aqueles que se encontram no seu território;

c.         os soberanos conduzem-se de modo a tornar possível que as leis de cada país, depois de terem sido aplicadas dentro das suas fronteiras, conservem sua força e eficácia além das fronteiras, o que ocorre pela teoria da comitas gentium, cortesia internacional, que permite a aplicação extraterritorial das leis internas.

A teoria de Huber tem sido considerada como a síntese da tradição italiana e da escola de D'argentré, enriquecida do espírito internacional de Grotius e das modernas doutrinas sobre a soberania . Em Huber vamos detectar uma ponte ligando o direito internacional público ao direito internacional privado.

J. H. C. Morris, mestre britânico do D. I. P., editor e continuador da obra fundamental de Dicey , sintetiza a teoria huberiana da seguinte forma: "Nas suas duas primeiras máximas Huber proclama, mais claramente do que qualquer um antes dele, que todas as leis são territoriais e não podem ter força e efeito além dos limites do país em que foram promulgadas, mas obrigam todas as pessoas que se encontram dentro do país, sejam elas naturais ou estrangeiras. Esta insistência de Huber na natureza territorial da lei conquistou a simpatia dos magistrados ingleses e americanos.

Em seguida, na sua terceira regra, Huber oferece duas explicações para o aparente paradoxo constituído pela aplicação do direito estrangeiro além das fronteiras do país que as promulga, apesar da doutrina da soberania territorial. Sua primeira explicação é de que isto ocorre simplesmente porque o outro soberano consente que assim se faça. Sua segunda explicação é de que não se aplica e executa o direito estrangeiro como tal, mas se reconhece os direitos a que o mesmo deu origem. Esta terceira regra também contém as raízes da doutrina da ordem pública".

Huber, com seu territorialismo e sua teoria de que só se admite aplicar a norma jurídica estrangeira na medida em que ela tenha criado direitos adquiridos - vested rights - teve enorme influência no direito anglo-americano.

A comitas encontrou fortes críticos. Como dizia um jurista americano, cortesia é exercida por quem detém o poder supremo. O dever dos juízes é distribuir justiça de acordo com a lei e decidir entre as parte de acordo com seus respectivos direitos. Assim, quando um contrato celebrado no estrangeiro está sob litígio, não é por uma questão de cortesia que os juízes tomam conhecimento das leis do país onde o contrato foi celebrado, mas para constatar em que medida as partes se obrigaram.

Eventualmente a comitas passou a ser interpretada não como mera cortesia estendida a outro país, mas como aplicação do direito estrangeiro para satisfação de uma exigência da própria justiça que se deseja alcançar na solução do caso.”


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.