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Limbo jurídico previdenciário

Limbo jurídico previdenciário

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Entende-se majoritariamente que o laudo médico do INSS se sobrepõe ao do médico do trabalho e do próprio médico particular/especialista, devendo prevalecer a decisão da previdência social.

O limbo jurídico previdenciário pode ser compreendido como o período em que o empregador, o empregado e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) discordam da aptidão do trabalhador para retorno ao trabalho após período de afastamento em gozo de benefício previdenciário.

Ocorre quando o empregado segurado tem alta médica do benefício previdenciário por incapacidade (auxílio-doença comum ou acidentário) e no momento do retorno ao trabalho é verificada inaptidão por seu médico particular/especialista, e/ou pelo médico do trabalho da empresa.

A cessação de benefício previdenciário em virtude de recuperação da capacidade laboral constatada pelo perito do INSS afasta a suspensão do contrato de trabalho, impondo o imediato retorno do trabalhador ao emprego.

Desta feita, entende-se majoritariamente que o laudo médico da Autarquia Federal (INSS) se sobrepõe ao laudo do médico do trabalho e do próprio médico particular/especialista, devendo prevalecer a decisão da previdência social.

Assim, compete ao empregador, enquanto responsável pelo risco da atividade empresarial (CLT, art. 2º), receber o trabalhador ofertando-lhe o exercício das funções antes executadas, ou, ainda, de atividades compatíveis com as limitações adquiridas.  Nesse caso, deve-se atentar para o fato de não agravar a doença.

Porém, caso o empregado se recuse a retornar ao trabalho, seja na sua função ou em outra compatível com sua limitação, é importante que o empregador se cerque de provas no sentido de que fez o possível para readaptá-lo e, assim, voltasse a trabalhar. Isto porque a alta médica previdenciária tem como efeitos a cessação do benefício, bem como de atestar a aptidão do empregado para retornar ao trabalho. Via de consequência, cabe ao empregador disponibilizar os meios de retorno do empregado ao trabalho, passando a ficar novamente responsável pelo pagamento dos seus salários e demais direitos.

Conforme NR7 (item 7.4.3.3), o exame médico de retorno ao trabalho deverá ser realizado obrigatoriamente no primeiro dia da volta do trabalhador que esteve ausente por período igual ou superior a 30 (trinta) dias por motivo de doença ou acidente, de natureza ocupacional ou não. O empregador deve agendar o exame médico de retorno tão logo esteja ciente da decisão de alta médica do INSS, para que assim possa proporcionar a volta do seu empregado às atividades laborais, seja na função exercida antes do afastamento, seja em função adaptada em razão de eventual limitação que tenha adquirido.

Quando ocorre a situação do limbo jurídico previdenciário as decisões dos tribunais têm sido no sentido de que o parecer do INSS se sobrepõe aos demais, que o empregador não pode negar o retorno do trabalhador devendo adaptá-lo em alguma função compatível com eventuais limitações. Nesse sentido, se o empregado ou mesmo o empregador discordarem do laudo previdenciário que atestou a capacidade laboral, deve impugná-lo e buscar o parecer de outros profissionais médicos desvinculados das partes discordantes, a fim de subsidiar seu entendimento contrário. Contudo, ainda assim, enquanto se discute com o INSS, seja na esfera administrativa ou na esfera judicial, entende-se ser o empregador responsável pelo contrato de trabalho em questão e deve provar que não impediu o retorno do empregado até então afastado.

Neste sentido, alguns julgados evidenciam esta situação:

O primeiro a se destacar é do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (Processo 47272-2014-003-09-00-7-ACO-04938-2018), julgado pela 2ª Turma. Neste acórdão o empregador não foi condenado, uma vez que restou configurado que foi o empregado quem deu causa ao não retorno ao trabalho, apresentando vários atestados médicos, bem como se recusando a reassumir suas atividades. O empregador, por sua vez tentou, por duas vezes, discutir o benefício com a autarquia previdenciária, além de ter oferecido trabalhos mais leves compatíveis com a condição da obreira. Assim sendo, não houve condenação, pois, o empregador fez de tudo para reverter a situação ou readaptar a obreira, exemplo de conduta que deve ser tomada por qualquer empregador em situação similar.

Na contramão da decisão supracitada, há também julgamentos no sentido contrário, como foi o caso julgado pela 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (00984-2015-669-09-00-4-ACO-09431-2018), no qual houve condenação do empregador pelo motivo de ter se recusado a restabelecer empregado com alta médica do INSS, ou seja, agiu com culpa ao não chamá-lo, atraindo para si o ônus do pagamento dos salários.

Demais disso, vale destacar o julgado do Tribunal Superior do Trabalho (TST - AIRR - 565-04-2010.5.05.0016), o qual entende majoritariamente que se o empregador discordar do laudo do INSS, deve impugná-lo de algum modo, ou até mesmo romper o vínculo, não podendo deixar o contrato sem definição. No processo em tela a empregadora somente demitiu a reclamante um ano e nove meses após alta do INSS, incorrendo em nítida culpa, por isso e, com base nos princípios da função social da empresa e do contrato, da solidariedade social e da justiça social, foi condenada ao pagamento de salários do período de afastamento.

Tendo em vista que o assunto do limbo previdenciário é muito delicado e pouco explorado, são indicadas algumas ações por parte dos empregadores para que não sejam condenados pecuniariamente quando instados nesta situação.

A primeira medida a ser tomada pelo empregador após o empregado receber alta médica pelo INSS, é recebê-lo e adaptá-lo em função condizente e que não agrave o problema de saúde. É válido também subsidiar exames complementares para comprovar a real situação do obreiro.

Em caso de recusa de retorno pelo empregado, o empregador deve se cercar de todas as provas a fim demonstrar sua boa-fé em possível reclamação trabalhista. Neste caso cabe enviar telegrama, notificação extrajudicial ou outro documento ao empregado chamando-o para a realização do exame médico de retorno, como também para o efetivo retorno ao trabalho.

O empregador pode cooperar diretamente nos recursos administrativos perante o INSS, podendo acompanhar a situação do benefício pelo site do INSS (www.inss.gov.br). É igualmente importante sempre entrar em contato com o empregado para se inteirar de sua situação.

De todo o exposto, conclui-se que para minimizar os riscos de ter que arcar com o pagamento de salários e demais vantagens referentes ao período do limbo jurídico previdenciário, o empregador deve ter uma conduta ativa documentando as providências de convocação do empregado para realização de exame médico de retorno, bem como para que reassuma sua função ou se ative em função adaptada às suas limitações. No caso de inaptidão apontada em exame médico de retorno ou por médico particular do empregado, orienta-se  que o empregador auxilie o empregado em sua demanda contra o INSS, disponibilizando os serviços do seu SESMT e médico do trabalho, como também, lhe sendo possível, subsidiar exames médicos mais complexos.

Portanto, tomando o empregador todas as medidas de forma a não configurar sua inércia, há boas chances de não ser condenado em ação judicial, sobretudo no pagamento de danos morais. Prevenção e forte atuação são sempre os melhores remédios para que não tenha que dispender altas quantias ao final de eventuais demandas trabalhistas.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOCCI, Francismery; CAGGIANO, Polyana Lais Majewski. Limbo jurídico previdenciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5731, 11 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72323. Acesso em: 28 mar. 2024.