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Home office à luz da Lei n. 13.467/2017

Home office à luz da Lei n. 13.467/2017

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O empregador pode decidir sozinho sobre a realização do trabalho à distância? Quem se responsabiliza pelos os custos da execução do home office e pela saúde do trabalhador em serviço? Aplica-se a lei de qual localidade?

INTRODUÇÃO

Em tradução livre, home office significa “escritório em casa”. Ou seja, o trabalho realizado em casa. A CLT o nominou de teletrabalho.

A CLT já continha previsão do trabalho em domicílio no artigo 6º, que, já na sua redação original, previa:

Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego.

A redação do referido dispositivo legal foi alterada em 2011 pela Lei n. 12.551 para incluir a previsão de que os meios telemáticos e informatizados se equiparam aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão.

O texto legal passou a ter a seguinte redação, cujos termos permanecem atuais:

Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Parágrafo único.  Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

O tema, contudo, teve importantes novidades com a Lei n. 13.467/2017 (batizada de Reforma Trabalhista), que tratou especificamente do teletrabalho nos artigos 75-A a 75-E da CLT.


CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

Em termos legais, a CLT considera “teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo” (artigo 75-B).

Do conceito legal, pode-se inferir que para que se enquadre o empregado na figura do teletrabalhador não é necessário que o trabalho se dê exclusivamente fora das dependências do empregador, bastando que se dê preponderantemente nestas condições.

Ou seja, o fato de o empregado comparecer à sede física do empregador em alguns momentos e lá prestar os serviços não desnatura a condição de home office, desde que, de forma preponderante o trabalho se dê em casa (ou, ainda, em outro local distinto do fornecido pelo empregador). O parágrafo único do artigo 75-B da CLT explicita esta situação.

De outro lado, o fato de o empregado eventualmente trabalhar em seu domicílio não induz à conclusão de que ele é teletrabalhador, pois nesta situação não houve trabalho de forma preponderante fora dos domínios do empregador.

Outro elemento importante do conceito é a utilização de tecnologia de informação ou de comunicação. Ou seja, é o fato de o empregado utilizar sua residência (ou outro local, desde que fora dos domínios do empregador) para trabalho aproveitando-se dos benefícios que o avanço tecnológico proporcionou, tais como computadores, laptops e outros equipamentos.

Não se enquadraria, portanto, no conceito de teletrabalhador de que trata o Capítulo II-A do Título II da CLT o trabalhador que exerça atividades braçais no âmbito de sua residência.

Do mesmo modo, o equipamento de informação ou de comunicação não pode ser daqueles, que por sua natureza, se constituam em trabalho externo, a exemplo dos celulares e palm-top’s utilizados pelos vendedores externos, que também não se incluem no conceito legal de teletrabalho.

Assim, pode-se conceituar home office como “organização laboral por meio da qual o prestador dos serviços encontra-se fisicamente ausente da sede do empregador, mas virtualmente presente, por meios telemáticos, na construção de objetivos contratuais do empreendimento” (Luciano Martinez).

O contrato de teletrabalho pode ser considerado formal, pois o artigo 75-C da CLT se refere a ajuste expresso desta modalidade no contrato individual de trabalho, sendo prevista no § 1º a possibilidade de alteração entre regime presencial e de teletrabalho, mediante registro em aditivo contratual, dando a ideia de que deve ser encetado por escrito.

Além disso, o artigo 75-D faz expressa referência a contrato escrito.

Ao meu sentir, ante o princípio da primazia da realidade, tão caro ao Direito do Trabalho, não se trata de formalidade ad solemnitatem (ou seja, essencial à validade do contrato), mas sim de forma ad probationem (isto é, a formalidade é exigida para fins de prova).

Desse modo, ainda que as partes não entabulem o contrato por escrito, havendo outros elementos de prova, suficientes a demonstrar o negócio jurídico (confissão, por exemplo), é possível considerar o ajuste para a realização de teletrabalho.

Outra questão tratada pela lei é a possibilidade de alteração do regime de presencial para teletrabalho e vice-versa.

Reza o § 1º do artigo 75-C que “Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual”.

Já o § 2º do mesmo artigo prevê que o empregador poderá, unilateralmente, determinar o retorno do trabalhador ao regime presencial, assegurando-se ao empregado um tempo de transição mínimo de quinze dias.

Assim, para que o empregador altere o regime de trabalho para o home office é indispensável a anuência do empregado, ao passo que na situação inversa (teletrabalho para presencial) o empregador pode, no exercício do jus variandi, alterar a condição de trabalho independentemente da vontade do empregado.

A lei presume, portanto, que o regime presencial é mais benéfico ao empregado. O que não necessariamente é verdadeiro.

Pode ocorrer, por exemplo, de o empregado ter necessidade de estar em sua casa em tempo integral em razão de cuidados com os filhos ou mesmo com pais idosos, sendo que a alteração para o regime presencial pode inclusive inviabilizar a continuidade da prestação dos serviços, em detrimento ao princípio da continuidade da relação de emprego.

Outra situação que se vislumbra é a reversão para o regime presencial com intuito punitivo por parte do empregador, o que não é o intuito da nova legislação.

Assim, a despeito da previsão legal, cabe ao intérprete, diante do caso concreto, utilizar de técnicas de defeasibility para afastar a aplicação da lei quando ela se mostrar injusta e desarrazoada, desatendo aos fins sociais a que se destina (LINDB, artigo 5º).

Sobre a superação da regra, ensina Humberto Ávila:

A superação de uma regra deverá ter, em primeiro lugar, uma justificativa condizente. Essa justificativa depende de dois fatores. Primeiro, da demonstração de incompatibilidade entre a hipótese da regra e sua finalidade subjacente. É preciso apontar a discrepância entre aquilo que a hipótese da regra estabelece e o que sua finalidade exige. Segundo, da demonstração de que o afastamento da regra não provocará expressiva insegurança jurídica. Com efeito, as regras configuram meios utilizados pelo Poder Legislativo para eliminar ou reduzir a controvérsia, a incerteza e a arbitrariedade e evitar problemas de coordenação, de deliberação e de conhecimento. Sendo assim, a superação das regras exige a demonstração de que o modelo de generalização não será significativamente afetado pelo aumento excessivo das controvérsias, da incerteza e da arbitrariedade, nem pela grande falta de coordenação, pelos altos custos de deliberação ou por graves problemas de conhecimento. Enfim, a superação de uma regra condiciona-se à demonstração de que a justiça individual não afeta substancialmente a justiça geral.

O afastamento da regra, em casos de alteração arbitrária do contrato de trabalho, não causa expressiva insegurança jurídica, pois não se tolera o abuso de direito, de modo que não se pode resguardar ao empregador que abusa do seu jus variandi a prerrogativa de alterar significativamente as condições de trabalho sem justificativas plausíveis.

Logo, em se verificando que o empregador alterou, de modo arbitrário e prejudicial ao trabalhador, sem justificativa plausível, o regime de trabalho de home office para presencial, afastando-se do escopo da norma legal, ainda que a lei autorize a alteração unilateral nesta hipótese, é possível ao judiciário anular a alteração do contrato de trabalho, por considera-la ilícita (artigo 468 da CLT), determinando o retorno do empregado ao teletrabalho.

Na mesma linha teórica, é a contribuição de Manoel Carlos Toledo Filho:

Nada obstante, tal exercício unilateral do poder de comando patronal somente fará sentido quando se encontre satisfatoriamente escorado em razões de ordem fática organizacional, sob pena de cometimento de ato ilícito na modalidade de abuso de direito (Código Civil, artigo 187), passível, por conseguinte, de correção pela via judicial. 


VANTAGENS E DESVANTAGENS DO HOME OFFICE

Como benefícios aos empregados, proporcionados pelo teletrabalho, pode-se citar a (i) melhoria na qualidade de vida, (ii) redução dos riscos de acidente de trajeto; (iii) eliminação (ou, ao menos, redução) do tempo despendido diariamente com o trânsito; (iv) redução do impacto ambiental; (v) melhoria da mobilidade urbana.

Há melhoria na qualidade de vida dos empregados submetidos ao teletrabalho, na medida em que eles podem organizar melhor a sua rotina de trabalho, tendo melhores condições de conciliar as suas atividades pessoais (lazer, compromissos familiares, educação, dentre outras) com as atividades profissionais, já que tendem a ter maior flexibilidade no cumprimento de horários de trabalho.

Outrossim, ao não se deslocar diariamente da residência ao local de trabalho, o teletrabalhador não se submete aos riscos do deslocamento, reduzindo as chances de acidente de trajeto.

Igualmente, ao não precisar se deslocar diariamente da casa para o trabalho e vice-versa, o empregado tem mais tempo livre para se dedicar a outras atividades.

De igual modo, a desnecessidade de deslocamento diário reduz os impactos ambientais provocados pelo consumo de combustível.

Além disso, o teletrabalho contribui para o descongestionamento do trânsito de veículos, problema recorrente nas grandes cidades, facilitando a mobilidade urbana.

Por outro lado, a par desses benefícios, o instituto suscita preocupações dos juslaboralistas em diversos aspectos, pois a sua inserção desmedida pode precarizar as relações de trabalho.

Pondera o Ministro do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, Augusto César Leite de Carvalho que:

“se é certo que o labor em domicílio pode concorrer para uma maior liberdade de o trabalhador definir o seu horário de trabalho, também o é que a rotina empresarial se transfere para o ambiente doméstico, podendo virtualmente contaminar as relações de família e promover alguma porosidade entre o tempo de trabalho e o tempo de lazer”.

Acrescente-se que, ao trabalhar em sua própria residência, o empregado acaba se isolando, o que dificulta o associativismo e enfraquece a luta de classes e a atuação sindical, sendo sabido que a atuação coletiva dos empregados historicamente é fonte de inúmeras conquistas sociais.

Neste sentido, ensina o citado Ministro que:

“Talvez o prejuízo maior para o trabalhador, quando atua a distância de quem o contrata, seja o fato de afastar-se de outros trabalhadores que vivenciam a mesma angústia ou quiçá a mesma satisfação com as condições de trabalho. (...) o labor no antigo chão da fábrica é ilustrativo de como a aproximação física de empregados os fez mais fortes historicamente, na organização de movimentos reivindicatórios e na prática do associativismo, assim em benefício de um habitat laboral mais justo e solidário”.

Além disso, ao não ser submetido ao controle de jornada (artigo 62, III, da CLT), corre-se o risco de o empregador exigir do empregado volume muito alto de trabalho, o que, combinado com o pagamento por produção, pode estimular o teletrabalhador a se submeter a longas jornadas de trabalho, em prejuízo ao seu convívio social e familiar, com aumento dos riscos à sua saúde.

De igual modo, o trabalho em casa dificulta a ação da fiscalização do trabalho, seja em função da “diluição” dos postos de trabalho, seja em função do direito constitucional à inviolabilidade domiciliar (artigo 5º, XI, da CRFB).

Outrossim, o empregador pode deslocar a sua sede física para um local onde as normas trabalhistas são menos protetivas, reduzindo seus custos com o trabalho humano.

A esse expediente chama-se fenômeno da “deslocalização” da empresa. O tema, dada a sua relevância, será tratado de modo mais profundo em capítulo próprio.


RESPONSABILIDADE PELO CUSTEIO DOS EQUIPAMENTOS DE TRABALHO REMOTO

Nos termos da CLT, “As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito” (artigo 75-D).

A despeito de o dispositivo legal deixar às partes o estabelecimento da responsabilidade pelos custos dos equipamentos de trabalho, deve-se interpretá-lo em conformidade com os princípios do direito do trabalho, mormente o da alteridade (que determina a assunção dos riscos da atividade econômica pelo empregador) e o da proteção, cabendo a lembrança de que o empregado, seja presencial ou teletrabalhador, é a parte mais frágil da relação empregatícia, não podendo negociar em igualdade de condições com o empregador.

A propósito, acentua o Ministro Augusto César Leite de Carvalho:

“Em se tratando de contrato assimétrico, que o mais das vezes se apresenta como contrato de adesão, aguarda-se que o empregador dite as regras do teletrabalho, como se tudo se modificasse para que continuássemos onde estávamos”.

No mesmo sentido, Manoel Carlos Toledo Filho:

“Logo, o dispositivo ora em comento somente pode ser interpretado no sentido de que, a rigor, todas as despesas referentes à aquisição, uso ou manutenção dos equipamentos necessários à consecução do trabalho correm sob responsabilidade patronal”.

Assim, o contrato não poderá fixar a responsabilidade por todas as despesas a cargo do empregado, pois se estaria transferindo ao empregado os custos da atividade econômica.

Com isso, não se quer dizer que o empregado não possa utilizar o seu próprio computador (ou outro equipamento eletrônico) para a prestação dos serviços, desde que para o exercício do seu trabalho não seja necessário nenhum investimento adicional.

Se, por exemplo, for necessária a instalação de programas específicos no equipamento, os eventuais custos desta tarefa serão necessariamente custeados pelo empregador.

A propósito, o próprio parágrafo único do artigo 75-D prevê que “as utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado”, o que indica que a intenção do legislador foi a de fixar a responsabilidade dos custos decorrentes do exercício do teletrabalho a cargo do empregador. Do contrário, não os teria chamado de utilidade, que, como se sabe, é o fornecimento de bens ou equipamentos pelo empregador ao empregado.


SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHO

O artigo 75-E prevê que o empregador deve instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quando às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes do trabalho, prevendo o parágrafo único que o empregado deve assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.

O dispositivo legal, todavia, deve ser interpretado à luz do artigo 7º, XXII, da CRFB, que garante aos trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.

Assim, não basta que o empregador simplesmente instrua o empregado, no ato da sua contratação, quanto às precauções a ser tomadas, sendo imprescindível que o empregador acompanhe o efetivo cumprimento de normas de segurança e medicina do trabalho, nos termos do artigo 157, I, da CLT, também aplicável ao teletrabalho, por força do artigo 6º da CLT e, ainda, em razão do dispositivo constitucional acima referido.

Afirmar que o artigo 75-E da CLT é exceção ao artigo 6º da mesma consolidação importa em interpretação em desconformidade com a Constituição, pois se estaria aumentando (em vez de reduzir) os riscos inerentes ao trabalho.

A propósito, pondera Luciano Martinez que “apesar da distância naturalmente existente entre o empregador e teletrabalhador, a responsabilidade patronal pela sanidade ocupacional permanece exigível”.

Com isso, não se quer dizer que o empregador possa adentrar a residência do empregado sem a concordância deste (o direito à inviolabilidade domiciliar também tem estatura constitucional – artigo 5º, XI).

O que se quer dizer é que é dever do empregador acompanhar as condições de trabalho, tais como mobília, iluminação e ventilação, podendo solicitar periodicamente ao empregado informações quanto às condições dos equipamentos, fazendo a adequação quando estiverem em desconformidade com as normas de segurança e saúde do trabalho.

De igual modo, deve o empregador, na medida do possível, instruir e acompanhar as pausas eventualmente necessárias durante a realização dos serviços, a exemplo dos empregados que trabalham com digitação (NR 17, item 17.6.4, alínea “d”).

Sobre o assunto, veja-se a contribuição de Denise Fincato:

“No entanto, este dever de orientação para a higiene, saúde e segurança do/no trabalho, não pode se resumir à elaboração e entrega ao empregado de um manual de boas práticas, genéricas e estáticas. Ao revés, a instrução a que alude o dispositivo deve ser entendida de forma mais abrangente e protetiva à relação, gerando garantias ao empregado e ao empregador. Assim, instruir deve ser compreendido como um conceito dinâmico e constante, de conteúdo mutante, tanto quanto o ambiente e os métodos de trabalho. Daí concluir-se que, de tempos em tempos, deva o empregador realizar alguma inspeção do ambiente laboral, assim como deva se precaver dos acidentes e doenças laborais decorrentes, prevendo e registrando atitudes necessárias nesse sentido em uma gama ampla de documentos, tais como o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA e o Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional – PCMSO, entre outros”.

Situação interessante é a possibilidade de acidente no âmbito doméstico. Para a sua caracterização como acidente de trabalho, nos termos dos artigos 19 a 21 da Lei n. 8.213/91, é indispensável a análise do caso concreto, pois o mesmo ambiente é utilizado como local de trabalho e como residência.

Se, por exemplo, o empregado contrai doença na coluna em razão da inadequação do mobiliário utilizado (fornecido ou não pelo empregador, pois é sua obrigação, como dito acima, o fornecimento dos equipamentos de trabalho), constatado em exame pericial o nexo causal entre a utilização de mobília ergonomicamente incorreta e a lesão, ao meu sentir, não há dúvida de que se estaria diante de acidente de trabalho atípico, cabendo ao empregador indenizar os prejuízos materiais e imateriais daí decorrentes.

Por outro lado, se o empregado, em uma pausa durante o trabalho, se desloca à cozinha da sua casa para beber água e, ao pegar o copo no armário, derruba um prato em sua cabeça, causando-lhe ferimentos, não estará caracterizado o acidente de trabalho, pois não há nenhum nexo causal entre o trabalho e a lesão.

Além do mais, o empregador nada podia fazer para evitar o acidente, pois não tem o dever (e tampouco o direito) de cuidar da cozinha da casa do seu empregado.


JORNADA DE TRABALHO

A Lei n. 13.467/2017 incluiu o inciso III no artigo 62 da CLT, afastando a aplicação do capítulo referente à duração do trabalho aos empregados em regime de teletrabalho.

Assim, pela disposição legal, os teletrabalhadores não fazem jus ao recebimento de horas extras.

A questão, todavia, é polêmica, havendo quem defenda a inconstitucionalidade do dispositivo legal, por ofensa ao artigo 7º, XIII, XV e XVI da CRFB.

Com efeito, a Constituição da República garante aos empregados duração do trabalho não superior a 8 horas diárias e 44 semanais, assim como descanso semanal remunerado e remuneração do labor extraordinário com acréscimo de no mínimo 50% ao valor da hora normal.

E o inciso III, acrescido pela Reforma Trabalhista ao artigo 62 da CLT, diferentemente dos outros dois incisos, não se reveste de proporcionalidade para afastar os dispositivos relacionados à jornada de trabalho às relações de teletrabalho.

Isso porque, ao contrário do que ocorre com os trabalhadores externos e os detentores de cargo de gestão, não há incompatibilidade entre o teletrabalho e o controle de jornada.

Ao contrário, no regime de teletrabalho, como o empregado está virtualmente presente no estabelecimento empresarial, é possível ao empregador controlar a jornada, o fazendo pelos meios telemáticos, como controle de acesso aos sistemas corporativos (controle de logon e logoff, assim como o controle de inatividade da sessão).

Sobre o assunto, pondera Homero Batista Mateus da Silva:

“O ponto central da discussão é saber, afinal, se o teletrabalho é ou não é incompatível com o controle de jornada, ou seja, se está ou não ao alcance do empregador mensurar a produção e a atividade do empregado”.

Acrescenta o Juiz do Trabalho paulistano que:

“Havendo meios acessíveis de controle de jornada, por unidade de produção, por fiscalização direta, por meios eletrônicos, não se deve impressionar com o fato de o trabalho ser realizado à distância, em dependências estranhas ao empregados”.

E conclui que “o art. 62, III, merece a mesma interpretação restritiva, dada a excepcionalidade, dos demais incisos, quer dizer, o teletrabalho somente retira o direito às horas extras e congêneres se for incompatível com o controle de jornada”.

No mesmo sentido é o pensamento de Henrique Correa:

Caso comprovado que o empregador tinha condições efetivas de controlar e fiscalizar o trabalho realizado pelo empregado, pela utilização dos meios informatizados, como e-mails, whatsapp, facebook, GPS, telefones, entre outros, é plenamente possível o controle da jornada de trabalho do empregado por aplicação do princípio da primazia da realidade. Não haveria, portanto, justificativa para a exclusão desses trabalhadores da jornada de trabalho, tendo direito à jornada limitada de 8 horas diárias e 44 horas semanais e ao recebimento dos adicionais de horas extras, intervalos e adicional noturno.

Portanto, pode-se afirmar que, a despeito do artigo 62, III, da CRFB, se constatado ser possível ao empregador controlar a jornada do empregado, fará este jus ao recebimento de horas extras, se prestadas.

Entender de modo diverso seria estimular os empregadores a exigir dos empregados volume de trabalho sabidamente superior ao atingível em oito horas diárias, cientes de que não precisarão pagar mais pelo excesso de trabalho.


O FENÔMENO DA “DESLOCALIZAÇÃO” DA EMPRESA. ANALOGIA COM OS TRABALHADORES DA NAVEGAÇÃO

Como visto alhures, o home office é objeto de preocupação pela doutrina em diversos fatores, ressaltando aqui o fenômeno da “deslocalização” da empresa, pelo qual esta altera o local de seu estabelecimento, mudando para outra região com menos proteção trabalhista, com vistas à redução dos custos sociais.

Concomitantemente à mudança de domicílio, a empresa dispensa seus empregados presenciais e contrata novos empregados pelo regime de teletrabalho (quiçá da mesma região de origem), os quais, independentemente do seu domicílio, estarão vinculados às normas coletivas vigentes no novo local de domicílio da empregadora, já que o empregado estará virtualmente presente e vinculado ao estabelecimento da empresa.

Assim, hipoteticamente, o empregador pode fechar uma unidade em um local cujas normas coletivas aplicáveis preveem diversos direitos aos trabalhadores e piso salarial de R$3.500,00, e abrir nova unidade em outro local, onde as normas coletivas não preveem os mesmos direitos e o piso salarial é de apenas R$1.100,00, contratando teletrabalhadores da região primitiva, mas que, por estarem virtualmente vinculados à sede da empresa, estariam submetidos ao regime das normas coletivas daquele local, e não as do local da sua residência.

Há evidente redução de custos.

Trata-se de manobra que busca aumentar a competividade empresarial à custa da redução de direitos trabalhistas, em notório retrocesso social, o que configura dumping social.

Não se duvida que dita manobra é uma fraude aos direitos trabalhistas, invocando a aplicação do disposto no artigo 9º da CLT, in verbis:

“Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.

Convém assentar que o Direito do Trabalho já convive com situação similar na seara dos empregados em empresas de navegação e de transporte aéreo internacional, sendo que a solução jurídica adotada naqueles casos pode ser emprestada para solucionar o caso de dumping social acima exposto.

Antes, relembre-se o postulado de que para situações similares se aplica a mesma razão jurídica.

A legislação aplicável aos trabalhadores em navios mercantes é a do país do pavilhão, nos termos dos artigos 274, 279 e 281 do Código de Bustamante, abaixo transcritos:

Art. 274. A nacionalidade dos navios prova-se pela patente de navegação e a certidão do registro, e tem a bandeira como signal distinctivo apparente.

Art. 279. Sujeitam-se tambem á lei do pavilhão os poderes e obrigações do capitão e a responsabilidade dos proprietarios e armadores pelos seus actos.

Art. 281. As obrigações dos officiaes e gente do mar e a ordem interna do navio subordinam-se á lei do pavilhão.

Todavia, diante da regra de direito internacional privado, algumas empresas, visando reduzir seus custos sociais, embora realizem seus negócios preponderantemente no país da sede, abrem filiais em países com pouca ou nenhuma proteção social e registram seus navios nestes países.

A essa prática de dumping social a doutrina deu o nome de bandeira de conveniência (ou bandeira de favor).

Sobre as bandeiras de conveniência ensina José Carlos de Carvalho Filho que:

“As bandeiras de conveniência nascem como forma de burlar regras que possam burocratizar o transporte garantindo a agilidade que os armadores e proprietários das embarcações necessitam quando se trata de comércio exterior. Atrelada a essa questão estão às condições subumanas que os tripulantes são expostos já que não há regras que previnam que maus tratos sejam evitados e a eles sejam garantidos direitos e deveres como qualquer outro trabalhador”.

Em situações deste jaez, em busca de evitar que a fraude perpetrada pelo empregador alcance seus objetivos, a doutrina criou a teoria do centro de gravidade, afastando-se a aplicação da lei do pavilhão e determinando-se a aplicação da legislação do país onde o empregador realiza as suas atividades empresariais, de modo preponderante.

Sobre o assunto, cita-se a contribuição de Fabiano Coelho de Souza:

“Na realidade, o empregador do trabalhador marítimo é o armador, e não o navio. Não bastasse, ocorre do armador eleger seu centro principal de negócios localidade diversa do registro da embarcação. Nestas situações, a lei do pavilhão deve ser relativizada, de modo a aproximar a situação com a regra geral da territorialidade, definindo a regência normativa do contrato pelas leis do local em que o empregado fica habitualmente à disposição do empregador antes ou depois da realização das viagens.

Caso esteja evidenciada a intenção fraudulenta, a questão resolve-se pelo art. 9º da CLT, a impedir a frustração dos direitos trabalhistas conferidos ao empregado brasileiro, aplicando-se a legislação nacional. É o que ocorre para as situações de ‘bandeiras de favor’, amplamente denunciadas no Direito Marítimo, prática pela qual o navio é registrado intencionalmente num determinado país em razão de legislação mais permissiva a uma determinada conduta (geralmente considerada irregular nas legislações nacionais), pretendida pelo empresário”.

A tese do centro de gravidade também já foi adotada em julgado do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, conforme ementa abaixo transcrita:

TRABALHO EM NAVIO ESTRANGEIRO - EMPREGADO PRÉ-CONTRATADO NO BRASIL - CONFLITO DE LEIS NO ESPAÇO - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. 1. O princípio do centro de gravidade, ou, como chamado no direito norte-americano, most significant relationship, afirma que as regras de Direito Internacional Privado deixarão de ser aplicadas, excepcionalmente, quando, observadas as circunstâncias do caso, verifica-se que a causa tem uma ligação muito mais forte com outro direito. É o que se denomina "válvula de escape", dando maior liberdade ao juiz para decidir que o direito aplicável ao caso concreto. 2. Na hipótese, em se tratando de empregada brasileira, pré-contratada no Brasil, para trabalho parcialmente exercido no Brasil, o princípio do centro de gravidade da relação jurídica atrai a aplicação da legislação brasileira. Processo: ED-RR - 12700-42.2006.5.02.0446 Data de Julgamento: 06/05/2009, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 22/05/2009.

A solução apresentada para os casos de trabalhadores em navios mercantes pode perfeitamente ser aplicada para os casos de empregadores que alteram o local do seu estabelecimento empresarial para região com normas coletivas menos protetivas, contratando empregados em regime de teletrabalho, para o fim de vincular as relações de trabalho às normas autônomas vigentes no local onde a empresa de fato centraliza os seus negócios.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste breve artigo buscou-se trazer as questões relativas ao home office, analisando-se as disposições da CLT incluídas pela Lei da Reforma Trabalhista.

Observou-se que o teletrabalho é a realização de atividades laborais longe do ambiente físico do empregador, com utilização de equipamentos tecnológicos que possibilitam ao trabalhador estar virtualmente presente no estabelecimento empresarial, embora ausente fisicamente.

Analisou-se a questão afeta à possibilidade de alteração do regime de trabalho presencial para teletrabalho e vice-versa, observando que para a primeira situação é imprescindível o mútuo acordo, ao passo que na hipótese inversa é possível, em regra, a alteração de forma unilateral pelo empregador, desde que justificada por elementos ligados ao poder diretivo patronal, não podendo ocorrer nos casos de abuso de direito.

Viu-se, também, que a lei delega às partes a disposição quanto aos custos dos equipamentos, devendo, todavia, ser interpretada à luz dos princípios da alteridade e da proteção ao trabalhador, de modo que não pode o empregador transferir os custos da sua atividade econômica para o empregado.

Tratou-se, ainda, da questão relativa à saúde e segurança do trabalho, propondo-se uma interpretação conforme à Constituição para o fim de determinar que o empregador deve não somente instruir o empregado a respeito das medidas de segurança e medicina do trabalho, mas também acompanhar o atendimento das normas afetas ao tema, respeitando, contudo, o direito do empregado à inviolabilidade domiciliar.

Além disso, discutiu-se o tema relativo ao controle de jornada, propondo-se uma leitura restritiva do artigo 62, III, da CLT, para que as disposições relativas à duração do trabalho somente sejam afastadas quando o trabalho à distância for incompatível com o controle de jornada.

Por fim, tratou-se do instigante tema relativo ao fenômeno da “deslocalização” da empresa como instrumento de dumping social, propondo-se a aplicação da Teoria do Centro de Gravidade (de origem no fenômeno da bandeira de conveniência nas relações jurídicas envolvendo embarcações mercantes) aos casos de alteração fraudulenta do domicílio empresarial, com vistas a evitar a precarização do trabalho humano.

O tema é incipiente e certamente merece maiores reflexões e contribuições da doutrina trabalhista.


BIBLIOGRAFIA:

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CARVALHO, Augusto César Leite de. Direito do trabalho: curso e discurso / Augusto César Leite de Carvalho. – 2 ed. – São Paulo: LTr, 2018.

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MARTINEZ, Luciano. Reforma trabalhista – entenda o que mudou: CLT comparada e comentada – São Paulo: Saraiva, 2018.

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Autor

  • Willian Alessandro Rocha

    Bacharel em direito pela UCP - Faculdade de Centro do Paraná, Especialista em Direito Processual Civil (FACINTER) e em Direito e Processo do Trabalho (CESUL), servidor público, Diretor de Secretaria de Vara do Trabalho, aprovado no I Concurso Público Nacional Unificado da Magistratura do Trabalho.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Willian Alessandro. Home office à luz da Lei n. 13.467/2017. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5728, 8 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72476. Acesso em: 26 abr. 2024.