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limitação do uso de franquias de internet à luz do Direito do Consumidor e do marco civil da internet

limitação do uso de franquias de internet à luz do Direito do Consumidor e do marco civil da internet

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O artigo trata sobre a limitação de franquias de Internet banda larga no Brasil, traz um contexto histórico da internet, a aplicação do direito do consumidor e demostra o papel das agências reguladoras e da lei do marco civil da internet.

RESUMO

O presente projeto reúne o tema da limitação de franquias de Internet banda larga no Brasil. A princípio visualiza-se o contexto histórico em que surgiu a Internet, como se deu o enredo processo de desenvolvimento da Internet até se tornar o serviço de banda larga que é usual a milhões de brasileiros. O eixo central são questões que envolvem o código de defesa do consumidor, explanando quais as normas que dispõe sobre essa relação de consumo, quais as garantias e possíveis violações diante da limitação das franquias. Adentra-se na atuação da Agência Nacional de Telecomunicação, quais os pontos principais abrange sua competência. Esboça o andamento da criação da Lei do Marco Civil da Internet. Elucida alguns de seus principais princípios. Aborda a criação de um projeto de lei que visa incrementar o Marco Civil e também solucionar a problemática do retrocesso que está por trás dessas franquias de dados limitadas na banda larga de internet fixa. 

Palavras-chave: Direitos do Consumidor. Franquias de Internet. Banda Larga. Marco Civil. Agências Reguladoras. 

ABSTRACT

This project brings together the theme of limiting broadband Internet franchises in Brazil. At first, it visualizes the historical context in which the Internet emerged, as was the storyline of the Internet development process to become the broadband service that is usual to millions of Brazilians. The central axis are issues that involve the consumer's defense code, explaining what standards it has on this consumption relationship, what guarantees and possible violations of the limitation of franchises. It is entered into the National Telecommunication Agency's role, which the main points cover its competence. It outlines the progress of the creation of the Civil Law of the Internet framework. Elucid some of its main principles. It discusses the creation of a bill that aims to increase the civil framework and also solve the problem of the setback that is behind these limited data franchises in the fixed internet broadband.

Keywords: Consumer Rights. Internet Franchises. Broadband. Civil Landmark. Regulatory Agencies.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 

2 CONTEXTO HISTÓRICO DA INTERNET 

3 DIREITOS DOS CONSUMIDORES DOS SERVIÇOS DE INTERNET 

3.1 Provedores de Internet 

3.2 Caracterização da Relação de Consumo 

4 A CRIAÇÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS 

4.1 Regulamentação Da Anatel Sobre Franquia Da Banda Larga Fixa 

4.2 A Cláusula De Limitação De Dados De Internet 

5 INSTITUIÇÃO DO MARCO CIVIL DA INTERNET 

5.1 Princípio da Neutralidade da Rede 

5.2 O “Zero Rating” 

5.3 Princípios da Privacidade e da Liberdade de Expressão 

5.4 Projeto de Lei que altera o Marco Civil da Internet 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

REFERÊNCIAS 

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo visa a fornecer material acadêmico com embasamento científico a fim de retratar a problemática do retrocesso da limitação das franquias de Internet banda larga no Brasil, apresentando cronologicamente como se deu o processo de normatização da limitação. 

Processo esse que vem indubitavelmente agredindo o consumidor, desrespeitando, de maneira crescente e contínua. E toda essa balbúrdia demonstra ser incompatível com as garantias previstas em lei, superior às resoluções da Anatel, leis específicas sobre o assunto, qual seja, a lei do Marco Civil da Internet.

Primeiramente será contextualizado o surgimento da Internet desde seus primórdios até os dias atuais e se tornar o atual serviço de banda larga que milhões de brasileiros utilizam através de seus dispositivos de multimídia.

No capítulo seguinte são demonstradas as características da relação de consumo existente entre os usuários de internet (consumidores) e os provedores (fornecedores). Essa relação é emoldurada pelo contrato de adesão.

Posteriormente será retratado o nascimento das agências reguladoras, dando ênfase à Agência Nacional de Telecomunicações, e apontadas quais suas resoluções e normas sobre as Franquias de Internet Banda Larga Fixa.

Tem-se aqui o clímax do enredo consumidor versos provedores de rede, quando há o intimidador anúncio das empresas em optarem pelas franquias de uso de dados e não somente pela velocidade da conexão.

Sequencialmente é explanado o processo de desenvolvimento e criação do projeto de lei que deu origem ao Marco Civil da Internet. São abordados alguns princípios relevantes da Lei, e por fim têm-se um Projeto de Lei que engloba toda a essência deste trabalho.

2 CONTEXTO HISTÓRICO DA INTERNET

Na década de 70, segundo Santos e Mariz (2017), a Internet surgiu no contexto militar da Guerra Fria. Diversamente no Brasil, a Internet iniciou-se por via de redes acadêmicas regionais que emergiram em 1988.

No ano de 1989, criou-se pelo então Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) com o objetivo de ampliar a infraestrutura da Internet, sendo oferecida em todo o território nacional, mas somente para o meio acadêmico (SANTOS, MARIZ, 2017).

Sete anos depois – em 1995, é que o uso da rede de Internet deixou de ser privado apenas para os usuários acadêmicos da RNP e passou a fazer parte do mercado comercial. Ou seja, a Internet que antes era gratuita no meio acadêmico passou a ser comercializada pelos provedores de Internet. Sequencialmente, foi editada pelo “Ministério das Comunicações a Norma nº 4/1995, aprovada pela Portaria nº 148, de 31/05/1995,” com o propósito de “regular o uso de meios da Rede Pública de Telecomunicações para o provimento e utilização de Serviços de Conexão à Internet” (SANTOS, MARIZ, 2017, p. 3).

Nas palavras de Santos e Mariz (2017, p. 3 e 4), a Internet no início era fornecida “por meio de uma linha discada, o usuário de Internet precisava ter um computador equipado com um modem para conexões discadas, o consumidor discava para o seu Provedor de Serviço de Conexão à Internet (PSCI), por meio de uma linha telefônica contratada para serviço de voz.”

Temos uma realidade bem diferente na contemporaneidade, sabe-se que as “ciências da informação e comunicação evoluíram com o crescimento das tecnologias digitais; acrescentando serviço de voz e dados e novas tecnologias sem fio” (HOBAIKA, 2013, apud SILVA, 2016, p.34).

Nos dias atuais, o acesso à Internet se dá por meio de “tecnologia de fibra ótica, satélite, ondas de rádio e a cabo. Posteriormente, surgiram os portais de notícia e conteúdo, com ferramentas de busca a fim de instruir os usuários a acessá-los.” Já a grande novidade da Internet, no momento presente são as redes sociais. (HOBAIKA, 2013, apud SILVA, 2016, p. 34). 

Não se imagina hoje uma realidade sem o uso de Internet, é uma ferramenta imprescindível, prática e corriqueira da população brasileira, uma vez que concede voz operante a seus usuários e como meio de “tutela de direitos fundamentais da comunicação, liberdade de expressão, informação e educação, além de ser ambiente propício ao empreendedorismo” (HOBAIKA, 2013, apud SILVA, 2016 p. 34).

Para Silva (2016, p. 32), hodiernamente o acesso à banda larga fixa é alcançado “por meio da prestação do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM); serviço este criado pela Resolução da Anatel nº 272, de 09/08/2001, identificando-se como serviço de interesse coletivo fornecido em regime privado.” No decorrer do presente trabalho, esses dois pontos serão abordados, apontando a criação da agência reguladora Anatel, bem como tratando algumas alterações do SCM.

3 DIREITOS DOS CONSUMIDORES DOS SERVIÇOS DE INTERNET

3.1 Provedores de Internet

Para compreender como é oferecido o serviço de banda larga fixa, é necessário saber o que são os provedores de Internet. Existem três espécies de provedores de Internet: os provedores de conteúdo, provedores de serviços e os provedores de rede, respectivamente o primeiro é identificado como portais de informação, como sites de notícias, os portais de entretenimento, ênfase para os sites de jogos e vídeos e diversos outros gêneros. Já o segundo, está cada vez mais frequente na realidade do povo brasileiro, integram essa categoria os sites de compra e de venda, serviços de consultoria online e até mesmo sistemas de ensino à distância (CIVIDINI, 2016).

Em relação ao terceiro provedor de rede, ou conexão, cabe ressaltar, que serão profundamente explorados no presente trabalho. São os responsáveis por fornecer conexão à Internet para seus milhões de usuários por meio de sua infraestrutura de cabeamento submarino, antenas e radiofrequências (CIVIDINI, 2016).

Compreendido o que são os provedores de Internet, sabe-se então que são eles que comercializam o acesso à Internet banda larga fixa. Cabe apontar quem está por trás desses provedores de rede: as empresas de telecomunicações, Oi, Net, Telefônica, GVT e CTBC que detêm 91% do mercado de banda larga no Brasil (ANDRADE, 2015).

Uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos sobre Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC.br) do CGI.br, no ano de 2014, metade dos domicílios brasileiros tinha acesso à Internet, bem como 67% desses domicílios exercia o acesso via banda larga fixa (ANDRADE, 2015).

Os dados são do ano de 2014, é irrefutável que esses números aumentaram em quatro anos, conclui-se aqui a tremenda importância e relevância desse assunto para os consumidores brasileiros.

3.2 Caracterização da Relação de Consumo

Após a definição de quem são os provedores de conexão, é necessário conhecer a classificação legal de quem é de fato o consumidor de Internet e dos provedores (fornecedores). Destaca-se assim, que é dever das empresas fornecerem um serviço contínuo e ininterrupto ao consumidor de acordo com o contrato firmado com este (CIVIDINI, 2016).

Primeiro o Art. 2º da Lei 8.078/ 1990 aponta o conceito de consumidor:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. (BRASIL, 1990).

Já a definição de fornecedor está previsto no o art. 3º do Código de Defesa do Consumidor (CDC):

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. 

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (BRASIL, 1990).

Compreendido os dois conceitos, cabe mencionar que os provedores de rede proporcionam o acesso à Internet ao usuário final, por meio de toda infraestrutura necessária (antenas e transmissão de rádio frequências) pelas empresas telefônicas. Essas por sua vez, vendem o serviço ao consumidor (acesso à Internet) o que torna a relação de consumo caracterizada com a aplicação do CDC aos contratos a serem firmados. (CIVIDINI, 2016).

Assim, pode-se afirmar que a exteriorização da relação de consumo é feita através de um contrato denominado de adesão, que geralmente possui cláusulas pré-fixadas unilateralmente pelo fornecedor, onde ao consumidor resta apenas acrescentar seus dados de discriminação pessoal, optando pelo serviço desejado e seu respectivo preço. Ou seja, as outras cláusulas não poderão ser então discutidas pelo consumidor que optou por essa modalidade de acordo (CIVIDINI, 2016).

Verifica-se assim, que essas cláusulas que são criadas unilateralmente, configuram a vulnerabilidade do consumidor. Ainda que existam as cláusulas unilaterais o contrato não é por completo assim, é necessária a declaração de vontade por parte do consumidor em aderir estas para que o contrato seja considerado válidos e eficaz. O Código de Defesa do Consumidor repudia alterações unilaterais do contrato, pois estas não foram analisadas pelo consumidor, não podendo ser presumidas como aceitas (CIVIDINI, 2016).

4 A CRIAÇÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

As agências reguladoras, conforme Santos e Mariz (2017), surgiram no Brasil na década de 1990 em decorrência da necessidade do Estado em privatizar diversos setores da economia, tais como, energia elétrica, telecomunicações e petróleo. Assim, o Estado deixou de fornecer diretamente diversos serviços públicos, visando diminuir gastos públicos, mas continuou a regular e fiscalizar o fornecimento de tais serviços.

Segundo Santos e Mariz (2017), essas autarquias especiais, assim classificadas, integram a administração federal indireta, estas, teriam uma capacidade maior para constituir a estrutura administrativa capaz de iniciar às exigências de transformação da política pública regulatória brasileira. Para a doutrina majoritária, há divergências acerca do cabimento ou não do regulamento autônomo que seria exercido pelas agências reguladoras no Brasil. 

Aqueles que defendem o não cabimento do regulamento autônomo, em razão do art. 84, IV, da Constituição Federal (CF/88), que trata das atribuições do presidente da república, admite o “regulamento de execução, atividade que abrange o exercício de uma atribuição normativa subordinada, ou seja, só poderá produzir normas como suporte de uma norma prévia e certa.” (SANTOS; MARIZ, 2017, p. 5).

“Já os autores que defendem o cabimento do regulamento autônomo no Brasil, fundamenta-se em função do poder discricionário, e da necessidade de cumprimento das finalidades do Estado” (SANTOS; MARIZ, 2017, p. 5).

Por fim, a doutrina majoritária entende que é cabível a atribuição de poder normativo às agências reguladoras, como a Anatel:

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) foi criada pela a lei de nº 9.472, de 16 de julho de 1997, Lei Geral de Telecomunicações (LGT). A LGT outorgou à Anatel ampla competência normativa sobre diversos assuntos relativos à prestação dos serviços de telecomunicações. Destaca-se que o Supremo Tribunal Federal já fixou a legitimidade da atribuição de poder normativo para a Anatel (SANTOS E MARIZ, 2017, p. 6).

No entanto, apesar de alguns limites impostos para o exercício dessa competência normativa, visando à descentralização do poder do Estado, que por sua vez, acreditou que estas agências reguladoras teriam uma capacidade maior para acompanhar e responder à velocidade de transformação tecnológica do mercado (SANTOS; MARIZ, 2017).

O Estado então atribuiu competência regulatória a essa empresa privada, objetivando maiores capacitações no serviço prestado, seu poder é de autonomia mitigada, visto que é subordinado à administração pública, e suas normas inferiores ao Poder Executivo.

4.1 Regulamentação Da Anatel Sobre Franquia Da Banda Larga Fixa

Primordialmente, é necessário deixar claro que não há proibição legal ou infra legal para a existência de franquias no uso da Internet, seja em conexão fixa ou móvel. Sabe-se que a maioria dos contratos vigentes já prenuncia algum tipo de franquia, acontece que tais cláusulas excepcionalmente eram empregadas na internet fixa, adverso da Internet móvel (SOARES, 2016).

Ao que reflete na incumbência da Anatel, salienta-se que o Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), serviço de telecomunicações empregado para acesso fixo à Internet, é oferecido em regime privado. Têm-se assim uma autonomia maior no modelo de negócios, sobretudo no modo de cobrança, admitindo os modelos pré-pagos, pós-pagos, baseados em franquia ou em velocidade (SOARES, 2016).

Assim, surge o questionamento em relação ao uso da Internet, que era originalmente ilimitada e passou a ser limitada pelo uso de franquias de dados. Esse tipo de utilização por meio de franquias só é aceita quando é oferecido ao consumidor a possibilidade da continuidade da prestação do serviço. 

O Art. 82 § 1º inciso I e II da Consulta Pública nº 45/2011 da Anatel traz duas alternativas referentes à continuidade da prestação de serviço de internet: a primeira opção se dá após atingir a franquia de Internet, em que o consumidor pagaria um adicional pelo uso excedente, para manter o serviço nas mesmas condições em que foi originalmente contratado. Já a segunda opção, garante ao consumidor não pagar nenhum adicional de pacote de dados, mas teria sua velocidade reduzida. (SANTOS; MARIZ, 2017).

Segundo Santos e Mariz (2017), a primeira norma a instituir sobre as franquia de internet na banda larga fixa foi mencionada na Proposta de Alteração do Regulamento do (SCM), cujo processo inaugurou-se na Anatel em 2009; que posteriormente foi submetida à Consulta Pública 45/2011. Destaca-se o § 2º do artigo 82:

§ 2º Na hipótese do inciso II do § 1º deste artigo, deve ser assegurada velocidade não inferior a cinquenta por cento da inicialmente contratada, para os fluxos de comunicação originados e terminados no terminal do Assinante.  (SANTOS; MARIZ, 2017, p. 6 e 7).

Para evitar abusos, o parágrafo 2º estabelecia que na hipótese de redução deveriam ser garantidos pelo menos 50% da velocidade originalmente contratada, tanto para download como para upload, com a finalidade de impedir que a redução da velocidade viesse na prática, configurar medida de coação para forçar o assinante a optar pelo pagamento adicional do consumo excedente (SANTOS; MARIZ, 2017). 

Contudo, esta previsão foi revogada pela Resolução 614 de 28 de Maio de 2013 da Anatel. O que demonstra ser um retrocesso, posto que havia duas garantias previstas no §2º e 3º. Manteve-se apenas a do §3º. O artigo equivalente ao 82 da Consulta pública 45/2011 é o 63 que dispõe “Art. 63 (...) § 2º A Prestadora que ofertar Plano de Serviço com franquia de consumo deve tornar disponível ao Assinante sistema para verificação, gratuita e em tempo real, do consumo incorrido” (BRASIL, 2013).

Em abril de 2016, a Anatel deixou os internautas da banda larga fixa perplexos diante do assentimento em limitar os planos já ofertados no mercado. Foram viralizados diversos abaixo assinados online, em desfavor desse posicionamento da agência reguladora. A campanha com hashtag: “#diganao” foi uma onda de imensa profundidade que invadiu todas as mídias e meios de telecomunicações que almejaram respostas positivas, confrontando a imediatidade das medidas limitadoras pelas empresas prestadoras dos serviços (FREITAS; LUZ NETO, 2016).

A primeira empresa a anunciar que iria implantar este padrão de negócio em que a oferta do serviço seria baseada em franquias de consumo foi a prestadora Telefônica/ Vivo. Após o usuário consumir um delimitado volume de dados em um mês, sofreria uma redução de velocidade de navegação ou a sua desconexão, caso não comprasse pacotes extras de dados (SOARES, 2016)

A Anatel tentou escapar deste confronto sob o argumento de que ocorreram consultas públicas sobre tal assunto, e que não houve oposição da população contra tais providências, ou seja, fora oferecido oportunidades de manifestações por parte do público, e não se obteve um número considerado em efetivas participações (FREITAS; LUZ NETO, 2016).

O modelo de contrato de prestação de serviços de banda larga ilimitada era a rogativa comercial na fadada busca de adesões aos produtos postos em oferta pelas empresas divagando ideias de Internet sem limitação, assegurando uma generosa qualidade dos serviços. Em oposição à limitação do fluxo de dados mensais, serviços multiplicam-se, nos moldes de serviços de streaming de vídeos e músicas, jogos de vídeo game que conectam os hemisférios orientais e ocidentais, prestação de ensino à distância, etc. (FREITAS; LUZ NETO, 2016).

Padrões de negócios foram comprometidos diante da afetação de Internet fixa de banda larga limitada. Resultante da consequente inviabilidade de acréscimo de custos em virtude da redução da dimensão de tráfego de dados através da banda larga (FREITAS; LUZ NETO, 2016).

O presidente da Anatel posicionou-se por meio de despacho do Superintendente das Relações com Consumidores n.º 1/2016/SEI/SRC, consoante estes as empresas mesmo que houvesse predição nos contratos de limitação do serviço ou interrupção em razão do exaurimento da franquia, estas não poderiam realizá-las se não em prazo de noventa dias da publicidade do ato da Superintendência que confirmasse as condições no referido art.1º da cautelar (FREITAS; LUZ NETO, 2016).

Caracteriza-se aqui a abusividade dessas empresas, obviamente, que o consumidor que utiliza da Internet como ferramenta imprescindível para o trabalho, por exemplo, após atingir sua franquia ele não poderá esperar até que a próxima fatura chegue para só assim restabelecer sua conexão. Observa-se claramente o consumidor sendo coagido para comprar os pacotes extras, para que haja a continuidade de um serviço que bruscamente foi alterado de ilimitado para limitado.

4.2 A Cláusula De Limitação De Dados De Internet

É sabido que a Anatel suprimiu algumas garantias ao usuário de Internet, como demonstradas anteriormente em suas resoluções. Coube então às empresas de telefonia resgatarem os preceitos que já viabilizariam suas ações diante do consumidor. Tornaram público ao final do ano de 2016 alguma delas ao aderir a cláusula que estipula a franquia de Internet não pela sua velocidade, mas pelo uso de dados na rede.

Em um primeiro momento, a nova política de consumo traz uma imagem favorável ao consumidor. Entretanto, após analisar as estatísticas do IBGE, concluiu-se que o tamanho das famílias no Brasil gira em torno de três pessoas por domicílio e na atual conjuntura cada membro possui ao menos um aparelho eletrônico conectado à Internet. Portanto, a limitação de uso torna-se um problema, ante a existência de um smartphone para cada um, além de outros aparelhos compartilhados, que são conectados à internet via cabo ou Wi-Fi como TV, computador, videogame e tablet, pois a franquia inevitavelmente será ultrapassada em um curto espaço de tempo (LENHARDT; FONTANA, 2016).

Para elucidar, temos como exemplo o serviço de streaming de vídeo prestado pela Netflix. Que em média consome até 0,3gb/hora, para vídeos de boa qualidade, 0,7gb/hora, para vídeos de melhor qualidade; e, até 2,3gb/hora para vídeos em HD. Indubitavelmente o uso de banda simultâneo por duas ou mais pessoas de uma mesma família, logo se esgotaria. (LENHARDT; FONTANA, 2016).

Na verdade, com a limitação de dados, conclui-se que o resultado é que cada membro da família contrate uma assinatura para, assim, tentar atender às suas necessidades. Ou seja, chegamos ao cerne da questão: o valor custeado pelos membros familiares com disponibilização de acesso à Internet sofreria elevados custos (LENHARDT; FONTANA, 2016).

O promotor Paulo Binicheski, do PRODECON - Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor do Distrito Federal, está investigando a possibilidade de formação de cartel – prática que objetiva banir a concorrência de mercado – pelas principais operadoras de internet do país, cujo intento é impedir os serviços de streaming como a Netflix (LENHARDT; FONTANA, 2016).

 Binicheski argumenta que “Basicamente quase todas as empresas que fornecem TV por assinatura também fornecem acesso à internet, e elas vêm sendo desbancadas pelo streaming” e que as empresas já buscaram estatuir um acordo com a Netflix, porém sem sucesso. Logo após, estas empresas propagam uma nova política desvantajosa de dados ao consumidor no mercado. Padrão este que pode ser considerado, bastante questionável (LENHARDT; FONTANA, 2016).

O presidente da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil – Claudio Lamachia, afirmou que a Anatel está criando normas condescendentes às operadoras de internet que lesem os consumidores no instante em que coaduna como possível corte de sinal quando o cliente atingir o limite da franquia. Ademais, aponta o total descumprimento ao menos de duas leis federais (o Código de Defesa do Consumidor e o Marco Civil da Internet), e que não é tolerável que a resolução de uma agência reguladora possa prevalecer sobre uma legislação federal. Dessa maneira, segundo a interpretação da OAB, a regulamentação proposta pela Anatel seria inconstitucional (LENHARDT; FONTANA, 2016).

Como caracterizado anteriormente, a relação entre o usuário de Internet e o provedor de rede, é regida pelo CDC, e este deve ser o norteador para desmistificar quaisquer infringências por parte de ambos os polos da relações. Em análise, cabe invocar o princípio do equilíbrio nas relações de consumo – segundo o qual diante da necessidade de equilíbrio na relação jurídica havida entre consumidor e fornecedor, a imposição de cláusula que provoque vantagem exacerbada a uma das partes e simultaneamente onere demasiado a outra deve ser considerada abusiva e ilícita (LENHARDT; FONTANA, 2016).

Em resumo, as operadoras visam a estabelecer um novo e mais opressivo meio de cobrança pela entrega do mesmo serviço: o acesso à internet. De acordo com o Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – a instalação das franquias de dados à internet banda larga fixa acarreta em aumentar o dispêndio do serviço sem fundamento técnico (LENHARDT; FONTANA, 2016).

5 INSTITUIÇÃO DO MARCO CIVIL DA INTERNET

O Governo Federal, por intermédio do Ministério da Justiça, permeou os debates públicos que deram origem ao Anteprojeto de Lei do Marco Civil da Internet (M.C.I.) apresentado ao Congresso Nacional. A propositura do governo era que o texto fosse feito apoiado nas colaborações da sociedade civil, manifestadas através da Internet (ANDRADE, 2017).

A discussão iniciada em 2009 foi dividida em duas fases, inicialmente fora elaborado a minuta do anteprojeto de lei, o qual foi desdobrado a partir das colaborações apresentadas no debate público instalado na Plataforma Cultura Digital, do Ministério da Cultura. O texto presente na plataforma encadeava a discussão, subdividindo-a em: direitos individuais e coletivos na Internet, responsabilidade dos diferentes atores envolvidos e diretrizes governamentais. Ademais, estipulava princípios encaminhadores para a internet, visando criar uma modalidade de “Constituição”, para a rede mundial de computadores (ANDRADE, 2017).

Já segunda fase consistiu em um debate público a respeito de uma minuta de texto, fundamentada na estruturação das sugestões que surgiram durante a primeira fase. Esse debate também estava enquadrado na plataforma Cultura Digital, e embasava-se no texto proposto pelo Poder Executivo. Cada dispositivo possuía uma caixa de comentários para os participantes se expressarem com elogios, críticas e sugestões (ANDRADE, 2017).

Com base nas contribuições da segunda fase do debate público, foi consolidado pelo Ministério da Justiça um Anteprojeto de Lei que foi remetido ao Congresso Nacional em 24 de agosto de 2011. Na Câmara dos Deputados, o anteprojeto passou por uma extensa tramitação, por cuidar-se de um assunto polêmico envolvendo diversos interesses conflitantes. Para assegurar a aprovação do Projeto, foi crucial que o texto não estatuísse alguns aspectos da Internet (ANDRADE, 2017).

Nessa senda, o PL nº 2.126, de 2011, foi aprovado na Câmara dos Deputados no dia 25 de março de 2014. A tramitação no Senado Federal foi mais rápida, tendo sido o Projeto aprovado no dia 22 de abril de 2014, sem nenhuma emenda ao texto que veio da Câmara. No dia seguinte, a Presidente Dilma Rousseff sancionou o Projeto de Lei, na abertura do evento NETmundial (ANDRADE, 2017).

A Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 carregou consigo questões não resolvidas. A consequência disso foi a demanda de um Decreto executivo para tratar de todos os assuntos inacabados de regulação do Marco Civil da Internet. O ponto mais litigioso durante a tramitação do M.C.I. foi a questão da neutralidade da rede. Que é tida como um eixo central da internet, e por várias vezes foi alvo de exclusão do Projeto de Lei. Com a promulgação da Lei, grupos da sociedade civil e o Deputado Relator do Projeto asseguraram a neutralidade da rede como um direito dos usuários. Definiu-se que as exceções a esse princípio seriam estabelecidas por decreto presidencial, posteriormente promulgado pela então presidente Dilma Rousseff o então Decreto nº 8.771 de 11 de maio de 2016 (ANDRADE, 2017).

A preferência por leis de governança específica para a Internet é significativo para que criar não somente os direitos dos usuários e empresas, mas delimitar fronteiras para o proveito comercial e emprego das redes pelos agentes econômicos e a vigilância dos governos (PESSOA, 2016).

A conformidade da legislação relaciona-se com outras regras de direito à comunicação, como os direitos do consumidor, a preservação de ambiente concorrencial, das diversidades culturais regionais, sociais, econômicas e políticas no país, acentua-se no desenvolvimento democrático e na garantia dos direitos presentes no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil (PESSOA, 2016).

5.1 Princípio da Neutralidade da Rede

A Lei do Marco Civil da Internet (M.C.I.) estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. A lei traz o Art. 9º para tratar exclusivamente da neutralidade de rede, que é o “acesso livre, irrestrito e não-discriminatório à internet”. (CHACON, 2016, p. 26 e 36).

O art. 3º do M.C.I. estabelece a neutralidade como um princípio essencial à Internet, bem como a “proteção dos dados pessoais, da liberdade de expressão, da preservação da estabilidade da rede, da preservação da natureza participativa da rede, da responsabilização dos agentes e da liberdade dos modelos de negócios difundidos na Internet.” (CHACON, 2016, p. 26).

Estipulada a neutralidade de rede no M.C.I., as empresas não poderão vender pacotes de internet com preço distinto para cada tipo de serviço, sirva-se de exemplo planos que disponibilizam só acesso a e-mail e não possibilita alcance a vídeos, muito menos distinguir a velocidade da conexão para acesso a serviços diferentes (PESSOA, 2016).

Segundo Georgii (2016), as empresas de fornecimento de banda larga contestaram largamente à neutralidade da rede. Argumentando pela impossibilidade de otimização da rede, perda da lucratividade e a proibição da venda de pacotes de internet atrelados à franquia de dados. Provedores de aplicações, como Google e Facebook, mantiveram-se a favor do princípio, visando eliminar a distinção e a colocação de obstáculos pelos provedores de acesso.

O caput do artigo 9º do M.C.I. traz uma definição geral da neutralidade de rede no país, assegurando a imposição ao responsável pela transmissão, comutação ou roteamento dos pacotes de dados. Já o parágrafo primeiro do art. 9º dispõe sobre as matérias a serem reguladas pelo decreto, após a consulta do Comitê Gestor da Internet e da Agência Nacional de Telecomunicações, no que concerne às exceções à regra da neutralidade; caracterizando-o como um princípio não absoluto, autorizando a discriminação ou degradação do tráfego de dados quando tratar-se de questões técnicas à prestação adequada dos serviços e aplicações; e priorizando os serviços de emergência (CHACON, 2016).

O Decreto 8.771 de 2016 que trouxe justamente as questões que ficaram pendentes na lei do Marco Civil da Internet, que foram amplamente debatidas, quais sejam a neutralidade de rede e o sigilo de informações dos usuários. O princípio da neutralidade, no qual possibilita um tratamento igual dos dados de internet sem segregação de conteúdo, destino, origem, serviço, terminal ou aplicação ou de queda da velocidade, deve manter a natureza pública e exclusiva da internet no país, de acordo com o Art. nº 3 do referido Decreto (PESSOA, 2016).

Na normatização do Art. 9º da Lei nº 12.965, é conclusivo no parágrafo 3º que é desautorizado bloquear, monitorar, filtrar ou analisar o conteúdo dos pacotes de dados, respeitado o expresso na lei (PESSOA, 2016).

O provimento responsabiliza os promotores de meios de transmissão, de comutação ou de roteamento de garantir a estabilidade e segurança, bem como a funcionalidade das redes que lhes concernem. Portanto, é notória no decreto a determinação dos responsáveis em manejarem rotas distintas em possível congestionamento de redes a exemplo do controle de ataques em negação de serviços. Além disso, o controle e verificação de irregularidades é feito pela Anatel em consonância às diretrizes estabelecidas pelo Comitê Gestor da Internet (PESSOA, 2016).

O art. 7º do M.C.I. enfatiza que o acesso à Internet é considerado essencial ao exercício da cidadania e lista os direitos e garantias dos usuários da internet. O inciso IV desse mesmo artigo garante o direito do usuário a não suspensão da conexão à Internet, excetuando os débitos decorrentes de sua utilização. Se isto vier a ocorrer violaria o direito dos usuários, cabendo reparação pelos danos provocados (SANTOS; MARIZ, 2017).

O inciso V do art. 7º da lei assegura o direito do usuário à manutenção da qualidade contratada da conexão à internet. Em continuidade, o inciso VI dispões sobre a clareza das informações e sua integralidade constantes dos contratos de prestação de serviços, com detalhamento sobre práticas de gerenciamento que possam afetar sua qualidade. Já o inciso XI do art. 7º da lei, disciplina o direito do usuário de Internet no Brasil em relação a publicidade e clareza nas políticas de uso dos provedores e aplicações de internet. E O inciso XIII do mesmo artigo, prevê a aplicabilidade das normas de defesa do consumidor nas relações de consumo realizadas na internet (SANTOS; MARIZ, 2017).

5.2 O “Zero Rating”

Dando continuidade na discussão a respeito da estipulação do princípio da neutralidade de rede no ordenamento jurídico brasileiro, é de suma importância apontar uma prática que tem sido empregada pelos provedores de acesso, de conteúdo e aplicações, chamada "Zero rating", ou "Tarifa Zero", conforme tem vindo a ser destacada no contexto do mercado brasileiro (CARVALHO, 2017).

O zero-rating é um conjunto de estratégias comercias desdobradas por provedores de acesso à Internet, aliados com provedores de aplicação, com o objetivo em oferecer gratuitamente o tráfego de dados para determinado serviço específico. Podendo ocorrer por meio dos provedores de Internet de acesso móvel, ou até dos próprios provedores de aplicativos. Por exemplo, as empresas de telefonia móvel oferecerem acesso a rede sociais (Facebook, WhatsApp, Twitter, Instagram, etc.) gratuitamente, sem afetar o limite de dados da franquia (CHACON, 2016).

Entretanto, mesmo que essas parcerias comerciais denotem um inovador meio de acesso à rede, há que se desmistificar sua consequência, que trará inconvertíveis danos ao meio concorrencial e empreendedor da internet. Isto porque o mercado de telecomunicações é composto por inúmeras concentrações econômicas e estruturais em diversas empresas, fazendo com que estas, propícias a realizarem esses negócios, resultem em monopólio mercadológico pelo oferecimento gratuito de seus serviços (CARVALHO, 2017).

Nas palavras de Carvalho (2017), têm-se como exemplo as empresas como Facebook, Google e Twitter, que foram as primeiras empresas a valer-se de acordos comerciais com os provedores de acesso. Essas que desempenham papel não somente como redes sociais ou mecanismos de busca, mas que passariam a promover, a isenção da utilização de determinados serviços por eles oferecidos, tal como ocorrido até mesmo no contexto brasileiro:

Foi acordado, no ano de 2015, o pacto comercial entre os administradores do aplicativo Whatsapp, de propriedade da gigante Facebook, com a empresa de telecomunicações TIM (Telecom Itália), que estabelecia a gratuidade no oferecimento do mencionado aplicativo por tal empresa de maneira gratuita, caracterizando a aplicação do "Zero Rating" no mercado brasileiro. Tal acordo, inclusive, foi alvo de inquérito por parte do Ministério Público do estado da Bahia, a fim de apurar o eventual à neutralidade de rede imposta na Lei n. 12.965/2014, conforme noticiado pela mídia (CARVALHO, 2017, p. 25).

Os serviços de zero rating (tarifa zero) são oferecidos por provedores de acesso à Internet que garantem a gratuidade no acesso a certas aplicações. Há divergência na doutrina e na jurisprudência sobre as disposições de neutralidade de rede no M.C.I., mas de acordo com o princípio, tem-se que é proibida a discriminação de aplicações específicas ou classes de aplicações (GEORGII, 2016).

A posição que se adéqua ao princípio da neutralidade proíbe os modelos de zero rating, pois ele não é uma exceção de gerenciamento da largura de banda. No caso da aplicação do princípio da neutralidade de rede, sendo incerta, quanto ao provimento de acesso em modalidade de zero rating, o decreto 8.771/16 é preciso no sentido de abstração de tais condutas (GEORGII, 2016).

O art. 9º veda todas as modalidades da prática resultantes de acordos comerciais e condutas unilaterais. Ele trata da relação entre os provedores de acesso e os provedores de aplicação. Já o art. 10 dispõe da relação entre os provedores de acesso e os usuários. Esses dois artigos por sua vez, apresentam proibições de condutas que promovem a discriminação de pacotes, mesmo que “positiva”, garantindo a unidade e abertura da internet. O único caso de zero rating possível é a ressalva expressa no art. 9º, §1º, II, da lei 12.965, e no art. 8º, do decreto 8.771, isto é, a priorização de serviços de emergência (GEORGII, 2016).

Assim, a regulamentação do marco civil da internet acabou por banir expressamente, a conduta de determinados acordos comerciais entre os agentes participantes do mercado de telecomunicações, que tinham o propósito de oferecer determinados conteúdo ou aplicações. Ou seja, não é possível, por exemplo, o oferecimento de aplicativos de streaming ou de redes sociais de forma isenta aos usuários, evitando este possível monopólio de provedores de acesso, conteúdo e de aplicações (CARVALHO, 2017).

Portanto, o oferecimento de acordos como o "zero rating" restariam extirpados, entretanto, há uma exceção no art. 2º do Decreto 8.771/2016 que dispõe sobre a não aplicabilidade no tocante ao oferecimento de serviços especializados (CARVALHO, 2017).

5.3 Princípios da Privacidade e da Liberdade de Expressão

A privacidade é um dos princípios da Lei do Marco Civil da Internet, dividindo em duas questões. A primeira coaduna sobre a guarda de dados de acessos dos usuários que agora passa a ser dever dos provedores de conexão que precisam armazenar esses dados por pelo menos um ano. Já os provedores do tipo site, como Google e Facebook, por serem estrangeiros, devem guardar os registros por 6 (seis) meses. Essa medica justifica-se para valer-sede investigações de possíveis crimes cometidos na rede (PESSOA, 2016).

A segunda questão anunciada pela lei é manifestada no artigo 7º que dispõe sobre os contratos com as prestadoras de serviços, devendo estes ser claros e precisos quando mencionarem sobre a proteção de dados, sua coleta, armazenamento e tratamento, sendo vedado o fornecimento de qualquer tipo de dados a terceiros (PESSOA, 2016).

O Decreto 8.771/2016 também regulamenta a responsabilidade dos provedores na guarda, armazenamento e tratamento de dados pessoais e comunicações privadas, que devem ter domínio preciso e dispositivos para fiscalizar os encarregados que possuem alcance a esses dados, com a finalidade em garantir a segurança (PESSOA, 2016).

A segurança dos dados pessoais ou seja, a privacidade dos internautas também e regularizada no §2 do Art. 13 do decreto 8.771/2016, que estipula aos provedores de conexão e aplicações sobre a retenção mínima de dados pessoais, comunicações privadas, registros de conexão e acesso a aplicações, os quais devem ser apagados assim que cessar a necessidade de seu uso ou quando findado o tempo de determinado pela lei (PESSOA, 2016).

O princípio da liberdade de expressão ganha destaque no caput do artigo 2º da lei do M.C.I. como base de sustentação da lei no Brasil. Aparecendo também no art. 3º do M.C.I. como garantia principilógica. Já no art. 8º da Lei do Marco Civil a ideia da liberdade de expressão é mensurada ao direito de acesso à rede, enquanto encargo disposto na lei (PESSOA, 2016).

A liberdade de expressão surge em vários aspectos na lei do M.C.I. como, por exemplo, na seção sobre a responsabilização de terceiros em decorrência de infração na internet (PESSOA, 2016).

A tutela da liberdade de expressão disposta no art. 18 do M.C.I. dispõe que o provedor não será responsabilizado por danos em função de conteúdos gerados por terceiros, somente comprometer-se-á quando descumprir ordens judiciais de exclusão de conteúdo especificado, de acordo com o art. 19 do M.C.I.

O princípio da liberdade de expressão garante a democracia, e também uma cultura democrática, na qual a população participa como um todo e singularmente, da formação e composição de acepções culturais que os constituem como indivíduos. Esse paradigma, não é como a democracia comum em que o internauta vota em como desejaria que a cultura fosse, mas assente que ele participe ativamente da realização dessa por meio de comunicação e influências recíprocas (ANDRADE, 2015).

A lei do Marco Civil da Internet tutela estes dois princípios fundamentais, a privacidade e a liberdade de expressão, atentando-se às regras entre a privacidade do indivíduo e a vigilância dos meios e do estado. A privacidade deve ser protegida, mas se a justiça determina a exclusão de algum conteúdo em face do direito ao esquecimento, afeta diretamente a democracia, visto que a exclusão de informações de interesse público, prejudica o direito à verdade, a memória e a história coletivas (PESSOA, 2016).

A liberdade de expressão seria o ponto de partida para a efetivação de outros direitos fundamentais, garantindo o desenvolvimento da personalidade humana, em decorrência da livre circulação de fatos, informações e opiniões, numa visão expandida da cidadania, assim, a afirmação desse e de outros direitos humanos na lei é uma preocupação acima das formas que podem restringir esse caráter na chamada Constituição da Internet.

5.4 Projeto de Lei que altera o Marco Civil da Internet

A lei do Marco Civil da Internet é de suma importância para os internautas, pois abrange vários princípios que regulamentam os direitos inerentes aos usuários de Internet. Deve-se destacar a perspectiva dessa lei que abrange em sua essência propiciar um maior desenvolvimento social, financeiro e cultural que interliga a humanidade como um todo, uma grande rede de conexões e compartilhamentos (LENHARDT; FONTANA, 2016).

Mas diante de acontecimentos como a possível e até então permitida limitação da Internet banda larga fixa no Brasil, eis que surge a necessidade de uma tutela mais abrangente com vistas a assegurar o acesso isonômico que até pouco tempo fora conquistado, visando coibir qualquer outro retrocesso que prejudique o desenvolvimento econômico cultural da sociedade consumista. 

Fora proposto então o seguinte projeto de Lei do Senado nº 174, de 2016, de autoria do Senador Ricardo Ferraço a fim de ser submetido à revisão na Câmara dos Deputados, nos termos do art. 65 da Constituição Federal, que tem como objetivo acrescentar o inciso XIV ao art. 7º da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, para vedar a implementação de franquia limitada de consumo nos planos de internet banda larga fixa.

Sendo apresentado em 21 de Março de 2017, atualmente intitulado PL 7182/2017, fora aprovado na Comissão de Defesa do Consumidor, e ainda está em andamento desde 2017 aguardando parecer da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática que já devolveu por duas vezes o mesmo sem a devida manifestação.

É sabido que este projeto é o ponto chave para a resolução de todo esse impasse que percorre o mercado de Internet banda larga fixa no Brasil, sendo muito benéfico sua aprovação para os consumidores usuários de internet. Cabendo a comunidade aguardar o então andamento e torcer pela sua tão esperada aprovação.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fora abordado neste trabalho o tema franquias de Internet limitadas na banda larga fixa, procurou-se esclarecer o contexto histórico de como a Internet surgiu no Brasil e quando ela passou a ser comercializada, apontou-se que há uma regulamentação pelo serviço de comunicação multimídia, que foi criado por uma resolução da Anatel.

A Internet é oferecida pelos provedores de conexão, que são as empresas responsáveis pelo fornecimento por meio de cabeamento submarinos e antenas de radiofrequência o acesso à rede. 

Essas empresas ofereciam um serviço de Internet, estipulado pela velocidade da conexão, ou seja, o usuário poderia escolher pagar mais por uma Internet mais rápida ou não, entretanto, não sendo suficiente a lucratividade existente, estas empresas optaram por um novo meio mais eficaz para obter vantagem onerosa frente ao consumidor de internet.

Então houve o anúncio das operadoras de telecomunicações em utilizar as franquias de dados da banda larga fixa brasileira. Ademais, foi apontado que o serviço de banda larga oferecido de forma ilimitada passou a sofrer uma redução da velocidade ou bloqueio do acesso ao serviço após o esgotamento da franquia, causando prejuízo ao usuário com o desequilíbrio técnico e econômico entre fornecedor e consumidor, o que desrespeita totalmente o princípio do equilíbrio nas relações de consumo.

A abusividade não se limita à violação desse princípio do Código de Defesa do Consumidor, mas também a Lei Marco Civil em seu princípio da neutralidade de rede, que objetiva um acesso livre, irrestrito e não segregacionista, que o provedor não barre os conteúdos, a liberdade de expressão e a democracia digital.

O art. 7º do M.C.I. enfatiza que o acesso à Internet é considerado essencial ao exercício da cidadania. Limitar a Internet fixa seria mais um empecilho à população que se mantém a margem de informações, que são alienadas pelos meios de telecomunicações de fácil acesso. O inciso IV desse mesmo artigo garante o direito do usuário a não suspensão da conexão à Internet, excetuando os débitos decorrentes de sua utilização.

Em outra senda, não é permitida a suspensão de um serviço por meio de uma franquia, que só e disponibilizada por um número x de dados, de acordo com o ordenamento jurídico pátrio, tendo em vista que, tanto o Regulamento do SCM quanto a Lei do Marco Civil da Internet aplicam relativamente ao serviço de banda larga fixa, o princípio da “continuidade geral”, o qual significa que o serviço deve ser prestado sem interrupções.

A questão problema suscitada de início aponta para entes reguladores que deveriam garantir a tutela do consumidor, mas que ao longo dos anos foram excluindo garantias como a mencionada no rol da consulta pública 45/2011, que previa a possibilidade do consumidor ter ao menos cinquenta por cento de sua velocidade de Internet mantida, caso esgotasse sua franquia.

Verificou-se que essas agências reguladoras estão indiretamente a favor das empresas, quando criam normas favoráveis a elas, que prejudicam o consumidor, e isso não pode ser aceitável, que resoluções afrontem leis federais como o C.D.C. e o M.C.I.

Além de restar claro todo o aparato jurídico do Código de Defesa do Consumidor, do Marco Civil da Internet, sendo nitidamente desrespeitados, há uma extrema necessidade de criação de novas leis em nosso país, que sejam mais claras e expressas, para que se possa então efetivar o cumprimento de leis mais genéricas. 

Portanto, fora acrescentado no projeto de lei 7182/2017, mais um inciso ao art. 7º da Lei do Marco Civil, para vedar de maneira definitiva esse artifício das empresas provedoras em abusarem claramente do consumidor, proibindo então a implementação de franquia limitada de consumo nos planos de Internet banda larga fixa.

Sendo notáveis as interpretações desfavoráveis ao consumidor de Internet, ao longo de anos dessa fadada luta por uma democracia digital, por ações afirmativas que garantam o acesso da população a uma Internet justa, sem censura, sem bloqueio ou limitação. Assim, conclui-se que a alternativa viável para o impasse seria a aprovação do referido projeto de lei 7182/2017 que acrescenta mais este inciso a Lei do M.C.I. para vedar o estabelecimento de franquias limitadas de Internet na banda larga fixa.

REFERÊNCIAS

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