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Tutela jurisdicional adequada no mandado de injunção

Tutela jurisdicional adequada no mandado de injunção

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O mandado de injunção necessita de uma tutela jurisdicional adequada, consistente na criação de uma norma temporária aplicável à situação concreta de imediato.

Sumário: 1. Introdução. 2. Direitos e garantias fundamentais. 3. Jurisdição – tutela jurisdicional adequada. 4. Aplicação da tutela jurisdicional adequada no mandado de injunção. 5. Considerações finais. 6. Referências Bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

            A idéia de elaboração do presente trabalho nasceu de dois paradigmas existentes nos estudos de Direito Constitucional e Direito Processual Civil: o modo necessário para realização da garantia constitucional do mandado de injunção e a ampliação do princípio do acesso à justiça com a chamada tutela jurisdicional adequada.

            Partiu-se, desta forma, da análise da decisão do Supremo Tribunal Federal, Mandado de Injunção n° 107-3/DF, explicitando as adequações que podem ser feitas, ante a nova concepção de amplo acesso à justiça e tutela jurisdicional adequada.

            Com isso, o objetivo deste artigo, dentre outros, é o de demonstrar que a tutela jurisdicional do mandado de injunção pode ser outra. Diferentemente do que sustentou a maioria dos Ministros do Excelso Supremo Tribunal, é possível chegar-se a conclusão de que a nossa Constituição permite que a decisão do referido writ constitucional seja outra, mais adequada aos anseios da sociedade.


2. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

            2.1. Noções gerais dos direitos e garantias fundamentais na Constituição Federal de 1988

            Os direitos e garantias fundamentais estão insculpidos no texto constitucional, na classificação de Carl Schimmit, como normas constitucionais materiais, ou fundamentais para existência do Estado e normas constitucionais formais, ou normas que estão apenas no texto da Constituição, mas não são fundamentais ou necessárias à existência do Estado.

            A finalidade dos direitos e garantias fundamentais, desde de sua origem, foi a de impor limites ao poder político do Estado, sobrelevando, para tanto, em normas constitucionais formais os chamados direitos "inerentes" ao homem.

            Na doutrina tradicional do Direito Constitucional, adotou-se, em paralelo com a Revolução Francesa, a seguinte classificação histórico-cronológica porque passaram os direitos fundamentais: direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira geração e modernamente direito fundamental de quarta geração.

            Segundo o Ministro do STF, Celso de Melo,

            "enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade" [01]

            Desta forma, nós temos os direitos de primeira geração como aquelas liberdades negativas (direito à vida, a liberdade, ao devido processo legal, enfim); os direitos de segunda geração ou liberdades positivas como os direitos sociais (salário mínimo, férias, décimo terceiro, seguro-desemprego) os direitos econômicos (valorização do trabalho e da livre iniciativa) e culturais (respeito às manifestações culturais e religiosas), os direitos de terceira geração (meio ambiente equilibrado, previdência social, etc.), e ainda os direitos de quarta geração (democracia).

            A Constituição Federal de 1988 subdividiu formalmente os direitos e garantias fundamentais em cinco: direitos individuais e coletivos, direitos sociais, nacionalidade, direitos políticos e dos partidos políticos.

            A moderna doutrina constitucional, com eco jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, vem lecionando que os direitos e garantias fundamentais não estão somente nas subdivisões citadas. Também é possível encontra-los em outras normas do texto constitucional (princípio da anterioridade tributária, direitos sociais), em normais internacionais (tratados e convenções internacionais recepcionadas pelo nosso ordenamento jurídico), bem como em princípios gerais do direito como no caso do ne bis in idem.

            Tal teoria ganhou respaldo legal, especialmente após a publicação da Emenda Constitucional nº 45, que previu com o acréscimo de um parágrafo ao artigo 5º, da CF, que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

            Ainda, segundo o texto constitucional (§1°, do art. 5°, da CF), a natureza jurídica das normas que disciplinam os direitos e garantias fundamentais tem eficácia plena e imediata, isto é se aplicam de imediato sem a necessidade de lei infraconstitucional para regular o tema.

            Esses preceitos são, enfim, aqueles que fazem-nos observar que algumas garantias constitucionais, como é o caso do Mandado de Injunção, mesmo não tendo uma lei que regulasse o seu procedimento foram, desde a promulgação da Constituição de 1998, aplicadas efetivamente na defesa da inércia legislativa que inviabilizariam o exercício dos direitos e liberdades constitucionais.

            No entanto, é importante deixarmos consignado que, apesar de ter eficácia plena e imediata, os direitos e garantias fundamentais, como todo tipo de direito, não podem ser vistos de forma absoluta ou ilimitada. Deve ser levar em consideração na análise desses direitos o princípio da razoabilidade, sob pena de transforma-los em verdadeiros escudos protetivos da prática de ilícitos. Em síntese, é imperioso entender que na interpretação das normas impostas como direitos e garantias fundamentais deve ser utilizado o princípio da concordância prática/harmonização/proporcionalidade, buscando os fins do texto constitucional.

            2.2. Diferença entre direitos e garantias fundamentais

            É entendimento quase uníssono na doutrina constitucionalista a idéia de que há diferença entre os termos "direitos" e "garantias" fundamentais. Com efeito, os direitos seriam os bens jurídicos dos cidadãos, ao passo que as garantias seriam os meios de se assegurarem esse bens.

            Ruy Barbosa apud Silva (1999, p189), sobre a distinção entre direitos e garantias assim se posiciona:

            "no texto da lei fundamental, as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos, estas as garantias: ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia, com a declaração do direito".

            Com essa explanação, percebe-se claramente que os direitos são bens jurídicos reconhecidos, estáticos, portanto, que necessitam das garantias como instrumento ou veículo de efetivação ou proteção desses direitos.

            A exemplo de direitos fundamentais temos: a vida, a liberdade, a nacionalidade, o devido processo legal, a propriedade. Já como ilustração de garantias a nossa Carta Política traz o habeas corpus, habeas data, mandado de segurança individual e coletivo, direito de petição, Ação Popular e o mandado de injunção, objeto do presente trabalho.

            2.3. Fundamento Legal para utilização do Mandado de Injunção

            O fundamento legal único do remédio constitucional do mandado de injunção é o próprio texto constitucional.

            O artigo 5°, LXXI, da CF, que trata dos direitos e garantias individuais, estabelece:

            "Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

             LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;

            Assim, tal dispositivo constitucional constitui-se a pedra fundamental do writ injuncional. Por estar inserido dentro do artigo que trata dos direitos e garantias fundamentais, na forma do §1°, do artigo 5°, da CF, conforme já foi colocado, o preceito tem aplicação imediata, isto é, independe de norma regulamentadora.

            2.4. O Mandado de Injunção como garantia constitucional na Constituição de 1998

            Diante do que fora exposto sobre a diferença entre direitos e garantias fundamentais, resta claramente demonstrado que o mandado de injunção se enquadra na categoria das garantias constitucionais e que, segundo o texto da Carta Magma de 1988, serve como instrumento dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, ante a ausência de norma regulamentadora que torne inviável o exercício desses direitos (art. 5° LXXI, da CF).

            O mandado de injunção, assim, é uma ação constitucional que autoriza o juiz a romper com a tradicional aplicação rígida de lei ao caso concreto para, de acordo com o pedido e o ordenamento jurídico, construir uma solução satisfatória, de modo a concretizar o direito constitucional do impetrante.

            No ensinamento de Silva (1999,450), o mandado de injunção:

            "Constitui um remédio ou ação constitucional posto à disposição de quem se considere titular de qualquer daqueles direitos, liberdades ou prerrogativas inviáveis por falta de norma regulamentadora exigida ou suposta pela Constituição".

            Nesse mesmo sentido, Duarte (1991, 131) define o writ como:

            Medida processual especial, ação constitucional, que suscita o controle sobre atuação omissiva de órgãos de quaisquer Poderes, inclusive do próprio Judiciário, assegurando eficácia a direito público subjetivo emanado da Constituição, desde que "a falta de norma regulamentadora", como ali está expresso, "torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e á cidadania.

            Ainda na mesma esteira, porém de forma mais aprofundada, apresentando mais um pressuposto, Duarte (1991, 134) atenta para os seguintes pressupostos:

            Segundo os termos em que se expressa no preceito constitucional, resulta que o mandado de injunção tem, como pressupostos: (a) direito subjetivo público proclamado pela Constituição, (b) relativamente a direitos e liberdades constitucionais ou prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, (c) cujo exercício se torne inviável pela falta de norma regulamentadora, mas (d) que configura uma situação de fato comprovada sem necessidade de outras provas.

            Por estar inserida como garantia constitucional no artigo 5°, da CF, segundo entendimento do STF, o instituto do Mandado de Injunção tem aplicabilidade imediata, ou seja, não necessita de norma infraconstitucional o regulando para que possa ser utilizado.

            Coelho (1998, 57), entretanto, discorda dessa auto-aplicabilidade:

            "diremos que falta praticamente tudo para que se torne aplicável o preceito constitucional instituidor do mandado de injunção, eis que, a rigor, não se sabe o momento a partir do qual pode ser exercitado o direito de impetrar a injunção; quem se encontra legitimado para requerê-la; qual o seu objetivo; qual a natureza e quais os efeitos do provimento jurisdicional que, através da injunção, se tentará obter; que outros juízos ou tribunais, afora os já indicados na Constituição, poderão processar e julgar os mandados; finalmente, qual o procedimento adequado ao exame da impetração".

            Assim, impõe-se reconhecer que não é auto-aplicável o preceito constitucional instituidor do mandado de injunção – o art. 5º, inciso LXXI, da Lei Maior – porque, inobstante o § 1º desse artigo declarar que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, inobstante isso, aquele preceito não contém os elementos mínimos que permitam a sua imediata execução.

            Na mesma linha de pensamento, Diniz (1998, 42):

            "Trata-se de norma de difícil aplicação prática; podem não só surgirem problemas de prazo, mas também dúvidas sobre se comporta, ou não, liminar, ante sua semelhança com o mandado de segurança".

            Todavia, entendemos, seguindo a esteira do pensamento do STF, que mesmo sem uma lei regulando a garantia constitucional do mandado de injunção, ante a previsibilidade constitucional de aplicação imediata, a tal instituto se lhe aplica o procedimento semelhante ao do mandado de segurança.

            Também compreendeu o Supremo Tribunal Federal que ao mandado de injunção poderia ser aplicada à hipótese constitucional de representação constitucional do mandado de segurança coletivo, criando, desta forma, a figura do mandado de injunção coletivo, com legitimidade ativa igual.

            Assim, podem figurar no pólo ativo da demanda injuncional pessoa física ou jurídica, brasileiro ou estrangeiro, ente personalizado ou não. Com relação ao estrangeiro, a garantia do mandado de injunção se aplica por remissão ao caput do artigo 5°, da CF. Ao ente despersonalizado aplica-se a construção formulada para o mandado de segurança.

            Maciel (1989, 131), discorrendo sobre a possibilidade de impetração por entes despersonalizado, argumenta:

             "O mandado de injunção não exige – diferentemente da inconstitucionalidade por omissão – legitimação específica, qualificada. Qualquer um que tiver interesse jurídico pode prevalecer-se dele. Mesmo as figuras jurídicas ou aquelas figuras despersonalizadas, como o espólio, a herança jacente etc"

            Em resumo, com todos os meios de facilitação processual, o escopo do Mandado de injunção, querido pelo legislador constituinte, era o de acabar com a chamada síndrome da inefetividade, ou seja, de inércia legislativa. Assim, a função do instituto, desde o seu nascimento, sempre foi a de complementar normas constitucionais que dependiam de atividade infralegislativa para ter plena aplicabilidade.

            Nesse sentido, Canotilho (2000, 367) bem esclarece:

            "Resta perguntar como mandado de injunção ou a ação constitucional de defesa perante omissões normativas é um passo significativo no contexto da jurisdição constitucional das liberdades. Se um mandado de injunção puder, mesmo modestamente limitar a arrogante discricionariedade dos órgãos normativos, que ficam calados quando sua obrigação jurídico-constitucional era vazar em moldes normativos regras atuativas de direitos e liberdades constitucionais; se por outro lado, através de uma vigilância judicial que não extravase da função judicial, se conseguir chegar a uma proteção jurídica sem lacunas; se, através de pressões jurídicas e políticas, se começar a destruir o ‘rochedo de bronze’ da incensurabilidade do silêncio, então o mandado de segurança logrará os seus objetivos

            Entretanto, é importante esclarecer que nem todas as normas podem ser objeto da garantia em tela. Por exemplo, não cabe mandado de injunção contra norma constitucional auto-aplicável; pretendendo alteração de lei ou ato normativo já existente, sob a alegação de injusto; pleiteando interpretação compatível com a Constituição e contra norma que não seja constitucional.

            A garantia constitucional do mandado de injunção só é viável quando houver norma constitucional de eficácia limitada de princípio institutivo, exemplo, o antigo artigo 192, §3°, da CF, que exigia uma lei complementar para limitação dos juros; normas constitucionais de eficácia limitada de princípio impositivo, exemplo, artigo 128, §5°, que prevê a necessidade de lei complementar para estabelecer a organização do Ministério Público e normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade, exemplo, artigo 7°, XI, que prevê a possibilidade dos empregados participarem dos lucros da empresa, conforme dispuser a lei, exemplo, artigo 8º, §3, da ADCT, que prevê a necessidade lei para indenizar os cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional específica, em decorrência de Portarias reservadas do Ministério da Aeronáutica, exemplo, ainda, o polêmico artigo 37, VII, da CF, que prevê que o direito de greve será exercido nos termos de lei específica. Noutras hipóteses que não nessas, o mandado de injunção não pode ser utilizado como veículo processual adequado à efetivação do direito.


3. Posições adotadas pelo STF no julgamento da Ação n° 107-3/DF

            No bojo do julgamento do Mandado de Injunção n° 107-3/DF, primeiro a ser julgado no STF, houve uma grande divergência quanto quais seriam os efeitos da tutela dada ao referido writ.

            Adotou-se no Plenário daquela Corte duas grandes correntes de pensamento: os dos não concretistas e a dos concretistas, estes divididos em individuais direitos e intermediários.

            Para primeira corrente, defendida pelos Ministros Sepúlveda Pertence, Moreira Alves, Celso de Melo, Ilmar Galvão, Octávio Galotti, Sydney Sanches, Maurício Corrêa e Nelson Jobim, maioria naquele momento político, a tutela jurisdicional do mandado de injunção seria prestada para reconhecer a mora do Congresso Nacional em elaborar as leis e notifica-lo de tal ausência de normas, sem impingir qualquer gravame. Tal corrente de pensamento estava fundamentada na idéia de que a Constituição previa a na necessidade de harmonia e separação dos poderes.

            A segunda corrente, a dos concretistas individuais diretos, encabeçada pelo Ministro Marco Aurélio, defendia que ante a ausência de normas, a tutela jurisdicional do mandado de injunção, ou seja, a concretização da norma, deveria ser prestada aquele que pleiteava de forma imediata.

            A terceira corrente, defendida pelo Ministro Néri da Silveira como concretista intermediário, previa que a tutela do mandado de injunção seria prestada de forma concreta após dá-se um lapso temporal ao Congresso Nacional para regular o vazio legislativo. A essência deste pensamento era o de conciliar os princípios da separação dos poderes com o da tutela jurisdicional adequada.

            O Ministro Néri da Silveira, sobre as posições adotadas no Supremo Tribunal Federal, bem resumiu o tema:

            "Há, como sabemos, na Corte, nos julgamentos dos mandados de injunção, três correntes: a majoritária, que se formou a partir do Mandado de Injunção n° 107, que entende deva o Supremo Tribunal Federal, em reconhecendo a existência da mora do Congresso Nacional, comunicar a existência dessa omissão, para que o Poder Legislativo elabore a lei. Outra corrente, minoritária, reconhecendo a mora do Congresso Nacional, decide, desde logo, o pedido do requerente do mandado de injunção e provê sobre o exercício do direito constitucionalmente previsto. Por último, registro minha posição, que é isolada: partilho do entendimento que a Constituição, por via de mandado de injunção, quer assegurar aos cidadãos o exercício de direitos e liberdades, contemplados na Carta Política, mas dependentes de regulamentação. Adoto posição que considero intermediária. Entendo que se deva também, em primeiro lugar, comunicar ao Congresso Nacional a omissão inconstitucional, para que ele, exercitando sua competência, faça a lei indispensável ao exercício do direito constitucionalmente assegurado ao cidadão. Compreendo, entretanto, que, se o Congresso não fizer a lei, em certo prazo que se estabeleceria na decisão, o Supremo Tribunal pode tomar conhecimento da reclamação da parte, quanto ao prosseguimento da omissão, e, a seguir, dispor a respeito do direito in concreto.

            A pedra inaugural da discussão sobre o tipo de tutela deveria ser fornecida ao jurisdicional foi, portanto, essas correntes. Com a exposição destes pensamentos, começou-se os questionamentos sobre qual era o alcance ou objetivo do legislador constituinte de 1988. Como seriam as técnicas processuais de efetivação dos direitos subjetivos amparado pela garantia constitucional do mandado de injunção, ante a inexistência de normas legais que explicitassem tal assunto.


4. JURISDIÇÃO

            4.1. Escopos da Jurisdição e Efetividade do processo

            Noutro ponto de argumentação para confirmação da tese, é importante deixar colocado que o processo é o instrumento de atuação do comando contido na norma e versa logicamente sobre fatos que ensejaram a incidência daquela no plano material. Desta forma, o julgador para utilização do processo deve ter conhecimento pleno ou suficiente, de forma a substituir a vontade das partes e dizer o direito.

            Com fundamento nos princípios da efetividade e da instrumentalidade do processo foram introduzidas as chamadas tutelas jurisdicionais diferenciadas, entendendo-se estas como meios técnicos procedimentais de aceleração implantados contras as causas diretas ou indiretas de enfraquecimento da tutela jurisdicional.

            Destinaram-se, assim, estas técnicas a preservar o processo contra os desgastes previsíveis decorrentes da morosidade processual, propiciando célere acesso aos bens da vida.

            Nesse sentido, José Rogério Cruz e Tucci, afirma que o tempo é um implacável inimigo do processo, contra o qual todos os que dele participam devem lutar de modo particularmente tenaz. O processo, deste modo, deve ser conduzido pelo juiz com a presteza necessária, e impulsionado de forma a atingir sua finalidade precípua: destinar o bem de vida almejado pelo jurisdicionado.

            O professor José Rogério Cruz e Tucci, ao citar o processualista italiano Andrea Proto Pisani, afirma:

            "... Descrevendo os males que determinam o retardamento da tutela jurisdicional, Proto Pisani mostra que a ideologia liberal-individualista dos fins do século passado e da primeira metade deste imaginava com a absoluta certeza que a técnica do procedimento ordinário resultava idônea a tutelar um rol infinito de direitos. Anota, assim, que o caráter mistificador decorrente do pressuposto teórico da igualdade formal das partes ensejou, de modo fecundo, o culto acrítico àquela forma de procedimento. Todavia, em época mais recente, dada a inequívoca evolução científica e tecnológica do processo civil, observa-se que o tradicional modelo do procedimento ordinário é completamente inadequado para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva a todas as situações de vantagem, ou seja, a todos os direitos que reclamam uma tutela de urgência... ".

            Consoante o entendimento de Cândido Rangel Dinamarco e José Roberto dos Santos Bedaque, o enfoque instrumentalista do direito processual denota sua aptidão para o cumprimento de três propósitos básicos, quais sejam, a atenção aos escopos social, político e jurídico do processo.

            Desta feita, a função social do processo se aperfeiçoaria mediante a solução de conflitos desagregadores no seio da sociedade; seu papel político residiria na garantia da liberdade do cidadão e de sua participação nas deliberações do Estado; e seu desígnio jurídico far-se-ia presente ao veicular a vontade concreta da lei.

            Assim discorre Dinamarco (1987):

            "... A jurisdição não tem um escopo, mas escopos ( plural); é muito pobre a fixação de um escopo exclusivamente jurídico, pois o que há de mais importante é a destinação social e política do exercício da jurisdição. Ela tem, na realidade, escopos sociais ( pacificação com justiça, educação), políticos ( liberdade, participação, afirmação da autoridade do Estado e do seu ordenamento) e jurídico ( atuação da vontade concreta da lei)..."

            Na mesma linha, Bedaque (2001) leciona:

            "... É preciso conciliar a técnica processual com seu escopo. Não se pretende nem o tecnicismo exagerado, nem o abandono total da técnica. Virtuoso é o processualista que consegue harmonizar esses dois aspectos, o que implicará a construção de um sistema processual apto a alcançar seus escopos, de maneira adequada... De qualquer modo, só se chega à tutela jurisdicional mediante o exercício do direito processual de ação. Tais afirmações objetivam conferir ao direito processual sua verdadeira dimensão: a de instrumento voltado para fora do sistema, pois tem o escopo de conferir eficácia a outro direito - o material ( jurídico), para, a final, atingir seus escopos últimos ( social e político)".

            Dinamarco (1987) sobre o termo efetividade do processo afirma:

            "... expressão resumida da idéia de que o Processo deve ser apto a cumprir integralmente toda a sua função sócio-político-jurídica, atingindo em toda a plenitude todos os seus escopos institucionais... ".

            Embora seja tecnicamente um dos mais bem elaborados diplomas processuais existentes no mundo, não restou nosso Código de Processo Civil imune à severas críticas, sendo a mais relevante aquela que indica a existência de enorme descompasso entre o instrumento e a rápida e cabal prestação jurisdicional do Estado.

            Para aqueles que manejam com o processo civil, para que sociedade civil brasileira se satisfaça com o processo, ou seja, tenha o direito efetivamente protegido, não basta a beleza técnica de um ou outro instituto, é necessário que haja aplicabilidade prática, sob pena de desvirtuamos a finalidade do direito que é a responder aos reclamos sociais.

            Desta forma, vemos como indispensável à consciência de que o processo não é mero instrumento técnico a serviço da ordem jurídica, mas, acima disso, um poderoso instrumento ético destinado a servir a sociedade e ao Estado.

            Assim, a finalidade é informar que falta para efetividade processual muitas vezes aos órgãos operadores do direito, como o Judiciário, o Ministério Público, e a Advocacia, seja pública ou privada, a concepção de que o processo civil não se perfaz num mero instrumento formalista, formado apenas de encadeamentos procedimentais e papel, porquanto o mesmo é também sentimentos e ansiedades sociais.

            Para estes sujeitos responsáveis pelo processo civil falta, de forma redundante, responsabilidade política e social no exercício de suas funções.

            Desde há muito, Moreira (1988,21), já observou, de forma particularmente precisa, a dissociação das normas de processo em face da realidade forense, discorrendo acerca da enorme distância que se formava entre o real e o virtual:

            "... tomava-se a consciência cada vez mais clara da função instrumental do processo e da necessidade de fazê-lo desempenhar de maneira efetiva o papel que lhe toca... Se o processo é instrumento de realização do direito material, o resultado de seu funcionamento deve situar-se a uma distância mínima daquele que produziria a atuação espontânea das normas substantivas, e já constitui uma desgraça a impossibilidade de fazer coincidir precisamente um e outro... ".

            As reformas processuais no Brasil visaram após a identificação dos pontos críticos e de estrangulamento da prestação jurisdicional, o oferecimento de projetos de lei desburocratizantes, com base no trinômio: simplificação, agilização e efetividade do processo.

            O agente motivador da reestruturação do processo deve ser a constante preocupação com o atendimento à sua efetividade, advertindo Dinamarco, no entanto, que esta deve ser sempre pensada a partir a partir do crivo dado pelo direito processual constitucional, uma vez que o processo deve ser a emanação dos preceitos constitucionais que visam salvaguardar as conquistas democráticas do cidadão.

            Com isso, a tentativa de implantação de qualquer variante a matriz epistemológica da supremacia das normas constitucionais no processo, com o atendimento às garantias constitucionais da isonomia substancial, da inafastabilidade do controle jurisdicional e do devido processo legal, estaria fadada ao fracasso.

            Marinoni entende que a ordinarização do processo faz com que constantemente o ônus do tempo recaia apenas sobre o autor, como se este fosse culpado pela demora existente na cognição dos direitos.

            O tempo do processo deve ter seu devido valor, afirmando tal doutrinador que este:

            "... terá uma maior capacidade de eliminar com justiça as situações de conflito, quanto mais prontamente tutelar o direito do autor que tem razão. De nada adianta a doutrina continuar afirmando, retoricamente, que a justiça atrasada é uma injustiça, se ela não tem a mínima sensibilidade para perceber que o processo sempre beneficia o réu que não tem razão... ".

            Deste modo, é justo afirmar-se que o fator tempo tornou-se um elemento determinante para a garantia da efetividade da prestação jurisdicional.

            Tanto é verdade a importância do fator tempo no processo que a Emenda Constitucional nº 45, implementou no artigo 5º, uma garantia constitucional por meio de emenda aglutinativa que prevê como fundamental o direito à uma razoável celeridade processual.

            Não menos verdadeira é a noção de que a técnica da cognição sumária afigura-se de fundamental importância para a idéia de um processo que cumpra seus escopos jurídico, político e social.

            Com esse pensamento, Dinamarco (1987) afirma:

            "... Fixar os escopos do processo eqüivale, ainda, a revelar o grau de sua utilidade. Trata-se de instituição humana, imposta pelo Estado, e sua legitimidade, há de estar apoiada não só na capacidade de realizar objetivos, mas igualmente no modo como estes são recebidos e sentidos pela sociedade. Daí o relevo de que é merecedora a problemática dos escopos do sistema processual e do exercício da jurisdição... A efetividade do processo mostra-se ainda particularmente sensível através da capacidade, que todo o sistema tenha, de produzir realmente as situações de justiça desejadas pela ordem social, política e jurídica. A tutela específica dos direitos, execução em espécie, obtenção de resultados mediante sentenças constitutivas e eliminação de óbices à plena satisfação dos direitos (v.g., mediante as medidas cautelares), são fatores para a efetividade do processo. A tendência do direito processual moderno é também no sentido de conferir maior utilidade aos provimentos jurisdicionais... ".

            Em suma, a jurisdição, na qualidade de função estatal, utilizando-se de métodos e de técnicas efetivas, deve sempre buscar cumprir sua finalidade, qual seja, pacificar satisfatoriamente os conflitos sociais.

            4.2. Tutela Jurisdicional

            A noção de tutela jurisdicional deriva de uma base do tripé da Teoria Geral do Processo que é a jurisdição.

            A jurisdição é a atividade estatal, fornecida pela Estado Juiz com o objetivo de pacificar os conflitos existentes, substituindo a vontade das partes. Pois bem, a jurisdição se realiza quando o Estado entrega ao jurisdicionado a chamada tutela jurisdicional. Em outras palavras, a função da jurisdição e preservar o direito material ameaçado, tutelando-o por meio de uma prestação ou tutela jurisdicional.

            Munhoz (2000, 123), sobre o tema leciona:

            "Tutelar é conferir proteção. A tutela jurisdicional é prestada por meio do processo. Do ponto de vista de quem postula, é o resultado de um provimento favorável. Se este atende exatamente à necessidade da parte e lhe é ofertado em tempo útil, diz-se que a tutela jurisdicional foi plena. Do ponto de vista do demandado e do ordenamento como um todo, há que se aferir a observância do devido processo lega e das garantias constitucionais do processo e regras processuais decorrentes".

            A tutela jurisdicional então é a proteção que o Estado confere através do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, e da satisfação dos direitos debatidos, tanto ao demandante quanto ao demandado.

            Entretanto, não basta tão somente que haja por parte Estado a garantia formal de uma tutela jurisdicional. É necessário que essa garantia seja eficiente e efetiva.

            Nesse sentido, visando dar efetividade a tutela jurisdicional, duas vertentes vem sendo analisadas. A primeira é a da tutela jurisdicional adequada, que tem como corolário o amplo acesso à justiça, que será mais adiante estudada. A segunda é a tutela jurisdicional diferenciada que, apesar de também ter como fundamento constitucional o acesso à justiça, parte da problematização do distanciamento do direito material do direito processual.

            Com base nesses esclarecimentos percebe-se que a tutela jurisdicional do mandado de injunção seria teoricamente a substituição da vontade das partes pelo Estado-juiz, no sentido de pacificar o conflito decorrente da inércia do Poder Público.

            4.3. Tutela Jurisdicional Adequada

            Seguindo a esteira constitucional do amplo acesso a Justiça, baseado no artigo 5°, XXXV, da Constituição Federal, com escol de vários processualistas brasileiros, restou criado o aprofundamento da tutela jurisdicional com a idéia de tutela adequada.

            Marinoni (2000.21),

            "A jurisdição deve realizar os fins do Estado e, inclusive, permitir a participação popular, através do processo, no poder. Por outro lado, o direito à adequada tutela jurisdicional e à efetividade da defesa são garantias de justiça do cidadão que descendem da Constituição"

            Nery Júnior (2004, 132), a exemplo, leciona que:

            "pelo princípio constitucional do direito de ação, todos tem o direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada. Não é suficiente o direito à tutela jurisdicional. É preciso que essa tutela seja adequada, sem o que estaria vazio o sentido do princípio".

            "o fator cultural, principalmente nos países subdesenvolvidos, agrava de forma substancial o problema do acesso à Justiça, seja pelo fator de os cidadãos desconhecerem os seus direitos, seja, ainda, porque muitos não confiam nos advogados e no próprio Poder Judiciário. Além disso, a essa dificuldade pode somar-se a questão psicológica, inibindo, definitivamente, o acesso à Justiça"

            A tutela jurisdicional adequada seria assim aquele que o Estado despende ao jurisidicionado, cumprindo adequadamente os objetivos pleiteados. É a entrega ao cidadão do provimento jurisdicional mais adequada a situação posta em conflito, com o intuito de resolver completamente a lide.

            A idéia de tutela jurisdicional adequada parte da máxima chioveniana de que o processo, através do Estado, deve dar tudo aquilo e exatamente que se pleiteia.

            Com isso, não basta que haja apenas tutela jurisdicional, ou seja, não é suficiente que o Estado por meio da jurisdição estabeleça uma solução. É imprescindível que esta solução seja, de fato, adequada aos reclamos daquele que dela necessita.

            O objetivo da chamada tutela jurisdicional adequada, diante desses argumentos, é o de fornecer aquela prestação jurisdicional que solucionará a lide no plano do direito material. Em outras palavras, dando essa conotação à tutela, o Estado pretende não só fornecer um caminho para solução, mas efetivamente solucionar o problema a ele colocado.

            Para melhor se entender a concepção de tutela jurisdicional adequada, é necessário que primeiro se entender a tutela jurisdicional constitui um direito subjetivo público, nos moldes do artigo 5º, XXV, da CF.

            Assim, tendo a concepção, segundo os ensinamentos de Nader (2004, 78) de que: "o direito subjetivo corresponde às possibilidades ou poderes de agir, que a ordem jurídica garante a alguém", percebe-se claramente que o problema passa também pela análise do direito subjetivo.

            Pois bem, no caso da problemática da tutela jurisdicional adequada, é necessário dissecar-se os elementos essências do direito subjetivo, quais sejam: sujeito, objeto, interesse e garantia. O sujeito corresponde ao titular do direito, ou seja, aquele que utiliza ou defende o direito subjetivo, que o coloca em prática. O objeto é aquilo que está sendo defendido ou utilizado pelo sujeito. É, em outros termos, o bem de vida em questão. O interesse é o que se almeja com a utilização do direito subjetivo. O objetivo ou desejo do sujeito, amparado pelas normas jurídicas. Por fim, a garantia é o suporte que o ordenamento jurídico confere ao titular do direito subjetivo. São as possibilidades de agir garantidas pela norma em abstrato. São as ações garantidas.

            Para idéia nuclear de tutela jurisdicional adequada, importa-nos especificar o último elemento do direito subjetivo, a garantia. A garantia dada à utilização do direito subjetivo pode ser concebida em três nuances de aplicação, isto é, o titular do direito subjetivo tem do Estado três formas de garantir o seu direito. A "ação em potencial", "ação de direito material" e "ação de direito processual".

            A primeira delas, a "ação em potencial", nada mais é do que a garantia da norma abstrata em "potência". Com efeito, o titular do direito subjetivo sabe que pode a qualquer momento utilizar ações materiais e/ou processuais para colocar efetivamente no plano da realidade o seu direito.

            A segunda delas, a "ação de direito material", é a possibilidade de agir conferida pelo ordenamento jurídico do indivíduo utilizar (defender, usufruir, enfim), os bens de vida, sem a necessidade de socorrer-se de ações judiciais para tanto.

            A terceira, a "a ação de direito processual", constitui a exigência de agir utilizando-se os meios e aparatos disponibilizados pelo Estado. É, em termos, a ação que tem como intermediador o processo judicial. É a ação que tem como resultado final a tutela jurisdicional do Estado.

            Trazendo tais conceitos para problemática adequação da tutela, temos que a tutela será tanto mais adequada quanto for a proximidade entre ação de direito material e ação de direito processual.

            Em outros termos, o grau de adequação da tutela jurisdicional depende da similitude entre a ação de direito material e direito processual.

            Havendo a aproximação entre a ação de direito material e direito processual, haverá necessariamente adequação da tutela jurisdicional, prestada pelo Estado.

            A exemplo, do Mandado de injunção haverá adequação da tutela quando a ação de direito material, consistente na utilização da norma constitucional, coincidir com a ação de direito processual, determinação para que se utilize plenamente da norma constitucional.


5. APLICAÇÃO DA TEORIA DA TUTELA JURISDICIONAL ADEQUADA AO MANDADO DE INJUNÇÃO

            Com base nessas considerações, cabe-nos nesse momento analisar a aplicação da teoria da tutela jurisdicional adequada à garantia constitucional do mandado de injunção, já deixando, consignado que a associação da ação de direito material à ação de direito processual do direito subjetivo constitucional ao mandado de injunção faz chegar à conclusão de que a tutela jurisdicional mais adequada é aquele que fornece ao cidadão uma norma para solução do caso concreto.

            Para tanto, antes de mais nada, é preciso enfrentar alguns empecilhos aventados no julgamento do Mandando de Injunção nº 107.

            A posição não concretista, maioria à época do julgamento, estabelecia que a única tutela possível ao mandado de injunção seria a notificação de que o Congresso encontra-se em mora legislativa.

            Com ela o Judiciário servia apenas para declarar a inércia legislativa e notificar o Congresso. A decisão seria meramente declaratória, não havendo, portanto, a constituição ou reestruturação de nenhum direito. Essa seria a tutela jurisdicional. Tal posicionamento, arraigado no princípio da separação dos poderes, fez aquele que fornece a mais adequada tutela ao jurisdicionado.

            De fato, nossa Constituição no artigo art. 2º, prescreve que o Judiciário, o Executivo e o Legislativo são poderes independentes e harmônicos entre si. Há com essa norma constitucional a imposição ou o estabelecimento do princípio básico da separação dos poderes.

            No entanto, tal norma não pode e não deve ser interpretada ou vista de forma isolada ou absoluta, isto porque, apesar da Constituição prevê expressamente a separação dos três poderes, é possível à existência de uma eventual "interferência" de um sobre o outro.

            É necessária que se entenda que, por trás da norma que prevê a separação dos poderes, existe em essência um Estado Democrático de Direito. Tal postulado faz com que haja também, por detrás deste princípio, outros como é o caso da divisão de poderes (share of power) ou o dos freios e contrapesos (check and balances) de um poder sobre o outro.

            No Brasil, desta forma, não poderia ser diferente, a Constituição de 1988, previu vários dispositivos que demonstravam claramente esta divisão de atribuições e a este mútuo controle existente entre os poderes. Como exemplo, temos elaboração das leis, função precípua do Legislativo, que conta com a participação do Executivo, através da sanção ou do veto, e eventualmente do Judiciário, através da apreciação de sua inconstitucionalidade ou ilegalidade.

            Pois bem, a idéia que se pode extrair da conjugação dos princípios da separação dos poderes, da divisão dos poderes e dos freios e contrapesos é a de que um poder pode "interferir" no outro, desde que haja autorização da Constituição para tanto.

            A idéia, ademais, é a de que a Constituição é a fonte legítima de irradiação dos poderes do Estado, sendo, estes "poderes", nada mais do que uma divisão de atribuições, tarefas, delegadas pela norma jurídica fundamental.

            Desta forma, retomando o raciocínio do instituto do mandado de injunção, o pensamento não concretista, baseado supostamente na julgo do princípio da separação dos poderes, de que a tutela correta seria aquele que apenas declara a omissão e notifica o Congresso, não merece acolhida. Tal obstáculo, como se percebe sucumbe quando se entende que por detrás do princípio da separação dos poderes existem outras que, se sopesados, prevalecem.

            Acrescente-se a esse arrazoado que há ainda a ser levado em consideração, para o caso do Mandado de Injunção, outro princípio, o do amplo acesso à Justiça, extraído do artigo 5º, XXXV, da CF, demonstrando que a solução deveria ser diferente, ou seja, mais efetiva.

            5.1. Avanço do STF quanto à aplicação da tutela jurisdicional adequada no Mandado de Injunção

            Corroborando a idéia de que deve haver um avanço da tutela jurisdicional prestada, o STF recentemente trouxe a tona novamente a discussão sobre qual deveria ser o provimento jurisdicional aplicável ao mandado de injunção.

            No mandado de injunção 543, impetrado com fundamento na mora do Congresso Nacional em regulamentar o §3°, do artigo 8°, da ADCT, o causídico que o subscreveu pleiteou no STF a reparação pecuniária consistente no pagamento dos valores que os impetrantes teriam direito caso não tivesse sido atingidos por atos institucionais de exceção, informando, outrossim, que para o caso não era mais necessário declarar a mora do Congresso e interpela-lo para elaboração da lei exigida, já que em outro instrumento mandamental aquela Corte já havia feito a mesma coisa.

            Pois bem, diante do caso concreto, os Ministros do STF ampliaram o alcance da tutela jurisdicional do mandado de injunção, dando-a, desta forma, maior efetividade no plano prático, não obstante, falte um longo caminho para sua plena utilização.

            A título de exemplo dos avanços trazidos no referido mandado de injunção, todos os Ministros se posicionaram pela desnecessidade de declaração de mora do Congresso Nacional e, conseqüente, de sua interpelação. Apesar de deixarem bem claro que este entendimento só se aplicava aos casos em que a norma já havia sido objeto de mandado de injunção.

            Num segundo momento divergiram os Ministros quanto aos resultados práticos do mandado de injunção. Formaram-se novamente duas correntes: aqueles que pretendia dar total eficácia ao instrumento mandamental, entregando de imediato o bem de vida almejado pelos impetrantes e aqueles que reconheciam o direito ao bem de vida, entretanto, remetia os impetrantes às instancias ordinárias para busca-lo.

            Em que pese ser o posicionamento esposado na segunda corrente mais eficaz e social, ambas as correntes fazem com que seja criada para o caso concreto uma norma temporária que supre a ausência legal. Em outras palavras, os posicionamentos adotados pelo STF nos autos desse Mandado de Injunção levam em consideração a necessidade de uma tutela jurisdicional adequada. Começa-se a entender que deve haver uma necessária conjugação entre os princípios da separação dos poderes, que não é absoluto, e a ampliação do acesso à justiça.

            De fato, a meu sentir, parece que se analisado sob o prisma da tutela jurisdicional adequada, a corrente que estabelece ser possível por meio do mandado de injunção entregar ao jurisdicionado o próprio bem de vida almejada é a mais adequada, posto que, satisfaz imediatamente o direito da parte, concretizando, portanto, o princípio do efetivo acesso à justiça.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Diante das colocações apresentadas nesse trabalho, percebe-se que algumas considerações devem ser levantadas:

            1. Para se iniciar as discussões sobre a tutela jurisdicional adequada do Mandado de Injunção, os intérpretes devem estar fulcrados em duas premissas: a primeira é a de que o instituto constitui garantia constitucional, lapidada no artigo 5º, LXXI, da CF, portanto, na forma do parágrafo primeiro deste mesmo artigo, deve ser-lhe dada aplicação imediata e a segunda é que a interpretação da tutela jurisdicional do Mandado de Injunção deve ser a mais ampla possível, posto estarmos interpretando uma norma inserida no núcleo duro da Constituição de 1988 como cláusula pétrea.

            2. O Intérprete da norma constitucional também deve ter a premissa de que a tutela jurisdicional efetiva do Mandado de Injunção, dada pelo STF, com a possibilidade de criação de norma temporária para o caso concreto, não fere o princípio da separação dos poderes. Isto porque, a amplitude do referido princípio permite que haja uma mútua fiscalização de um poder sobre o outro, ou seja, permite que se aplique o princípio dos freios e contrapesos, visando evitar o absolutismo de um poder.

            3. No terceiro momento do processo de interpretação, cabe ao intérprete associar, de forma a maximizar, tanto a norma que cria o Mandado de Injunção quanto àquele que prevê a amplíssima tutela jurisdicional, ou o amplo acesso à Justiça.

            4. Com isso, no processo de raciocínio silogístico, com os acréscimos de uma concepção ideológica de acesso à justiça material, pode se chegar às teses de que, primeiro, o mandado de injunção precisa de uma tutela jurisdicional adequada, depois, a tutela jurisdicional adequada consistiria na criação de uma norma temporária aplicável à situação concreta de imediato.


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Notas

            01 STF – Pleno – MS n° 22.164/SP – Rel. Ministro Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17 nov. 1995, p. 39.206.

            02 Apud José Afonso da Silva pág. 189.1999.

            03 CANOTILHO. J.J Gomes. As garantias do cidadão na justiça. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 367.

            04 Mandado de Injunção n° 372-6. Rel. Ministro Celso de Melo, Diário da Justiça, Seção I, 23 set. 1994, p. 25.325.

            05 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 15ª ed. Editora Malheiros, São Paulo, 1999.

            06 JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 8ª ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2004. p 132

            07 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4ª ed. Ed. Malheiros. São Paulo – 2000, p. 191.

            08 §3° - Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional específica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério do Aeronáutica n. S-50-CM5, de 19 de junho de 1994, e n. S-285-GM5, será concedida reparação de natureza econômica, na forma que dispuser a lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, João Paulo dos Santos. Tutela jurisdicional adequada no mandado de injunção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 808, 19 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7280. Acesso em: 28 mar. 2024.