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Direitos da personalidade: direito ao esquecimento

Direitos da personalidade: direito ao esquecimento

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O direito ao esquecimento é espécie de direito da personalidade, o qual goza de intransmissibilidade, irrenunciabilidade e indisponibilidade. Em que pese tal direito não ser previsto expressamente em lei, a doutrina, precipuamente nas Jornadas de Direito

INTRODUÇÃO

Direitos da personalidade são aqueles inerentes à pessoa humana e a sua dignidade, nos moldes da Teoria dos Direitos inatos ou originários, ou seja, que existem desde a concepção do indivíduo. São precursores do entendimento supra: Rubens Limongi França, Maria Helena Diniz, Carlos Alberto Bittar e Flávio Tartuce.

Alguns direitos da personalidade não surgem desde a concepção da pessoa humana, mas em momento ulterior, a exemplo do que ocorre com os direitos de autor, que se apresentam quando da publicação de um livro ou obra por este.

Segundo o artigo 52 do Código Civil, aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, os direitos da personalidade. Por tal motivo, é pacífico o entendimento de que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral, inclusive o STJ já sumulou o referido entendimento. Em interpretação analógica, pode ainda se dizer que a pessoa jurídica tem o direito ao esquecimento, ante a existência de honra objetiva da mesma, a qual deve ser tutelada.

Os direitos da personalidade, dividem-se em 3, quais sejam: integridade física, moral e intelectual. O direito ao esquecimento se enquadra na dimensão de proteção à integridade moral, conforme entendimento majoritário.

O Enunciado 274 da IV Jornada de Direito Civil diz que os direitos da personalidade previstos no Código Civil formam um rol não exaustivo, ante a previsibilidade do artigo 1, III da Constituição Federal de 1988 que prevê a cláusula geral de tutela da pessoa humana. Nesse sentido, existem direitos da personalidade previstos expressamente na Carta Magna e outros que não encontram previsão normativa strictu sensu, que é o caso do direito ao esquecimento, nova modalidade de direito da personalidade. Todavia, a despeito da falta de previsão expressa em lei, o Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil o prevê. Em que pese não ter força normativa, mas meramente doutrinária, sabe-se que a doutrina é fonte não formal do direito civil, de modo que em havendo necessidade de integração, será um dos meios de solução para a lacuna da lei, de modo que é possível que haja fundamentação de pedido de indenização por dano material e/ou moral com base em Enunciados de Jornadas de Direito Civil, com ulterior condenação.

O direito ao esquecimento nada mais é do que desdobramento do direito à intimidade ou à vida privada. O último ganhou força com o cenário de Pós Guerras, quando tal direito fora internacionalizado por diversos países, tendo em vista sua previsibilidade em instrumentos principiológicos e normativos, tais como a Declaração Americana de Direitos e Deveres do homem, 1948, Declaração Universal dos Direitos Humanos da Onu, igualmente do ano de 1948, Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 1950, Carta de San José, 1969 e, por fim, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia do ano de 2000. Foi nesse contexto que a Constituição Federal de 1988, conhecida não acidentalmente por Constituição Cidadã, acertadamente consagrou tal direito em seu artigo 5.

Para alguns doutrinadores como Flavio Tartuce, a nomenclatura “direito ao esquecimento” não é correta, de modo que não se trata de direito de esquecer, mas tão somente de vedação de utilização indevida de determinados dados e informações do indivíduo, que encontra divergência com outros tantos direitos fundamentais, como o direito à informação.

A importância da teoria do Direito ao Esquecimento vem sendo percebida em diversos países do mundo, devido a essa oportunidade de respeito ao passado individual de cada ser humano. Podemos, claramente, encontrar o refúgio a essa teoria no âmbito dos direitos da personalidade, onde podemos destacar o direito à privacidade, à vida privada, à imagem e ao anonimato. Por ter caráter de direito fundamental, independente de positivação para serem efetivados.

Desta feita, o presente artigo tem por escopo apresentar as controvérsias existentes entre o direito ao esquecimento e outros direitos e garantias fundamentais, apontar qual é o critério de ponderação e por fim, apresentar julgados do caso concreto acerca da referida temática.


DESENVOLVIMENTO

DO DIREITO AO ESQUECIMENTO

Ao longo do tempo o homem com o desenvolvimento tecnológico e as avolumadas transformações sociais, criou vários e diversos meios de comunicação, promovendo uma evolução nas relações pessoais. O mundo virtual foi fruto desse avanço, conectando pessoas e facilitando sua comunicação.

Nessa novel realidade, a informação passou a ocupar local de primazia tanto pelo seu significativo valor econômico, servindo portanto como base da gestão de negócios de empresas tais como o Facebook e o Google, quanto pela possibilidade que seu mau uso acarretou para provocar danos irreversíveis a uma plêiade de direitos, especialmente aqueles gestados pela luta histórica dos povos, como é ocorre com os direitos da personalidade em geral e com a privacidade em particular, cuja fragilidade e volatilidade já havia sido antevista há mais de um século (WARREN; BRANDEIS, 1890).

Torna-se oportuno observar que com este avanço tecnológico e com a liberdade da informação, surge o direito ao esquecimento, ancorado ao princípio da dignidade da pessoa humana, dos direitos fundamentais, e dos direitos da personalidade, com interesse de proteger a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Assim, o direito de ser esquecido é essencial diante da sociedade de informação, pelo fato de inúmeras notícias que são perenizadas e disseminadas pelos meios de comunicação.

De acordo com decisão do Tribunal de última instância de Paris, descrita por François Ost (2005):

qualquer pessoa que se tenha envolvido em acontecimentos públicos pode, com o passar do tempo, reivindicar o direito ao esquecimento; a lembrança destes acontecimentos e do papel que ela possa ter desempenhado é ilegítima se não for fundada nas necessidades da história ou se for de natureza a ferir sua sensibilidade; visto que o direito ao esquecimento, que se impõe a todos, inclusive aos jornalistas, deve igualmente beneficiar a todos, inclusive aos condenados que pagaram sua dívida para com a sociedade e tentam reinserir-se nela

O direito ao esquecimento já vem sendo discutido no Brasil há algum tempo, alcançado pela preocupação com acontecimentos narrados e os impactos que eles poderiam causar. Neste sentido, o direito ao esquecimento está contemplado no Enunciado 531, da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF), em março de 2013. A questão defendida é que ninguém é obrigado a conviver para sempre com erros pretéritos.  Veja o Enunciado 531: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.” Foi reconhecido com mais contundência em duas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com foco nas relações na regra geral que assegura à proteção da intimidade, da imagem e da vida privada, bem como o princípio à dignidade da pessoa humana:

ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Artigo: 11 do Código Civil Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do exdetento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados (MOREIRA, s/d, p.1).

Neste aspecto, o indivíduo tem a capacidade bem como o direito de escolher sobre sua inserção ou não ao público, tendo a faculdade de requerer a retirada de informações pessoais que lhe cause constrangimento quando estas vierem a público, pelo menos em relação a alguns aspectos ou perspectivas da vida pregressa do titular.

É importante destacar que o tema abordado nessa pesquisa é de caráter bastante inovador e que vem sendo discutido, recentemente, devido ao impacto causado pela internet e por meios digitais que fazem com que o acesso à informação fosse drasticamente ampliado, tanto por ser foco de conflito entre princípios fundamentais, quanto pela polêmica que vem adquirindo. Ademais, serão analisadas as liberdades de informação e de expressão, que são também direitos amparados pelo texto constitucional de 1988, que garante em seu artigo 5º, incisos XIV E XXXIII, o direito à informação, e no inciso X assegura o direito à privacidade.

Neste contexto, além de outros, o presente trabalho tem ainda como objetivo, analisar o direito de ser esquecido, conhecido também como direito de ser deixado em paz, como foco de conflito entre o princípio da privacidade e o princípio da liberdade de expressão, diante da polêmica que o tema vem adquirindo em âmbito mundial, frente aos princípios constitucionais.


DIREITO À INTIMIDADE

De acordo com o Art. 5º da Constituição de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Uma pessoa detém, por exemplo, em uma rede social, um conjunto de informações, imagens, vídeos, cabendo a ela decidir se as demais pessoas podem ou não ter acesso às mesmas, sendo que, quando acessadas sem permissão do titular, ocorre a violação da privacidade, ou seja, uma violação do direito à intimidade.

Segundo COSTA JUNIOR (1997, s.p.):

é o direito que dispõe o indivíduo de não ser arrastado para a ribalta contra a vontade. De subtrair-se a publicidade e de permanecer recolhido em sua intimidade. Direito ao recato, portanto, não é o direito de ser recatado, mas o direito de manter-se afastado dessa esfera de reserva de olhos e ouvidos indiscretos, bem como o direito de impedir a divulgação de palavras, escritos e atos realizados nessa esfera de intimidade

O direito à intimidade faz parte das esferas que constituem o Direito à Privacidade, sendo este, abrangido pelos direitos à honra, à imagem, a inviolabilidade do domicílio, sigilo de correspondências, de dados das comunicações telefônicas, entre outros.

CASOS DE UTILIZAÇÃO DO DIREITO AO ESQUECIMENTO

Em diversos acontecimentos, principalmente os que envolvem grandes órgãos públicos ou privados, o direito ao esquecimento acaba por ser utilizado. Um caso famoso foi a Chacina da Candelária, onde a 4ª Turma do STJ condenou a Globo a pagar uma indenização de 50 mil reais pelos danos morais causado à um dos policias acusado de ter participado da chacina em 1993 no Rio de Janeiro. O policial foi mencionado pela emissora como um dos partícipes do crime, sendo que ele já havia seu direito de ser esquecido reconhecido. Neste acontecido, três policiais foram condenados pelo crime e dois foram absolvidos judicialmente (SOARES, 2017).

Um outro fato ocorrido no Brasil ocorreu entre a empresa Google e a atriz conhecida como Xuxa (Maria da Graça Xuxa Meneghel), quando ela interpôs um recurso para a retirada do site de pesquisas todos os resultados referentes à procura de ‘xuxa pedófila” ou a qualquer outro fato que integre seu nome a prática delituosa. O direito de esquecimento foi utilizado como argumento pela Google, uma vez que essa censura inibiria o direito à informação, restringindo buscas e facilitando como que hackers promovessem dados restringidos, além disso, provedores de pesquisa situados em outros países poderiam realizar as mesmas pesquisas e obter resultados similares (MOREIRA e MEDEIROS, 2016).

A decisão do STJ em relação ao caso Xuxa vs. Google:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. GOOGLE. PROVEDOR DE PESQUISA. FILTRAGEM PRÉVIA DAS BUSCAS. BLOQUEIO DE PALAVRASCHAVES. PRETENSÃO DE EXCLUSÃO GENÉRICA DE QUALQUER REFERÊNCIA QUE ENTENDA OFENSIVA À SUA HONRA OU AO SEU PASSADO DE MODELO FOTOGRÁFICO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE INDICAÇÃO DO URL DA PÁGINA ONDE ESTE ESTIVER INSERIDO. DIREITO AO ESQUECIMENTO. Os provedores de pesquisa virtual não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação do URL da página onde este estiver inserido. Não está se negando à Autora o exercício do direito ao esquecimento, direito que possui de não permitir que um fato, verídico ou inverídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, mas, afastando a responsabilidade da Ré de acordo com o entendimento firmado pelos nossos Tribunais, com base, inclusive, ao direito de informação e na ponderação entre direitos. PRECEDENTES. RECURSO DESPROVIDO (Apelação Cível nº 0024717-80.2010.8.19.0209. p. 1. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/xuxa-perde-acao-google-qual-tentar.pdf>. Acesso em: abr/2019.).


DIREITO À INFORMAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

Nos últimos tempos com o desenvolvimento tecnológico, o avanço ao uso de computadores, e o massificado acesso à internet, trouxe, sem dúvida maior acessibilidade e comodidade aos indivíduos. O desenvolvimento da tecnologia forçou a sociedade a se reinventar a partir de um ambiente virtual. Agora, as pessoas têm acesso às informações de uma maneira mais rápida, porém o mundo contemporâneo lida com uma constante preocupação, o excesso de informação e o desconhecimento de suas fontes.

Dentre as inovações tecnológicas ocorridas no século XX e XXI, como por exemplo a digitalização, o armazenamento barato de informações, a facilidade no acesso e o alcance global das redes (MAYER-SCHONBERGER, 2009) fizeram transparecer novos desafios no que atine à proteção da privacidade.

Neste sentido, a sociedade brasileira sentiu o impacto tecnológico, tanto que algumas das informações que antes eram transmitidas de forma impressa, passou a serem divulgadas majoritariamente digitais.

O direito à informação está garantido de forma expressa no texto constitucional em seu artigo 5º, inciso XIV e XXXIII.  Assim diz o texto constitucional de 1988, a respeito da matéria:

Art. 5º(...)

XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; (...)

XXXIII – todos têm o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do estado (...)

A importância do direito à informação na vida de qualquer sujeito pode ser percebida ao constatar que se trata de um direito reconhecido e amparado pela nossa constituição. Ademais, a garantia do direito à informação está intimamente relacionada com a dignidade da pessoa humana.

Necessário se faz diante disso destacar o papel da imprensa, pois a liberdade de imprensa estabelece um ambiente no qual, várias opiniões e ideologias podem ser manifestadas e contrapostas, ensejando um processo de formação do pensamento. Uma grande barreira que se apresenta para a produção de informações com qualidade é o fator tempo. Isso porque, hoje as notícias podem ser transmitidas a qualquer parte do mundo em questão de minutos, gerando uma grande competição entre as empresas. Ocorre que, as vezes essa competição ocasiona constrangimentos aos indivíduos, transmitindo informações que nem sempre são verídicas e exposto ao público em geral, causando sofrimento ou transtornos para o ofendido.

Embora o direito à informação tenha natureza de liberdade, traz em sua essência o sentido de dever, de compromisso com a verdade, com a transparência e com a imparcialidade, tendo em vista ser um direito individual de expressão coletiva. O direito de informação envolve o direito de informar, o direito de se informar e o direito de ser informado.

Neste sentido, Melina Ferracini de Moraes, traduz melhor essa ideia:

O direito de se informar consiste na faculdade conferida ao indivíduo de buscar informações sem obstáculos ou restrições desprovidas de fundamentação constitucional. O direito de se informar traduz-se como um meio de acesso à informação constante de registros ou banco de dados públicos. A garantia não se restringe apenas ao conhecimento, mas também abrange a possibilidade de corrigir essa informação. O direito de ser informado e o direito de se informar estão relacionados à possibilidade de se obter informações, ao passo que o direito de informar relaciona-se com a transmissão de informações. Os três conceitos formam, juntos, o valor fundamental do direito à informação (MORAES, 2018, p. 29).

O Direito à Informação, como podemos observar, tem um conceito muito amplo, mas basicamente, é o direito de informar, de poder ser informado e ter direito de acesso à informação, porém de forma transparente, como forma de proteção ao indivíduo.

Diante disso, para efetivar o direito de ser informado, vale lembrar que o indivíduo possui a seu dispor, um instrumento amparado na Constituição de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXII, que o protege contra o uso de dados coletados de forma ilícita, conhecido como um remédio constitucional, sendo ele o habeas data.

Nessa linha de raciocínio, Melina Ferracini de Moraes conceitua o habeas data:

Pode o habeas data ser definido como o direito que todo o indivíduo tem de solicitar, judicialmente, a exibição dos registros públicos ou privados, nos quais estejam incluídos seus dados pessoais, para que deles se tome conhecimento, e, se necessário for, sejam ratificados os dados ou obsoletos ou que implicam discriminação. Desse modo, o habeas data, além de ser uma garantia de acesso à informação, também assegura ao interessado a possibilidade de retificar informações e dados que não seja por via judicial ou administrativa (MORAES, 2018, p. 29 e 30).

O direito à informação, tutelado pela Constituição Federal em seu art. 5º, é um direito inerente à condição de vida em sociedade, verificando a importância de um tratamento jurídico mais eficaz quanto à responsabilidade daqueles que não prezam pela veracidade, imparcialidade e transparência das informações, demandando deveres daqueles que detém o poder da informação, responsáveis por sua transmissão aos diversos setores da sociedade.


O DIREITO E A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO

A liberdade de informar existe diante de fatos cujo conhecimento seja relevante para que o sujeito possa participar do mundo em que vive. A Constituição Federal primou pela liberdade de informar e de ser informado, prezando pelo interesse de o indivíduo obter informações a seu respeito.

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta constituição.

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, X, XII e XIV.

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

A liberdade de informação e o direito de comunicação configuram, certamente, direitos fundamentais, cuja preocupação consiste em impedir que o Poder Público crie embaraços e busca impedir o alastramento das informações. Assim, todos nós temos a liberdade de informar e de sermos informados.

Neste sentido, deve-se considerar de forma relevante o direito, ou o dever, de divulgar informações significativas no ambiente virtual e o preservar ao direito à proteção à dignidade da pessoa humana.

Neste sentido, discorre Zilda Mara Consalter:

É nesse contexto que se insere o chamado direito ao esquecimento, concebido com a finalidade de impedir a exploração de fatos pretéritos pelos veículos de comunicação em geral e, especificamente no âmbito da internet, de permitir ao indivíduo a remoção de informação antiga e careta a seu respeito (CONSALTER, 2017, p. 303).

O papel dos veículos de informação vai além de simplesmente manter a sociedade atualizada, assim aqueles que se propõem a propagar informações deve se resguardar à imparcialidade, de modo a noticiar com segurança os fatos, de forma a prevenir o que verdadeiramente se tem, sem qualquer inovação ou modificação dos fatos, sempre com exatidão da informação.


DA DESINDEXAÇÃO

De acordo com Santos (2017, p. 144):

Dentro do tema do “direito ao esquecimento”, além do contexto dos meios de comunicação tradicionais, observamos que se encontram inseridos o controle de dados pessoais despidos de interesse público, que pode estar atrelado ao chamado “direito à desindexação”, e a manutenção de arquivos digitais de notícias, sendo que tais espécies apresentam contornos jurídicos e escopos distintos, incluindo diferentes mecanismos de tutela. Entre estes: (i) a pretensão de remoção dos resultados de pesquisas em buscadores digitais sobre fatos desabonadores do passado, sejam imagens, textos, áudios ou vídeos; e (ii) a proibição ou limitação da divulgação nas mídias tradicionais e digitais de acontecimentos pretéritos notórios, ou o pedido de indenização a posteriori por sua veiculação

As inúmeras transformações políticas, socioeconômicas e, precipuamente tecnológicas produzem resultados de impossível estima humana, tendo em vista seu amplo âmbito de incidência. Sob essa premissa, em que pese o avanço da internet implicar enormes benefícios, este também é ponto de partida para a mácula de direitos fundamentais. Verifica-se faticamente que o principal local em que o direito ao esquecimento é violado é a rede mundial de computadores, principalmente de sites de provedores de conteúdo e informação, que muitas vezes, as prestam a todo e qualquer custo.

Essa chamada rede mundial de computadores surgiu em meados de 1960 e a partir de então, não só a ciência, como as práticas humanas foram alteradas, impulsionadas por um anonimato gritante, por meio do qual indivíduos realizam exposições próximas e de terceiros, sem conferir a veracidade e consequência de tal exposição exacerbada.

Assim, sendo o direito ao esquecimento importante ferramenta de tutela do direito ao esquecimento, deve se correlacionar que, somente por meio de seu exercício é possível se deletar retratos, registro, entre outros em um conceito onde a superexposição é a regra.

Como já relatado, por vezes o direito ao esquecimento é maculado por meio da internet, assim sendo, criou-se um desdobramento do referido direito em casos de sua violação por meio da internet, precipuamente em redes sociais. Desindexação seria, portanto, o direito subjetivo da pessoa humana exigir, por meio de mandamento judicial, que seu nome seja desvinculado de determinada informação, de modo a ser respeitada sua dignidade, privacidade, honra e dignidade. Cita-se a título de exemplo o caso em que uma promotora recém aprovada para o cargo, tinha seu nome vinculado a uma anterior possível fraude em concursos públicos não comprovada, circunstância em que solicitou a desindexação de seu nome a tais matérias, com fulcro no direito ao esquecimento.

SURGIMENTO DA DESINDEXAÇÃO NA EUROPA

O direito à Desindexação teve seu início na Europa, surgindo no julgamento Google v. Agência Espanhola de Proteção de Dados em 2014. Neste caso, um cidadão espanhol pedia a agência de dados que a empresa Google retirasse resultados da busca de seu nome, o mesmo que era associado a uma reportagem de 1998 anunciando o leilão de sua casa por dívidas tributárias (PORTO JÚNIOR, s/d).

A Corte de Justiça da União Europeia considerou que a Google estava sob jurisdição da Diretiva 95/46 europeia pois sua subsidiária espanhola obtinha ganhos econômicos no país. Sendo assim, os resultados de buscas referentes a tal cidadão foram desindexados.

A decisão da Justiça Europeia foi a seguinte:

não se discute que entre os dados encontrados, indexados e armazenados pelos motores de busca e postos à disposição dos seus utilizadores figuram também informações sobre pessoas singulares identificadas ou identificáveis e, portanto, ‘dados pessoais’ na acepção do artigo 2.º, alínea a), da referida diretiva.

Artigo 2º

Definições: Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:

a) «Dados pessoais», qualquer informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («pessoa em causa»); é considerado identificável todo aquele que possa ser identificado, direta ou indiretamente, nomeadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social; (TJUE, 2014, s.p.).

O referido julgado representou o nascimento de um direito à desindexação de resultados de busca na União Europeia, mediante o entendimento de que a empresa Google, por realizar uma atividade de exploração econômica ligada a coleta de dados, era efetivamente uma tratadora desses dados, devendo arcar com a responsabilidade alocada nas disposições normativas da Resolução 95/46/CE,

DESINDEXAÇÃO NO BRASIL

No Brasil, diversos casos, até mesmo os citados no tópico Casos de Utilização do Direito ao Esquecimento, recorrem ao uso do direto à desindexação, entretanto, este, não tem sido contemplado pelo STJ, mesmo sendo de conhecimento/consciência jurídica nos juízos originários.

Não há uma legislação brasileira que prese a proteção de dados pessoais que legitime a desindexação assim como na Europa. Entretanto, o Marco Civil da Internet (MCI), instituído pela Lei 12.965/2014, este que regulariza o uso da internet no Brasil, instaurou um dispositivo chamado direito à exclusão:

Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:

I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...]

X - exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes, ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas nesta Lei;

Portanto, o direito à exclusão pode ser utilizado a qualquer momento pelo indivíduo que queira a remoção dos seus dados pessoais de determinada aplicação da internet. Sendo assim, torna-se diferente do direito à desindexação, pois neste caso, o próprio usuário que anteriormente teria fornecido seus dados.


DA COLISÃO ENTRE DIREITOS DA PERSONALIDADE

O chamado direito à reserva da vida íntima, popularmente conhecido por direito à intimidade, assim como grande monta dos demais direitos da personalidade, possui características imateriais, ou seja, intangível no mundo dos fatos, razão pela qual poderia se questionar qual direito prevaleceria em havendo conflito entre tais direitos e outros, embora abstratos, mais plausíveis e visíveis na prática.

De acordo com Barroso (2004):

a colisão de princípios constitucionais ou de direitos fundamentais não se resolve mediante o emprego dos critérios tradicionais de solução de conflitos de normas, como o hierárquico, o temporal e o da especialização. Em tais hipóteses, o intérprete constitucional precisará socorrer-se da técnica de ponderação de normas, valores ou interesses, por via da qual deverá fazer concessões recíprocas entre as pretensões em disputa, preservando o máximo possível do conteúdo de cada uma. Em situações extremas, precisará escolher qual direito irá prevalecer e qual será circunstancialmente sacrificado, devendo fundamentar racionalmente a adequação constitucional de sua decisão

Segundo o Enunciado 274 da IV Jornada de Direito Civil, em caso de colisão entre direitos da personalidade, deverá haver ponderação entre eles. A técnica da ponderação fora desenvolvida por Robert Alexy e, a piori, destinava-se tão somente à ponderação de normas princípios, todavia, com o passar dos tempos, fora se concretizando a “ponderação à brasileira”, uma vez que aqui, há ponderação tanto de normas regras como de normas princípios. Alexy desenvolveu a seguinte fórmula de ponderação:

P1 e P2 = Princípios em colisão.

T1, T2, ... Tn = são os fatores fáticos que influenciam a colisão.

C = Conclusão = Condições de precedência de um princípio sobre o outro. (A conclusão deve ser motivada/fundamentada, de preferência, em critérios objetivos.


DA JURISPRUDÊNCIA

Em que pese a tendência de os Tribunais Superiores decidirem a favor do direito de imprensa, direito à informação em detrimento aos direitos da personalidade, tal análise é sempre feita casuisticamente, ante as características da irrenunciabilidade, intransmissibilidade e indisponibilidade que cercam os direitos da personalidade, de modo que há julgados tanto em um sentido como no outro, cita-se como exemplo em que prevaleceu o direito ao esquecimento:

“Ementa recurso especial. Direito civil-constitucional. Liberdade de imprensa vs. Direitos da personalidade. Litígio de solução transversal. Competência do superior tribunal de justiça. Documentário exibido em rede nacional. Linha direta-justiça. Sequência de homicídios conhecida Como chacina da candelária. Reportagem que reacende o tema treze anos depois do fato. Veiculação Consentida de nome e imagem de indiciado nos crimes. Absolvição posterior por negativa de autoria. Direito ao esquecimento dos condenados que cumpriram pena e dos absolvidos. Acolhimento. Decorrência da proteção legal e constitucional da dignidade da pessoa humana e das limitações positivadas à atividade informativa. Presunção legal e constitucional de ressocialização da pessoa. Ponderação de valores. Precedentes de direito comparado. (Resp. 1334097/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 10/09/2013)

Cita-se ainda, outro julgado relacionado, ainda que indiretamente, à temática supra:

RECURSO ESPECIAL. AMEAÇA NO ÂMBITO DA LEI MARIA DA PENHA. PENA EXCLUSIVA DE MULTA. IMPOSSIBILIDADE. ART. 17 DA LEI N. 11.340/2006. ANOTAÇÃO NA FAC DO RECORRENTE COM TRÂNSITO EM JULGADO HÁ MAIS DE 20 ANOS. DIREITO AO ESQUECIMENTO. AFASTAMENTO DOS MAUS ANTECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO EM PARTE. 1. Conforme previsão do art. 17 da Lei Maria da Penha, não é cabível, em hipóteses de violência ou grave ameaça contra a mulher no âmbito doméstico, a aplicação somente da pena de multa, ainda que o crime pelo qual o réu foi condenado tenha previsão alternativa dessa espécie de sanção. Precedentes. 2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos podem ser consideradas como maus antecedentes para efeito de fixação da pena-base. Entretanto, quando os registros da folha de antecedentes do réu são muito antigos, como no presente caso, admite-se o afastamento de sua análise desfavorável, em aplicação à teoria do direito ao esquecimento. 3. Não se pode tornar perpétua a valoração negativa dos antecedentes, nem perenizar o estigma de criminoso para fins de aplicação da reprimenda, pois a transitoriedade é consectário natural da ordem das coisas. Se o transcurso do tempo impede que condenações anteriores configurem reincidência, esse mesmo fundamento - o lapso temporal - deve ser sopesado na análise das condenações geradoras, em tese, de maus antecedentes. 4. Recurso especial provido em parte a fim de afastar a aplicação exclusiva da pena de multa. Determinado o envio de cópia dos autos ao Juízo da condenação para imediata execução da pena imposta. Disponível em: <https://www.portaljustica.com.br/acordao/2107310>.


CONCLUSÃO

Em suma, embora não previsto expressamente na legislação strictu sensu, o direito ao esquecimento é uma realidade doutrinária e jurisprudencial, sendo uma das inúmeras espécies de direito da personalidade. Com única previsão no Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil, deve se analisar sua aplicabilidade de acordo com o caso concreto, partindo da premissa de que não há direito da personalidade absoluto, circunstância em que se deve ponderar tal direito com outros direitos tidos por fundamentais, a exemplo do direito à informação, à liberdade de imprensa e outros. Não obstante, deve se garantir ao indivíduo a desvinculação de seu nome a notícias, verídicas ou não, que possam macular sua honra objetiva ou subjetiva, precipuamente no âmbito da internet, a fim de que o principal direito fundamental seja observado de forma inequívoca, qual seja: dignidade da pessoa humana.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 5º da Constituição Federal. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Brasília, 1988. Acesso em: abr/2019.

BRASIL. Lei nº 12.965. Uso da Internet no Brasil. 2014. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Brasília, 2014. Acesso em: abr/2019.

BARROSO, L. R. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. Revista Jurídica da FIC. Fortaleza, v. 3, abr. 2004/out. 2004.

CONSALTER, Zilda Mara. Direito ao esquecimento – Proteção da Intimidade e Ambiente Virtual. Juruá, 2017, p. 410.

COSTA JUNIOR, P. J. Agressões à intimidade. São Paulo: Malheiros, 1997.

Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil.

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