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Uma análise dos desrespeitos aos direitos e garantias fundamentais dentro do sistema prisional brasileiro

Uma análise dos desrespeitos aos direitos e garantias fundamentais dentro do sistema prisional brasileiro

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Para que o objetivo da execução penal seja alcançado é necessário que o princípio da dignidade da pessoa humana seja observado com máxima atenção, principalmente por estar previsto em diversas leis, nacionais e internacionais.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca fazer uma análise do atual sistema prisional brasileiro, focando nos desrespeitos aos direitos e garantias fundamentais dos presos. O presente estudo tem como objetivo geral analisar a problemática apresentada no sistema prisional brasileiro, especialmente os desrespeitos aos direitos e garantias fundamentais dos presos. Além disso, o presente estudo pretende analisar a evolução histórica do sistema prisional brasileiro; definir as diferenças dos diversos tipos de instalações prisionais; elencar e analisar os principais direitos e garantias dos presos; verificar e analisar as ocorrências de violações desses direitos e garantias; e analisar a responsabilidade do Estado quanto à proteção dos direitos dos presos.

Os incisos do I ao XV do art. 41 da Lei de Execução Penal (LEP) serão a base deste trabalho, pois tratam dos direitos dos presos, assim como a nossa Constituição Federal (CF), com os direitos à vida, à dignidade e à saúde, e, também, a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP).

De acordo com o inciso III, do art. 1º da CF, a República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, e, de acordo com o art. 5º também da CF, todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza (BRASIL, 1988). Mas as perguntas que ficam são: Quais são as garantias fundamentais dos presos? As pessoas que estão detidas no sistema prisional brasileiro conseguem usufruir verdadeiramente desses princípios? Existe algum desrespeito às garantias fundamentais dos que estão presos? De quem é a responsabilidade de garantir tais direitos aos presos? Esses são os questionamentos que o presente trabalho pretende abordar.

Já que nosso sistema penal tem como objetivo a ressocialização do preso, é obrigação do Estado fazer o possível para que essa ressocialização venha a ocorrer, ou seja, as garantias fundamentais dos presos não devem ser jogadas por terra. O art. 3º da LEP diz que “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei” (BRASIL, 1984), ou seja, direitos como direito a vida, a saúde e a dignidade da pessoa humana devem ser protegidos e colocados em prática, mas o que vemos são presídios superlotados, sistema de saúde quase que inexistente, e um total desrespeito a vida do apenado.

Em relação à metodologia aplicada ao presente trabalho, inicialmente foi feita a delimitação do tema, onde foi pontuado o foco principal do trabalho, e o caminho a ser traçado para que tal assunto seja abordado. Ficou delimitado o foco do trabalho como sendo o estudo dos desrespeitos aos direitos e garantias fundamentais dentro do sistema prisional brasileiro, necessariamente, os desrespeitos referentes aos direitos dos presos.

Em relação aos objetivos específicos do desenvolvimento do trabalho, foram pontuadas questões quanto à análise da evolução do sistema prisional, análise da responsabilidade do Estado quanto à proteção dos presos, observação e análise dos direitos e garantias fundamentais dos presos, e verificação da ocorrência de desrespeitos a esses direitos e garantias.

Para que a delimitação e as especificidades sejam alcançadas, serão utilizados o método de pesquisa exploratório e quantitativo, onde será feita análise de dados, também serão utilizadas as técnicas de pesquisa de apropriação bibliográfica e documental. Além de ter como base o método dedutivo para resolução da problemática apresentada.


2. O SISTEMA PRISIONAL

Sendo o foco do trabalho a análise de desrespeitos ocorridos dentro do Sistema Prisional, é necessário entendermos o que é esse sistema. Visto isso, entende-se por “sistema” “o conjunto de princípios verdadeiros ou falsos reunidos de modo que formem um corpo ou doutrina; modo de organização” (AURÉLIO, 2017c) e o termo “prisional” remete a prisão, que remete a um estabelecimento onde indivíduos ficam presos (aprisionados/retidos). Ou seja, o sistema prisional é o modo de organização dos estabelecimentos onde se mantêm presos os indivíduos.

Neste capítulo iremos verificar a evolução histórica do sistema prisional no mundo, e, em seguida, a evolução do sistema prisional no Brasil. Após essa verificação, iremos conceituar e diferenciar os diversos tipos de instalações prisionais existentes, referenciando, assim, o todo que é o sistema prisional.

2.1 A evolução histórica do sistema prisional

2.1.1A evolução do sistema prisional no mundo

A privação da liberdade era desconhecida na antiguidade, mesmo que houvesse o encarceramento de delinquentes, este encarceramento não tinha o status de pena e sim de custódia, custódia essa que se mantinha apenas até o julgamento ou execução. Na antiguidade, o direito era exercido através do Código de Hamurabi, ou outros que ditavam o mesmo que “olho por olho”, não importando se a justiça era “feita com as próprias mãos”, coisa que mudou com o passar dos tempos, pois o Estado assumiu o seu lugar de punir.

Na Idade Média as sanções estavam submetidas ao arbítrio dos governantes, que as impunham em função do “status” social a que pertencia o réu, onde não se sancionavam os mesmos crimes e não puniam o mesmo gênero de delinquentes, mas definiam bem, a cada um deles, um certo estilo penal (FOUCAULT, 2014). Sanções como amputação de membros, forca e a guilhotina constituíam o espetáculo favorito das multidões deste período histórico.

A prisão só passou a ser considerada como pena a partir do séc. 18, quando se “reconheceu” a humanidade do delinquente.

Em algumas dezenas de anos, desapareceu o corpo suplicado, esquartejado, amputado, marcado simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou morto, dado como espetáculo. Desapareceu o corpo como alvo principal da repressão penal. (Foucault, 2014, p.13)

De acordo com Bitencourt (2013) os primeiros sistemas prisionais surgiram nos Estados Unidos, onde se mantinha o isolamento do indivíduo numa cela, se tinha oração constante (pois ainda eram ligados a concepções religiosas) e a abstinência total de bebidas alcoólicas, com o objetivo de “salvar” os criminosos. A lei do silêncio era rigorosa, e apenas os indivíduos mais perigosos eram mantidos em celas individuais. Além disso, os considerados menos perigosos trabalhavam em conjunto durante o dia, em trabalhos considerados tediosos e sem sentido.

Em 1796 o governador de Nova York enviou uma comissão para estudar o sistema prisional existente na Pensilvânia. Com as informações colhidas por essa comissão, passaram a substituir a pena de morte e os castigos corporais pela pena de prisão. (BITENCOURT, 2013)

Os pressupostos de racionalidade e de humanização do sistema penal (...) refletem o que foi definido como substituição do Príncipe pelo princípio – com a passagem da forma estatal medieval para o Estado Moderno, na sua versão inicial absolutista, tem-se o início de um modelo de dominação racional legal. (CARVALHO, 2008, p. 117)

No decorrer do séc. 19, foi imposta definitivamente a pena privativa de liberdade, e como consequência ocorreu um abandono progressivo da pena de morte. Além disso, foi implantado o regime progressivo, onde a essência consiste em distribuir o tempo de duração da condenação em períodos, onde o indivíduo passa a receber privilégios de acordo com sua boa conduta e o aproveitamento demonstrado do tratamento reformador. (BITENCOURT, 2013)

Entretanto, por mais que o sistema progressivo parecesse bom, este entrou em crise, o que levou a uma profunda transformação dos sistemas carcerários. Nas últimas décadas houve uma significativa sensibilidade ao que diz respeito à dignidade da pessoa humana e aos direitos humanos, tanto é que a ONU (Organização das Nações Unidas) estabeleceu em 1955 as Regras Mínimas para o tratamento dos reclusos, que têm como objetivo estabelecer os princípios e regras de uma boa organização prisional e as práticas relativas ao tratamento dos reclusos (ONU, 1955). Além disso, também foram criados pactos sobre direitos humanos, como a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), em 1948, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), em 1976, e a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), em 1969.

2.1.2 A evolução do sistema prisional no Brasil

A primeira menção à prisão no Brasil foi dada nas Ordenações Filipinas do Reino, no Código de Leis portuguesas que foi implantado no Brasil durante o período Colonial, que tinha como finalidade decretar a Colônia como presídio para os exilados. (PORTUGAL, 1870)

A instalação da primeira prisão no Brasil é citada na Carta Régia de 1769, que estabelece a implantação de uma Casa de Correção no Rio de Janeiro (PEDROSO, 1997). A Constituição Federal de 1824 estabelecia regras que as prisões deveriam cumprir, como ser limpas e seguras, além de separar os detentos de acordo com a natureza do crime de cada um (BRASIL, 1824).

O Código Penal de 1890 aboliu a pena de morte e deu lugar a outros tipos de sanções penais, dentre eles o regime prisional com fim correcional (BRASIL, 1890). Em 1940, durante o governo de Getúlio Vargas, foi publicado o atual Código Penal Brasileiro (CP), onde as penas são divididas entre pena de reclusão, detenção e multa (BRASIL, 1940).

Em 1984 foi instituída a Lei de Execução Penal (LEP), que tem como objetivo a efetivação das disposições da sentença ou da decisão criminal, onde os indivíduos são classificados de acordo com os antecedentes e a personalidade, garantindo assistência material, jurídica, educacional, social, religiosa, a saúde e, ao egresso, a finalidade de reinserir o indivíduo na sociedade. (BRASIL, 1984)

Em 1988, com o advento da Constituição Federal (CF) atual, foi instituído o art. 5º intitulado “direitos e garantias fundamentais”, que cede, a todo e qualquer cidadão, direitos básicos para garantir a vida, a saúde e a dignidade da pessoa humana, além de outros. (BRASIL, 1988)

Somente com o advento da Carta de 1988 é que o tratamento da execução penal adquiriu feição constitucional. A Constituição, como instrumento de reconhecimento de direitos e garantias individuais, sociais e difusos, bem como recurso de interpretação da legislação ordinária, possibilitou verdadeiro redimensionamento na leitura dos assuntos referentes ao processo penal executório. (CARVALHO, 2008, p. 154)

Ou seja, a CF serve como meio de interpretação da legislação ordinária (CP, LEP, etc.), e, por ser uma Constituição garantista, possibilita que o indivíduo apenado tenha um leque enorme de direitos e garantias como qualquer outro cidadão tem.

2.2 Os diversos tipos de instalações prisionais

Para um melhor entendimento do trabalho, serão apresentadas as definições e as diferenças entre os diversos tipos de instalações prisionais. É importante ainda deixar claro que, o presente estudo não terá como foco um único tipo de instalação prisional, mas todo e qualquer tipo, fazendo os devidos esclarecimentos quando forem necessários.

2.2.1 Penitenciárias

De acordo com o art. 87 da LEP “a penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado” (BRASIL, 1984). Ou seja, a penitenciária é reservada ao preso que já foi condenado, com sentença transitada em julgado, e que a condenação seja de pena de reclusão.

Entende-se por pena de reclusão aquela em que a pena começa a ser cumprida em regime fechado e, a depender a conduta do indivíduo, o regime pode progredir para o regime semiaberto e em seguida para o aberto. E entende-se por regime fechado quando o indivíduo passa o dia todo em cárcere, saindo apenas para banhos de sol e trabalhos, quando tem, em horários específicos.

Além disso, o art. 88 também da LEP diz que o condenado deve ser alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. O parágrafo único do mesmo artigo fala que deve ser mantida a salubridade do ambiente e que cada cela dever conter área mínima de 6,00m². (BRASIL, 1984)

2.2.2 Colônias agrícolas, industriais ou similares

De acordo com o art. 91 da LEP a Colônia “destina-se ao cumprimento da pena em regime semiaberto” (BRASIL, 1984 – grifo nosso). Entende-se por regime semiaberto aquele em que o indivíduo sai da instalação prisional durante o dia para trabalhar e se recolhe ao presídio no período noturno.

Nas Colônias, o indivíduo pode ser alojado em cela coletiva, desde que observados os requisitos do parágrafo único do art. 92 da LEP, que versa sobre a seleção dos presos e a capacidade máxima de cada cela. (BRASIL, 1984)

2.2.3 Casa do albergado

De acordo com o art. 93 da LEP “a Casa do Albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime aberto (...)” (BRASIL, 1984 – grifo nosso). Entende-se por regime aberto aquele em que o indivíduo trabalha durante o dia, e, no período noturno, recolhe-se a Casa de Albergado ou a sua própria residência, além de ter todas as suas atividades monitoradas.

2.2.4 Centro de observação

De acordo com o art. 96 da LEP, o Centro de observação é onde se realizam os exames criminológicos, e o resultado desses exames será o indicador da instalação prisional a qual o indivíduo será encaminhado (BRASIL, 1984). Ou seja, é no Centro de observação que se faz a triagem dos indivíduos.

2.2.5 Hospital de custódia

De acordo com o art. 99 da LEP, o hospital de custódia é destinado aos indivíduos considerados inimputáveis e semi-imputáveis (BRASIL, 1984 – grifo nosso). Entende-se por inimputável o indivíduo que não pode ser responsabilizado criminalmente por seus atos, pois não possui capacidade psicológica para entender a consequência de seus atos.

2.2.6 Cadeia pública

De acordo com o art. 102 da LEP, a cadeia pública se destina ao recolhimento de presos provisórios (BRASIL, 1984 – grifo nosso).  Entende-se por preso provisório o indivíduo que ainda aguarda julgamento.


3. OS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DOS PRESOS

Neste capítulo iremos elencar e analisar os principais direitos e garantias fundamentais dos presos, utilizando a Constituição Federal (CF) de 1988, e, principalmente, a Lei de Execução Penal (LEP), sendo a nossa base na legislação brasileira, e a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), sendo a nossa base legislativa internacional.

3.1 Os direitos e garantias fundamentais de acordo com a legislação brasileira

3.1.1 De acordo com a Constituição Federal

Em se tratando dos princípios fundamentais previstos na CF, o art. 1º da mesma diz que “A República Federativa do Brasil, (...), constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana” (BRASIL, 1988 – grifo nosso).

De acordo com Motta (2013) a palavra ‘dignidade’ possui diversos significados, mas, em regra, é relacionada a “merecimento ético”, que por sua vez é ligado a status social, honestidade e honradez. Motta(2013) diz “A dignidade é essencialmente um atributo da pessoa humana pelo simples fato de alguém "ser humano”, se tornando automaticamente merecedor de respeito e proteção, não importando sua origem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição socioeconômica”.

Além do art. 1º, o art. 4º diz que “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: II - prevalência dos direitos humanos” (BRASIL, 1988 – grifo nosso). Ou seja, os princípios da dignidade da pessoa humana e da prevalência dos direitos humanos são, entre outros, a base de todo o ordenamento jurídico brasileiro.

Em se tratando dos direitos e garantias fundamentais previstos na CF, o caput do art. 5º diz que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, (...)” (BRASIL, 1988 – grifo nosso). Ou seja, a CF garante a igualdade de tratamento a todos os residentes no país e garante direitos como o direito à vida e à segurança, sem dar qualquer diferenciação em se tratando da proporção que esses direitos devem ser garantidos a diferentes “tipos” de pessoas. Além do caput do art. 5º, o inciso III, que assevera: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, e o inciso XLI, que diz: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (BRASIL, 1988), tais colocações servem de reafirmação aos princípios da dignidade da pessoa humana e da prevalência dos direitos humanos, que estão previstos nos artigos 1º e 4º da CF, e que já foram citados anteriormente.

Em se tratando do processo penal, ainda sobre o art. 5º, o inciso XLVII diz que “não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis” (BRASIL, 1988 – grifo nosso). De acordo com o dicionário Aurélio (2017b), o termo “perpétuo” significa “dar ou obter fama duradoura; contínuo; vitalício; inalterável”, entretanto, as penas privativas de liberdade no Brasil têm caráter de reeducação, e não pura e simplesmente de punição, por esse motivo, as penas não podem ter caráter perpétuo.

Além disso, o inciso LIV versa sobre a proibição da privação de liberdade sem o devido processo legal, o inciso LVII versa sobre o trânsito em julgado ser requisito para afirmar a culpabilidade do indivíduo (BRASIL, 1988 – grifo nosso). O devido processo legal consiste em um princípio que assegura aos indivíduos direitos como requisitos para que haja a continuidade do processo (COSTA, 2011). Já o termo “trânsito em julgado”, de acordo com Strazzi (2014), “é uma expressão usada para uma decisão (sentença ou acórdão) de que não se pode mais recorrer, seja porque já passou por todos os recursos possíveis, seja porque o prazo para recorrer terminou”, ou seja, trânsito em julgado significa que o processo já passou por todos os trâmites legais, e que não cabe nenhuma alteração.

Ainda sobre o art. 5º, inciso LXV versa sobre o imediato relaxamento da prisão ilegal, já o inciso LXVI versa sobre formalidades quanto a prisão e a liberdade provisória (BRASIL, 1988 – grifo nosso). De acordo com Alvarenga (2016), entende-se por prisão ilegal aquela em que não foram observadas as exigências legais para o ato, por isso a necessidade de que seja relaxada (“aliviada”), pois para que o indivíduo seja preso é necessário que ocorra o devido processo legal. E, em se tratando da liberdade provisória, essa é entendida como uma garantia do indivíduo de se manter em liberdade enquanto aguarda o trânsito em julgado do processo.

Os incisos LXII, LXIII e LXIV garantem ao preso e aos seus familiares o direito de informação, comunicação e identificação. (BRASIL, 1988)

Em se tratando da execução penal, ainda no art. 5º da CF, o inciso XLVI garante que: “a lei regulará a individualização da pena (...)” e o inciso XLVIII diz que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado” (BRASIL, 1988 – grifo nosso). Ou seja, estes incisos dizem respeito ao princípio da individualização da pena, que se desdobra em três momentos distintos, mas interligados.

O primeiro momento diz respeito a individualização legislativa, onde o legislador escolhe as condutas mais gravosas para tipificar como crime. O segundo momento diz respeito a individualização judiciária, onde o juiz aplica a pena abstrata ao caso concreto. E o terceiro momento é o da individualização executória, onde o juiz da execução penal observa os benefícios a que os presos têm direito, concedendo-os quando devidos. (MARACAJ, 2013)

Em se tratando de execução penal, o inciso XLIX do art. 5º da CF assegura a todo e qualquer preso o respeito à integridade física e moral, assim como o inciso L assegura as presidiárias condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação (BRASIL, 1988).

De acordo com o dicionário Aurélio (2017a) “integridade” significa “caráter daquilo a que não falta nenhuma das suas partes; estado de inalterável”. Logo, integridade física diz respeito a inalterabilidade do corpo do indivíduo; e a integridade moral diz respeito a forma como o indivíduo é visto na sociedade (ex. de desrespeito: insultos). Existe a ainda a integridade psíquica que diz respeito a inalterabilidade psicológica (ex. de desrespeito: humilhação);

Em se tratando da responsabilidade do Estado frente aos direitos dos presos, o inciso LXXIV, do art. 5º determina que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” e o inciso LXXV que: “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença” (BRASIL, 1988). Ou seja, o estado garante ao preso não só a assistência jurídica necessária (defensoria pública), como, também, tem o dever de indenizar quando comete algum erro judiciário.

3.1.2 De acordo com a Lei de Execução Penal

De acordo com o art. 1º da LEP o objetivo da execução penal é efetivar as disposições da sentença ou decisão e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Além disso, o art. 3º assegura todos os direitos que não foram atingidos pela sentença ou pela lei, e o parágrafo único do mesmo diz que “não haverá distinção de natureza racial, social, religiosa ou política”. (BRASIL, 1984 – grifo nosso)

De acordo com o art. 5º da LEP, para que haja a individualização da execução de forma eficiente, os condenados serão classificados com base nos antecedentes e na personalidade (BRASIL, 1984). No que se refere a individualização da pena, esta já foi explicada anteriormente, onde foram explicados seus desdobramentos nos dizeres de Maracaj (2013).

De acordo com o art. 10 e seu parágrafo único, é dever do Estado a assistência ao preso, ao internado e ao egresso, para prevenir o crime e orientar o retorno a sociedade. (BRASIL, 1984)

Sobre a assistência que o Estado deve prestar, o art. 11 estabelece que a assistência deve ocorrer de forma material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. A assistência material consiste no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas, de instalações e serviços que atendam as necessidades pessoais, além de local destinado à venda de produtos permitidos e não fornecidos pela Administração, conforme estabelece os artigos 12 e 13. A assistência à saúde consiste no atendimento médico, farmacêutico e odontológico, que deverá ser prestada no estabelecimento ou em outro local, conforme estabelece o art. 14 e o parágrafo segundo do mesmo. Ainda sobre a assistência à saúde, o parágrafo terceiro do art. 14 assegura à mulher acompanhamento médico, em especial no pré-natal e no pós-parto, acompanhamento esse que deve ser estendido ao recém-nascido. A assistência jurídica é destinada aos presos sem recursos financeiros para constituir advogado, conforme estabelece o art. 15. Em se tratando de assistência educacional, esta consiste em instrução escolar e formação profissional, conforme estabelece o art. 17. A assistência social consiste no amparo ao preso e ao internado e prepará-los para o retorno ao convívio social, conforme estabelece o art. 22. A assistência religiosa, assim como a liberdade de culto, será prestada aos presos e internados e permite a participação nos serviços organizados no estabelecimento, bem como a posse de livros de cunho religioso, conforme estabelece o art. 24. Ainda sobre a assistência religiosa, o parágrafo primeiro do art. 24 diz que “haverá local apropriado para os cultos religiosos”, e o parágrafo segundo diz que ninguém será obrigado a participar de atividade religiosa. (BRASIL, 1984)

O art. 40 impõe a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios (BRASIL, 1984 – grifo nosso). Os conceitos de integridade física e moral já foram explicados anteriormente, bem como o de integridade psíquica.

De acordo com o art. 41 e seus incisos

Constituem direitos do preso:I - alimentação suficiente e vestuário;II - atribuição de trabalho e sua remuneração;III - Previdência Social;IV - constituição de pecúlio;V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;XI - chamamento nominal;XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. (BRASIL, 1984 – grifo nosso)

Ou seja, os incisos do art. 41 elencam todos os direitos inerentes a condição de preso que o indivíduo tem.

3.2 Os direitos e garantias fundamentais de acordo com a legislação internacional

3.2.1 De acordo com a Convenção Americana de Direitos Humanos

O capítulo 1 da CADH enumera os deveres dos Estados-partes, e o parágrafo 1º do artigo 1º diz que é obrigação dos Estados-partes o respeito aos direitos e liberdades que são reconhecidos na mesma, além de garantir seu pleno e livre exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação de qualquer natureza. (CADH, 1969)

O capítulo 2 da CADH fala sobre os direitos civis e políticos, e com isso elenca todos os direitos fundamentais inerentes ao ser humano. O parágrafo 1 do artigo 4º refere-se ao direito à vida e diz “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente” (CADH, 1969 – grifo nosso). Entende-se por concepção o momento em que o óvulo é fecundado pelo espermatozoide, tornando-se assim um só e desenvolvendo a vida (FREITAS, 2008).

Ou seja, toda pessoa, independe de raça, religião ou qualquer outra coisa, tem direito à vida, direito a que se respeite sua vida, e este direito deve ser protegido por lei, que, por consequência, deve ser protegido pelo Estado autor da lei.

O artigo 5º refere-se à integridade pessoal. O parágrafo 1º fala sobre a integridade física, psíquica e moral (CADH, 1969).

O artigo 6º refere-se à proibição da escravidão e da servidão, e seu parágrafo 2º garante que “ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório” e, se caso a pena restritiva de liberdade seja em conjunto com algum tipo de trabalho, este “não deve afetar a dignidade, nem a capacidade física e intelectual do recluso”. (CADH, 1969 – grifo nosso)

O artigo 7º refere-se a liberdade pessoal, que consiste na possibilidade de fazer o que quer sem que haja a necessidade de justificar suas ações (FERNANDES, 2010). O parágrafo 3º proíbe a detenção ou encarceramento arbitrários. O parágrafo 4º fala sobre a informação das acusações e das razões da detenção. Os parágrafos 5º e 6º versam sobre a condução, sem demora, da pessoa detida à presença de um juiz ou autoridade competente, para que se decida sobre a legalidade de sua prisão, atualmente conhecido como audiência de custódia. (CADH, 1969)

O artigo 10 refere-se ao direito à indenização nos casos em que a pessoa tenha sido condenada por erro judiciário. O artigo 11 refere-se à proteção do direito ao respeito da honra e o reconhecimento da dignidade. (CADH, 1969)

O artigo 12 refere-se a liberdade de consciência e de religião, e, de acordo com o parágrafo 1º, “implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado”. (CADH, 1969)

Ainda sobre o artigo 12, o parágrafo 2º diz que “ninguém pode ser submetido a medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças”. (CADH, 1969)

O artigo 24 refere-se a igualdade perante lei, sem discriminação de qualquer natureza. (CADH, 1969)

E, por último, o artigo 25 refere-se à proteção judicial, para que haja a proteção à pessoa de atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. (CADH, 1969)

Como se pode notar, muitos dos princípios e garantias presentes na Constituição Federal brasileira estão dispostos na Convenção Americana de Direitos Humanos, e por já terem sido destrinchados no tópico referente a Constituição, não foram aprofundados, apenas citados, para que não ocorresse uma repetição.

3.2.2 De acordo com a Declaração Universal de Direitos Humanos

O artigo 2º da DUDH diz que toda pessoa tem capacidade para gozar de direitos e liberdades sem distinção de qualquer natureza. O artigo 3º diz que toda pessoa tem direito a vida e a segurança pessoal. O artigo 5º diz que “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”, o que nos remete ao princípio da dignidade da pessoa humana. O artigo 6º versa sobre o reconhecimento da pessoa perante a lei. O artigo 7º versa sobre a igualdade de direitos, incluindo a proteção contra qualquer tipo de discriminação, o que nos remete ao princípio da isonomia.

O artigo 18 garante a liberdade de pensamento e religião e diz:

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular. (DUDH, 1948)

Vale ressaltar que essa liberdade deve ocorrer sem discriminação, como institui o princípio da isonomia, presentes na CADH, na CF e na LEP.

Assim como na CADH, fica explícito que muitos dos princípios e garantias presentes na Constituição Federal brasileira estão dispostos na Declaração Universal de Direitos Humanos, e por isso não foram destrinchados, evitando assim, repetição.

3.2.3 De acordo com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos

O §1º do art. 2º do PIDCP versa sobre o compromisso dos Estados Parte quanto ao respeito e garantia, sem qualquer forma de discriminação, de todos os indivíduos, remetendo ao princípio da isonomia citado anteriormente. (PIDCP, 1992)

O §3º do art. 2º versa sobre o comprometimento dos Estados Parte de garantir que i) todas as pessoas possuam um recurso ao qual recorrer sempre que seus direitos e liberdades tenham sido violados, mesmo que a violação tenha ocorrido por parte de pessoas em exercício de função oficial; ii) todas as pessoas que se utilizarem de tal recuso tenham determinados os seus direitos pela autoridade judiciária responsável; iii)o cumprimento das decisões de tal recurso. (PIDCP, 1992)

O art. 6º, §1º, versa sobre a inerência do direito à vida ao ser humano. O §2º do mesmo artigo versa sobre as hipóteses da aplicação da pena de morte nos países em que tal sanção não foi abolida. (PIDCP, 1992)

O art. 7º versa sobre a proibição de submissão de pessoas à tortura ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Versa ainda sobre experiências científicas em pessoas sem consentimento. (PIDCP, 1992)

O art. 8 e seus parágrafos versam sobre a proibição da submissão da pessoa à escravidão, servidão e à trabalhos forçados ou obrigatórios, entretanto, faz uma ressalva quanto a penas de trabalho forçado impostas por um tribunal competente. (PIDCP, 1992)

Vale ressaltar que nos casos em que sejam estipuladas penas de trabalho forçado, essas penas não podem ferir o princípio da dignidade da pessoa humana, por consequência, não podem ferir os direitos humanos estabelecidos na CADH e na DUDH já citadas anteriormente.

Os §§ 1º e 2º do art. 9º versam sobre o direito à liberdade física e de informação quanto aos motivos da prisão, além do direito a segurança pessoal. O §3º versa sobre a audiência de custódia, fazendo jus ao princípio da celeridade processual. O §4º versa sobre o direito de recorrer da decisão proferida e do relaxamento da prisão irregular. (PIDCP, 1992)

O §1º do art. 10 versa sobre o tratamento humanitário e o a dignidade da pessoa humana. Os §§ 2º e 3º versam sobre a individualização da pena e sobre a triagem dos indivíduos. O §3º ainda versa sobre o objetivo do sistema prisional, que é a reforma e reabilitação dos prisioneiros. (PIDCP, 1992)

O art. 26 versa sobre o tratamento igualitário de todos perante a lei, assegurando que não haja discriminação de qualquer natureza, em especial as por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação. (PIDCP, 1992)

Assim como as legislações analisadas anteriormente, o PIDCP versa sobre vários assuntos já analisados, por isso não foram analisados de forma aprofundada.

Findo o atual capítulo, a seguir iremos discutir os desrespeitos aos direitos e garantias dos indivíduos dentro do sistema prisional brasileiro.


4. OS DERESPEITOS AOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS QUE OCORREM DENTRO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

O respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana é um direito intrínseco ao ser humano, onde não importa a condição financeira, o status social, a religião, ou qualquer outro adjetivo, e deve ser promovido pelo Estado.

Neste diapasão, diversos tratados internacionais visam estabelecer que a dignidade da pessoa humana seja resguardada também dentro do sistema prisional. Diversas são as garantias previstas em regulamentos, como a Constituição Federal (CF) e a Lei de Execução Penal (LEP), que visam o cumprimento, por parte do Estado, do respeito a este princípio.

Ainda na mesma linha de raciocínio, a LEP estabelece que o objetivo da execução penal é, além de efetivar o que consta a sentença, proporcionar que o preso seja integrado socialmente de forma harmoniosa. E no que se refere a assistência ao preso, esta tem o objetivo de prevenir o crime e orientar o preso quanto ao seu retorno a sociedade. (BRASIL, 1984)

Logo, além do sentido de punição, a prisão tem a função de ressocializar o indivíduo. Entretanto, mesmo que os direitos dos presos tenham atingido o caráter constitucional, sua plenitude é inviabilizada, graças ao sistema inquisitivo da execução penal. (CARVALHO, 2008)

Atualmente, o sistema prisional tem como base a exclusão social do criminoso, que passa a viver num ambiente de opressão através de confinamento e vigilância. Neste sentido, não são poucas as vezes em que indivíduos nem tão perigosos são colocados em convívio com outros extremamente perigosos, desenvolvendo assim, a “escola do crime”.

O Código Penal (CP) estabelece mecanismos para que haja a individualização da penal, onde deve existir uma relação entre a responsabilização da conduta do acusado e a punição que deve ser aplicada diante de tal conduta, tendo sempre como finalidade a repressão e a prevenção do crime. (COELHO, 2011, p.34)

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. (BRASIL, 1940 – grifo nosso)

O art. 59 do CP estabelece alguns dos critérios que devem ser observados para que seja realizada a individualização da pena. Entretanto, algumas vezes parece que esses critérios não são observados, e, mesmo que sejam observados, não são possíveis de aplicar haja vista a quantidade de problemas que rodeiam o sistema prisional.

Como exemplo disso, temos a Casa de Detenção de São Paulo, popularmente chamada de Carandiru, que se transformou em obra literária pelas mãos do médico Dráuzio Varella, que disse:

A população da Casa é móvel: cerca de 3 mil homens são libertados ou transferidos anualmente. Construída para albergar apenas presos à espera de julgamento, a Detenção transformou-se numa prisão geral. Ao lado de ladrões primários condenados a poucos meses, ali cumprem pena criminosos condenados a mais de um século. (VARELLA, 2012, p. 15)

Como podemos ver no relato acima, a falta de divisão entre os presos é basicamente a regra. Além disso, a superlotação também tornou-se regra, fazendo com que os indivíduos vivam em condições subumanas. A integridade do indivíduo já não existe mais, agressões físicas, psíquicas e morais, ocorrem em plena luz do dia e de forma natural. Direitos básicos, como o direito à vida e à saúde, são muitas vezes jogados por terra. Massacres ocorrem constantemente, assim como são mostrados casos de falta de medicamentos e até de médicos para atender a população carcerária.

4.1 Superlotação

Em 2010, existiam cerca de 500 mil encarcerados no país, e o Brasil possuía a terceira maior população carcerária do mundo, atrás dos Estados Unidos e da China. Além disso, a superlotação era de 1,65 preso por vaga. (CNJ, 2010)

Em 2015, o sistema prisional brasileiro tinha capacidade para cerca de 350 mil indivíduos, de ambos os sexos e levando em consideração todos os tipos de instalação prisional existente no Brasil, que são cerca 1.400 instalações. Entretanto, a ocupação chegava em torno dos 600 mil. (CNMP, 2016)

A partir desses dados, é possível afirmar que a superlotação é a mãe de todos os outros problemas do sistema prisional brasileiro, pois, uma cela superlotada ocasionada, na maioria das vezes, insalubridade, doenças, mortes e rebeliões, e que, por consequência, ocasiona a degradação da pessoa humana, além de prejudicar a integridade do indivíduo.

4.2 Assistencialismo

Como já citado anteriormente, o art. 41, VII da LEP estabelece que ao preso, condenado ou provisório, é garantido o direito a assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Entretanto, os inúmeros problemas estruturais, administrativos e jurisdicionais impedem o cumprimento de tais garantias.

4.2.1 Assistência material

A assistência material consiste no fornecimento de alimentação, vestuário, instalações higiênicas e serviços que atendam as necessidades do indivíduo. Entretanto, produtos de higiene, roupas de cama e até mesmo colchões são praticamente inexistentes nos presídios, cabendo ao próprio preso a responsabilidade de buscar, encontrar e conseguir acesso a tais produtos, além de precisar pagar por eles.

Dráuzio Varella, em sua obra Estação Carandiru (2012 e p. 30), descreve a situação do presídio e diz “É grave a situação da parte hidráulica. Os vazamentos fazem parte da rotina, infiltram paredes, inundam galerias, o pátio interno e o interior das celas. Alguns canos já foram tão danificados que os consertos ficam complicados”.

A precariedade dos estabelecimentos é tanta que chega a chover dentro das celas. Os banheiros são coletivos e a rede de esgoto danificada. A falta de higiene aumenta a probabilidade da proliferação de doenças.

4.2.2 Assistência à saúde

A superlotação, a precariedade da instalação e a falta de assistência material contribuem para um ambiente com pouca higiene e com maiores chances de contágio de doenças, principalmente as do sistema respiratório como a tuberculose, como descreve Dráuzio Varella (2012).

Tais problemas fazem com que o preso que entrou saudável não saia de lá sem ter contraído alguma doença, ou pelo menos com sua resistência física e saúde fragilizadas. Assim, ocorre uma dupla penalização do indivíduo, onde ele sofre com a pena de prisão propriamente dita e o estado de saúde que adquire durante sua permanência. (ASSIS, 2007, p. 02)

Além da precariedade, a maioria das instalações prisionais não proporciona tratamento médico hospitalar, fazendo com que os presos tenham a necessidade de serem levados a clínicas e hospitais, gerando novos transtornos, pois precisam de escolta policial, quase sempre indisponível, e do sistema público de saúde, que é igualmente precário.

Outro ponto importante no que se refere a saúde é o regime aberto em residência particular nos casos em que o condenado é acometido por doença grave, conforme estabelece o art. 117, II, da LEP. Entretanto, essa progressão de regime dificilmente ocorre, mesmo quando fica claro que o indivíduo é incapaz de voltar a cometer crimes.

4.2.3 Assistência judiciária

A assistência judiciária consiste basicamente na Defensoria Pública, e é destinada as presos que não têm condições financeiras de constituir um defensor particular. A assistência judiciária consiste na disponibilidade de um defensor e na disponibilidade de um espaço reservado para que o defensor e o preso possam conversar sobre a causa.

Talvez, essa seja a forma de assistência que menos sofre desrespeitos. Não porque sobrem defensores públicos, mas porque estes se sobrecarregam de trabalho para garantir ao máximo de pessoas o seu acesso a assistência jurídica gratuita. E no que tange ao espaço para que possam ocorrer os diálogos, mesmo que estes também existam de forma precária, ainda são melhores estruturados que qualquer outra parte do presídio que sirva de espaço para os presos.

4.2.4 Assistência educacional

A maioria esmagadora dos presos é de pessoas de classes sociais mais baixas e carentes de instrução, dessa forma, o processo educacional serviria como uma maneira de ressocializar o indivíduo. Entretanto, a superlotação, a precariedade e a falta de disponibilidade de professores dispostos a conviver com a massa carcerária são os grandes problemas desse quesito.

Além de servir como forma de ressocializar, serve também como forma de acabar com o ócio dos indivíduos, pois como diz o ditado popular “mente vazia é oficina do diabo”. E serve também como forma de manter a integridade psíquica do preso.

4.2.5 Assistência religiosa e social

A assistência religiosa, assim como a assistência jurídica, é a que melhor consegue ser preservada, pelos menos para as vertentes religiosas que têm por base o Cristianismo. Como descreve Varella (2012, p. 95) “a igreja funciona como centro de recuperação, talvez o único disponível no presídio”.

Por outro lado, a assistência social é a que encontra mais obstáculos, pois consiste na assistência e preparação do preso para voltar ao convívio social, ou seja, consiste na ressocialização do indivíduo, e pelo que foi mostrado até agora, cada problema dificulta o papel ressocializador do sistema prisional.

4.3 Integridades

Como já dito anteriormente, a dignidade da pessoa humana é base de todo o ordenamento jurídico brasileiro, que tem como referência diversos tratados internacionais. Respeitar a dignidade do ser humano nada mais é do que manter sua integridade intacta, seja ela no âmbito físico, psíquico ou moral. Entretanto, esse princípio intrínseco ao ser humano não está sendo respeitado por quase nenhum, ou nenhum, aspecto.

4.3.1 Integridade física

O preso sofre com diversas práticas de agressões físicas e tortura, tanto por parte dos agentes penitenciários, como por parte dos próprios presos. Principalmente quando ocorrem rebeliões, onde é “cada um por si”. Um exemplo de agressão entre os presos é descrito por Varella (2012, p. 113), e fala sobre um homem preso por estupro, “Do momento em que ele desceu na Divineia, até a sua morte no pavilhão Cinco, passaram-se exatos cinquenta minutos. Tomou tanta facada que quase lhe desarticularam o braço direito”.

Outro exemplo de agressão, mas nesse sendo o agressor a autoridade policial, ocorreu no massacre do Carandiru, como diz Varella (2012, p. 225-226) “Passava das três da tarde quando a PM invadiu o pavilhão Nove. O ataque foi desfechado com precisão militar: rápido e letal. A violência da ação não deu chance para defesa”.

Além desse relato, Varella (2012, p. 230) também relatou que:

No dia 2 de outubro de 1992, morreram 111 homens no pavilhão Nove, segundo a versão oficial. Os presos afirmam que foram mais de duzentos e cinquenta, contados os que saíram feridos e nunca retornaram. Nos números oficiais não há referência a feridos. Não houve mortes entre os policiais militares.

Como podemos ver, a integridade física do preso não está segura, e nunca se sabe quando a sua vida será ceifada.

4.3.2 Integridade psíquica

As leis da sociedade comum não bastam, existem também as leis dos presos, e quando essas leis internas não são cumpridas, o indivíduo é punido com todo o tipo de agressão.

Pagar a dívida assumida, nunca delatar o companheiro, respeitar a visita alheia, não cobiçar a mulher do próximo, exercer a solidariedade e o altruísmo recíproco, conferem dignidade ao homem preso. O desrespeito é punido com desprezo social, castigo físico ou pena de morte. (VARELLA, 2012, p. 8)

Além das regras básicas, existem ainda as questões hierárquicas, as gangues dentro dos presídios, a falta de dinheiro e a necessidade de ter algo lá dentro. Imagine seguir todas as leis externas, todas as regras internas e conseguir sobreviver lá dentro. Por esses motivos, não são raros os casos em que os presos enlouquecem enquanto estão no cárcere.

Outra forma de promover a ressocialização, diminuir o ócio dos presos, e, por consequência, manter a integridade psíquica do preso, é o incentivo ao trabalho, que está previsto no art. 28 da LEP, e que não é efetivado na maioria das instalações prisionais, justamente por causa dos inúmeros problemas estruturais, administrativos e jurisdicionais.

A maioria dos presos não trabalha ou por que não lhes foi oferecido trabalho, ou por que o trabalho é privilégio de alguns, principalmente dos mais antigos dentro da instalação prisional.

4.3.3 Integridade moral

Como se não bastasse as agressões físicas e psíquicas, o preso ainda sofre com agressões morais, onde é insultado constantemente, principalmente nos casos em que o preso é homossexual ou transexual.

E se mal existe tratamento médico clínico, quem dirá tratamento psicológico para todos os presos. Principalmente o psicológico, que sempre foi tratado como última opção, mas que têm se tornado o mal da sociedade contemporânea.

4.4 Rebeliões e Fugas

Só quem já viveu isso sabe, mas não deve ser fácil para o indivíduo viver em condições subumanas, cercado de falta de higiene, saúde, segurança, além de ser constantemente agredido, muitas vezes sem motivo aparente. A soma de todos os fatores acima mencionados leva a outros graves problemas encontrados no sistema prisional, as rebeliões e as fugas.

4.4.1 Rebeliões

De acordo com Assis (2007), as rebeliões não passam de gritos de reivindicações, mesmo que estas se constituam em levantes organizados e de forma violenta. Uma rebelião é a forma que o preso encontra de chamar a atenção das autoridades, quando a falta de higiene e cuidados médicos básicos, quando as agressões que sofrem diariamente. As rebeliões são simplesmente um grito de socorro.

Nesse diapasão, Carvalho (2008, p. 222) diz “Percebe-se que os atos de transgressão às regras impostas no ambiente carcerário indicam, na grande maioria dos casos, a única possibilidade de manifestação da massa carcerária contra a constante lesão dos seus direitos”.

Ainda nos dizeres de Carvalho (2008, p. 222), “a rebelião é o último recurso dos presos (...), pois correm o risco de perder tudo: a vida, a possibilidade de progressão de regime, os benefícios judiciais”.

Além disso, as rebeliões, e principalmente a violência entre os presos quando elas ocorrem, muitas vezes serves como um mecanismo de alívio da angústia, tensão e frustação. “O observador não raro surpreende-se com a ausência de causas aparentes e imediatas para essas explosões de brutalidade, individual ou coletiva”, como descreve Coelho (2005, p. 35).

4.4.2 Fugas

Em se tratando das fugas, não há muito o que se falar, esta também é uma forma de protesto dos presos, mas no fundo, é a única coisa de que se pode esperar de um indivíduo encarcerado.

Sendo assim, conclui-se que tantos as rebeliões como as fugas são geradas por todos os desrespeitos a dignidade do ser humano que ocorre de forma constante dentro do sistema prisional.

4.5 Egressos

Antes de dar continuidade ao assunto, é necessário entendermos o que se considera egresso. Nos dizeres do art. 26 da LEP, é considerado egresso aquele que se encontra em liberdade condicional, no período em que a condicional durar, e aquele que se encontra em liberdade definitiva, no período de 1 ano, a contar da data de sua soltura. (BRASIL, 1984)

No que tange aos direitos dos egressos, a LEP estabelece, conforme art. 25, que “a assistência ao egresso consiste: I – na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade; II – na concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em estabelecimento adequado, pelo prazo de 2 meses”, e o art. 27 estabelece que “o serviço de assistência social colaborará com o egresso para a obtenção de trabalho”. (BRASIL, 1984)

Contudo, se o Estado não consegue prover tais garantias àqueles que se encontram encarcerados, é garantido que não consegue com os ex-detentos. Estes, por sua vez, vão em busca, sozinhos, de condições de vida melhores, mas não podem exigir nada melhor que um emprego degradante, pois seu status jurídico não é digno de confiança, e não existe ninguém que os ajude nessa transição.

Tais condições fazem com que o indivíduo passe a viver às margens da sociedade e da lei, contribuindo assim para a reincidência do indivíduo.


5. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO QUANTO A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DOS PRESOS

Depois de observados tantos desrespeitos aos direitos e garantias fundamentais dos presos, não poderíamos deixar de lado a responsabilidade do Estado quanto a proteção desses direitos e garantas fundamentais. E antes de chegarmos ao viés das instalações prisionais, precisamos antes adentrar numa questão que envolve toda a sociedade, principalmente no dia a dia: a polícia.

Nos dizeres de Soares e Guindani (2007), as polícias brasileiras são personagens da nossa história, que contêm marcas profundas de vias autoritárias e excludentes de desenvolvimento da modernidade. Tais marcas impedem que as polícias falem a língua dos direitos fundamentais, onde se preserva a dignidade da pessoa humana.

A polícia, principalmente a militar, é o representante do Estado mais próximo da maior parte da população. Entretanto, a corrupção policial e a brutalidade institucionalizada são a base para a destruição de tudo o que a sociedade acredita ser garantidor de direitos. (SOARES; GUINDANI, 2007)

É fato notório que somente haverá eficiência policial se houver uma observância rigorosa da legalidade constitucional e o respeito aos direitos humanos. A polícia, tendo como objetivo a proteção de direitos e liberdades constitucionais, deve fazer com que as leis sejam cumpridas, sem que para isso passe por cima de alguma delas.

Em treinamento, os policiais são instruídos a, primeiramente, fazer uso da moderação e a observar a proporção da força aplicada, com base na ameaça e intensidade da resistência. Entretanto, o uso da força desmedida, e que muitas vezes provoca a morte, é o que parece regra geral no dia a dia.

Ao que parece, a polícia está completamente despreparada para o combate, e parece também que o judiciário está tanto, ou mais, despreparado quanto a polícia.

Outro ponto que deve ser levado em consideração, é que a maioria dos presos, advém de uma classe social marginalizada pela sociedade, sendo pobres e desprovidos de instrução, emprego, oportunidade, e assistência social. Dessa forma, um grande número de indivíduos entra e as do sistema prisional sem a devida rede de proteção, com seus direitos negligenciados.

Sendo assim, cabe ao Estado o dever de ressarcir o indivíduo quando o faz passar por situações que desrespeitem seus direitos, da mesma forma que caberia indenização a qualquer indivíduo da sociedade quando é lesado em relações de consumo, por exemplo.

O § 6º do art. 37 da Constituição Federal (CF) estabelece que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (BRASIL, 1988 – grifo nosso). Desta forma, a CF não exige que o agente esteja no exercício de suas funções, mas na qualidade de agente público, ficando assim o Estado responsável pelos atos ou omissões de seus agentes, independente de terem agido dentro de suas funções no momento do dano ao indivíduo (COSTA, 2013).

Ou seja, mesmo que o policial não esteja em horário de expediente, o dano que ele causar a um indivíduo torna-se responsabilidade do Estado.

Entretanto, para que as pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público sejam responsabilizadas civilmente pelos danos causados aos indivíduos é necessário que alguns requisitos se façam presentes. De acordo com Costa (2013 – grifo nosso), os requisitos são: “a) consumação do dano a terceiro, servidor público ou não; b) ação ou omissão administrativa; c) nexo causal entre o dano e a ação ou a omissão administrativa; d) a oficialidade da atividade causal e lesiva; e) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal”.

Ainda nos dizeres de Costa (2013), é necessário que:

O dano possa ser caracterizado como jurídico, devendo causar lesão a algo que a ordem jurídica reconhece como garantido em favor do sujeito; e certo, ainda que atual ou futuro. Importante assinalar que nos casos de responsabilidade do Estado por atos lícitos, não basta que o dano seja apenas jurídico e certo, devendo ser, também, específico, de modo a atingir uma pessoa ou um grupo de pessoas determinadas, que sofrem dano não experimentados pelos demais membros da sociedade; e anormal, de modo a superar os inconvenientes normais da vida em sociedade. (COSTA, 2013 – grifo nosso)

Observados tais requisitos, a responsabilidade do Estado acaba por se dividir entre objetiva e subjetiva. A objetiva consiste na não exigibilidade de culpa ou dolo, necessitando apenas da relação entre a causa e o efeito, ou seja, entre o ato praticado pelo agente e o dano sofrido pelo indivíduo. A subjetiva, por outro lado, consiste na exigibilidade de dolo ou culpa, podendo ser atribuída ao serviço público que não foi realizado (omissão). Por exemplo, preso que foi assassinado na cela por outro detento. (COSTA, 2013)

Os que se encontram presos sofrem danos que os demais membros da sociedade não sofrem, bem como tais danos superam os inconvenientes normais da vida em sociedade. A depender do caso, podemos encontrar a responsabilidade do Estado de forma objetiva ou subjetiva.

Entrando agora no viés das instalações prisionais, o art. 5º, LXXV, da CF estabelece a responsabilidade de indenizar o preso quando comete erro judiciário, e até mesmo quando o indivíduo fica preso por tempo maior do que o estipulado na sentença. Como decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento dos recursos extraordinários nº 505.393, sobre condenação desconstruída em revisão criminal, e nº 429.518, sobre prisão injusta decorrente de erro e má-fé.

Em relação ao preso que viveu em situação degradante, o STF decidiu que o Estado deve indenizar, conforme diz Recurso Extraordinário (RE) nº 580252.

Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6º da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento. (STF, 2014 – grifo nosso)

Com essa decisão, além de todas as previsões constitucionais e infraconstitucionais, temos a esperança de que a impunidade dos agentes do Estado diminua, e que possa proporcionar um sistema prisional justo, onde as falhas administrativas, o despreparo dos agentes penitenciários e dos policiais, e as relações violentas entre todos sejam amenizadas.

Contudo, não é apenas por parte de policiais e agentes penitenciários que os presos têm seus direitos desrespeitados. Muitas vezes esses desrespeitos ocorrem por parte de outros detentos, e esse fato não tira do Estado a responsabilidade quanto a proteção do preso.

De acordo com uma decisão da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2014, “a jurisprudência desta Corte reconhece a responsabilidade objetiva do Estado nos casos de morte de preso custodiado em unidade prisional” (STJ, 2014).

De acordo com o julgamento do RE nº 841.526 do STF, “a morte de detento em estabelecimento penitenciário gera responsabilidade civil do Estado quando houver inobservância do seu dever específico de proteção”. O caso desse julgamento refere-se a um preso que morreu por enforcamento dentro da instalação prisional, entretanto, a necropsia não concluiu se a morte ocorreu em decorrência de homicídio ou suicídio. Nesse sentido, o Procurador de Justiça sustentou que não seria possível fixar a responsabilidade do Estado já que não houve prova conclusiva quanto à causa da morte.

Ou seja, o Procurador pretendeu utilizar a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro como causa excludente ou atenuante da responsabilidade civil do Estado, assim como considerar o fato como de caso fortuito ou de força maior.

Entretanto, o Ministro relator Luiz Fux (2016), concluiu que “Se o Estado tem o dever de custódia, tem também o dever de zelar pela integridade física do preso. Tanto no homicídio quanto no suicídio há responsabilidade civil do Estado”.

Seguindo os dizeres do relator, ao final do julgamento foi fixada a tese de que “Em caso de inobservância de seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte de detento”.

O irrestrito respeito às integridades do preso é decorrente do princípio geral do respeito a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, a condição de preso não retira da pessoa sua condição de ser humano, e muito menos o direito de respeito a sua dignidade.

Assim, cabe ao poder público o dever de zelar para que a execução da penal ocorra de forma humanizada, garantindo os direitos fundamentais dos presos, sob pena de responsabilização civil por ação ou omissão que cause dano ao indivíduo. (AMARAL, 2017)

Mesmo com tantos problemas no sistema prisional, com a quantidade de desrespeitos aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, ainda não encontramos solução para os problemas com a criminalidade. Nos dizeres de Foucault (2014) “conhecem-se todos os inconvenientes da prisão, e sabe-se que é perigosa, quando não inútil. E, entretanto não “vemos” o que pôr em seu lugar. Ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão”.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entendemos o sistema prisional como o conjunto das instalações prisionais (penitenciárias, colônias agrícolas, casa do albergado, centro de observação, hospital de custódia e cadeia pública) que têm a finalidade de executar a pena do indivíduo. Por outro lado, a execução penal tem o objetivo de efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para que o condenado seja integrado socialmente de forma harmônica.

Para que o objetivo da execução penal seja alcançado é necessário que o princípio da dignidade da pessoa humana seja observado com máxima atenção, principalmente por estar previsto em diversas leis, nacionais e internacionais.

De acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. De acordo com o art. 3º da Lei de Execução Penal, os direitos que não foram atingidos pela sentença devem ser assegurados ao preso. Ou seja, o respeito à dignidade do indivíduo não deve ser deixado de lado pelo fato deste ter sido condenado por algum crime.

No que tange a legislação internacional, o respeito a dignidade do ser humano está previsto no art. 11 da Convenção Americana de Direitos Humanos e no §1º do art. 10 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e políticos. E tantos outros tratados internacionais que não foram citados no presente estudo.

O princípio da dignidade da pessoa humana é a base de toda a legislação brasileira, inclusive a legislação referente aos direitos dos presos. Entretanto, os direitos dos presos têm sido jogados por terra como foi citado do decorrer do presente estudo. Questões como superlotação, falta de assistência material, à saúde, judiciária e educacional, desrespeito as integridades física, psíquica e moral, levam os detentos a promoverem rebeliões e fugas como forma de “grito de socorro”, como forma de protesto, por serem as únicas formas que esses indivíduos encontram de serem vistos e ouvidos.

Ante as inúmeras inobservâncias dos direitos dos presos, cabe ao Estado o dever de indenizar os indivíduos pelos danos sofridos no período em que se encontraram sob sua custódia. E, nos casos em que não puder indenizar o próprio indivíduo (quando este morreu, por exemplo), ao Estado cabe o dever de indenizar as famílias dos presos que tiveram seus direitos desrespeitados, principalmente se sofreram algum dano.

Esse entendimento de que cabe ao Estado o dever de indenizar encontra-se na Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LXXV, no que tange a erro judiciário e a quem ficou preso por período acima que o fixado na sentença. E em relação a outros atos de ação ou omissão do Estado, tal entendimento encontra-se em decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.


REFERÊNCIAS

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AMARAL, Carlos Eduardo Rios do. Qual é a responsabilidade civil do Estado por morte de detento em presídio?. Justificando. Carta Capital. 2017. Disponível em: http://justificando.cartacapital.com.br/2017/01/09/qual-e-responsabilidade-civil-do-estado-por-morte-de-detento-em-presidio/. Acesso em: maio de 2017.

ARAÚJO, Ana Paula de. Exílio. InfoEscola. 2017. Disponível em: http://www.infoescola.com/curiosidades/exilio/. Acesso em: abril de 2017.

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Autor

  • Lynxana Aguiar

    Advogada, atuante nas áreas cível e trabalhista; Assessora acadêmica, realizando orientação e correção de trabalhos acadêmicos; Especialista em Direito e Processo Penal pela ESA-PE em parceria com a Uninassau; Fui membro das Comissões de Direitos Humanos e Direito Penal da OAB/PE subseção Olinda e da Comissão de Relações Acadêmicas da OAB/PE; Fui estagiária da FOCCA - Faculdade de Olinda, atuando na Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem; Voluntária no TJPE, em mutirões de justiça e cidadania; Voluntária em projetos sociais realizados pela FOCCA - Faculdade de Olinda.

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