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Contrato de estágio

Contrato de estágio

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Anotam-se as principais características do contrato de estágio, sanando dúvidas comuns.

Sumário: Introdução 2 Capacidade 3 Regime jurídico aplicável 4 Forma 5 Duração do contrato 6 Estágio obrigatório e não obrigatório 7 Encargos 8 Jornada 9 Recesso 10 Contagem do tempo de estágio para fins previdenciários.


1 Introdução

O contrato de estágio constitui importante instrumento de integração da mão-de-obra no mercado de trabalho. No setor de serviços, certamente é o meio mais difundido de contratação preliminar, à frente dos contratos de aprendizagem e de experiência.

Para o empregador, o estágio representa um menor custo de contratação em face da – quase  ausência de encargos sociais e trabalhistas; para o estudante, uma oportunidade de experimentação e vislumbre do emprego.


2 Capacidade

Preliminarmente, a celebração de qualquer contrato exige a capacidade das partes. Trata-se da aptidão da pessoa, natural ou jurídica, para praticar atos da vida civil e contrair obrigações. A capacidade civil plena para o trabalho inicia aos 18 (dezoito) anos, conforme preceitua o art. 5° do Código Civil c/c ao art. 402 da Consolidação das Leis do Trabalho.

A Constituição Federal proíbe o trabalho noturno[1], perigoso ou insalubre do menor de 18 (dezoito) anos, e de qualquer trabalho a menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz[2], que poderá fazê-lo aos 14 (catorze) anos completos (art. 7°, inc. XXXIII).

Deste modo, em relação aos relativamente incapazes - entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos - não há qualquer dúvida sobre a possibilidade do estágio, desde que o estudante esteja assistido por um de seus pais, que firmará o termo de compromisso conjuntamente.

Ocorre que o art. 7°, inc. I, da Lei n° 11.788/08 sugeriu que os “absoluta” ou relativamente incapazes possam celebrar contratos de estágio; os primeiros mediante “representante”. A interpretação conforme a Constituição[3] nos mostra que o contrato de estágio só poderá ser celebrado (e rescindido) pelo estudante que possua 16 (dezesseis) anos completos, e desde que assistido por um dos pais. Eventuais recibos de pagamento poderão ser firmados pelo menor desassistido (art. 439 da CLT).

Há divergência doutrinária[4] sobre a possibilidade do menor de 18 (dezoito) anos emancipado assinar isoladamente o contrato de estágio. Não vemos razão para desautorizá-lo, por incidência do art. 5°, par. único do Código Civil, já que o menor casado ou que tenha sido empresário, empregado ou aprovado em concurso público presume-se habilitado para contrair obrigações.

Convém mencionar que o estágio contempla todos os elementos essenciais da relação de emprego (onerosidade, pessoalidade, subordinação e habitualidade) mas, por força de disposição expressa da lei, não gera vínculo empregatício[5]. Evidentemente, tal presunção é relativa, de modo que o captador da mão-de-obra deve tomar certas cautelas na execução do contrato, no intuito de evitar ações trabalhistas. Trataremos do assunto no decorrer do texto.


3 Regime jurídico aplicável

Atualmente, o estágio vê-se regido pela Lei n° 11.788/08. A data de publicação marca a vigência do novo regime jurídico, em 26 de setembro de 2008, de modo que os contratos anteriores permaneceram submetidos à Lei n° 6.494/77 e Decreto n° 87.497/42, até que fossem prorrogados (art.18).


4 Forma

O contrato de estágio é formalizado por meio de um documento escrito, chamado termo de compromisso de estágio. Deve ser assinado por todas as partes, inclusive pela instituição de ensino (geralmente representada pelo Diretor ou Reitor), e 02 (duas) testemunhas capazes. O estagiário é chamado educando, porque o estágio é definido legalmente como ato educativo escolar supervisionado. O órgão, empresa ou profissional liberal[6] que contratará o educando é chamado (a) concedente. Não é obrigatória a intermediação do agente de integração, cuja função precípua é a de administrar a execução do contrato de estágio[7] (v.g. CIEE). O instrumento também deve fazer referência ao número da apólice de seguro[8] contratada em favor do educando, bem como ao nome da seguradora contratada.

A cada 06 (seis) meses o concedente deve enviar o relatório de atividades, visado pelo educando, à instituição de ensino em que está matriculado. O rompimento da relação havida entre o educando e a instituição de ensino implica na imediata rescisão do contrato de estágio.

Ao final do contrato, o concedente deverá emitir um termo de conclusão do estágio, indicando resumidamente as atividades desenvolvidas, os períodos e avaliações de desempenho.


5 Duração do contrato

A Lei 11.788/08 estabeleceu o prazo máximo de 02 (dois) anos de duração para os contratos celebrados com determinada parte concedente. Nos parece inconstitucional[9] o dispositivo, haja vista a ressalva de prazo indeterminado para os estudantes deficientes (art. 11), não havendo – na hipótese – razões plausíveis que sustentem o tratamento discriminatório sofrido pelos não-deficientes, impondo-se o art. 5° da Constituição Federal. Ademais, criou desnecessário ônus ao estagiário que, adaptado a entidade concedente, deve buscar novo contrato em período relativamente curto.

Tanto a Lei 6.494/77 quanto o Decreto 87.497/42 não previam prazo máximo de duração do estágio, remetendo à entidade de ensino uma possível regulação (art.4°, b). Os contratos eram geralmente prorrogados a cada 06 (seis) ou 12 (doze) meses, até seu termo final (a conclusão do curso). O mecanismo já inibia eventual roupagem simulatória para mascarar relações de emprego - provável intenção do legislador - já que a participação da instituição de ensino no contrato era - e ainda é - obrigatória.

O prazo mínimo de duração do contrato de estágio continua sendo de 06 (seis) meses.


6 Estágio obrigatório e não obrigatório

Convém atentar para a modalidade de estágio a ser realizada pelo estudante, o que pode ser verificado no programa didático-pedagógico da entidade de ensino. O estágio obrigatório consta na grade curricular como pré-requisito de aprovação e emissão do diploma (art.2°, §1° da Lei 11.788/08). O estágio não obrigatório é opcional, acrescido à carga horária regular obrigatória (§2°).


7 Encargos

A distinção do estágio em obrigatório e não obrigatório é relevante, na medida em que somente o segundo importa em pagamento compulsório da bolsa-integração e do vale-transporte (art.12). No estágio obrigatório, tanto a bolsa-integração quanto o vale-transporte e outros benefícios (v.g. vale-alimentação), “poderão” ser pagos, inclusive em patamar abaixo do salário-mínimo[10] e sem gerar vínculo empregatício[11], a critério da empresa contratante. A instituição de ensino não poderá impor tal pagamento por força de convênio celebrado com a agência de integração, ou modelo pré-formatado do termo de compromisso, porque a lei não o fez (art.5°, II, da Constituição Federal).

Além da bolsa-auxílio e do vale-transporte (no contrato não-obrigatório), repisamos a necessidade de contratação do seguro contra acidentes pessoais para todas as modalidades de estágio (art.9°, inc. IV da Lei 11.788/08). A apólice deverá ser paga pelo concedente nos contratos não obrigatórios, e poderá ser subsidiada pela instituição de ensino nos contratos obrigatórios (par.único), sendo vedada a transferência deste e qualquer outro encargo ao estagiário (art. 5°, §2° ).

A pós-graduação (extensão), a monitoria e a iniciação científica podem ser contratadas por meio de estágio, desde que haja permissão no projeto pedagógico do curso (§3°).


8 Jornada

A jornada diária do estágio será de até 04 (quatro) horas, para os estudantes de educação especial (v.g. deficientes) e dos anos finais[12] do ensino fundamental da educação de jovens e adultos. Será de até 06 (seis) horas para os estudantes do ensino superior, educação profissional de nível médio e ensino médio regular (art.10).

A lei possibilita a jornada de 08 (oito) horas diárias por 40 semanais, desde que prevista no projeto pedagógico do curso.


9 Recesso

Nos contratos com duração igual ou superior a 01 (um) ano, o estagiário terá direito ao recesso de 30 (trinta) dias, sem possibilidade de parcelamento, gozado preferencialmente durante as férias escolares (art.13), e remunerado caso o contrato o seja (§1°).

O §2° determina que o recesso será proporcional na hipótese de cumprimento de períodos inferiores a um ano, reservada a aplicação deste dispositivo ao cálculo da remuneração da “sobra” de meses, ou hipóteses excepcionais de suspensão da execução do contrato por caso fortuito, força maior ou conveniência do concedente.


10 Contagem do tempo de estágio para fins previdenciários

A jurisprudência dos tribunais brasileiros sempre vacilou sobre a possibilidade de contagem do tempo de estágio para fins previdenciários. O Superior Tribunal de Justiça[13] firmou posicionamento contrário.

Há que se destacar da discussão a hipótese do estagiário que se manteve filiado ao Regime Geral de Previdência, recolhendo as contribuições durante o período do estágio. Este estudante terá garantida a contagem do tempo, por força do art. 13 da Lei 8.213/91, já que, para todos os efeitos, é considerado segurado facultativo. O debate cinge-se em saber se o estagiário não filiado ao RGPS à época do estágio terá direito a contagem do período quando se aposentar.

Nos parece prematura qualquer afirmação absoluta a respeito, notadamente porque a Proposta de Emenda Constitucional – PEC n° 16/2004, em tramitação conjunta[14] na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, pretende fazê-lo, tanto para o regime geral quanto para o regime próprio de previdência social.

De toda sorte, anotamos que o tempo realizado em condições perigosas, penosas ou insalubres tem sido averbado pelos Tribunais Regionais Federais[15], porque incompatível com a figura do estágio. Neste diapasão, o excesso de jornada, o trabalho noturno ou que desatenda a finalidade pedagógica do estágio, bem como irregularidades formais do termo de compromisso poderão, desde que comprovados nos autos, ensejar a contagem do aludido tempo.

Estas, em suma, as principais características do contrato de estágio.


Notas

[1] O trabalho noturno é o realizado entre as 22:00h e 5:00h; trabalho perigoso é o realizado em contato permanente ou intermitente com explosivos ou inflamáveis; trabalho insalubre é o realizado sob condições de exposição a agentes nocivos a saúde, acima de limites de tolerância fixados em razão da natureza, intensidade do agente e tempo de exposição aos seus efeitos, vendo-se regulada pelo art. 189 da CLT e Norma Regulamentadora n° 15 do Ministério do Trabalho e Emprego.

[2] Art. 428 da CLT.

[3] A interpretação conforme exclui as interpretações da legislação infra-constitucional que não sejam compatíveis, sem pronúncia de nulidade do texto.

[4] Contrário ao estágio do emancipado: DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. LTr: São Paulo, 2006. 5ªed. P.500.

[5] Idem. P.323.

[6] O art. 9° da Lei 11.788/08 permitiu que os profissionais liberais contratem estagiários.

[7] O serviço de administração dos contratos de estágio oferecido pelas agências de integração, basicamente consiste: no cadastramento de educandos e partes cedentes; na celebração de convênio com instituições de ensino; no envio do relatório de frequência do estagiário à instituição de ensino; no depósito da bolsa-auxílio em favor do educando; na contratação do seguro e no recebimento pelo serviço. O procedimento pode ser executado pelo próprio concedente ou mediante auxílio de um advogado, notadamente para a elaboração das minutas, e respeitadas as condições do estágio a ser prestado.

[8] Sobre o seguro obrigatório, consultar “encargos”.

[9] Na mesma linha de raciocínio, têm surgido outras iniciativas de constitucionalidade duvidosa, como a bolsa-auxílio aos indígenas do ensino público superior do Paraná (Lei Estadual n° 15.759/07).

[10] A bolsa-auxílio não se acomoda no conceito de salário, tal qual o soldo, previsto na Súmula Vinculante n° 06 do Supremo Tribunal Federal.

[11] Por disposição expressa do art. 12, §1° da Lei 11.788/08.

[12] Os “anos finais” correspondem o período compreendido entre o 6° e o 9° ano do ensino fundamental.

[13] REsp n° 617689 PB 2003/0219043-5.

[14] PEC’s n°s 95/03, 61/04, 06/06 e 13/06, 22/07 e 85/07, e 10/08.

[15] TRF3, APEL2001.61.83.003819-4, Décima Turma, Relator Sergio Nascimento, D.J.U. 16/11/2005; TRF4, APELREEX 2004.71.02.006590-3, Quarta Turma, Relator Valdemar Capeletti, D.E. 12/01/2009.


Autor

  • Alexandre Rocha Pintal

    Advogado inscrito na OAB/PR 42.250, pós-graduado em Direito Público, do Trabalho e Previdenciário, graduado em Direito e Comunicação Social, autor de Direito Imigratório [4a Ed. Juruá, 2020], articulista de revistas e sites especializados. Procurador concursado da Fundação Estatal de Atenção à Saúde de Curitiba (FEAS).

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTAL, Alexandre Rocha. Contrato de estágio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5859, 17 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74094. Acesso em: 28 mar. 2024.