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Direito real de habitação do cônjuge sobrevivente

Direito real de habitação do cônjuge sobrevivente

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Assim como no casamento, não é permitido ao companheiro sobrevivente de união estável, titular do direito real de habitação, celebrar contrato de comodato ou locação do imóvel com terceiro.

Determina o artigo 1831 do Código Civil:

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

O direito real de habitação é o direito que tem o cônjuge sobrevivente, independente do regime de bens de seu casamento, de permanecer residindo na morada do casal após o falecimento de seu consorte, desde que aquele imóvel, que era usado para moradia, seja o único bem de natureza residencial a ser inventariado, não havendo limitações temporais ao exercício do direito aqui assegurado, de tal forma que o cônjuge sobrevivente o detém de maneira vitalícia.

Trata-se de direito sucessório que deve ser exercido pelo seu titular, não havendo a sua concretização de forma automática e instantânea. Deve ser requerido pelo seu detentor nos autos do processo de inventário. Deve, após concluído o inventário e registrados os formais de partilha, constar expressamente da matrícula do Ofício Imobiliário.

Observa-se do que diz o artigo 1831 do Código Civil:

Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar

Logo, para que o consorte supérstite tenha direito real de habitação pouco importa o regime matrimonial de bens. Explicou Orlando Gomes(Direito de família, 3ª edição, pág. 233) que, quando o Código de 1916 exigiu para tal direito o regime de comunhão universal, que o direito real de habitação sobre o imóvel de residência da família devia ser deferido ainda ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão parcial, se na constância do matrimônio os cônjuges tivessem adquirido residência própria e não possuíssem outro imóvel, por estar ele em situação idêntica ao que se consorciara pelo regime da comunhão universal. Hoje, sob a égide do Código Civil de 2002, até o cônjuge casado sob o regime da separação de bens terá esse direito. Para tanto é necessário:

  1. O imóvel seja o único bem e tenha a destinação de moradia, pois o objetivo da lei é amparar o cônjuge sobrevivente; assim, se há outros bens imóveis não há razão para assegurar o direito real de habitação. Na lição de Orlando Gomes, trazida por Maria Helena Diniz(Curso de direito civil brasileiro, volume V, 24ª edição, pág. 233), “porém se o casal possuía enorme fortuna mobiliária e apenas um imóvel residencial, este será gravado com o ônus real de habitação, embora isto não seja necessário. Tal ocorre porque o Código Civil não atentou para as condições econômicas do sobrevivente, que pode ter recebido na partilha muito dinheiro. Nossa sistemática legal, não impõe, ainda, a cessação automática desse ônus real se o consorte supérstite vier a adquirir outro imóvel”.
  2. O casal more em casa própria, não sendo proprietário de outros imóveis. O objetivo da lei civil foi assegurar moradia ao cônjuge que, em virtude do falecimento do outro, pode ser impedido de residir no imóvel que concorreu para adquirir, no qual o casal morava.

Não se exige a permanência do estado de viuvez, de modo que se o titular convolar novas núpcias não se extingue o direito real de habitação. O cônjuge sobrevivente terá o seu direito até a morte.

O direito real de habitação é subjetivamente pessoal, sendo intransferível. Assim o imóvel sujeito a essa espécie de direito real de habitação não pode ser habitado por outra pessoa que não o cônjuge sobrevivente, que, apenas, poderá usá-lo para fins residenciais.

A mulher casada sob o regime da separação de bens não podia, segundo o Código de 1916, no artigo 1579, com a morte do marido, ficar até a partilha na posse da herança. Como consequência não podia o marido, se fosse o cônjuge sobrevivente, exercer a inventariança, na forma do artigo 990, I, do CPC de 1973.

Tinha-se do artigo 1611, § 1º, do Código Civil de 1916:

§ 1o O cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filhos, deste ou do casal, e à metade, se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do de cujus. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962).

São requisitos desse usufruto:

  1. Regime de separação de bens, pois tal usufruto visava a amparar ao cônjuge supérstite, principalmente se este for a mulher, pois, por exemplo, com a morte do marido, que deixasse ascendentes, poderia ser privada de quaisquer recursos, já que só seria herdeira do marido se não houvesse descendentes ou ascendentes. Para tal, tal instituto somente se justificaria se o casal estivesse sob o regime da separação, pis, no regime da comunhão parcial, o consorte supérstite passava a ter propriedade dos bens adquiridos com a divisão do acervo comum e no regime dotal operava-se a devolução dos bens integrantes do dote(regime eliminado no Código Civil de 2002) com a dissolução da sociedade conjugal;
  2. Existência de herdeiros necessário, uma vez que, se não os houvesse, o cônjuge sobrevivente seria herdeiro do falecido e não usufrutuário;
  3. Estado de viuvez, extinguindo-se, portanto, de forma automática, se a mulher viesse a remaridar-se, pois nesse caso não haveria necessidade de que ela continuasse a desfrutar rendimentos oriundos do primeiro casamento, dado que com as novas núpcias já estaria amparada.

Também aos companheiros se garantiu o direito real de habitação a partir da Lei 9.278, de 10 de maio de 1996, por intermédio de seu parágrafo único, do artigo 7o. A Lei 8.971, de 29 de dezembro de 1994, que anteriormente regulava o Direito Sucessório na união estável, não deferia direito à habitação aos conviventes, posto que, neste dispositivo legal, os companheiros só tinham direito à herança dos bens na falta de descendentes e ascendentes e direito ao usufruto vidual da mesma maneira que tal era assegurado pelo artigo 1.611, parágrafo primeiro, do CC/16, aos cônjuges sobreviventes.

A partir de 1996, portanto, a morte de um dos membros da união estável assegurava ao sobrevivente o direito de continuar residindo na moradia do casal, desde que aquele bem fosse o único daquela natureza a inventariar e enquanto se mantivesse o estado de viuvez.

Discute-se sobre o direito de habitação na união estável.

Aqui trago as lições de Bráulio Dinarte da Silva Pinto (Limites e alcance do direito de  habitação no novo Código Civil):

“A Constituição Federal de 1.988, quando disse, em seu artigo 226, parágrafo 3º, que união estável era entidade familiar, não equiparou a união estável ao casamento. Muito pelo contrário, disse que se deveria facilitar a sua conversão em matrimônio. Se o legislador constituinte pretende que se converta a união estável em casamento é porque aquela é diferente deste, pois do contrário, não haveria necessidade de conversão. E se a conversão é da convivência em matrimônio, e não ao contrário, é porque o legislador de 1988 entende que mais benefício e mais seguro para o casal é o relacionamento regulado pelo casamento. Assim sendo, não se pode dizer que a Constituição Federal igualou os efeitos e os direitos resultantes da união estável e do casamento.

A Lei 8.971, de 29 de dezembro de 1994, primeira lei ordinária que regulamentou a união estável após a entrada em vigor da Constituição cidadã, dispôs sobre os direitos sucessórios resultantes da convivência contemplando os companheiros com o direito aos bens, na falta de descendentes e ascendentes, assim como com o direito ao usufruto vidual, nos mesmos moldes que o artigo 1.611 do Código Civil daquela época contemplava os cônjuges sobreviventes. Mas não outorgou aos companheiros sobreviventes direito real de habitação. Criou-se aqui, portanto, uma diferenciação na esfera da sucessão por morte entre o casamento e a união estável.

Logo em seguida, veio a Lei 9.278, de 10 de maio de 1996, que passou a dar aos companheiros o que lhes faltava: o direito real de habitação, por meio do parágrafo único, do artigo 7o, daquele dispositivo legal.

Chegou-se a dizer que, a partir de então, a(o) companheira(o) sobrevivente tinha mais direitos do que o cônjuge supérstite, na medida em que os cônjuges não podiam cumular usufruto vidual e direito real de habitação, posto que o regime de bens do casamento determinava qual o direito que caberia ao sobrevivente. Como os companheiros não estavam regidos por este ou aquele regime bens, próprio das relações matrimoniais, havia aqueles que sustentavam ter os companheiros sobreviventes direito tanto ao usufruto vidual quanto ao direito real, admitindo-se para a união estável a cumulação que não se admitia para o casamento.”

Consta da justificativa do PL 1.888-A/91, que deu origem à Lei nº 9.278/96, que o objetivo do legislador foi conferir mais direitos e proteções aos casais unidos por união estável, de modo a, respeitando as suas particularidades decorrentes da espécie de vínculo, aproximá-la o quanto possível dos direitos e das proteções conferidas pela lei aos casais unidos pelo casamento: Por isso é de suma importância que a regulamentação da Constituição, nesse caso, evidencie a autonomia da união estável como entidade familiar, com direitos e deveres próprios. Embora nossas leis civis não tenham até hoje reconheci do expressamente o concubinato, a força dos costumes mostrou claramente que a família não é necessariamente constituída pelo casamento e o Poder Público vem estendendo sua proteção às famílias naturais.

Apesar do reconhecimento indireto do concubinato, permaneceram as grandes diferenças de direitos e de proteções entre este e o casamento. A mulher sempre teve que lutar com grandes dificuldades para fazer valer seus direitos, tendo necessariamente que acionar a Justiça, não nas Varas de Família, mas sim nas Cíveis, como se se tratasse de um mero conflito entre sócios; teria que pedir ao Juiz que reconhecesse uma sociedade de fato com seu companheiro e somente a partir dessa declaração judicial é que reivindicaria partilha de bens ou simples compensação pecuniária por anos de vida em comum, como se casada fora.

Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

A 3ª turma do STJ, aplicando por analogia o art. 7 da lei 9.278/96 concedeu à esposa do cônjuge falecido em 1999 o direito de habitação sobre o imóvel em que residiam. As autoras do recurso, herdeiras do primeiro casamento, alegavam que a esposa não tinha direito real de habitação, pois era casada sob o regime de separação total de bens.

As herdeiras alegavam que nos termos do art. 1.611, §2º, do Código de 1916, vigente ao tempo da abertura da sucessão, o direito de habitação só socorria ao cônjuge sobrevivente que estivesse casado sob o regime da comunhão universal de bens e que o direito do cônjuge previsto no art. 1.831 do CC) em vigor "só pode ser aplicado às sucessões abertas sob a égide do novo diploma".

O ministro Sidnei Beneti ponderou que a questão posta no presente recurso especial está, essencialmente, em saber se a recorrida [segunda esposa] "faz ou não faz jus ao direito real de habitação sobre o imóvel em que residia com o seu falecido esposo tendo em vista a data da abertura da sucessão e o regime de bens do casamento."

Na análise do caso, o ministro entendeu que "uma interpretação que melhor ampara os valores espelhados na CF/88 é aquela segundo a qual o art. 7º da lei 9.278/96 teria derrogado, a partir da sua entrada em vigor, o §2º do art. 1.611 do Código Civil de 1916, de modo a neutralizar o posicionamento restritivo contido na expressão 'casados sob o regime da comunhão universal de bens'."

A matéria aqui versada foi objeto de julgamento no Resp 821.660.

Como aduziu a ministra Nancy Andrighi, não se verifica, porém, nenhuma singularidade na união estável que justifique o eventual tratamento diferenciado do casamento especificamente quanto às condições de exercício do direito real de habitação, devendo, pois, o art. 7º, parágrafo único, da Lei nº 9.279/96 ser interpretado conjuntamente com o art. 746 do CC/16, a fim de que a impossibilidade de alugar ou emprestar o imóvel objeto da habitação seja elemento condicionante não apenas aos vínculos criados pelo casamento, mas também àqueles criados a partir da união estável.

Assim como no casamento, não é permitido ao companheiro sobrevivente de união estável, titular do direito real de habitação, celebrar contrato de comodato ou locação do imóvel com terceiro.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de uma pessoa que, alegando não dispor de meios para manter um imóvel de luxo localizado em área nobre, havia celebrado contrato de comodato com terceiro após o falecimento de seu companheiro.

Segundo a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, não há nenhuma singularidade na união estável que justifique eventual tratamento diferenciado em relação ao casamento, especificamente quanto às condições de exercício do direito real de habitação.

A discussão se deu no REsp 1.654.060.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Direito real de habitação do cônjuge sobrevivente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5904, 31 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74356. Acesso em: 29 mar. 2024.