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Responsabilidade civil pelos danos ambientais decorrentes da expedição da licença ambiental para os dutos de gás natural

Responsabilidade civil pelos danos ambientais decorrentes da expedição da licença ambiental para os dutos de gás natural

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Resumo

O crescimento da produção e do consumo do gás natural no Brasil tem gerado um aumento dos investimentos na construção de novos gasodutos. Ocorre, porém, que a construção de dutos de gás natural é um empreendimento que tem um alto potencial de ocasionar significativos danos ao meio ambiente. Diante disto, cabe ao Poder Público expedir, com base no estudo de impacto ambiental pertinente, a devida licença ambiental, estabelecendo, assim, condições para que o empreendimento seja realizado de modo a causar mínimos impactos ambientais. Considerando, então, que o licenciamento ambiental não afasta, mas apenas minimiza, a possibilidade da ocorrência de danos ao meio ambiente, abordaremos na presente monografia, a responsabilidade civil da empresa licenciada e do Estado pelos danos decorrentes da expedição da licença ambiental para os dutos de gás natural.


1. Introdução

Na década de 90, mais precisamente a partir da abertura do mercado de petróleo e gás natural brasileiro às empresas privadas pela Emenda Constitucional n.º 9/95, a participação do gás natural na matriz energética brasileira tem alcançado um percentual cada vez mais expressivo. Esse crescimento demanda uma maior infra-estrutura voltada para a indústria do gás natural, especialmente, no que se refere à expansão das redes de gasodutos.

A construção de dutos de gás natural é um empreendimento considerado potencialmente causador de danos ambientais significativos. Em razão disto, é exigido como requisito para a sua consecução, a obtenção da licença ambiental, na qual ficarão estabelecidas condições para que o empreendimento cause o menor impacto possível ao meio ambiente.

A licença ambiental é emitida pelas entidades ambientais competentes após a realização do prévio Estudo de Impacto Ambiental e do processo de licenciamento ambiental.

A empresa responsável pela construção dos gasodutos só pode dar início as suas atividades quando tiver obtido a devida licença ambiental e deve agir em estrita obediência às normas que ela impõe.

Acontece que, apesar de a empresa licenciada para a construção dos gasodutos cumprir com todas as suas obrigações ambientais, ainda é possível que ocorram danos ao meio ambiente causados exclusivamente em razão das normas impostas pelas licenças ambientais.

Diante disto, torna-se necessário definir se quem deve responder civilmente por estes danos é a empresa licenciada, as entidades ambientais responsáveis pela expedição das licenças ambientais ou as duas conjuntamente.

Abordaremos no presente trabalho como ocorre a expedição das licenças ambientais para a construção dos dutos de gás natural e, posteriormente, teceremos as considerações pertinentes a responsabilidade civil ambiental, para, ao final, apresentarmos nossas conclusões acerca do questionamento proposto.


2. Da Expedição das Licenças Ambientais para a Construção dos Dutos de Gás Natural

O crescimento da participação do gás natural na matriz energética brasileira, como já afirmado, tem tido reflexos na expansão da infra-estrutura relacionada à indústria do gás natural, notadamente no que tange à construção das redes de gasodutos.

Ressaltamos, ainda, que a construção dos dutos de gás natural é um empreendimento considerado potencialmente danoso ao meio ambiente, exigindo a prévia autorização do Poder Público para que as suas atividades possam ser realizadas de forma a causar o menor impacto possível ao meio em que vivemos.

Este controle ambiental é exercido por meio dos instrumentos de Avaliação de Impactos Ambientais (AIA), que tem como espécie o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), e do Licenciamento Ambiental, previstos, respectivamente, no art. 9º, III e IV, da Lei n.º 6.938/81 que institui a Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA, os quais passaremos a analisar.

2.1. Estudo de Impacto Ambiental

2.1.1. Conceito e previsão legal

Instrumento preventivo de proteção ao meio ambiente, o estudo de impacto ambiental tem por objetivo analisar, prévia e sistematicamente, os efeitos danosos que possam resultar da implantação, ampliação ou funcionamento de atividades com potencial de causar significativa degradação do meio ambiente e, caso seja necessário, propor medidas mitigadoras para adequá-las aos pressupostos de proteção ambiental.

A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, em seu art. 9º, III, incluiu o EIA entre os seus instrumentos de avaliação de impactos ambientais e a Resolução n.º 001/86 do CONAMA, por seu turno, estabeleceu, de forma exemplificativa, em seu art. 2º, situações consideradas causadoras de impactos significativos ao meio ambiente, em que o estudo de impacto ambiental se faz necessário.

Por fim, registra-se que o estudo de impacto ambiental foi elevado à categoria constitucional pelo art. 225, § 1º, IV da Constituição Federal de 1988 que estabelece que:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incube ao poder público:

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.

2.1.2. Procedimento

O prévio estudo de impacto ambiental deverá ser proposto pelo empreendedor da obra ou atividade potencialmente danosa ao meio ambiente, que também é responsável pelas despesas e custos relativos à sua realização [01].

A elaboração do EIA, porém, é atribuída a uma equipe técnica multidisciplinar que deverá realizar avaliações técnicas – científicas das conseqüências que a implantação do empreendimento irá causar no meio ambiente do ponto de vista físico, biológico e socioeconômico [02].

Concluídos os estudos, a equipe técnica multidisciplinar deverá apresentar um documento, denominado Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, contendo, de forma simplificada e acessível a todos os interessados, os resultados dos estudos técnicos e científicos de avaliação de impacto ambiental.

Este relatório, respeitado o sigilo industrial, deverá ser sempre divulgado e submetido à consulta pública e, em determinados casos, discutido em audiências públicas com o escopo de expor à comunidade da área de influência do projeto os impactos ambientais que possam ser causados por ele e de ouvir as críticas e sugestões relacionadas à implantação da atividade no local.

2.1.3. Relatório de ausência de impactos ambientais significativos

Como sabemos, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, § 1º, IV, dispôs que o estudo de impacto ambiental é obrigatório para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente.

Porém, não há nenhuma definição legal do que vem a ser significativa degradação ambiental, o que tem gerado uma presunção relativa de que toda obra ou atividade é causadora de impactos ambientais significativos [03].

Com base nesta presunção, cabe ao proponente do projeto, ao iniciar o processo de licenciamento ambiental, provar se a sua atividade causa, ou não, impactos ambientais significativos.

Esta prova é feita pela apresentação do Relatório de Ausência Impactos Ambientais Significativos – RAIAS ao órgão ou entidade pública responsável pelo processo de licenciamento ambiental que irá concluir pela a realização, ou não, do estudo de impacto ambiental.

No relatório de ausência impactos ambientais significativos deverão estar contidas informações de técnicos habilitados que justifiquem a desobrigação de se fazer o estudo de impacto ambiental.

2.1.4. Obras e atividades sujeitas ao estudo de impacto ambiental

A Resolução CONAMA 001/86, em seu art. 2º, estabelece um rol de obras e atividades modificadoras do meio ambiente que exigem a realização do estudo de impacto ambiental, dentre as quais destacamos a construção de gasodutos (art. 2º, V).

Cabe relatar que o rol elencado por essa resolução não é taxativo, mas apenas exemplificativo, de forma que sempre que se estiver diante de uma obra ou atividade que seja considerada potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, conforme dispõe a Constituição Federal, art. 225, § 1º, IV, deve ser exigido o estudo de impacto ambiental, mesmo que não esteja prevista nessa resolução.

Acerca da aplicação do princípio da obrigatoriedade para as hipóteses previstas na citada resolução, temos duas correntes doutrinárias.

Uma parte da doutrina sustenta que, apesar de exemplificativo, este rol encontra-se regido pelo princípio da obrigatoriedade, que estabelece a vinculação do Poder Público em relação à exigência do estudo de impacto ambiental para as atividades ali mencionadas, ou seja, há uma presunção absoluta de que tais atividades têm potencial de causar impactos ambientais significativos.

Outra corrente doutrinária entende que há discricionariedade do Poder Público, que poderá dispensar o EIA se verificar que as atividades, apesar de constarem na resolução do CONAMA, não têm potencial de causar significativa degradação ao meio ambiente. Podendo, então, o EIA ser substituído por outros instrumentos de avaliação de impacto ambiental de menor complexidade.

Não obstante ser a primeira corrente a que reúne o maior número de seguidores [04], nos posicionamos favoravelmente a segunda corrente, por entendemos ser esta a que melhor se adequa a necessidade de se compatibilizar a preservação ambiental com as necessidades socioeconômicas, apregoada pelo princípio do desenvolvimento sustentável.

Destacamos que a vinculação do Poder Público ao exigir o estudo de impacto ambiental relaciona-se às hipóteses de obras ou atividades consideradas potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental, ou seja, estando diante dessas atividades, o Poder Público está obrigado a exigir o EIA, independentemente de constarem ou não na resolução em estudo.

Entendemos, portanto, que as atividades previstas nessa resolução são presumidas como sendo potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental, mas que esta presunção é apenas relativa, podendo ser afastada se ficar comprovado o contrário.

2.2. Licenciamento Ambiental

2.2.1 Conceito e previsão legal

Considerado pela Lei n.º 6.938/81, art. 9º, IV, como um dos instrumentos que visam efetivar a Política Nacional do Meio Ambiente, o licenciamento ambiental encontra-se regulado pela Resolução n.º 237/97 do CONAMA, que o define como sendo um:

Art. 1º. Omissis.

I - Procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.

Tendo em vista a interpretação do mencionado dispositivo legal e considerando, ainda, o disposto no art. 10 da Lei n.º 6.938/81 e no art. 2º da Resolução n.º 237/97 do CONAMA, verifica-se que o licenciamento ambiental é obrigatório sempre que se estiver diante de localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades que utilizem de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, ou que, sob qualquer forma, sejam capazes de causar degradação do meio ambiente.

Neste contexto, convém anotar que a Resolução n.º 237/97 do CONAMA relaciona, em seu anexo 1, de forma exemplificativa, empreendimentos e atividades que estão sujeitas ao procedimento do licenciamento ambiental, dentre as quais destacamos o transporte por dutos.

2.2.2. Licença ambiental

Como visto, o licenciamento ambiental tem por espoco a concessão da licença ambiental para a localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades que sejam capazes de ocasionar a degradação ambiental.

O conceito de licença ambiental também é dado pela Resolução n.º 237/97 do CONAMA, in verbis:

Art. 1º [...]

II - Licença Ambiental: ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente, estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.

Como podemos verificar, o licenciamento ambiental não se confunde com a licença ambiental, posto que esta se caracteriza como um ato administrativo ao passo que aquele se caracteriza como um procedimento administrativo.

Acerca do emprego do termo "licença ambiental", é importante frisar que existem divergências doutrinárias, haja vista que alguns doutrinadores defendem, pelas razões adiante expostas, que seria mais correta a utilização do termo "autorização ambiental".

Na seara do Direito Administrativo, entende-se por licença o "ato administrativo unilateral e vinculado pelo qual a administração faculta àquele que preencha os requisitos legais o exercício de uma atividade [05]" (destacamos), ao passo que, a autorização é definida como sendo o:

"ato administrativo unilateral, discricionário e precário pelo qual a Administração faculta ao particular o uso privativo de bem público, ou o desempenho da atividade material, ou a prática de ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente proibidos [06]". (destacamos)

Infere-se das definições expostas que, ao conceder uma licença administrativa, o Poder Público pratica um ato administrativo vinculado, de forma que o particular tem o direito subjetivo à concessão da mesma, caso tenha cumprido os requisitos impostos pela lei.

Por outro lado, quando se está diante de uma autorização, a Administração Pública pratica um ato administrativo discricionário, de forma que, utilizando os critérios de oportunidade e conveniência, decidirá pela concessão ou não da autorização.

Um outro traço marcante que distingue a licença administrativa da autorização é o caráter precário desta última, que confere ao Poder Público o direito de revogá-lo, discricionariamente, a qualquer tempo, sem garantir ao particular qualquer tipo de indenização.

A licença administrativa, por sua vez, tem caráter de definitividade, de sorte que, uma vez concedida, só poderá ser revogada se ficar comprovada a ilegalidade na sua expedição ou o descumprimento das condições por ela estabelecidas.

A licença também poderá ser revogada se vier a se tornar incompatível com o interesse público, caso em que fica garantida a indenização dos prejuízos sofridos pelo particular.

No tocante à licença ambiental, observa-se que há na doutrina entendimentos no sentido de que se trata de um ato administrativo discricionário, estando o termo licença ambiental sendo empregado sem o rigor técnico-jurídico, devendo, pois, ser compreendido como sinônimo de autorização; no sentido de que se trata de um ato administrativo vinculado, estando correta a utilização do termo licença e, por fim, verifica-se que há entendimentos no sentido de que se trata de um ato administrativo "sui generis", que ora é predominantemente vinculado e ora é predominantemente discricionário, dependendo de cada caso específico.

Esta divergência de opiniões resulta, conforme nos esclarece o autor Édis Milaré [07], da generalidade das normas ambientais, que não estabelecem, em regra, padrões específicos e determinados para esta ou aquela atividade, de sorte que, nestes casos, o vazio da norma legal é geralmente preenchido por exame técnico apropriado, conhecido por discricionariedade técnica, deferida à autoridade.

Considerando o princípio do desenvolvimento sustentável, reconhecemos que, independentemente do termo a ser utilizado, estão com a razão aqueles que sustentam que a natureza jurídica da licença ambiental tem ao mesmo tempo certa dose de vinculação e discricionariedade, predominando uma ou outra característica, em conformidade com o caso concreto, principalmente porque, muitas vezes, a avaliação de impactos ambientais que deve embasar a decisão do administrador público não é conclusiva.

Nesta linha, Érika Bechara, citada por Celso Antônio Pacheco Fiorillo [08], sustenta que:

A não-vinculatividade do Poder Público deve-se ao fato de que o EIA não oferece uma resposta objetiva e simples acerca dos prejuízos ambientais que uma determinada obra ou atividade possa causar. É um estudo amplo, que merece interpretação, em virtude de elencar os convenientes e inconvenientes do empreendimento, bem como ofertar as medidas cabíveis à mitigação dos impactos ambientais negativos e também medidas compensatórias. Não se trata de formalismo simplório, sem teor ou conteúdo interpretativo.

Quanto às características de precariedade / definitividade, observa-se que a licença ambiental está sujeita a prazos, não sendo, portanto, concedidas a título definitivo. Mas isto não quer dizer que ela seja precária, pois enquanto estiver dentro do prazo de validade ela possui estabilidade, só podendo ser modificada, suspensa ou cancelada quando houver violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais, omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença ou, ainda, em razão de superveniência de graves riscos ambientais e de saúde [09].

No que concerne à hipótese de revogação da licença ambiental por superveniência de interesse público relevante, os autores ambientalistas divergem se o particular tem ou não o direito a receber uma indenização por parte do Estado.

Os que sustentam ser sempre devida a indenização, argumentam que com a concessão da licença ambiental o particular adquire o direito subjetivo de desenvolver as atividades e que, sendo a licença cassada, o seu direito estaria sendo violado, devendo, por conseguinte, ter os seus prejuízos ressarcidos [10].

Por outro lado, os que defendem que a indenização não é devida, argumentam, com base nos princípios do poluidor-pagador, precaução e revisibilidade das licenças, que ninguém adquire o direto de desenvolver atividade lesiva ao meio ambiente, principalmente, porque sempre haverá responsabilidade pelos danos ambientais causados pela obra ou empreendimento, mesmo quando a licença tem validade [11].

No que diz respeito a presente discussão, entendemos não ser devida a indenização ao empreendedor, haja vista que a licença ambiental só foi concedida porque a obra ou o empreendimento se revelava compatível com a preservação do meio ambiente. Então, o direito que foi adquirido pelo particular foi o de exercer a sua atividade em consonância com a preservação ambiental e, no momento em que a obra ou o empreendimento se torna ecologicamente nocivo, esse direito não mais persiste, tendo o Poder Público o dever de revogar a licença, sem garantir qualquer tipo de indenização ao particular.

2.2.3. Aspectos procedimentais do licenciamento ambiental

O licenciamento ambiental é realizado em três etapas, quais sejam, a da expedição da Licença Prévia (LP), da Licença de Instalação (LI) e da Licença de Operação (LO).

A Licença Prévia é necessária na fase preliminar do planejamento da atividade ou do empreendimento e tem por escopo aprovar a sua localização e concepção, atestar a viabilidade ambiental e estabelecer os requisitos básicos e as condições que se fizerem necessárias para serem atendidas nas próximas fases de sua implementação [12].

A Licença de Instalação, por sua vez, destina-se a autorizar o início da instalação do empreendimento ou atividade, em conformidade com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante [13].

Por fim, temos a Licença de Operação, que é concedida ao final da construção, depois da verificação do cumprimento das normas constantes nas licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação [14].

Como dito, as licenças ambientais estão sujeitas a prazos de validade, que são estabelecidos pelo órgão ambiental competente para a expedição das mesmas, com base nos aspectos previstos no art. 18 da Resolução n.º 237/97 do CONAMA e que variam de acordo com cada tipo de licença.

2.3. Da Competência para a Expedição da Licença Ambiental

A competência para a expedição de licenças ambientais é regida pelo art. 10 da Lei n.º 6.938/81 e pelos artigos 4º, 5º, 6º e 7º da Resolução CONAMA n.º 237/97.

De acordo com o art. 10 da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente o licenciamento ambiental, em regra, é da competência do órgão ou entidade ambiental estadual integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, cabendo ao IBAMA a competência supletiva.

Atribui também ao IBAMA o licenciamento de atividades e obras com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional.

A Resolução CONAMA n.º 237/97, por sua vez, ao regulamentar a matéria, estabelece, em seu art. 4º, o que são empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional cujo licenciamento é da competência do IBAMA.

Os empreendimentos e atividades enumerados são: os localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em País limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União; localizados ou desenvolvidos em dois ou mais Estados; cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do País ou de um ou mais Estados; destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN; e, por fim, bases ou empreendimentos militares, quando couber, observada a legislação específica.

Esta resolução também dispõe que o IBAMA antes de realizar o licenciamento deverá considerar os pareceres técnicos dos órgãos ambientais estaduais e municipais em que se localizar a atividade ou o empreendimento e, se for o caso, os pareceres dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de licenciamento.

Esta entidade federal poderá delegar o licenciamento de atividade com significativo impacto ambiental de âmbito regional aos órgãos ou entidades dos Estados.

Em seu art. 5º, a resolução em comento estabelece para órgãos ou entidades ambientais dos Estados e do Distrito Federal a competência para os empreendimentos e atividades localizados ou desenvolvidos em mais de um Município; em Unidades de Conservação de domínio estadual ou do Distrito Federal; em florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente; para as atividades cujos impactos ambientais diretos atinjam mais de um Município e para os empreendimentos que forem delegados pelo IBAMA.

Antes de realizar o licenciamento, o órgão ou entidade ambiental estadual deverá analisar os pareceres técnicos dos órgãos ambientais municipais em que se localizar o empreendimento e os pareceres do IBAMA e dos órgãos ambientais dos Estados, Distrito Federal e Municípios que tenham interesse no licenciamento ambiental.

No que se refere aos órgãos ou entidades ambientais municipais, dispõe em seu artigo 6º, que são competentes para os empreendimentos de impactos ambientais locais e para os que forem delegados pelos Estados, ouvindo, quando couber, os órgãos e entidades competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal.


3. Da Responsabilidade Civil pelo Licenciamento Ambiental

3.1. Aspectos Gerais da Responsabilidade Civil Ambiental

A responsabilidade civil ambiental, em virtude das peculiaridades dos danos ambientais, é regida por regras e princípios próprios, que agora passaremos a abordar.

O Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado pertence à categoria dos direitos ou interesses difusos [15], tendo como titulares pessoas indeterminadas ou indetermináveis.

Disto decorre a primeira peculiaridade dos danos ambientais, qual seja, a pluralidade difusa de vítimas. O dano considerado na sua concepção tradicional, ao contrário, atinge apenas vítimas individualizadas ou individualizáveis.

Em segundo lugar, o dano ambiental caracteriza-se pela sua dificuldade ou, até mesmo, por sua impossibilidade de reparação natural (in specie), que é a modalidade de reparação que deve ser buscada primordialmente.

Por fim, destaca-se que o dano ambiental caracteriza-se por ser de difícil valoração econômica, haja vista que qualquer valor a ele atribuído, a título de indenização, será sempre considerado insuficiente.

Vale ressaltar, ainda, que quando se fala em danos ambientais, devemos considerá-lo em seu duplo aspecto, qual seja, o dos danos causados ao meio ambiente propriamente dito e o dos danos causados a terceiros. Isto é assim, pois um dano ocasionado ao meio ambiente, além de constituir uma lesão aos recursos ambientais, atingindo os interesses de toda a coletividade, pode repercutir, ainda que de forma reflexa, nos interesses patrimoniais ou extrapatrimoniais de pessoas individualmente consideradas.

Na construção dos dutos de gás natural geralmente são constatados desmatamentos e erosão do solo, além dos riscos de acidentes com prejuízos para a fauna, a flora e a vida humana.

3.1.1. Princípios basilares da responsabilidade civil ambiental

A responsabilidade civil ambiental é regida por alguns princípios básicos, quais sejam, o princípio da prevenção, o princípio do poluidor-pagador e o princípio da reparação integral.

Considerando as características do dano ambiental, acima estudadas, podemos afirmar que a prevenção constitui elemento de fundamental importância e o objetivo primordial do Direito Ambiental. Por esta razão, o princípio da prevenção aparece, também, como princípio básico da responsabilidade civil ambiental, ainda que a sua incidência ocorra antes mesmo que se dê a consumação do dano, com a propositura da ação inibitória.

O princípio da prevenção estabelece que devam ser adotadas medidas efetivas para evitar a concretização do dano ambiental, considerando, apenas, a existência de um simples risco de danos graves e irreversíveis ao meio ambiente.

Cabe frisar que, na atualidade, o princípio da prevenção encontra-se abarcado pelo princípio da precaução [16], que preconiza que a prevenção deve ocorrer não apenas quando o risco do dano ambiental é incontestável, mas, também, quando não há certeza científica absoluta acerca da sua existência.

Com a concretização do dano ao meio ambiente, o fundamento primordial da responsabilidade civil passa a ser o princípio do poluidor-pagador, estabelecendo que sobre o autor do dano ambiental deva recair o ônus decorrente dos custos sociais externos de sua atividade. Entendendo-se por custos sociais externos, não só os resultantes da repressão e da reparação dos danos ambientais, mas, principalmente, os que são oriundos das medidas de prevenção.

Importante observar que o princípio do poluidor-pagador, de forma alguma, implica na tolerância dos danos ambientais, simbolizada pela expressão "quem paga polui", mas representa uma forma de prevenir o dano, desestimulando a prática de atos que possam resultar na degradação do meio ambiente.

Por fim, temos o princípio da reparação integral que preconiza que o dano ao meio ambiente deve ser reparado integralmente, ou seja, de forma ilimitada.

No direito ambiental brasileiro, a adoção deste princípio tem respaldo legal no art. 225, § 3º da Constituição Federal e no art. 14, § 1º da Lei n.º 6.938/81, que tratam da obrigação de reparar o dano, sem estabelecem qualquer limite ao valor da indenização.

3.1.2. Da responsabilidade civil objetiva pelos danos causados ao meio ambiente.

A responsabilidade civil pode ser subjetiva, fundada na culpa, ou objetiva, com respaldo na teoria do risco, que preconiza que aquele que exerce uma atividade que expõe terceiros ao risco de sofrer algum dano tem o dever de repará-lo, independentemente da indagação acerca da sua culpabilidade.

A teoria objetiva é aplicada nos casos expressamente previstos em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano, implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem [17].

No tocante aos danos causados ao meio ambiente, o legislador brasileiro, considerando que a responsabilidade subjetiva, por suas limitações, não é adequada para ensejar a reparação destes danos, optou por consagrar a responsabilidade objetiva.

Neste sentido, estabelece o art. 14 § 1º da Lei n.º 6.938/81 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente:

Art. 14. § 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente. (destacamos).

O artigo em tela foi recepcionado pela Constituição Federal, que estabelece em seu art. 225, § 3º que:

As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão aos infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

A análise dos transcritos diplomas legais não evidencia se a modalidade da teoria do risco adotada como fundamento da responsabilização pelos danos causados ao meio ambiente é a do risco criado, segundo a qual deve ser objetivamente responsabilizado pelo dano causado, todo aquele que exerce uma atividade de risco, independentemente da prova da obtenção de proveitos, ou a do risco integral, que reza que haverá responsabilidade mesmo quando inexiste o nexo de causalidade, bastando apenas que o dano esteja concretizado.

Em defesa da teoria do risco criado, Toshio Mukai [18], comparando a responsabilidade objetiva ambiental à responsabilidade objetiva do Estado, que adota a teoria do risco administrativo (admitindo excludentes), argumenta que o legislador, ao dispor no art. 14 § 1º da Lei nº 6.938/81 que o poluidor deve responder pelos danos que causar ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade, exclui qualquer fato que não possa ser atribuído ao poluidor, como a ação de terceiros, da vítima, o caso fortuito e a força maior.

Em sentido contrário, entendendo que o poluidor deve assumir de forma integral os riscos inerentes à sua atividade, no que concerne à seara ambiental, estão os defensores da aplicação da teoria do risco integral, lecionando que o dever de arcar com os custos da reparação do dano surge pelo simples fato de existir a atividade de risco. Por esta teoria, albergada pela maioria dos doutrinadores brasileiros [19], só não haverá responsabilidade, se ficar comprovada a inexistência do dano ou que este não possui qualquer tipo de ligação com o risco da atividade.

Considerando que o meio ambiente é um bem jurídico de suma importância para toda a coletividade; as peculiaridades do dano ambiental, que o torna devastador, e, tendo em vista, ainda, que pela teoria do risco criado a defesa do meio ambiente não é exercida de forma satisfatória, dando margem para que existam situações em que danos fiquem sem a devida reparação, nos posicionamos em favor da doutrina que defende a aplicação da teoria do risco integral.

3.2. Das Peculiaridades da Responsabilidade Civil pela Expedição da Licença Ambiental para os Dutos de Gás Natural

A construção dos dutos de gás natural, como já ressaltado, é um empreendimento considerado potencialmente capaz de causar danos significativos ao meio ambiente, de sorte que, é essencialmente necessária para a sua execução, a expedição da licença ambiental baseada no estudo de impacto ambiental.

Convém observar, ainda, que a potencialidade de causar danos significativos ao meio ambiente persiste mesmo que o empreendimento seja realizado em cumprimento a todas as condições impostas pela licença ambiental.

Na ocorrência de danos ambientais decorrentes exclusivamente do cumprimento das regras estabelecidas pela licença ambiental é importante definirmos, com base nas regras e princípios aplicáveis à responsabilidade civil ambiental, quem pode ou não ser responsabilizado por tais danos: a empresa licenciada, as entidades ambientais responsáveis pela expedição das licenças ambientais ou as duas conjuntamente.

3.2.1. Da responsabilidade civil da empresa licenciada

Considerando que a responsabilidade civil ambiental, como já estudado, é pautada na teoria objetiva do risco integral, segundo a qual deve ser responsabilizado pelos danos ambientais todo aquele que exerce uma atividade de risco e tendo em vista, ainda, o princípio do poluidor-pagador que estabelece que o poluidor tem o dever arcar com os custos da prevenção, reparação e repressão da poluição, observa-se que a empresa licenciada será sempre responsável pelos danos que decorrerem da sua atividade, visto que é ela quem lucra economicamente com a atividade de construção dos dutos de gás natural e suporta os riscos ambientais dela advindos.

Cabe destacar que, do ponto de vista da responsabilidade civil do empreendedor, é completamente irrelevante analisar a licitude ou ilicitude da atividade, ou seja, é indiferente observar se o poluidor agiu ou não em desacordo com os padrões estabelecidos pela licença ambiental, posto que isto tem apenas o condão de afastar a culpabilidade do agente, o que é totalmente desnecessário em face da teoria objetiva da responsabilidade prevista no art. 14, § 1º, da Lei n.º 6.938/81, que requer apenas os pressupostos da conduta, o dano ao meio ambiente e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano ocasionado.

Neste contexto, Maria Izabel de Matos Rocha [20] salienta que:

A permissão de atividade, mediante certos requisitos, e o fato de a empresa estar agindo com a observância desses requisitos não exclui a responsabilidade, pois não se trata de analisar a violação de uma norma preestabelecida, mas de verificar se houve dano causado pelo risco dessa atividade.

Salienta-se, porém, que não obstante a verificação da licitude ou ilicitude da atividade seja desnecessária para configurar a responsabilidade civil da empresa licenciada, essa distinção se revela extremamente importante nos campos da responsabilidade penal e administrativa.

Pelos motivos acima já apontados, é também desnecessário, para estabelecer a responsabilidade civil do empreendedor, verificar se o estudo de impacto ambiental foi realizado, ou não, fora dos parâmetros estabelecidos pelo órgão ou entidade ambiental competente para o licenciamento ambiental ou se foram utilizadas, ou não, as técnicas mais avançadas.

Neste ultimo caso, a existência de um estudo de impacto ambiental irregular será apenas importante para configurar a responsabilidade civil, penal e administrativa da equipe multidisciplinar que realizou o estudo, mas não para afastar a responsabilidade civil ambiental do empreendedor.

Neste ínterim, encontra-se a seguinte afirmação de José Afonso da Silva [21]:

Não libera o responsável nem mesmo a prova de que atividade foi licenciada de acordo com o respectivo processo legal, já que as autorizações e licenças são outorgadas com a inerente ressalva de direitos de terceiros; nem que exerce a atividade poluidora dentro dos padrões fixados, pois isso não exonera o agente de verificar, por si mesmo, se sua atividade é ou não prejudicial, está ou não causando dano. (destaque do autor)

Por fim, é importante enfatizar que, na hipótese de existir mais de um empreendedor, haverá entre eles o vínculo da solidariedade passiva, de forma que todos os empreendedores ou cada um individualmente poderá ser responsabilizado pela integralidade do dano. Todavia, aos que responderem pela totalidade do dano fica assegurada a ação de regresso em face dos demais co-responsáveis.

Esta solidariedade encontra seu fundamento legal no art. 942, parte final, do Código Civil que preconiza que se o dano tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação e, principalmente, na Constituição Federal que dispõe, em seu art. 225, § 3º, que aqueles que praticarem condutas e atividades lesivas ao meio ambiente deverão reparar os danos causados.

Cumpre mencionar, ainda, que a solidariedade passiva na reparação dos danos ambientais também decorre do art. 3º, IV, da Lei de Política Nacional do meio Ambiente, que conceitua o poluidor como sendo a pessoa física ou jurídica, de direito público interno ou externo, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.

3.2.2. Da responsabilidade da equipe multidisciplinar

Como já abordamos, a equipe multidisciplinar é uma equipe composta por profissionais especializados em diversas áreas da ciência e que é contratada pelo empreendedor para realizar o estudo de impacto ambiental que irá embasar a expedição da licença ambiental para a construção dos dutos de gás natural.

Tendo em vista que a equipe multidisciplinar é a responsável pela elaboração do estudo de impacto ambiental, mas que não é ela que irá realizar o empreendimento de construção dos dutos de gás natural, não assumindo, portanto, os riscos dele advindos, entendemos que a sua responsabilidade civil pelos danos decorrentes do licenciamento ambiental é subjetiva, de sorte que ela apenas estará configurada quando se provar que o estudo de impacto ambiental foi elaborado de forma irregular, por estar fora dos parâmetros fixados pelo órgão ou entidade competente para o licenciamento ambiental ou por não terem sido observadas as técnicas mais avançadas para mitigar os impactos ambientais resultantes do empreendimento.

Anota-se, ainda, que como na ação de reparação dos danos ambientais não se perquire a culpabilidade do poluidor e que a responsabilidade civil da equipe multidisciplinar é fundada na teoria subjetiva, podemos concluir que é o empreendedor quem responderá inicialmente pelos danos ambientais decorrentes da expedição da licença ambiental, cabendo, no caso, a ação regressiva contra a equipe multidisciplinar que elaborou o estudo de impacto ambiental irregular.

Analisando esta questão, Paulo Affonso Leme Machado [22] nos ensina que: "Pelas omissões e erros do Estudo de Impacto e de seu Relatório responde civilmente, de forma direta, o empreendedor ou proponente do projeto, através do seu patrimônio".

Acrescenta-se, ainda, o entendimento de Helli Alves de Oliveira [23], que analisando a responsabilidade civil da equipe multidisciplinar escreve que:

Uma vez contratado um terceiro para efetuar os estudos, este terceiro não poderá ser responsável pelo conteúdo e resultados desses estudos, senão em relação ao próprio empreendedor que contratou e a quem este terceiro deverá reportar-se.

E mais adiante afirma que:

Portanto, a responsabilidade objetiva prevista na lei somente é admissível contra o proponente do projeto. Contudo, poderá este, numa ação regressiva, virar-se contra a equipe multidisciplinar contratada. Mas, para isso, terá que provar a culpa desta.

3.2.3. Da Responsabilidade civil do Estado

Analisada a responsabilidade civil da empresa licenciada e da equipe multidisciplinar pelos danos causados exclusivamente em razão da expedição das licenças ambientais, cumpre agora estudarmos a polêmica questão da responsabilidade civil do Estado por estes danos.

Considerando, porém, que a responsabilidade civil do Estado possui um tratamento diferenciado, em razão da sua natureza de direito público, estando, portanto, pautada em regras e princípios que lhe são peculiares, faremos breves considerações acerca da responsabilidade civil do Estado, antes de adentrarmos nesta temática.

3.2.3.1. Aspectos gerais da responsabilidade civil do Estado

A responsabilidade civil do Estado tem fundamento na Constituição Federal de 1988 que determina, em seu art. 37, § 6º, que:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Da interpretação deste dispositivo constitucional, infere-se que a teoria adotada para a responsabilidade dos entes estatais é a do risco administrativo, admitindo as excludentes de caso fortuito, força maior, fato de terceiro e culpa exclusiva da vítima.

Respondem, pois, com base na teoria do risco administrativo, as pessoas jurídicas de direito público, que são a União, Estados, Municípios, Distrito Federal, Territórios e autarquias, e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, que são as fundações governamentais de direito privado, empresas públicas, sociedades de economia mista, empresas permissionárias e concessionárias de serviços públicos.

A responsabilidade civil destes entes configura-se com a presença dos seguintes pressupostos: a ocorrência do dano, a conduta do agente público no exercício da função pública e o nexo de causalidade entre o dano e a conduta do agente público.

No que concerne às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos é necessário, ainda, verificar se o dano foi causado em razão da prestação do serviço público, pois se o dano foi causado em função da prestação de atividade de natureza privada a sua responsabilidade não é regida pelo art. 37, § 6º da Constituição Federal, mas sim pelas normas de direito privado.

Quanto à expressão agente público, é necessário enfatizar que ela deve ser interpretada em seu sentido mais amplo, abrangendo agentes políticos, agentes administrativos e, ainda, os particulares em colaboração com o Poder Público. O que é essencial é que os mesmos estejam agindo a serviço do Poder Público quando o dano tiver sido causado.

A este respeito Sergio Cavallieri Filho [24] preconiza que:

[...] o mínimo necessário para determinar a responsabilidade do Estado é que o cargo tenha influído como causa ocasional do ato, ou que a condição de funcionário tenha sido a oportunidade para a prática do ato ilícito. Sempre que a condição de agente do Estado tiver contribuído de algum modo para a prática do ato danoso, ainda que simplesmente lhe proporcionando a oportunidade para o comportamento ilícito, responde o Estado pela obrigação ressarcitória.

Por fim, é interessante enfatizar que a conduta do agente público que configura a responsabilidade do ente estatal engloba a conduta comissiva e a omissiva. Logo, a responsabilidade do Estado por atos omissivos também se encontra pautada na teoria objetiva do risco administrativo.

Há, porém, quem sustente [25] que a responsabilidade do Estado por atos omissivos seja subjetiva, com fundamento da teoria da culpa anônima do serviço e sob o argumento de que o Estado não pode ser responsabilizado por tudo o que acontece, ou seja, o grande segurador de todas as desgraças e infortúnios [26].

Observa-se, todavia, que mesmo com a adoção da tese da responsabilidade objetiva para os danos causados por omissão, o Estado não se transforma em um segurador universal, haja vista que a teoria do risco adotada é a do risco administrativo, que admite as excludentes de culpa exclusiva da vítima, de terceiro, caso fortuito e força maior e que funcionam, conforme ensina Carlos Edison do Rego Monteiro Filho [27], como ponto de equilíbrio que afasta o risco de se transformar o Estado em um garante de tudo e de todos.

3.2.3.2. Da responsabilidade do Estado pelo licenciamento ambiental

Concluído o estudo relativo aos aspectos gerais da responsabilidade civil estatal, passaremos, enfim, a abordar a sua responsabilidade civil pelos danos ambientais decorrentes do licenciamento ambiental.

Conforme vimos, ao Estado foi atribuído o dever constitucional de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações [28]. E consoante nos ensina Vera Lúcia Rocha Souza Jucovsky:

Em tempos presentes, sob o ângulo da preservação e da reparação dos recursos naturais, o Estado vem sendo entendido como verdadeiro Estado Ambiente, de sorte que não pode o mesmo subtrair-se à responsabilidade civil extracontratual administrativa pela degradação ambiental que prejudica pessoas e bens [...]. [29]

Vimos, ainda, que, nos termos no art. 37 § 6º da Constituição Federal, a responsabilidade civil do Estado está pautada na teoria do risco administrativo, em conformidade com a qual responsabilidade civil dos entes públicos configura-se com a ocorrência do dano, a conduta comissiva ou omissiva do agente público no exercício da atividade pública e o nexo de causalidade entre o dano e a atividade exercida pelo Poder Público.

Considerando, então, estas duas particularidades da responsabilidade civil do Estado pelos danos causados ao meio ambiente e ressaltando, ainda, que pela Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, art. 14 § 3º, IV, poluidor é toda pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental, podemos concluir que o ente público é responsável não apenas pelos danos que diretamente causar ao meio ambiente, mas também pelos danos ambientais causados por terceiros que decorrerem da falta de fiscalização ou, ainda, da expedição das licenças ambientais.

Nesta linha de raciocino, o jurista Édis Milaré ressalta que:

[...] Afastando-se da imposição legal de agir, ou agindo deficientemente, deve o Estado responder por sua incúria, negligência ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano não evitado que, por direito, deveria sê-lo. [...]

Ressalta-se que a responsabilidade civil do Estado, nestes casos, é solidária, de modo que o ente público poderá responder individualmente ou em conjunto com a empresa licenciada pelos danos ocorridos. A reparação do dano pela pessoa jurídica de direito púbico, porém, enseja a ação de regresso em face dos que diretamente tiverem causado o dano ao meio ambiente.

Cumpre anotar, ainda, que a responsabilidade solidária do ente público pelos danos que decorrerem da expedição das licenças ambientais fica configurada independentemente de se observar se as licenças foram concedidas de maneira regular ou irregular. Isto porque, conforme salientamos anteriormente, a responsabilidade do Estado é objetiva, de maneira que esta discussão se revela completamente irrelevante para fins de reparação do dano ambiental.

Todavia, a verificação da ocorrência de regularidade ou irregularidade na concessão das licenças ambientais é importante para configurar a parcela de responsabilidade do ente público e dos particulares na ação de regresso e também para apurar as responsabilidades penal e administrativa das pessoas físicas e jurídicas envolvidas no evento danoso.

Corroborando com o entendimento que acima externamos, convém citarmos os posicionamentos dos seguintes doutrinadores:

Paulo Affonso Leme Machado [30]:

Para compelir, contudo, o Poder Público, a ser prudente e cuidadoso no vigiar, orientar, e ordenar a saúde ambiental nos casos em que haja prejuízo para as pessoas, para a propriedade ou para os recursos naturais mesmo com a observância dos padrões oficiais, o Poder Público deve responder solidariamente com o particular.

Vera Lúcia Rocha Souza Jucovsky [31]:

O licenciamento de atividade pela Administração acarreta a sua solidariedade na indenização, de conformidade à teoria objetiva se houver dano ou sacrifício especial ao meio ambiente.

Toshio Mukai [32]:

[...] a responsabilidade solidária pode exsurgir no caso de licenças (ou autorizações) legais, pelo critério da teoria objetiva, desde que haja um dano especial (sacrifício especial) ao meio ambiente, afetando certas e determinadas pessoas da comunidade [...].


4. Conclusão

Diante do que abordamos no presente trabalho, chegamos à conclusão de que devem responder civilmente pelos danos ambientais decorrentes da expedição das licenças ambientais para os dutos de gás natural a empresa licenciada, posto que é ela quem exerce a atividade e que, pela teoria da responsabilidade objetiva, suporta todos os seus riscos, bem como o ente público responsável pelo licenciamento ambiental, visto que a sua responsabilidade também é objetiva e que ao Estado foi atribuído o dever constitucional de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

Concluímos, ainda, que esta responsabilidade é solidária, podendo um ou ambos responder por toda a dívida, cabendo ao que reparar integralmente o dano a ação de regresso contra os demais co-obrigados.

No tocante a responsabilidade civil da equipe multidisciplinar, observamos que ela é pautada na teoria subjetiva, de sorte que ela somente poderá ser acionada em ação de regresso quando, então, será analisada a parcela de culpabilidade de cada poluidor.


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Notas

01 Resolução n.º 001/86 do CONAMA, art. 8º; Decreto n.º 99.274/90, art. 17, § 2º e Resolução CONAMA 237/97, art. 11.

02 Decreto n.º 99.274/90, art. 17, § 2º e Resolução CONAMA n.º 237/97, art. 11.

03 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 73.

04 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 446

05 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p 219.

06 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. Cit. p 218.

07 Milaré, Édis. Op. Cit. p. 483.

08 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Op. Cit. p. 66.

09 Resolução CONAMA nº 237/97, art. 19.

10 Nesta linha, estão os seguintes autores: Daniel Roberto Fink, André Camargo Horta Macedo, Antônio Inagê de Assis e Édis Milaré.

11 Neste sentido está Marcelo Dawalibi.

12 Resolução 237/97 do CONAMA, art. 8º, I.

13 Resolução 237/97 do CONAMA, art. 8º, II.

14 Resolução 237/97 do CONAMA, art. 8º, III.

15 O conceito de direitos difusos é dado pelo Código de Defesa do Consumidor, que dispõe em seu art. 81, parágrafo único, I, que são: "os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato".

16 Princípio inserido no item 15 da Declaração de Princípios da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, ocorrida no Rio de Janeiro no ano de 1992, in verbis: "De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental".

17 Art. 927, parágrafo único, do Código Civil.

18 MUKAI, Toshio. Direito Ambiental Sistematizado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 64.

19 Dentre os quais destacamos Édis Milaré, Nelson Nery Júnior, Carlos Roberto Gonçalves, Paulo Affonso Leme Machado, Silvio de Salvo Venosa.

20 ROCHA, Maria Izabel de Matos. Reparação de Danos Ambientais. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, v.5, n.19, Jul./ Set, 1996. p. 145.

21 SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 314.

22 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003.

23 OLIVEIRA, Helli Alves. Da Responsabilidade do Estado por Danos Ambientais. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 45-46.

24 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

25 Nesta linha estão Celso Antônio Bandeira de Mello e Maria Sylvia Zanella Di Pietro.

26 MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rego. Problemas de Responsabilidade Civil do Estado. RTDC - Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora PADMA, v. 11, n. 3, p 35-65, jul. / set. 2002.. p. 46

27 MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rego. Op. Cit. p. 53

28 Constituição Federal, art. 225, caput.

29 JUCOVSK, Vera Lúcia Rocha Souza. Responsabilidade Civil do Estado por Danos Ambientais no Brasil e em Portugal. Revista de Direito Ambiental São Paulo: Revista dos Tribunais, v 3, n 12, p., Jul/ Set, 1996 nº 17. p. 26.

30 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. Cit. p. 276.

31 JUCOVSKY, Vera Lúcia Rocha Souza. Op. Cit. p. 60.

32 MUKAI, Toshio. Op. Cit. p. 76.


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGOSTINHO, Mágila Maria. Responsabilidade civil pelos danos ambientais decorrentes da expedição da licença ambiental para os dutos de gás natural. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 838, 19 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7439. Acesso em: 6 maio 2024.