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Impenhorabilidade do bem de família: suas exceções e o direito à moradia garantido constitucionalmente

Impenhorabilidade do bem de família: suas exceções e o direito à moradia garantido constitucionalmente

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O presente artigo trata dos aspectos específicos do bem de família e mais precisamente de sua impenhorabilidade face a importância deste instituto na proteção do lar, ambiente destinado a residência familiar.

RESUMO: O presente artigo trata dos aspectos específicos do bem de família e mais precisamente de sua impenhorabilidade face a importância do instituto na proteção do lar, ambiente destinado a residência da família. Traz decisões jurisprudenciais que retratam sobre o tema, bem como também as súmulas do Superior Tribunal de Justiça que tem uniformizado entendimento sobre a possibilidade de penhorabilidade do bem de família em situações especificas. Demonstrará por fim, a necessidade de se avaliar melhor o assunto, tendo em vista, o direito à moradia, que é garantido a todos pela Constituição Brasileira, e que deve ser observado em detrimento de qualquer outro mecanismo que tenha apenas interesses econômicos, por se tratar de um direito fundamental, indispensável para o desenvolvimento de todo ser humano.

PALAVRAS CHAVE: Bem de família; impenhorabilidade; jurisprudências; Penhorabilidade; exceções; direito à moradia; direito fundamental.

ABSTRACT: This article deals with specific aspects of family well and more precisely his face unseizability the importance of this institution in protecting the home environment for the family home. Brings court decisions that depict on the subject and also the summaries of the Superior Court of Justice, which has uniform understanding about the possibility of penhorabilidade of good family, in specific situations. Demonstrate the need to further assess the matter with a view, the right to housing, which is guaranteed to all by the Brazilian Constitution, and should be observed at the expense of any other mechanism that has only economic interests, it is a fundamental right essential to the development of every human being.

KEYWORDS: And Family; unseizability; jurisprudence; Penhorabilidade; exceptions; right to housing; fundamental right.

SUMÁRIO: 1. Breve histórico sobre o bem de família; 2. Conceito e importância do instituto; 3. Das exceções a proteção legal do bem de família; 4. O direito fundamental à moradia como garantia a impenhorabilidade do bem de família; Considerações finais; Referências

 

01 – BREVE HISTÓRICO SOBRE O BEM DE FAMÍLIA

A origem do bem de família remonta ao inicio do século XIX, quando, em consequência da grave crise econômica que assolou os Estados Unidos da América, o Estado do Texas promulgou uma lei no ano de 1839, que permitia, que a pequena propriedade, desde que destinada à residência do devedor, fosse isenta de penhora.

No Brasil, inicialmente o principio foi aplicado em beneficio do pequeno produtor rural, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 5º, XXVI, que assim dispõe:

A pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento. (CRFB, 1988)

A legislação ordinária também tratou de dar ênfase ao bem de família, quando incialmente, o Código Civil de 1916, reservou quatro de seus artigos para dispor sobre o tema.

Após várias crises econômicas e níveis elevados de inflação foi aprovada a Lei nº. 8.009/90. Dita Lei, na lição de Paulo Lôbo “passou ao largo do Código Civil, considerando todo imóvel ocupado por uma família protegido por impenhorabilidade, independentemente de ter sido previamente destinado como bem de família pelo proprietário” (Lobo, p. 358).

Diante disso, além do bem de família voluntário trazido pelo Código Civil, surgiu o bem de família legal, regulada pela Lei especial.

O código Civil de 2002, por sua vez, manteve a proteção ao bem de família voluntário, como se verifica do seu artigo 1711, assim redigido:

Art. 1.711. - Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.

É de se observar, a ressalva feita pelo artigo retro, sobre a manutenção das regras de impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecido em lei especial, qual seja o bem de família legal, coexistindo desse modo, na legislação Civil atualmente dois tipos de bem de família: o voluntário, que decorre da vontade dos cônjuges, companheiros e outros; e o obrigatório, que resulta de estipulação em lei, ambos incidindo sobre bens imóveis, e também móveis a estes vinculados.

Sobre o assunto se posiciona Paulo Lôbo:

Apesar da sensível melhoria da configuração legal do bem de família voluntário, no Código Civil de 2002, persistiram as exigências formais que inibem sua utilização, como ocorreu durante a vigência do Código anterior, tais como a necessidade de lavratura de escritura pública e de registro público com seus consequentes encargos. Além disso, trouxe exigência nova de utilização de apenas um terço do patrimônio líquido, que, como veremos, praticamente destinou o instituto para as pessoas mais ricas, permanecendo muito restrito o interesse prático pelo bem de família voluntário. Em contrapartida, o bem de família legal, de incidência automática, apesar de conteúdo mais restrito, democratizou o instituto aplicando-se à quase totalidade das situações dos imóveis utilizados para moradia. Destarte nesta exposição, priorizamos o modelo legal.(2014, p.360-361).

Como se observa, o bem de família no direito brasileiro vem passando por evoluções ao longo dos anos, de modo que atualmente, a lei 8.009-90 retrata o bem de família legal, que tem como objeto resguardar todo imóvel próprio, urbano ou rural, que esteja habitado pelo proprietário e sua família, ou somente por ele, é impenhorável, e “não responderá por qualquer tipo de dívida Civil, comercial, fiscal, previdenciário ou de outra natureza” (art. 1º, lei 8.0090/90).

Já o bem de família voluntário é garantia instituída pelo Código Civil de 2002, “tendo como objetivo parte do patrimônio de uma família, abrangendo não apenas o imóvel residencial e os modelos nele contidos, mas valores mobiliários que podem atingir valor equivalente ao do próprio bem imóvel” (Lobo, 2014, p. 367).

02 – Conceito e importância do instituto

Na opinião de Caio Mário da Silva Pereira a instituição do bem de família, “é uma forma de afetação de bens a um destino especial que é ser a residência da família, e, enquanto for, é impenhorável por dívidas posteriores à sua constituição, salvos as provenientes de impostos devidos pelo próprio prédio”. (2004, p. 557)

Segundo Paulo Lobo:

é o imóvel destinado a moradia da família do devedor, com os bens móveis que o guarnecem, que não pode ser objeto de penhora judicial para pagamento de divida. Tem por objetivo proteger os membros da família, que nele vivem da constrição decorrente da responsabilidade patrimonial, que todos os bens econômicos do devedor ficam submetidos, os quais, na execução, podem ser judicialmente alienados a terceiros ou adjudicados ao credor.(2014,p. 358)

Percebe-se desse modo, se tratar de um meio de proteção da residência familiar que esteja sob a titularidade de domínio de um dos membros da família, e que não pode ser subtraído deles em virtude de dívidas, por ser indispensável à manutenção da entidade familiar, justificando-se assim a sua impenhorabilidade.

Essa proteção conferida pela lei decorre da importância da família para o desenvolvimento e equilíbrio do ser humano, tendo em vista que é no seio familiar que o individuo aprende conceitos, como de amor; afeto; respeito ao próximo, solidariedade, entre outros, sem os quais não poderiam conviver harmonicamente em sociedade.

O lar de cada um faz parte de sua identidade; é o abrigo onde a família se reúne, protege-se das intempéries naturais e da vida, dividindo e compartilhando neste ambiente os seus mais diversos momentos, reunindo cada componente desse núcleo, de modo a intensificar os laços de amor e afeto que os une.

Por assim ser, na lição de Paulo Lobo (2014, p. 358), “realiza um dos direitos fundamentais necessários à vida e a concretização da dignidade da pessoa humana”, complementa ainda o autor:

No conflito entre a segurança jurídica decorrente da garantia ao crédito, fruto da evolução das sociedades, de natureza obrigacional, e o direito a moradia, de natureza existencial, o direito optou pelo segundo. (2014, p. 358)

O direito a moradia é garantia expendida pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 6º, in verbis:

São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade e a infância, a assistência aos desamparados, na forma desta constituição.

Porém, para Afonso da Silva (2001), “o fato de o direito a moradia constar de forma expressa como um direito fundamental traz em si um sentido mais amplo do que apenas a faculdade de ocupar um lugar como residência”, isso porque há normas e princípios como o da dignidade da pessoa humana por exemplo (CF, art.1º, III), que devem ser observados, de modo que a moradia ofereça condições de habitação, com higiene e conforto, para que a família possa viver dignamente nesse ambiente.

Para Dalmo de Abreu Dallari (p. 2005, p. 36) a procura incessante de um lugar para morar é consequência de uma necessidade, não de um capricho, e por isso se deve assegurar a todos os seres humanos o direito à moradia. É preciso que a moradia seja assegurada à pessoa em caráter permanente. Não está sendo garantido o direito à moradia quando, por decisão arbitrária de alguém, o morador pode ser posto fora a qualquer tempo.

Conclui-se desse modo que a moradia é uma necessidade básica do ser humano, sendo base, para que o mesmo desenvolva a sua individualidade, construindo assim sua personalidade.

3 – Das exceções a proteção legal do bem de família

Muito embora o direito a moradia seja uma garantia constitucional assegurado a todos os cidadãos como estudamos no tópico anterior, a questão da impenhorabilidade do bem de família esbarra nas exceções previstas no artigo 3º da lei 8.009/90, abaixo descrito:

Art. 3º. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;

II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

III – pelo credor de pensão alimentícia;

IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

V – para execução de hipoteca sobre imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens;

VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação

Para Carlos Roberto Gonçalves (2013, p. 596) “o elenco das exceções a regra geral da impenhorabilidade do bem de família obrigatório é taxativo, constituindo numerus clausus. Nenhum outro pode ser nele incluído, mediante interpretação extensiva”.

O autor ainda explica que embora a lei supracitada tenha sido omissa, a jurisprudência tem admitido a penhora do bem de família por não pagamento de despesas condominiais, para que não se torne inviável a administração do condomínio, que necessita dessa arrecadação para sua manutenção. 

É nesse sentido que dispõe o artigo 1.715 do Código Civil Brasileiro, determinando que o bem de família é isento de execução por dividas posteriores a sua instituição, salvo os que provierem de tributos relativos ao prédio ou das despesas condominiais.

O Supremo Tribunal de Federal, já se manifestou sobre tema, por meio do Recurso Extraordinário 439.003-SP, de relatoria do ministro Eros Graus. Senão vejamos:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA. DECORRÊNCIA DE DESPESAS CONDOMINIAIS.

A relação condominial é, tipicamente, relação de comunhão de escopo. O pagamento da contribuição condominial [obrigação propter rem] é essencial à conservação da propriedade, vale dizer, à garantia da subsistência individual e familiar --- a dignidade da pessoa humana. 2. Não há razão para, no caso, cogitar-se de impenhorabilidade. 3. Recurso extraordinário a que se nega provimento.”

Outra possibilidade que comporta a penhora do bem de família, é a fiança em contratos locação, onde o fiador pode perder o único bem residencial que possui caso o locatário não cumpra com a obrigação contratual. Nessa linha de raciocínio o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 549 determinando “ser válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação”.

Do mesmo modo, outras decisões dos tribunais brasileiros:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LOCAÇÃO DE IMÓVEL. FIADOR. BEM DE FAMILIA. PENHORA. POSSIBILIDADE. ART. 3º, VII, DA LEI N. 8.009 /1990. PRECEDENTES. STJ E STF. 1. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, em virtude da obrigação decorrente de contrato de locação, é possível a penhora do bem destinado à moradia do fiador, conforme prevê o inciso VII do art. 3º da Lei n. 8.009 /90, acrescentado pela Lei n. 8.245 /1991. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 407.688, entendeu que a penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República. 3. Agravo Regimental improvido. (AgRg no RMS 24658 RJ 2007/0172387-7, min. Nefi Cordeiro, julgamento: 03/06/2014, publicação: 20/06/2014).

Ementa: PENHORA – BEM DE FAMÍLIA – FIADOR EM CONTRATO DE LOCAÇÃO – CONSTITUCIONALIDADE. O Tribunal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 407.688-8/SP, declarou a constitucionalidade do inciso VII do artigo 3º da Lei nº 8.009 /90, que excepcionou da regra de impenhorabilidade do bem de família o imóvel de propriedade de fiador em contrato de locação. (RE 495105 SP, Min. Marco Aurélio, julgamento:05/11/2013, publicação: 28/11/2013).

Ultrapassadas essas questões estipuladas pela lei e que permitem a penhorabilidade do bem de família em situações especificas, nos convém questionar, como é possível que esse direito fundamental à moradia assegurado pela Carta Maior possa permitir a penhorabilidade do bem de família, nos casos previstos no art. 3º da lei 8.009/90?

Podemos afirmar que a lei em referência não foi recepcionada pela EC 26/2000, por ferir frontalmente o direito constitucional à moradia do devedor?

É possível concluir de antemão, que não existe um consenso doutrinário e jurisprudencial sobre o assunto em questão, porém é certo que são inúmeros os entendimentos que priorizam a impenhorabilidade do bem de família frente à citada emenda constitucional, o que se justifica, em virtude da necessidade indispensável de moradia de todo ser humano. Não se pode admitir que a satisfação da dívida de um credor, se dê em detrimento do declínio moral de uma família, levando-a ao fracasso e deixando à margem da sociedade, sem uma residência, ambiente adequado para que possam criar seus filhos e viver de maneira digna e saudável.

Diante disso, demonstraremos a seguir a importância de se garantir a efetivação e proteção desse instituto, com fundamento no direito fundamental a moradia e no principio da dignidade da pessoa humana.

4 – O direito fundamental a moradia como garantia da impenhorabilidade do bem de família

O direito a moradia foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, por advento da emenda constitucional 26/2000, incluindo-se no rol de direitos sociais e fundamentais.

Os direitos fundamentais são na lição do professor George Marmelstein:

Normas jurídicas, intimamente ligadas à ideia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder, positivadas no plano constitucional de determinado estado democrático de direito, que por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o ordenamento jurídico. (2011, p. 20)

Possuem portanto aplicação imediata, por força do artigo 5º, paragrafo 1º da Constituição de 1988; são cláusulas pétreas o que impossibilita sua extinção até mesmo por meio de emenda constitucional e possuem hierarquia constitucional, ou seja, se uma determinada lei dificultar ou impedir, de maneira desproporcional a efetivação de um direito fundamental, poderá ter sua aplicação afastada por inconstitucionalidade.

Dessa maneira, como direito fundamental que é, a moradia carece da proteção Estatal, de modo a ficar resguardada de todo e qualquer ato que possa ameaçar a sua subsistência, uma vez que, como relata Paulo Lobo (2013, p. 358) “é direito mais amplo que o de propriedade ou domínio do bem, oponível ao Estado, à sociedade e às pessoas. O direito ao crédito, não lhe pode sobrepujar. Este é o fundamento constitucional geral da imunização da moradia à penhora”.

Conforme entendimento de Vicente de Paulo Barreto (2003) “a moradia oferece aos seres humanos a referência, a base para os desafios inerentes ao viver”. Por esse motivo, não pode ser prudente a decisão que exime um cidadão desse direito, o lançando na rua, para que sozinho ou juntamente com a família experimente as necessidades de viver à margem da sociedade e sem qualquer amparo, levando em consideração o fato de que a maioria dos brasileiros possuem apenas um imóvel residencial.

Mais especificamente, no que tange a fiança em contratos de locação, podemos encontrar também decisões contrarias a penhora do bem de família por entender que o artigo 3º, VII, não foi recepcionado pelo artigo 6º da Constituição Federal, como se denota abaixo:

 

PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - COISA JULGADA - TERCEIRO - INEXISTÊNCIA - ART. 472 CPC - FIANÇA - OUTORGA UXÓRIA - AUSÊNCIA - INEFICÁCIA TOTAL DO ATO - FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 3º, VII, DA LEI Nº 8.009/90. NÃO RECEPÇÃO. I - A coisa julgada incidente sobre o processo de conhecimento e consequente embargos opostos por um cônjuge não pode atingir o outro, quando este não tiver sido parte naqueles processos. (art. 472, do Código de Processo Civil). II - A ausência de consentimento da esposa em fiança prestada pelo marido invalida o ato por inteiro. Nula a garantia, portanto. Certo, ainda, que não se pode limitar o efeito dessa nulidade apenas à meação da mulher. III - Com respaldo em recente julgado proferido pelo Pretório Excelso, é impenhorável bem de família pertencente a fiador em contrato de locação, porquanto o art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90 não foi recepcionado pelo art. 6º da Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional nº 26/2000). Recurso provido" (REsp 631262, Relator Ministro FELIX FISCHER, julgamento 02/08/2005, DJ 26.09.2005, p. 439).

 Para Carlos Roberto Gonçalves, “tal exceção contém uma certa incongruência, pois tendo o inquilino como impenhoráveis os bens que guarnecem sua residência, poderia seu fiador sofrer a execução de seu bem de família, sua residência (2013, p. 601). E como leciona Paulo Lobo (2013, p. 364), “existem outras garantias locatícias, previstas em lei ao lado da fiança”.

É certo que não se pode admitir que um devedor venha se eximir de cumprir com suas obrigações ou se utilize da impenhorabilidade de um bem para enganar a terceiros. Porém impossível concordar com o fato de que o único imóvel que uma família possui possa ser dado como pagamento, e em detrimento disso, o núcleo familiar sofra as consequências irreparáveis da ausência de um teto, ambiente em que se promove o amor, a compreensão e o respeito necessários a todo o ser humano e que resguarda a intimidade de cada um. Indispensável deste modo o estrito cumprimento do direito à moradia e do principio da dignidade da pessoa humana no caso em estudo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muito embora o bem de família tenha recebido proteção jurídica na legislação brasileira tal não é absoluta, uma vez que comporta exceções, permitindo a lei, em determinados casos, que o devedor perca o único bem que possui para pagamento de suas dividas ao credor. Nesse aspecto, o direito a moradia passa a ser inobservado em detrimento do direito ao crédito, ou seja, de interesses econômicos. Tal prática é inadmissível, por violar direito fundamental, desrespeitando ainda sobremaneira a dignidade da pessoa humana.

Não objetiva o presente trabalho dar margem para a inadimplência, sendo certo que todo devedor deve responder por suas dividas, no entanto não se pode admitir que o único bem que o mesmo possui seja entregue como pagamento, deixando desprotegida e desabrigada a sua família. É nesse sentido, que se conclui ser extremamente necessária a atuação do Estado de forma a coibir que uma pessoa disponha de todo o seu patrimônio, uma vez que a família é considerada a base da sociedade, merecendo, portanto a sua proteção.

REFERÊNCIAS

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BRASIL, Código Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

BRASIL, Constituição da Republica Federativa. Brasília: Senado, 1988.

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BRASIL. Lei 8.009 de 29 de Março de 1990. Conversão da medida provisória nº. 143 de 1990. Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8009.htm. Acesso em: 06/12/2015.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Ed. Moderna, 2005.

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LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

MAEMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2011.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Atualizadores: Maria Celina Bodin de Moraes (v.1) e Tania da Silva Pereira (v.5). Rio de Janeiro: Forense, 2004.

ROSSETO, Jefferson Matos e MARCHERI, Pedro Lima. O direito fundamental à moradia e a constitucionalidade da impenhorabilidade do bem de família do fiador. Acesso em: 06/12/2015

SILVA. José Afonso da. Curso de Direto Constitucional Positivo. 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2001.


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