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A lógica formal na petição inicial

A lógica formal na petição inicial

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Uma petição simples obteve decisão judicial favorável, destacando a importância da lógica na argumentação jurídica na petição inicial.

Algumas semanas atrás, um colega de tênis me falou que a sua mãe idosa estava com grave problema cardíaco, e precisava de uma intervenção cirúrgica. O problema é que o plano de saúde dela se recusava a pagar as despesas hospitalares muito caras.

Em outra oportunidade de jogo, toquei no assunto. Para alegria dele e da sua família, tudo fora resolvido, e a sua genitora estava passando bem.

Diante da rapidez da solução judicial, eu lhe perguntei se havia contratado os serviços de algum profissional experiente e competente. Ele me falou que a sua filha tinha uma amiga advogada, que resolveu a questão com bastante facilidade.

Ao ler a petição da colega, fiquei encantado com a simplicidade de sua argumentação. Ela não citou expressões latinas, não usou nenhuma palavra jurídica complicada, não indicou a doutrina dominante nem apresentou jurisprudência dos tribunais superiores.

Ela apenas descreveu a situação da doente, explicou que o plano não queria pagar as despesas e requereu uma decisão do juiz. Simples assim.

Ao pensar no assunto, fico pensando o quão útil seria utilizar as regras da lógica nas nossas petições. Mas que lógica, a logística, que elabora os algoritmos abstratos, dos quais Boole foi o iniciador? A logística, que faz corresponder símbolos às realidades, espécie aos termos e às proposições?

Não. Quando falo em lógica, me refiro à lógica do conceito e da atribuição, que guarda o seu lugar, o qual permanece fundamental. Trata-se da lógica de Aristóteles, que ensina a raciocinar corretamente para chegarmos ao conhecimento da verdade e não do falso raciocínio, em que a lógica é ofendida.

Exemplo dessa falsidade ou sofisma é afirmar que tal juiz é venal. Tal outro também o é. Logo todos os juízes são venais.

Nas nossas petições não devemos nos ater simplesmente à lógica natural ou espontânea, ou a um certo bom senso, que nos leva a usar adequadamente as nossas faculdades intelectuais, pois diante de um problema de grande relevo esse bom senso é insuficiente. Vale aqui valorizar a importância da reflexão da razão sobre si mesma, para que descubra e formule as normas do pensar correto.


A simples apreensão

Ao ler o início da petição em tela, percebemos que a colega concebeu a ideia, a noção ou o conceito, sem afirmar ou negar nada. Apenas verificou que a cliente estava doente. Apreendeu a índole ou natureza da coisa, formando noções, ideias ou conceitos. Iniciou com um conceito, ou seja, com a expressão mental da natureza de algum objeto. É assim que pela apreensão simples, o espírito apreende a “quididade” abstrata das coisas.


O juízo

No meio da petição, a colega afirma alguma coisa a respeito daquela situação. Por exemplo, quando pensamos: “A cliente está doente”, temos em mente dois conceitos: o de cliente e o de doença, e verificamos que um mesmo sujeito realiza essas duas coisas; daí exprimirmos essa identidade dizendo: “A cliente está doente”.

O juízo comporta necessariamente três elementos: um sujeito, a respeito do qual se afirma ou nega algo; um predicado ou atributo, ou seja, aquilo que se afirma ou nega do sujeito; uma afirmação ou negação.

Dizemos que o sujeito e o predicado constituem a matéria do juízo, ao passo que a afirmação ou a negação é a forma do juízo (= aquilo que especifica o juízo). Pelo juízo, ele afirma o ser concreto.


O raciocínio

O raciocínio é o ato pelo qual o intelecto passa de verdades previamente conhecidas ao conhecimento de uma nova verdade, ou, ainda, é a passagem de uma verdade para outra.

O raciocínio, sendo uma passagem, supõe um ponto de partida – o antecedente e um ponto de chegada – o consequente.

O antecedente são as proposições das quais é tirada a verdade nova. Essas proposições são também chamadas premissas.

O consequente ou a conclusão é a verdade nova, à qual chega o raciocínio.

Consequência é o encadeamento lógico das verdades previamente conhecidas das quais se tira a conclusão.

Exemplo de argumento: Todo homem é mortal. Ora, Pedro é homem (Consequência ou premissa). Por conseguinte, Pedro é mortal. (Consequente ou conclusão).

Na petição já temos a declaração de que a senhora idosa estava doente. Temos também a afirmação de que o plano de saúde não queria pagar as despesas. A consequência final é a requisição, para o juiz mandar o plano dar cobertura àquela situação.


Reflexão final

Ao analisar os capítulos 319 a 331 do Código de Processo Civil, nem sempre o advogado percebe que a petição inicial será indeferida, quando for inepta ou quando da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão.

Mesmo talvez sem conhecer conscientemente as regras da lógica formal, essa advogada conseguiu o seu intento, isto é, obter a decisão judicial favorável para forçar o plano de saúde a cobrir as despesas hospitalares, ao elaborar uma petição simples com começo (antecedente), meio (premissa) e fim (decisão).

Uma leitura de bons autores da lógica formal poderá fazer com que o causídico seja bem-sucedido na sua empreitada de levar o seu pleito à apreciação do Poder Judiciário.


Nota do Autor

Foram utilizadas aqui algumas ideias de Régis Jolivet, Tratado de Filosofia, 1ª edição, Agir, 1969, Jacques Maritain, Elementos de Filosofia 2, Agir, 13ª edição, 2001, Heniri-Dominique Gardeil, Introdução à Filosofia de são Tomás de Aquino Paulus, 2013.


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